UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ TAUANE BEVILACQUA MENDONÇA OS RETRATÁVEIS DO SAMBA E DE PÉRSIO DE MORAES: ANÁLISE DE ELEMENTOS LIGADOS AO SAMBA A PARTIR DAS CRÔNICAS DA REVISTA DA MÚSICA POPULAR (1954-56) CURITIBA 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ TAUANE BEVILACQUA MENDONÇA OS RETRATÁVEIS DO SAMBA E DE PÉRSIO DE MORAES: ANÁLISE DE ELEMENTOS LIGADOS AO SAMBA A PARTIR DAS CRÔNICAS DA REVISTA DA MÚSICA POPULAR (1954-56) Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial para conclusão do Curso de História - Licenciatura e Bacharelado, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná. Orientador: José Roberto Braga Portella Co-orientadora: Ana Paula Peters Portella CURITIBA 2011 AGRADECIMENTOS "Foi bem cedo na vida que eu procurei Encontrar novos rumos num mundo melhor Com você fique certo que jamais falhei Pois ganhei muita força tornando maior A amizade... Nem mesmo a força do tempo irá destruir Somos verdade... Nem mesmo este samba de amor pode nos resumir [...] Quero chorar o seu choro Quero sorrir seu sorriso Valeu por você existir amigo" (Fundo de Quintal) Com "A Amizade " eu agradeço à todos os meus amigos, que, como é o caso de alguns, desde o meu nascimento fizeram com que eu encontrasse "novos rumos num mundo melhor". À todos eles o meu agradecimento profundo. À dois deles dedico este trabalho: obrigada mãe e pai. "[...] hoje eu sonhei, mas não vou pedir desculpas E nem vou levar a culpa de ser povo e ser artista Sai dessa, moço, por favor não crie clima Seu buraco é mais embaixo Nosso astral é mais em cima" (Mart'nália) Com "Sai Dessa" eu agradeço à professora Ana Paula Peters que com toda a sua alma de artista e seu amor pela música brasileira me deu todo apoio necessário para a realização deste trabalho. Que nosso astral continue sempre "lá em cima" e que nossas afinidades fortaleçam cada vez mais essa nova amizade. "[...] fazem samba sincopado bossa nova bem cadenciado Samba de rico caloroso bem gostoso e bem ritimado Fazem samba de roda e partido alto, batido na palma da mão Samba-choro choro indelicado Samba de breque e samba canção [...] o samba é o segundo hino da nossa nação" (Maria Eugênia) RESUMO Há elementos intimamente ligados ao imaginário do samba que seguiram lado a lado o estilo musical em suas diversas fases. Tais noções são resgatadas por Pérsio de Moraes, nas crônicas que escreveu durante dois anos (de setembro de 1954 a setembro de 1956) para a Revista da Música Popular, periódico que nasce com o intuito de impedir o "fim" da autêntica música popular brasileira: o samba. Os criadores e colaboradores da revista preocupavam-se com a intensa influência estrangeira da música no Brasil, o que consideravam verdadeiramente nocivo para nossa cultura. Era necessário, portanto, criar um meio para combater a situação e ao mesmo tempo resgatar - para nunca mais ser esquecido - os grandes nomes da "época de ouro" da nossa música. Período que, para os autores da revista, se constitui no único onde houve produção de música puramente brasileira. Com enfoque nos elementos ligados ao samba visamos compreender como o autor das crônicas analisadas enxerga o cenário musical e seus personagens na década de 1950 comparativamente a 1920 e 1930, período de surgimento do samba enquanto música urbana popular e posterior transição entre as fases pelas quais o samba passou até sua definição como "samba de verdade". Palavras-chave: música popular brasileira, crônicas, Revista da Música Popular SUMÁRIO INTRODUÇÃO_________________________________________________________________7 PARTE 1: MÚSICA POPULAR URBANA NO BRASIL CAPÍTULO 1 - Surgimento______________________________________________________10 CAPÍTULO 2 - Samba__________________________________________________________15 CAPÍTULO 3 - Desde que o samba é samba é assim__________________________________27 PARTE 2: OS RETRATÁVEIS DO SAMBA E DE PÉRSIO DE MORAES CAPÍTULO 4 - Revista da Música Popular_________________________________________32 CAPÍTULO 5 - Crônica, um gênero textual_________________________________________40 CAPÍTULO 6 - Um tipo da música popular_________________________________________45 CONSIDERAÇÕES FINAIS_____________________________________________________73 FONTES______________________________________________________________________76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_____________________________________________77 INTRODUÇÃO Há elementos intimamente ligados ao imaginário do samba que seguiram lado a lado o estilo musical em suas diversas fases. Tais noções são resgatadas por Pérsio de Moraes nas crônicas que escreveu durante dois anos (entre setembro de 1954 a setembro de 1956) para a Revista da Música Popular, periódico que nasce com o intuito de impedir o "fim" da autêntica música popular brasileira: o samba. Os criadores e colaboradores da revista preocupavam-se com a intensa influência estrangeira da música no Brasil, o que consideravam verdadeiramente nocivo para nossa cultura. Era necessário, portanto, criar um meio para combater a situação e ao mesmo tempo resgatar - para nunca mais ser esquecido - os grandes nomes da "época de ouro" da nossa música, período que, para os autores da revista, se constitui no único onde houve produção de música puramente brasileira. Com enfoque nos elementos ligados ao samba pretendemos compreender como o autor das crônicas analisadas enxerga o cenário musical e seus personagens na década de 1950, comparativamente a 1920 e 1930, período de surgimento do samba enquanto música urbana popular e posterior transição entre as fases pelas quais o ritmo passou até chegar na sua definição como "samba de verdade". A Revista da Música Popular teve 14 edições lançadas durante seus dois anos de existência. As crônicas de Pérsio de Moraes, na seção intitulada Um tipo da música popular, estão presentes em 13 números, não aparecendo apenas na oitava edição que foi um lançamento especial, com modificações na estrutura da revista, homenageando Carmen Miranda. Para este trabalho escolhemos seis crônicas como objeto de análise presentes na 1ª, 4ª, 5ª, 7ª, 12ª e 13ª edições. Os critérios para a escolha de nosso objeto se basearam nos conteúdos das crônicas. As escolhidas versam sobre o mundo do samba e dos sambistas, diferentemente daquelas não selecionadas que por vezes eram apenas divagações do autor sobre alguma questão pouco relevante para este trabalho. A primeira parte desta monografia é destinada à música popular urbana no Brasil. Ela divide-se em três capítulos, o primeiro intitulado surgimento, o segundo samba e o terceiro desde que o samba é samba é assim. Iniciamos o entendimento do surgimento desse gênero musical em nosso país a partir dos diferentes ritmos e gêneros musicais que existiam e se aclimataram à nossa terra. Estes diversos ritmos de dança e de música, que vieram influenciar o samba durante a primeira metade do século XX, são lembrados e contextualizados. Com inúmeras variantes para o samba e com a sua transição para a fase dos sambas do Estácio surge a necessidade, por parte de sambistas e alguns intelectuais, em pensar a definição de qual seria o "samba de verdade". Baseando-nos na historiografia sobre o assunto buscamos confrontar autores com diferentes opiniões sobre o tema para podermos analisar o que os levou a classificar um samba como verdadeiro, autêntico ou não. A segunda parte da monografia é voltada para a apresentação e análise da fonte. Sua estrutura é realizada de modo igual à primeira, dividindo-se em três capítulos. O primeiro intitulado Revista da Música Popular, o segundo crônica: um gênero textual e o terceiro os retratáveis dos sambas e de Pérsio de Moraes. Começamos esboçando um panorama do contexto político e cultural no qual o Brasil estava passando no período de existência da revista. Fazemos uma breve retomada do governo de Getúlio Vargas passando gradativamente para os próximos presidentes que governaram o país na época até chegarmos a Juscelino Kubitschek que comandaria o Brasil no último ano de edição do periódico. Retomamos, na seqüência, mostrando os objetivos que motivaram os criadores da revista a lançá-la no mercado jornalístico. A publicação contou com grandes nomes da música e da intelectualidade brasileira. Em linhas gerais seu objetivo era mudar a visão inferiorizada de que a música produzida em território nacional teria menor qualidade do que a estrangeira - pensamento que várias pessoas mantêm, em relação, não somente à música, até os dias de hoje - e buscar uma base para redefinir a raiz da autêntica música brasileira, que teria sua versão mais pura com os sambas da década de 1930. O quinto capítulo é destinado à crônica como gênero textual. Temos certo ser relevante a abordagem desse item, pois nossas fontes seguem esse estilo textual, parecendo-nos com isso, necessário o entendimento de um breve contexto do surgimento do gênero no país, bem como suas possíveis classificações - pesquisadas tanto por literatos quanto por jornalistas, considerando que tal gênero é híbrido e transita tranquilamente entre as duas áreas. Nessa parte do trabalho buscaremos provar ao leitor como a crônica representa o gênero textual mais ético do qual temos conhecimento. Por fim realizamos a análise de nosso objeto de pesquisa: as seis crônicas selecionadas da Revista da Música Popular. Como já mencionado anteriormente os critérios para a escolha de determinadas crônicas em detrimento de outras levou em conta seus conteúdos. De início explicamos sucintamente a estrutura da revista apresentando um panorama de suas seções - mais propriamente as que são fixas - para que o leitor que não teve acesso à fonte possa se situar a partir de nosso relato. Quando iniciamos a descrição acerca da seção das crônicas de Pérsio de Moraes nos atemos mais a detalhes que possivelmente farão diferença na posterior análise. Tendo como ponto principal de abordagem os elementos relacionados ao samba, as crônicas analisadas versam sobre: o malandro e a "instituição malandragem" como no caso dos textos contidos na 1ª e na 5ª edição da revista; a mudança de espaço físico dos sambas da primeira geração para os do "pessoal do Estácio" tratando também das reformas urbanas e sanitárias às quais o Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX atravessou, a exemplo das crônicas inseridas na 4ª e na 12ª publicação; o crescimento da indústria fonográfica e sua interferência no modo de fazer música brasileira, bem como os mecanismos de compra, de venda e de parcerias nos sambas entre compositores, cantores e gravadoras presentes no 7ª número da revista; a nostalgia vivida pelos colaboradores da Revista da Música Popular em relação a "época de ouro" da música brasileira, tendo como marco de referência a década de 1930, contida na 13ª crônica. As demais crônicas são por vezes utilizadas brevemente para pincelar um ou outro assunto, porém, não são analisadas com profundidade por não serem objetos da presente pesquisa. PARTE 1: MÚSICA POPULAR URBANA NO BRASIL CAPÍTULO 1 - Surgimento Para falarmos sobre samba é importante situá-lo num contexto político, social e cultural na história da música popular urbana no Brasil. De acordo com André Diniz "a primeira menção ao termo samba conhecida foi feita em 3 de fevereiro de 1838, no jornal satírico pernambucano O Carapuceiro"1 quando o Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama redigiu um texto contra o que, na época, ficou intitulado samba d’almocreve.2 Porém, antes disso já temos vestígios de vários outros estilos de músicas e danças que influenciariam, posteriormente o nosso samba. A música popular urbana brasileira surgiu no início do século XIX, na Bahia e no Rio de Janeiro (nossos principais centros na época do Brasil colonial) e ela nasceu, segundo Diniz, "da confluência cultural de três etnias: o índio, o branco e o negro, dos quais herdamos todo o instrumental, o sistema harmônico, os cantos e as danças." 3 O lundu foi o primeiro gênero musical gravado no Brasil e tem como grande referência o ator, músico e compositor bahiano Xisto Bahia. O lundu tem origem africana, na região do Congo e da Angola, e foi trazido ao Brasil através dos escravos bantos no fim do século XVIII. José Maria Campos Manzo afirma que a "primeira referência escrita sobre esta dança data de 1780 - uma carta escrita por um antigo governador de Pernambuco ao Governo português, sobre danças de negros brasileiros denunciadas ao Tribunal de Inquisição. Nela o lundu é descrito como dança de caráter licencioso e indecente" 4, porém ao chegar ao Brasil, o ritmo sai das senzalas, se mistura com a elite colonial brasileira, se converte em lundu-canção no século XIX, e passa a ter aceitação das distintas camadas sociais sendo tocado, inclusive, nos bailes de salão do Império. Sobre a ascensão do ritmo ela ocorreu através da comicidade de acordo com o relato de Manzo: [...] cantando sensualmente os amores condenados pela sociedade, o lundu se fixou definitivamente na exaltação da negra e do mulato. Eram muitas vezes cômicos e sempre risonhos. Foi esta comicidade e sorriso o disfarce psicossocial que lhe permitiu a difusão nas classes dominantes. E por isso mesmo - por tratar de temas nem sempre aceitos pela sociedade - é que a maioria dos lundus não trazia o nome do autor que preferia se esconder no anonimato para não ser identificado e talvez perseguido pelas autoridades”. 5 DINIZ, André. Almanaque do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.13. História do Samba - Um breve resumo. Disponível em: http://www.sambacarioca.com.br/historia-do-samba.html. 16/05/2011. 3 DINIZ, André. Op. Cit., p.18. 4 MANZO, José Maria Campos. Breve história da Música Brasileira. Disponível em: http://www.collectors.com.br/CS06/cs06_05.shtml. 16/05/2011. 5 Idem. 1 2 De acordo com Carlos Sandroni não é possível falar do lundu sem mencionar também a modinha, ritmo contemporâneo a este e que por vezes era confundido com ele. Antes de se popularizar e ser intitulada modinha a palavra (moda) se referia, em Portugal, às canções populares, fossem elas de qualquer natureza e gênero.6 A modinha, ao chegar à colônia, se tornou "um elemento de integração nacional, cantada nos quatro cantos do Brasil"7, processo semelhante ao atravessado pelo lundu. E se não é possível falarmos de lundu sem mencionarmos as modinhas, não é igualmente possível falarmos delas sem citarmos Domingos Caldas Barbosa, nosso compositor de maior relevância no aparecimento das modinhas brasileiras. Barbosa foi o primeiro a empregar o termo modinha para classificar seu estilo de canção. Ele era mulato, filho de português com uma escrava negra angolana, brasileiro, nascido no Rio de Janeiro e falecido em Lisboa. Conquistou notoriedade em suas canções que foram reconhecidas pela corte portuguesa, além de fazer muito sucesso por suas trovas improvisadas cantadas juntamente ao som de sua viola. Apesar de Barbosa ter sido o compositor mais famoso, o Brasil contou com outros músicos importantes que se fizeram conhecidos por suas modinhas. Villa-Lobos e Catulo das Paixões Cearenses são dois grandes exemplos. Foi com o lundu e a modinha, nossos dois primeiros gêneros musicais urbanos, que a tradição brasileira das serestas se consagrou. Nessa altura, em fins do Brasil Império e início da República, os instrumentistas à noite, ao violão, “sozinhos ou em grupo, saíam pelas ruas e residências entoando músicas românticas”. 8 A relevância desses ritmos permanece viva até os dias de hoje, consagrada nas obras de importantes compositores como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, entre outros. A década de 1870 é tida como um marco para a história cultural (mais precisamente musical) de nosso país. É durante essa década que, a partir do “abrasileiramento” das técnicas de execução de instrumentos europeus trazidos ao Brasil, como a exemplo do piano, flauta, violão e cavaquinho, vemos o nascimento do choro, "ainda não como gênero musical, mas como forma de tocar". 9 Segundo Diniz (2006), o choro é carioca, sem dúvidas sobre sua origem - ao contrário do samba, por exemplo, que suscita discussões sobre o assunto. Foi também por volta dessa época que se "nacionalizaram os ritmos dançantes importados como a polca, a schottisch, a mazurca, o tango, a habaneira, a quadrilha, etc.”. 10 6 SANDRONI, Carlos. Feitiço decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p.60. 7 DINIZ, André. Op. Cit., p.19. 8 Idem. 9 TINHORÃO, José Ramos. Pequena historia da música popular: da modinha a canção de protesto. Petrópolis: Vozes, 1974. p.95. 10 MANZO, José Maria Campos. Op. Cit. O choro era tocado pelos chorões, nome que se dava aos músicos de tal gênero musical. Tinhorão faz uma análise sobre a camada à qual pertenciam a maioria desses instrumentistas, e, apresentando dados resultantes de suas pesquisas, nos mostra que os grupos de chorões eram formados majoritariamente por pessoas pertencentes a baixa classe média da sociedade carioca. Eram em sua maioria, funcionários públicos do baixo escalão. Eles se apresentavam constantemente e tocavam tanto em saraus da elite como para o povo, solidificando o novo estilo entre as diversas camadas. Ao chegarem à rádio e, através das bandas de música, o choro se espalhou por todo território nacional. Pixinguinha - Alfredo da Rocha Viana Filho - um dos nossos maiores e mais reconhecidos músicos compositores foi, talvez, o maior responsável por consolidar o choro como gênero musical. 11 O choro tem uma relação muito próxima com o samba, maior que o lundu e a modinha, pois os compositores de ambos os estilos dialogam com freqüência. Diniz chega a afirmar ser "muito difícil encontrar um grande compositor de samba que não tenha relação com o choro" e acrescenta dizendo que "alguns são sambistas-chorões, como Nelson Cavaquinho, outros chorões-sambistas, caso de Benedito Lacerda, e em menor número estão aqueles que conseguem navegar nos dois mundos com igual naturalidade" 12 e cita Paulinho da Viola como exemplo. A partir da segunda metade do século XIX, provindo da Cidade Nova - bairro carioca raiado por volta de 1860 com o aterro da região pantanosa em torno do canal do mangue - que a primeira dança popular urbana criada em nosso país nasce. Ela é conhecida como maxixe. Segundo Jota Efegê, "a primeira menção impressa ao maxixe data de 1880". 13 Ainda baseado no autor temos a informação de que essa dança foi, desde seu princípio, considerada vulgar e de muito baixa categoria. A Cidade Nova não tinha boa reputação, era tida como o bairro dos maus divertimentos e, além disso, era uma região muito populosa, a mais habitada do Rio de Janeiro no final do século XIX. O maxixe, por ter surgido lá, não era visto com bons olhos e nem muito bem aceito pela classe alta da sociedade carioca, por ter um "jeito" de dançar considerado indecente para os modos da época. Ele era "praticado disfarçadamente na calada da noite e num bairro de má fama". 14 Contudo, houve intercâmbio do ritmo para outras camadas sociais e sua transmissão até a alta sociedade, se deu, majoritariamente, através dos clubes carnavalescos. Os estudantes ou os homens sisudos iam para a Cidade Nova obter seu divertimento, aprendiam a nova dança e quando nos bailes dos clubes carnavalescos ensinavam aos colegas, transmitindo o "novo jeito de dançar" TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit. DINIZ, André. Op. Cit., p.21. 13 EFEGÊ, Jota. Maxixe, a dança excomungada. Rio de Janeiro: Conquista, 1974. p.20. 14 SANDRONI, Carlos. Op. Cit. p.62. 11 12 ampliando o círculo pela qual a nova dança passava a transitar. Porém, até meados da década de 1890 "a dança do maxixe se fazia ao som de músicas que ainda não se chamavam assim: eram polcas, lundus, tangos (e todas as combinações desses nomes)". 15 Para a classe média e alta aquilo era entendido como um lundu dançado de modo diferente. "Vemos assim a primeira correlação estabelecer-se entre o maxixe e a dança do lundu". 16 No entanto, havia diferenças bem claras entre ambas. O lundu, com relação a sua forma musical, era cantado e não somente instrumentado, e quanto à dança, era feita em roda acompanhada por palmas e dançava-se apenas um par de cada vez. Já o maxixe era apenas instrumental e todos dançavam ao mesmo tempo, constituindo o que era chamado de "salão de baile". Segundo Sandroni, o maxixe "era uma dança moderna, urbana e internacional e o lundu deitava raízes no mundo rural e no passado colonial brasileiro". 17 Porém, a maior diferença entre as duas danças era a classificação do lundu como uma dança de par separado e o maxixe de par enlaçado. Foi na década de 1840 que, segundo Carlos Vega as danças de par enlaçado apareceram no Brasil.18 A exemplo delas nós temos a valsa, a polca e o schottisch - um ritmo mais vivo que a valsa e mais lento que a polca. Todas eram dançadas aos pares, em passos e volteios que mudavam conforme a moda. Vindas de fora do país, foram muito bem aceitas no Brasil, se tornando em pouco tempo danças e músicas populares. "Como novidades modernas, foram adotadas entusiasticamente pelas famílias mais ricas das principais cidades do litoral, mas custaram muito a ser aceitas no interior" 19 onde eram vistas como imorais. O maxixe foi a primeira dança popular de par enlaçado a despontar no Brasil sendo o "resultado da adoção pelo povo de maneiras de dançar contrárias a seus antigos hábitos". 20 O maxixe, no início do século XX, assume o posto que o lundu ocupava - o de estilo de dança e música genuinamente brasileiro. Carlos Sandroni nos traz alguns anúncios da época citados por Jota Efegê - contra a repressão do maxixe, mostrando a postura adotada por alguns brasileiros em relação a ele. Temos um de 1907 que dizia: "o maxixe banido! Ele, que na música é o vatapá do cardápio nacional!" 21 e outro que em 1914, em forma de charge consta na legenda: " Sua mãe consente que vossa excelência dance o tango - Deus me livre! Mamãe é muito patriota prefere que eu dance o maxixe...". 22 De mau visto e considerado vulgar, o maxixe no início do 15 Ibidem, p.81. 16 Ibidem, p.64. 17 Idem. VEIGA, Carlos. Danzas y canciones argentinas. Establecimiento Gráfico de Eugênio Ferrero. Buenos Aires, 1936, p.32. 19 Ibidem, p.65. 20 Ibidem, p.66. 21 EFEGÊ, Jota. apud SANDRONI, Carlos. Ibidem, p.66. 22 Ibidem, p.67. 18 século XX ganha espaço e se torna um dos elementos culturais mais nacionais dos quais o Brasil dispõe até então. Em fins do século XIX, mais precisamente a partir dos anos 1870, com tantos estilos de música, de dança e de instrumentos possíveis de serem combinados, a precisão terminológica ao designar que ritmo se tocava ou se dançava nos bailes, era bastante grande. No Brasil "criam-se novas formas musicais que já não são as danças importadas prontas da Europa, assim como não correspondem mais aos divertimentos populares herdados da época colonial". 23 Há uma mistura, onde o piano substitui a viola, o par enlaçado substitui o par separado, a composição dos autores substitui o refrão anônimo e tradicional, e é "nesse contexto que o problema da terminologia aparece embaralhado, e ele não se desembaralha até meados dos anos 1920 - quando a misturada se resolve pela imposição do samba" 24 que identificaria o "tipo característico e principal da dança brasileira de salão". 25 SANDRONI, Carlos. Op. Cit., p.83. Idem. 25 ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira. São Paulo: Duas Cidades, 1982. p.344. 23 24 CAPÍTULO 2 - Samba Carlos Sandroni fez um breve estudo histórico-etimológico da palavra samba. Ele constatou que "a palavra 'samba' é encontrada em diferentes pontos das Américas, quase sempre em ligação com o universo dos negros". 26 Segundo a Enciclopédia da Música Brasileira a palavra "samba" vem derivada de semba que significa "umbigada". Como nos explica Sandroni, umbigada é "o gesto coreográfico que consiste no choque dos ventres, ou umbigos, e que tem uma função precisa no desenrolar de certas danças". 27 Até o início do século XX a palavra "samba" aparece sempre com um sentido mais genérico servindo para designar não uma dança em si, mas divertimentos populares ou festejos negros de maneira geral. Por muito tempo a palavra foi associada a tradições da Bahia, dos negros e da roça. Essas associações traziam "conseqüências óbvias quanto ao valor que se lhes atribuía" 28 fazendo com que o samba fosse considerado ainda por longo tempo como indigno e baixo. A partir da década de 1870 a palavra "samba" tem seus primeiros registros no Rio de Janeiro. Com isso, "as fronteiras que se mostravam tão nítidas até aqui começam a se diluir e assim, pouco a pouco, o samba já não será mais só da Bahia, nem só da roça, nem só dos negros". 29 Sandroni destaca que a partir da origem da palavra "samba" se constituem duas vertentes. Uma folclórica e a outra popular. Nesta primeira, o samba substitui o batuque e na segunda o maxixe e o tango. "Essas duas vertentes ainda hoje estão presentes, como se vê, por exemplo, nos verbetes "Samba" da Enciclopédia da Música Brasileira (EMB) e do Dicionário do Folclore Brasileiro (DFB), divididos ambos em duas partes correspondentes". 30 Porém, foi a vertente do samba popular que "beneficiou-se de toda carga positiva atribuída por boa parte dos intelectuais brasileiros desde os anos 1930 ao folclore". 31 Ou seja, atualmente quando pensamos em samba somos automaticamente remetidos ao samba popular, samba urbano (para alguns: urbano-carioca), e é sobre ele que este capítulo se a presta estudar. O período que abrange os anos 1989 a 1930, conhecido como República Velha, primeira fase após a Proclamação da República do Brasil, nos interessa especialmente para tratarmos do samba propriamente dito. Nos primeiros anos da República Velha, o Rio de Janeiro era a maior cidade do país, com mais de 500 mil habitantes. Era também a capital política, administrativa e cultural do Brasil. Essa última é foco de nossa atenção visto que pretendemos compreender o surgimento do ritmo de música popular brasileira por excelência que teve como berço a cidade 26 SANDRONI, Carlos. Op. Cit., p.84. 27 Idem. 28 Ibidem, p.89. 29 Ibidem, p.90. 30 Ibidem, p.97. 31 Idem. maravilhosa. Mas não somente o samba teve como pátria o Rio de Janeiro. No campo do teatro, dança e arte a capital federal era também a que exercia maior influência e importância. Com a Proclamação da República a cidade do Rio de Janeiro sofre fortes alterações em suas diversas estruturas. "Mas as alterações quantitativas são inescapáveis. A primeira delas foi de natureza demográfica. Alterou-se a população da capital em termos de números de habitantes, de composição étnica, de estrutura ocupacional". 32 Com a abolição da escravidão os recém libertos foram lançados no mercado de trabalho, o que além de aumentar o desemprego da época desencadeou um êxodo para a cidade, oriundo das fazendas de café do interior do estado. Carvalho nos mostra que, entre 1870 e 1890, a população do Rio de Janeiro dobrou em números de habitantes. Eram 266 mil no primeiro ano para em 1890 serem 522 mil. E de 1890 até 1900 foram mais 200 mil pessoas que a cidade teve que receber - sendo a maioria destes, imigrantes. "Esse enorme influxo populacional fazia com que em 1890, 28,7% da população fosse nascida no exterior e 26% dela proviesse de outras regiões do Brasil. Assim, apenas 45% da população era nascida na cidade". 33 Além disso, havia um nítido desequilíbrio entre os sexos com uma composição masculina que somava o dobro da feminina. Após duas grandes guerras - A Revolução Federalista (1893) e Guerra dos Canudos (189697) o Brasil, e o Rio de Janeiro ingressaram no século XX da forma mais turbulenta possível. Manuel Ferraz de Campo Salles - quem assumia a presidência do período, termina seu mandato em 1902 quando Francisco de Paula Rodrigues Alves passa a assumir o comando do país, e Francisco Pereira Passos o comando da cidade do Rio de Janeiro no cargo de prefeito do distrito federal, transformando para sempre a história da então capital federal. À luz da belle époque - que se caracterizava "pela crença desenfreada nas virtudes e benesses da vida burguesa" 34 européia, sobretudo francesa - o Brasil foi fortemente influenciado pelas ideologias estrangeiras consolidando a idéia de modernizar, civilizar e embelezar o Rio de Janeiro. Durante o governo de Pereira Passos as mais importantes reformas urbano-sanitárias foram executadas. Em menos de três anos, entre 1903 a 1906, áreas inteiras da cidade foram postas abaixo desalojando milhares de pessoas que habitavam cortiços e casas de cômodos superlotadas. Como não havia um projeto de habitação para esses desalojados eles começam a povoar os morros e regiões mais afastadas do centro da cidade dando início as primeiras favelas cariocas. Sob o pretexto de higienizar a cidade e erradicar doenças epidêmicas o governo lança campanha de vacinação obrigatória para todas as pessoas, o que gera revolta na população de classe baixa que já 32 CARVALHO, José Murilo de: Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia da Letras, 1987, p.16. 33 Ibidem, p.17. 34 DINIZ, André. Op. Cit., p.41. havia sido expulsa de suas casas, sem receber explicação alguma e ainda forçada a ser vacinada por pessoas as quais eles nem sequer confiavam. Além da maioria da população de classe baixa ficar sem casa crescia, cada vez mais, o contingente de população que não tinha renda ou com uma remuneração muito pequena. Aqueles que tinham alguma renda exerciam as mais diversas profissões e em 1906 constituíam um percentual de 200 mil pessoas vivendo nessas condições. A pouca ou nenhuma remuneração fazia com que muitoas dessas pessoas ingressassem em atividades ilegais. Alguns "viviam nas tênues fronteiras entre a legalidade e a ilegalidade, às vezes participando simultaneamente de ambas". 35 A maioria estava de alguma maneira ligada a contravenções do tipo desordem, vadiagem, embriaguez e jogo, sendo essas as principais causas de detenções entre o final do século XIX e início do XX. Os imigrantes formavam grupos entre si. As afinidades e a necessidade em preservar sua cultura os unia com laços muito fortes. Um desses grupos conhecido como a "comunidade baiana", ficava localizado no bairro da Saúde, no Centro do Rio de Janeiro, e se tornou muito popular e bem quisto pelo restante dos habitantes. A solidariedade dos laços existentes entre eles era "em grande parte assegurada pela figura das "tias", isto é, de baianas mais velhas que exerciam uma liderança na organização da família, da religião e do lazer". 36 Várias "tias baianas" ficaram famosas e reconhecidas e algumas até mesmo entraram para a história do cenário musical carioca do início do século XX. Tia Amélia, mãe de Ernesto dos Santos, mais conhecido como "Donga" e tia Perciliana, mãe de João Machado Guedes, ou "João da Baiana" são duas delas, porém a que levou os maiores louros da história e que é até hoje a mais lembrada foi a tia Ciata (Hilária Batista de Almeida). Um dos motivos principais pelos quais ela passou a ser a mais famosa dentre as "tias" foi porque a primeira música a ser considerada oficialmente samba, intitulada "Pelo Telefone”, fora escrita em grupo em uma das várias reuniões em sua casa. Apesar de Donga ter ficado com o mérito da composição, sabe-se que a letra foi criada em parceria com muitos músicos da época. A casa da Tia Ciata localizada na Rua Visconde de Itaúna, 117, na antiga Praça Onze "assumiu assim, uma dimensão quase mítica como "lugar de origem" do samba carioca". 37 Negra, nascida em Salvador, em 1854, ela chegou ao Rio de Janeiro em 1876 onde se casou com João Batista da Silva, também baiano e negro, que trabalhava no gabinete do chefe da polícia da capital federal. A "respeitabilidade" profissional do marido deve ter sido um dos fatores que fizeram da casa da Tia Ciata um ponto de referência do universo negro carioca no início do século XX. Mas deve-se também ao trabalho dela própria em áreas que "tanto reforçavam uma certa CARVALHO, José Murilo de: Op. Cit., p.17. SANDRONI, Carlos. Op. Cit., p.100. 37 Ibidem, p.101. 35 36 identidade afro-baiana como teciam sutis relações com o mundo da elite carioca". 38 Esses trabalhos eram: a fabricação de doces e a confecção de trajes baianos - muito consumidos pela elite branca carioca - e a função de principal auxiliar do pai-de-santo no João Alabá, um dos mais famosos terreiros de candomblé do Rio. As festas organizadas em sua casa eram também muito famosas. Elas chegavam a durar dias e dentro da residência a festa era disposta da seguinte maneira: as batucadas eram tocadas e dançadas no terreiro na parte de fora da casa, os sambas de partido-alto na parte íntima, nos quartos e na sala de jantar, e o choro na sala de visita, lugar de maior prestígio do domicílio. "Nessas festas se dançava e se compunham tipos de modinhas que dariam origem mais tarde ao samba que conhecemos hoje". 39 Diniz sintetiza a importância das tias baianas, suas casas e comunidade afirmando que "o samba urbano cresce no asfalto carioca com os genes da baianidade". 40 "Essas "tias" eram famosas principalmente por incentivarem rodas de samba. Muitas houve que acolheram, em sua casa, sambistas que apareciam menos para as festas do que para mostrar a última composição e melhorá-la junto aos amigos". 41 Ainda sobre as festas Queiroz traz à tona a repressão pela qual elas estavam sujeitas. Através de vários testemunhos é possível constatar que havia freqüente "intervenção de forças policiais, que apareciam em tais festas, impedindo sua continuação" 42 e até mesmo fora das residências, em ruas ou esquinas onde se agrupassem negros a polícia constantemente se fazia presente. Sobre o tema da "repressão ao samba carioca em sua fase embrionária" 43 vários são os textos e depoimentos que o abordam, e na maioria das vezes os autores adotam uma visão compatível à de Queiroz, afirmando que, de modo geral, toda e qualquer reunião negra, fosse ela dentro ou fora de residências domésticas, era motivo de intervenção policial. Porém, há autores que discordam dessa perspectiva e baseados em fontes e novos argumentos para teorias já existentes eles buscam sustentar seu ponto de vista. Dois exemplos de autores divergentes à opinião do senso comum da historiografia tradicional do samba que afirma haver até a década de 1930 uma perseguição oficial ao samba são: Hermano Vianna e Carlos Sandroni. Este citando aquele diz que "Vianna, no entanto, mostrou que existiu desde cedo, ao lado da repressão interesse e apoio à música popular por parte de membros da elite" 44 e continua afirmando que "o samba, e antes dele, a cultura afro-brasileira não foram apenas objeto de perseguição, mas desde o início, também 38 Ibidem, p.102. 39 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de: Carnaval brasileiro – o vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense, 1992. p.27. 40 DINIZ, André. Op. Cit., p.26. 41 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de: Op. Cit., p.28. 42 Ibidem, p.29. 43 SANDRONI, Carlos. Op. Cit., p.111. 44 Idem. parceiros de um diálogo cultural". 45 Para cada um que perseguia havia outro que dava cobertura e para dar veracidade a esta conclusão Sandroni traz o depoimento de Juvenal Lopes onde ele relata o seguinte: "nós éramos muito perseguidos pela polícia. Chegavam no Estácio, a gente corria pra Mangueira, porque lá havia o Nascimento, delegado que dava cobertura e a gente sambava mais à vontade". 46 Como podemos perceber não eram todos os brancos, nem toda polícia, e muito menos toda elite que reprimia o samba. Muitos deles foram imprescindíveis na expansão do novo ritmo pelos quatro cantos da cidade e depois do país, além de vários terem sido exímios compositores de samba posteriormente. Voltando a casa da tia Ciata, foi naquele cenário o berço do que é hoje reconhecido como o primeiro samba oficial - como já mencionado acima. Em 1916, Donga "levou ao registro de autores da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro uma composição cuja indicação de gênero era "samba carnavalesco"" 47 sob a inscrição de número 3.295 intitulada Roceiro que foi o grande sucesso do carnaval seguinte, em 1917, com o nome de "Pelo Telefone" tornando-se o primeiro samba a se popularizar. O fato de Donga ter registrado a composição evidencia que "o novo gênero de música urbana não nascia mais anonimamente, mas entre pessoas que tinham consciência de constituir a sua criação uma coisa registrável". 48A composição nasce decorrente da vontade e necessidade de novas músicas para embalar o carnaval carioca. A respeito do carnaval, e principalmente dos carnavais cariocas faremos uma breve retomada da história, com o intuito de compreender essa "necessidade" de novas músicas para os desfiles. O autor José Carlos Sebe comenta sobre algumas celebrações mitológicas que possivelmente foram as primeiras formas relacionadas ao que hoje conhecemos como carnaval.49 O autor dá seqüência abordando a relação do carnaval com o cristianismo e pensando nas raízes do carnaval que, no caso do Brasil, acredita-se terem sido a mistura de influências carnavalescas ou folclóricas européias, indígenas, africanas, orientais e urbano-cariocas. Segundo Sebe: [...] cada uma destas variações comporta um número expressivo de alternativas, fato que ainda mais dificulta qualquer tentativa de precisão. Portanto, mais ou menos implicitamente fica estabelecido que a mistura de todas estas cinco possibilidades também pode caracterizar o carnaval brasileiro, numa sexta apreciável versão. 50 Entretanto, ele admite que o estudo sobre as origens do carnaval, incluindo a análise da etimologia da palavra, e o esclarecimento sobre o aparecimento e a estruturação da festa estão longe 45 Idem. 46 Idem. 47 Ibidem, p.118. TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit., p.119. SEBE, José Carlos. Carnaval, carnavais. São Paulo: Ática, 1986. p.33. 50 Idem. 48 49 de serem satisfatórios, havendo muito ainda a ser pesquisado. Sebe afirma que "os autores invariavelmente têm repetido: as mesmas "tradições" que, além de simplificadoras, trazem quase sempre o carnaval carioca como gerador, responsável pela padronização da festa brasileira". 51 Considerando tal constatação esclarecemos aqui que o intuito deste trabalho não é entrar em uma pesquisa sobre o carnaval carioca, mas sim buscarmos no que já se pesquisou sobre ele algumas bases para compreendermos o nascimento e transformação do samba - este sim, objeto de análise no presente projeto. Como há divergência quanto ao período preciso que marca o surgimento do carnaval no Brasil, convencionou-se a data de 1853 "como uma espécie de momento de definição nacional da festa momística", 52 o que Sebe intitulou "certidão de batismo" do carnaval e que foi marcada pela "portaria baixada pelo chefe de polícia do Rio de Janeiro proibindo o entrudo pelas suas repercussões agressivas". 53 O entrudo se celebrava durante os três dias que antecedem a quaresma, sendo eles o domingo, a segunda-feira e a terça-feira. A celebração era mais uma brincadeira a céu aberto que uma festa em si, e consistia em os participantes atirarem ovos, jatos de água ou de perfume, frutas, objetos e folhas uns nos outros ou pelas janelas de suas casas. Sebe explica que "a cada 'ataque' deveria corresponder uma resposta, chegando sempre o 'jogo' a conseqüências sérias". 54 O caráter violento, agressivo e perigoso da celebração foi o principal motivo para que entrudo fosse muito mal visto por aqueles que não o praticavam e para que ele fosse proibido oficialmente. Segundo o autor, os historiadores e pesquisadores do carnaval brasileiro dividem-se entre três teses plausíveis para explicar o nascimento do carnaval carioca. Para alguns ele é originado do entrudo transformado, para uma segunda parcela é a fusão de duas festas distintas - as do salão e as da rua - que "conviveram juntas durante certo tempo e que depois foram organizadas em termos de espaço e variações, gerando, finalmente, uma celebração multifacetada" 55 e para o restante, o carnaval brasileiro, mais especificamente carioca, é uma celebração nova, autenticamente carioca, nascido da evolução dos ranchos em termos de ritmo - com a adoção do samba - e em termos de espaço físico - o centro urbano da cidade. Como as duas últimas versões são as mais aceitas pela maioria dos pesquisadores no assunto vamos nos fixar nelas. No Rio de Janeiro da República Velha, os salões eram, juntamente com o teatro, os lugares preferidos da elite carioca. Nos salões aconteciam os bailes - que diferente das festas populares nas ruas - eram lugares seguros, organizados e atendiam as exigências das mentalidades da época que 51 Ibidem, p.55. 52 Idem. 53 Idem. 54 Ibidem, p.59. 55 Ibidem, p.55. seguiam as influências de um padrão europeu. Como bem ressalta Sebe, além de tudo isso eram lugares onde se fazia "à distinção sócio-racial, que segregava a festa dos pobres aos morros e favelas". 56 Havia na época dois termos para diferenciar os dois distintos carnavais - dos ricos e dos pobres. O chamado "grande carnaval" se referia aos salões e clubes onde as sociedades importantes estavam organizadas e para citarmos alguns exemplos tínhamos os "Democráticos" e os "Tenentes do Diabo". Já o "pequeno carnaval" era usado para classificar os grupos de foliões populares e os ternos - que foram as primeiras agremiações do tipo bloco - se enquadravam neste conceito. Alguns dos primeiros ternos foram os sujos e os zé-pereiras. Talvez decorrente da má fama e herança deixada pelo entrudo "a "tutela" policial sempre esteve muito colada à organização do carnaval moderno, não apenas no Rio de Janeiro, mas no Brasil todo". 57 A polícia era a responsável por dividir as áreas onde ocorreriam o grande e o pequeno carnaval, porém o grande ocupou o espaço público por pouquíssimo tempo, passando rapidamente a ser celebrado somente dentro dos espaços fechados e particulares dos clubes e salões. Em 1907 um rancho especialmente importante foi fundado - Ameno Resedá. Sebe o considera um divisor de águas na história do carnaval brasileiro, pois ele simboliza a vitória do carnaval popular carioca sobre o europeizado, porém, sem apagar toda influência que este exercera e continuaria exercendo, posteriormente, nos próximos carnavais que passarão a se organizar como escolas de samba. Os ranchos de reis, segundo Queiroz “foram as primeiras formas de desfile de reunião do grupo negro na cidade do Rio de Janeiro" 58 e tinham como objetivo remontar as festividades da terra natal, homenagear amigos e parentes e celebrar alguma data especial como, por exemplo, o dia dos Três Reis Magos, Nossa Senhora do Rosário ou São Benedito. Não havia um trajeto prédeterminado para ser seguido e nem mesmo um horário ou um dia para acontecer. Às vezes, decorrente de uma conversa em um bar, resolvia-se formar um rancho e sair para o desfile, sem que nada fosse previamente preparado. O desfile consistia sempre em sair de um determinado local e chegar até outro que era "geralmente uma casa, onde seus figurantes eram esperados com festas, com farta distribuição de comidas e doces para esse fim", 59 mas isso só acontecia quando este era combinado com antecedência. As casas que se localizavam na rota onde o cortejo passava eram escolhidas propositalmente para homenagear e saudar seus moradores, que ficavam em suas janelas ou na entrada da casa assistindo e acenando para o desfile, e se sentiam muito lisonjeados por isso. 56 Ibidem, p.61. 57 Ibidem, p.62. 58 59 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de: Op. Cit., p.29. Idem. Os ranchos, que evoluíram dos blocos, deram as bases para as primeiras escolas de samba. Existem, contudo, algumas diferenças entre os ranchos e as escolas, porém a maior delas reside no quesito composição musical, e aqui voltamos a lembrar do nosso primeiro samba oficial "Pelo Telefone". No primeiro o ritmo musical ao qual eram embalados os desfiles era a marcha-rancho e os instrumentos utilizados eram os de sopro e corda. Já os desfiles das escolas ocorriam ao som do samba-enredo e era proibida a utilização de instrumentos de sopro e corda, ao invés disso eram serem utilizados os de percussão. Porém, ambos os estilos musicais tem origem rítmica no jongo. Pouco a pouco os ranchos foram "sugados pelas escolas de samba com tal apetite que perderiam todo seu colorido dos velhos tempos do Ameno Resedá". 60 Quanto mais as escolas de samba cresciam, mais os ranchos declinavam, chegando, a partir dos anos de 1960 "as escolas de samba aparecendo como principal atração do carnaval carioca e os ranchos fazendo um desfile que, embora lindo e digno de todos os aplausos, eram marcado pela tristeza e pela nostalgia". 61 Mas antes disso acontecer ambos conviveram por algum tempo tendo sua igual importância e respeitabilidade frente a sociedade. Segundo Queiroz "existem inúmeras estórias sobre a origem das escolas de samba. Vários sambistas têm grande preocupação em serem reconhecidos como os que deram o nome e que fundaram esta ou aquela escola". 62 Mas se não sabemos exatamente quem fundou a primeira escola de samba - apesar de Ismael Silva reivindicar fervorosamente este mérito alegando ter sido ele a dar o nome à escola - sabemos que ela nasceu no bairro do Estácio de Sá e foi a evolução do bloco carnavalesco Deixa Falar. O Deixa Falar nasce em 1917 com a denominação de "rancho carnavalesco", porém se diferenciava dos demais ranchos da época porque "não tinha o cunho "familiar e social" do Ameno, pois foi criado por negros e mulatos representantes da massa de subempregados e desempregados que passariam à história como os bambas do bairro carioca do Estácio". 63 O termo "escola" passou a ser usado, a priori, simplesmente porque as reuniões do bloco aconteciam dentro de uma escola. Apenas anos mais tarde, quando outros blocos carnavalescos trocam sua titulação de bloco por escola é que essa terminologia se enraíza. Segundo Lopes: O traço mais marcante, entretanto, de toda essa fase inicial das escolas era a solidariedade, o sentido comunitário do grupo que, sem influências externas diretas - a não ser a do seu desejo de ascensão pela imitação dos valores já aceitos - criava ele mesmo as músicas, cantava, fabricava e tocava os instrumentos, costurava e bordava as fantasias, e confeccionava as pinturas e esculturas apresentadas no carnaval - autêntica manifestação de arte popular. 64 CABRAL, Sérgio. As escolas de samba, o quê, quem, como, quando e por quê. Rio de Janeiro: Fontana, 1974. p.15. Idem. 62 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de: Op. Cit., p.32. 63 LOPES, Nei. O samba, na realidade...A utopia da ascensão social do sambista. Rio de Janeiro: Codecri, 1981. p.24. 64 Ibidem, p.33. 60 61 Cavalcanti acrescenta ressaltando que: [...] ao longo do século XX, o desfile propiciou à cidade um canal de expressão e mediação de processos sociológicos importantes tais como a expansão da cidade rumo aos subúrbios e à periferia, a expansão das camadas médias e populares e sua interação. 65 No final da década de 1920, quando os primeiros desfiles, das primeiras escolas de samba saíam pelas ruas do Rio de Janeiro, não havia qualquer tipo de regras ou regulamento, muito menos patrocínio financeiro para manutenção da escola. "A sociedade brasileira dominante não existia enquanto identidade nacional e rendia homenagens diretas à sociedade e cultura européias" 66 não dando a menor importância às manifestações genuinamente brasileiras que ocorriam debaixo de seu nariz, pelo contrário, exercendo até mesmo repressão contra elas. Porém, à medida que o controle do estado e da elite - de modo indireto - crescia, diminuía gradativamente a repressão. "No segundo desfile, na década de 30, organizado pelo Centro de Chronistas Carnavalescos, já era exigido um requerimento a guisa de inscrição para que as escolas desfilassem. Os prêmios continuavam a ser fornecidos pelos jornais". 67 A imprensa era, na época, a maior incentivadora dos desfiles, mas em pouco tempo o estado começa a perceber a organização das escolas e dos ranchos, e passa a interferir mais incisivamente sobre eles. Em 1935, as escolas já começaram a desfilar segundo o primeiro regulamento que disciplina os desfiles: o GRES (Grêmio Recreativo Escola de Samba). Eram oito regras a serem obedecidas e quatro quesitos a serem seguidos: bandeira, bateria, harmonia e originalidade. Nesse ano o carnaval carioca já contava com vinte cinco escolas de samba desfilando. Por, aproximadamente, duas décadas "as escolas de samba do Rio de Janeiro permanecem sem modificações essenciais no tocante à forma de seus desfiles" 68 e após esse período muita coisa acontece: o estado começa a determinar uma linha temática para nortear os desfiles e as letras dos sambas, a população branca dominante entra com relativo peso no universo dos sambistas e do carnaval como um todo, o jogo do bicho começa a patrocinar as escolas e a enriquecê-las, dando início a ostentação do luxo nas fantasias, decoração e nos carros alegóricos. Esse assunto ainda renderia muitas explicações, porém ele não é nosso objeto de pesquisa. Voltemos a focar no samba e em suas modificações. O estilo "amaxixado" dos primeiros sambas é explicado levando-se o que ocorria após serem escritas as letras. De acordo com Tinhorão: 65 CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Os Sentidos do Espetáculo. In: Revista de Antropologia, São Paulo: USP, 2002. V. 45 nº. 1. p. 48. 66 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de: Op. Cit., p.35. 67 Idem. 68 Ibidem, p.39. [...] os sambas eram logo corrompido pelos vícios de execução dos integrantes de orquestras das gravadoras e do teatro musicado, àquela época impregnados do ritmo do maxixe, e começando a deixar influenciar-se pelos novo gêneros americanos do one step, do rag-time, do black bottom, etc. 69 A sonoridade dessas músicas não agradava muito à elite carioca que estava acostumada com melodias européias como as valsas e polcas. Em decorrência disso surge contemporaneamente aos primeiros sambas as marchinhas carnavalescas - como gênero de musical independente70- que pela sua "extrema esquematização rítmica permanece praticamente inalterada até hoje". 71 O samba e a marcha, destinados até 1930 a serem gêneros de músicas carnavalescas, acompanharam, segundo Tinhorão: [...] passo a passo, a evolução social das classes a que se dirigiam: o samba vacilante de Donga, Sinhô e Cainha, da década de 20, ganhou no Estácio o ritmo batucado com a geração de compositores da camada mais baixa (Ismael Silva, Nilton Bastos ...) , enquanto a marcha continuaria praticamente inalterada, por nunca ter atingido realmente a massa, única capaz de acrescentar-lhe alguma novidade". 72 Essa evolução ou transformação pela qual o samba passa foi divido em fases. A primeira abrange o período entre 1917 a 1927 e é caracterizada pelas gravações mecânicas e por influência dos sambas de partido alto de origens rurais do Recôncavo baiano. De 1927 para frente, as gravações passam a ser através de sistema elétrico e uma nova geração de sambistas, advindos de uma camada baixa da população carioca, herdeiros de uma tradição de sambas de roda, dá início ao que passa a ser conhecido como samba batucado e marchado do Estácio. Esse novo jeito de se fazer samba "logo se difundiu, influenciando os compositores de outras áreas da cidade, generalizando-se e tornando-se um sinônimo de samba moderno, de samba tal qual o reconhecemos hoje em dia". 73 Sobre o bairro do Estácio onde nasce a nova geração do samba, Tinhorão nos explica que ele se encontra como: [...] o limite da expansão do velho centro da cidade na direção da zona norte do Rio, tendo surgido na segunda metade do século XIX com a ocupação de aterros para os lados do Canal do Mangue e da urbanização de antigas chácaras vizinhas do Caminho de Mata-Porcos (hoje Rua Frei Caneca), TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit., p.120. Antes de terem essa consciência de gênero musical independente "o ritmo da marcha já tinha aparecido, aqui e ali, desde o fim do século passado, em algumas músicas rotuladas de tango, canção carnavalesca, fadinha, etc.". (TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit., p. 121). 71 TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit., p.121. 72 Ibidem, p.125. 73 SANDRONI, Carlos. Op. Cit., p.131. 69 70 foi abrigo desde o início de uma população proletária e de pequeno comércio e atividades artesanais. 74 Como era muito próximo da área de prostituição do Mangue, o bairro do Estácio abrigava sem querer - todo tipo de "bam-bam-bam" ou como a imprensa costumava chamar: "malandro". As pessoas que eram rotuladas assim eram geralmente ligadas a algum tipo de atividade ilegal, fosse a contravenção, a prostituição, o carteado, etc.. Essa realidade era "produto da estrutura econômica incapaz de absorver toda a mão-de-obra que nessa área urbana crítica se acumulava". 75 O Estácio ficou famoso por ter sido o local da fundação da primeira escola de samba (Deixa Falar - já mencionada anteriormente) e por ter sido o maior reduto de compositores a fazer sambas juntamente com músicos de outras escolas nasceram na seqüência76 - destinados aos desfiles de carnaval que exigiam um andamento mais solto e um som de demarcação que empurrasse os passistas para frente. O novo samba se afastaria definitivamente do antigo modelo do partido alto dos baianos. Na seqüência, com o "aparecimento da geração de compositores profissionais dos meios do rádio e das fábricas de discos, o samba nascido carnavalesco foi adaptado pela modificação do seu andamento para o meio do ano sob o nome de samba-canção". 77 O samba-canção era tocado por orquestras de danças de salão e se proliferou entre a camada média da sociedade carioca. Já os compositores das camadas populares modificavam seus sambas até o surgimento do samba-de-breque, uma versão mais sincopada do samba da década de 1930. Outras variações foram constatadas como o samba-choro e o samba-enredo. O samba-choro ou choro-canção era o feito de musicalizar as composições de choro, que tinham como característica ser apenas instrumentais. De acordo com Tinhorão, sobre o samba-enredo: [...] criado pelos compositores das escolas de samba para contar em versos a história escolhida como tema do desfile carnavalesco, surgiu a partir da década de 1940, como contrapartida musical da progressiva estruturação das escolas no sentido de encenar dramaticamente seus enredos, sob a forma de uma ópera-balé ambulante. 78 Uma variação do samba-enredo que vale a pena ser abordada - porém, apenas a título de curiosidade - são os sambas-exaltação. Segundo Ericeira há uma deficiência ou mesmo inexistência no estudo dos sambas-exaltação como subgênero do samba. "As pesquisas de caráter acadêmico 74 TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998. p.291. Idem. 76 Como por exemplo a Estação Primeira de Mangueira, Osvaldo Cruz, Vizinha Faladeira, entre outras. 77 Idem. Pequena historia da música popular: da modinha a canção de protesto. Petrópolis: Vozes, 1974. p.125. 78 Ibidem, p.171. 75 fazem, quando o fazem, referências mínimas aos sambas-exaltação". 79 De modo contrário aos sambas-enredo, destinados aos desfiles os sambas-exaltação - e podemos citar também os sambas de quadra e os sambas de terreiro - "são canções executadas primordialmente, mas não exclusivamente, nas festas de aniversário de algum componente da agremiação, nas rodas de samba e nas feijoadas organizadas nas quadras". 80 O autor afirma não haver definição clara entre os sambas de quadra, de terreiro ou exaltação e, portanto, ele definiu os sambas-exaltação como sendo "aquela modalidade de samba cujas letras fazem menções diretas ao universo social e afetivo das agremiações carnavalescas". 81 Em linhas gerais, o intuito consciente dessas músicas seria exaltar e enaltecer os símbolos, a história, e os sambistas tidos como imortais para cada escola de samba. 79 ERICEIRA, Ronald Clay dos Santos: Ôôô, a Majestade do Samba chegou: os sambas-exaltação da Portela In: CAVALCANTI, Maria Laura; GONÇALVES, Renata. Carnaval em múltiplos planos. Rio de Janeiro: Faperj; Aeroplano, 2009. p. 255. 80 Ibidem, p.256. 81 Ibidem, p.257. CAPÍTULO 3 - Desde que o samba é samba é assim A pergunta feita no início do trabalho volta à tona para tentar ser solucionada nessa etapa da pesquisa. O autor Carlos Sandroni tem um subcapítulo em seu livro Feitiço Docente intitulado "Desde quando o samba é samba?" e é, em grande medida, nele que irei me apoiar para sanar meus questionamentos e elucidar o leitor desta monografia. A primeira idéia que devemos ter em mente é que apesar de já se falar em samba "como designação de um gênero de música popular desde 1917, a opinião dominante na crítica brasileira pretende que tal designação é imprópria até o final dos anos 20: que só a partir de então o samba é samba".82 Sandroni utiliza-se de dois autores cujas obras, para o presente trabalho, se apresentam como fontes documentais devido a época na qual foram escritas, para pontuar divergências quanto as questões que definiriam quando o samba é samba, e qual samba é que é samba de verdade, se é que isso existe. O primeiro livro chama-se Na roda do Samba, de Francisco Guimarães "Vagalume" e o segundo Samba de Orestes Barbosa, ambos escritos em 1933. Sobre seus autores, Vagalume nasceu em 1870 e ficou conhecido por seu trabalho como cronista do carnaval, mas exerceu também carreira como repórter da polícia. Ele mantinha relações pessoais de amizade com muitos compositores da primeira geração de sambistas como Sinhô e Donga. Barbosa, nascido em 1893, tinha notoriedade - maior que a de Vagalume - no meio jornalístico da época. Escrevia críticas sobre acontecimentos e autoridades do período e, antes de Samba, já havia publicado outros livros. Posteriormente se tornou também compositor de samba em parceria com grandes nomes do cenário musical da época, como Sílvio Caldas e Noel Rosa. "As diferenças de geração e de trajetória entre Vagalume e Barbosa se manifestam, nos livros respectivos, por um apoio implícito ao estilo antigo, no caso do primeiro, e ao novo, no caso do segundo. Para Vagalume, um representa a "tradição", outro a "comercialização"", 83 opinião não compatível com a de Barbosa que vê no samba urbano da segunda geração o samba oficial, o samba legitimamente carioca. Segundo o autor: Embora nenhum dos dois livros em questão fale explicitamente de uma diferença entre dois tipos de samba, ou entre samba e maxixe, fortes contrastes se manifestam neles entre duas maneiras de encarar o assunto (um valorizando a tradição, outro a modernidade), dois grupos de compositores a que se dá pesos diferentes (a turma da Tia Ciata e a do Estácio), duas reivindicações de origem (a Bahia e o Rio), dois personagens-símbolo (o bamba e o malandro). 84 Os autores mais contemporâneos utilizam-se de outros argumentos para diferenciar as fases 82 SANDRONI, Carlos. Op. Cit., p.134. 83 Ibidem, p.135. 84 Ibidem, p.137. pelas quais o samba passou e compreender se em alguma delas há a criação de um samba que seja mais legítimo que o outro. Cabral, por exemplo, recorre à explicação dada por Ismael Silva que lhe concedeu uma entrevista onde explicava que na época em que começou a tocar o estilo de samba, não permitia aos passistas desfilarem andando e era necessário que os integrantes do bloco cantassem a música marchando, sem que tivessem vontade de dançar ao som da melodia - como ocorria - motor principal para o surgimento do samba do Estácio.85 Sandroni, por sua vez, questiona esse argumento alegando ser ele "inconsistente, pois não há nenhuma razão imanente que impeça a utilização do estilo antigo como estímulo ao desfile: as relações entre música e dança são mais flexíveis do que deixa supor Ismael". 86 Máximo e Didier apontam para o fato do improviso nos sambas novos, que eram compostos geralmente em rodas de batucadas, diferente dos sambas antigos onde quem tocava era músico treinado e compunha com cuidado. 87 Os instrumentos utilizados nos dois estilos de samba também são distintos. No antigo era possível notar a presença do piano, flauta, clarineta, cordas e metais, ou seja, instrumentos europeus. Quem os tocava, segundo os autores, eram músicos treinados. Já no novo estilo os instrumentos de origem brasileira é que davam o ritmo, como é o caso do surdo. Também apareciam instrumentos africanos como a cuíca que davam a base para as melodias. Nessa fase, os compositores não compartilhavam da mesma formação técnica de outrora. Novamente Sandroni questiona a argumentação fornecida mostrando que os sambas antigos também eram feitos, muitas vezes, de improviso, que também contava com músicos não treinados cuja leitura de partituras era igualmente indecifrável aos da nova geração e que muitos instrumentos utilizados foram inventados por eles mesmos como o prato-e-faca. Sandroni acredita haver nas relações entre música e classes sociais - arquétipo muito popular entre os autores do assunto - muito mais complexidade do que o estudado até então e escreve que "obviamente, as "razões" da distinção do samba em estilo novo e antigo são múltiplas e variadas. Nelas há lugar para a inovação estética e também para a passagem entre os domínios do folclore e do popular" 88 assim como diferenças entre os lugares onde o samba passa a ser praticado, seu estatuto enquanto objeto de trocas econômicas, sua forma, seus assuntos, sua associação com personagens típicos, todos temas que fornecem "um quadro a partir do qual o sentido social da mudança de paradigma rítmico pode ser compreendido". 89 O estilo antigo de samba tem como seu lugar imortalizado de prática a famosa casa da Tia 85 CABRAL, Sérgio. As escolas de samba, o quê, quem, como, quando e por quê. Rio de Janeiro: Fontana, 1974. p. 45. SANDRONI, Carlos. Op. Cit., p.137. 87 MÁXIMO, Jõao e DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. Brasília. Linha Gráfica/Unb, 1990, p. 111. 88 Ibidem, p.141. 89 Ibidem, p.142. 86 Ciata, que já fora mencionada e trabalhada anteriormente. Porém, no estilo novo esse espaço físico se desloca e passa a ser nos blocos e nos botequins o lugar onde o samba era composto, tocado e ouvido. Quanto aos blocos também já comentamos sobre eles acima, porém, os botequins são agora uma novidade. Eles eram ambientes tão habituais aos sambistas da segunda geração que eram também chamados por "escritório". O botequim, segundo Sandroni, "é para o Rio de Janeiro o que é o pub para Londres ou o café para Paris: antes de tudo um ponto de encontro, um lugar de sociabilidade". 90 Lá, os sambistas além de se encontrarem uns com os outros eram encontrados por quem quer que os estivesse procurando. Como não havia uma "tia baiana" em meio ao pessoal do Estácio, eram nos botequins - e cada sambista tinha o seu de predileção - que eles poderiam ser achados, saber das novidades e oferecer seus serviços como músicos ou compositores. 91 Sandroni ressalta uma diferença importante entre o antigo espaço de sociabilidade (as casas das tias baianas) e os novos (os blocos e botequins) tendo os últimos a característica comum de serem espaços mais abertos que àqueles. Qualquer um circulava livremente entre os blocos e botequins, diferente dos freqüentadores das residências baianas que eram escolhidos com critério para participarem das reuniões. Isso acarreta em um aumento "da capacidade de circulação do samba nos seus novos lugares sociais". 92 Como a ambigüidade está presente em absolutamente tudo no nosso mundo, também esse aumento de circulação teve seu lado, para alguns, ruim. A prática do roubo de letras e melodias de sambas passa a se exercer. Por vezes só alguns pedaços e outras vezes o samba por inteiro era indebitamente apropriado. Muitos sambas de autores anônimos continuarão tendo seus verdadeiros compositores anonimados, pois suas letras foram furtadas e receberam a autoria de outras pessoas. Sandroni mostra que, até meados da década de 1920, a minoria dos compositores é que possuía uma consciência dos direitos autorais; a maioria, por sua vez, entendia a música como uma expressão natural que se encontrava em diversos pontos da cidade muitas vezes sem que se soubesse quem a havia inventado. Para exemplificar o pensamento da época o autor cita uma frase de Sinhô que diz "samba é como passarinho, é de quem pegar", 93 mostrando também a naturalidade como o compositor via a questão do roubo dos sambas. A partir da década de 20 uma outra modalidade é observada configurando-se na compra e venda dos sambas. No que diz respeito à essa nova prática, Francisco Alves, um personagem importante na história do samba, tem seu nome sempre lembrado por ter sido o primeiro - e um dos 90 Ibidem, p.143. 91 A maioria dos sambistas no início de sua profissionalização, na década de 1930, não tinha telefone, o que tornava o contato com eles difícil. A maneira adotada na época para resolver esse problema era encontrar o compositor em sua casa (quando se sabia onde ele morava) ou no "seu" botequim - método mais comum na altura. 92 SANDRONI, Carlos. Op. Cit., p. 144. 93 Ibidem, p.146. maiores - compradores de sambas da época. Em 1928, para o carnaval daquele ano, Alves concretizava sua primeira compra, a marcha carnavalesca que se chamava "A malandragem" de autoria de Bide. A respeito de tais práticas Sandroni afirma que Havia várias modalidades de compra de sambas: o caso mais drástico era aquele em que o autor, em troca de uma soma fixa, cedia não só os direitos autorais como o reconhecimento da autoria ou seja, seu nome não aparecia nem no disco, nem na partitura. 94 Os outros dois se constituíam em o compositor ceder apenas uma parte dos direitos autorais com a promessa do comprador gravar o samba ou o compositor ceder todo o direito autoral da composição, mas ter a autoria reconhecida na partitura, no disco ou nos dois. O primeiro desses últimos, também conhecido como "parceria" se torna muito comum entre os sambistas da década de 1930 e novamente Francisco Alves é reconhecido, não só pelos estudiosos no assunto, mas pelos sambistas da época, como importante na prática de "parcerias". Aos olhos de alguns pesquisadores, parece-lhes desvantagem a prática da "parceria", porém os próprios sambistas, em depoimentos, afirmaram que não o era, pois sem esse artifício, ficaria muito difícil, no início de suas carreiras profissionais, serem reconhecidos e terem a chance de gravar muitas de suas letras. Sandroni levanta a possibilidade de compreender a importância dos "compradores-parceiros" comparando-os às editoras musicais atuais que dão chance à música se tornar conhecida em troca de uma parcela dos direitos autorais. Essa questão da compra e venda de sambas é outro fato que diferencia bem o antigo samba do novo, pois no antigo "a função-autor se encontrava num estágio ainda mais rudimentar, dispensando a intermediação monetária e resolvendo-se pela apropriação pura e simples". 95 Se a diferença entre o estilo novo e antigo de samba já se faz clara até esse momento a figura do personagem mais tipicamente associado a esse estilo - o malandro - entra no cenário da música carioca para concluir, definindo enfim, a chegada do samba moderno. As alusões ao malandro, em suas várias versões e nomes equivalentes, já podem ser encontradas na história escrita desde 1830, segundo Sandroni que traz a letra de um lundu de autoria de Gabriel Fernandes Trindade intitulado "Graças aos céus" onde se encontra a menção aos "vadios". Depois em romances famosos, como em Memórias de um Sargento de milícias, com a figura do "capadócio" também fazendo alusões ao malandro das subseqüentes décadas de 1930 a 1940. A primeira impressão escrita já com a denominação "malandro", segundo Carlos Sandroni, data de 1904 e diz respeito à "coletânea de modinhas e lundus de Eduardo das Neves, que se 94 Ibidem, p.147. 95 Ibidem, p.151. intitulava O trovador da malandragem". 96 Mas, segundo o mesmo autor, somente no final da década de 1920 que o termo aparece frequentemente nas letras de samba, primeiramente popularizando para, posteriormente imortalizar a figura do malandro carioca, "tornando-o quase um sinônimo de sambista" 97 e caracterizando de forma decisiva o estilo novo de se fazer samba no Rio de Janeiro. Não esquecendo, no entanto, que na primeira geração de sambistas, já se encontravam referências aos malandros nas letras das músicas, porém com um sentido distinto ao empregado nas letras de sambas da segunda geração pela qual o "grupo se reconhece e é reconhecido socialmente" 98 a partir da malandragem. Após o período curto no qual foram produzidos os sambas-maxixe, sambas antigos ou a primeira geração dos sambas segue um longo período que se estende até 1958 - com o advento da Bossa Nova - onde prevalece a produção de uma enormidade de sambas-modernos que, cada qual à sua maneira, irá moldar a identidade musical brasileira. 96 Ibidem, p.159. 97 Idem. 98 Ibidem, p.168. PARTE 2: OS RETRATÁVEIS DO SAMBA E DE PÉRSIO DE MORAES CAPÍTULO 4 - Revista da Música Popular Se o samba se manteve por longo período como principal produto da indústria fonográfica brasileira até a década de 1950, é partindo dela que iremos iniciar esta parte. Com o fim da República Velha, quem assume o governo brasileiro - através de um golpe de Estado - e nele permanece por quinze anos ininterruptos é Getúlio Vargas. Este período no qual Getúlio comanda o Brasil ficou conhecido como Estado Novo e compreende o que chamamos de Era Vargas. Foram anos conturbados para o país em alguns setores e muito bons para outros. Este momento da história brasileira ficou conhecido pelo populismo de Vargas - que adotou o paternalismo para dirigir ações que iriam beneficiar as classes trabalhadoras; pela criação de indústrias de base estatais - o que gerou o crescimento de outros setores industriais brasileiros; pelo Departamento Administrativo do Serviço Público, que "remodelou a estrutura do funcionalismo público prejudicando o tráfico de influências, as práticas nepotistas e outras regalias dos funcionários" 99 e, finalmente, pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. Ele era "responsável por controlar os meios de comunicação da época e propagandear uma imagem positiva do governo", 100 porém, de acordo com Carlos Fantinati, o DIP não exercia o papel somente de censura: [...] ele desempenha uma dupla função no que tange à produção cultural: a primeira é a de obstar e reprimir a transmissão de mensagens que manifestem resistência ao poder, impedindo – as de serem veiculadas, sobretudo pelo rádio; a segunda, a de interferir direta ou indiretamente no próprio processo de produção de cultura e de notícias, tornando-as extensões do poder. 101 O que é feito justamente com o samba, que nessa altura, já está se consolidando símbolo da identidade nacional brasileira. Nas eleições de 1945 Vargas perde e o posto de presidente da república passa a ser exercido - entre 1946 a 1951 - por Eurico Gaspar Dutra, retomando (ou iniciando) um regime democrático no Brasil, porém ainda muito insipiente. O governo de Dutra ficou marcado pela "continuidade de uma política desenvolvimentista baseada nos princípios do planejamento econômico com uma forte 99 SOUZA, Rainer. Era Vargas - Estado Novo. Disponível em: http://www.brasilescola.com/historiab/vargas.htm. 04/06/2011. 100 Idem. 101 FANTINATI, Carlos Erivany. A visão eufórica do Brasil. Ensaios para a Revista Guavira Letras. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 5. 01 de Junho de 2007 - Ano III ISSN 1980-1858. interferência estatal nos setores produtivos industriais e financeiros” 102 direcionamento amplamente utilizado por Vargas durante os quinze anos anteriores no comando do país. Quando o mandato de Dutra termina, Vargas volta ao poder - agora por meios legais, através do voto popular e não baseado em um golpe de Estado - para finalizar a famigerada Era Vargas, que acabaria por ter fim antes da data prevista com o suicídio de Getúlio no dia 24 de agosto de 1954. Cito, neste momento, datas, pois elas nos ajudam a compreender a cronologia do contexto no qual nossa fonte está inserida. Poucos dias após a morte de Getúlio Vargas temos a primeira edição da Revista da Música Popular - fonte historiográfica da presente pesquisa - que nasce em setembro de 1954 e tem sua última edição em setembro de 1956. Nesse curtíssimo espaço de tempo o Brasil é governado por quatro pessoas diferentes. É um período muito agitado no cenário político brasileiro, o que por sua vez reflete nas outras áreas do país. João Fernandes Campos Café Filho, vice-presidente de Getúlio Vargas, era quem deveria assumir a liderança do Estado até se cumprir o final previsto do mandato de Vargas (dezembro de 1955), porém em novembro do mesmo ano Café Filho é afastado do poder em virtude de movimentos políticos e Carlos Luz assume a presidência por apenas, dois dias, quando é deposto no dia 11 de novembro. Sobre sua deposição: [...] houve um golpe militar liderado pelo então ministro da Guerra, general Lott. Atribuíram a deposição de Carlos Luz a manobras políticas para impedir a posse de Juscelino Kubitschek, eleito presidente. O Congresso Nacional proibiu Carlos Luz de permanecer no poder e designou Nereu Ramos, então presidente do Senado, para assumir a presidência até a posse de Kubitschek. 103 Juscelino Kubitschek governa o Brasil, com relativa tranqüilidade, até as eleições de 1960. Nesse cenário de extrema instabilidade e mudanças no plano político brasileiro o campo musical também passava por agitações, como a intitulada crise - ou decadência - musical da década de 50. Na altura, as músicas brasileiras de maior repercussão eram as marchinhas de carnaval e os sambas que "ainda predominava com temas que caracterizavam o ambiente urbano carioca desde os anos 30, como o cotidiano do trabalho e a malandragem". 104 Porém, a música estrangeira exercia grande fascínio entre os ouvintes cariocas. De boleros mexicanos a tangos argentinos, passando por rumbas, rancheiras e guarânias o estrangeirismo no campo musical era muito forte na década de 1950. Ele, que teve sua chegada triunfante na década de 40, com as big bands americanas, se 102 Presidentes do Brasil - Carlos Luz. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/ult1689u61.jhtm. 04/06/2111. 103 Idem. 104 WASSERMAN, Maria Clara. “Abre a cortina do passado” - a Revista da Música Popular e o pensamento folclorista (Rio de Janeiro: 1954 – 1956). Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2002. p.20. mantém influente nos anos seguintes, principalmente com o novo ritmo trazido dos Estados Unidos: o jazz, muito apoiado por várias rádios cariocas e amplamente tocado por músicos de bares da zona sul do Rio de Janeiro. Essa conjuntura traz grande preocupação para alguns intelectuais que começam a perceber o, cada vez menor, espaço que a música popular brasileira "pura" ocupava na época. E decorrente dessa preocupação um grupo de homens da imprensa se reúne e dentre eles, um em especial resolve executar seu projeto: a criação da Revista da Música Popular. Em formato de periódico ela era especializada em música popular, não apenas brasileira, mas também norte-americana. Segundo Maria Clara Wasserman: A ambiciosa publicação reuniu os principais nomes da música e da intelectualidade brasileira e congregou um novo pensamento musical, que tentava alcançar a legitimidade através da abordagem folclórica. Também o reconhecimento da música urbana carioca como autenticamente brasileira fazia parte da proposta. Quanto à música norte-americana, a exclusiva abordagem do jazz de New Orleans, deixava clara a intencionalidade de transformar a música “de raiz” em música pura e autêntica. 105 Em linhas gerais, seu objetivo era mudar a visão inferiorizada de que a música produzida em território nacional teria menor qualidade que a estrangeira - pensamento que várias pessoas mantêm em relação, não somente à música, até os dias de hoje - e buscar uma base para redefinir a raiz da autêntica música brasileira, que teria sua versão mais pura com os sambas da década de 1930. A revista é criada por Lúcio Rangel - diretor responsável e Pérsio de Moraes - gerente - ambos igualmente colunistas em quase todas as edições - e tem seu primeiro número publicado em setembro de 1954. Ela circula pelo país durante, apenas, dois anos, tendo sua última edição datada de setembro de 1956. Era redigida no Rio de Janeiro e distribuída para as demais cidades de importância do país. Foram lançados 14 volumes do periódico e "repentinamente ela deixou de existir, por falta de recursos suficientes para essa cara edição", 106 o que a autora Maria Clara Wasserman - cuja tese de mestrado foi baseada na revista, e que será amplamente utilizada neste capítulo - toma nota dizendo que ela acredita "que o principal problema tenha sido a falta de anunciantes. Todas as pessoas entrevistadas não souberam dizer o motivo do fechamento da RMP e também nada saiu na imprensa da época". 107 O autor Marcos Napolitano considera a Revista de Música Popular como "a primeira tentativa de sistematizar os procedimentos de pesquisa e discussões sobre os fundamentos da música brasileira, como fenômeno cultural das classes 105 Ibidem, p. 8. 106 Ibidem, p. 12. 107 WASSERMAN, Maria Clara. “Abre a cortina do passado” - a Revista da Música Popular e o pensamento folclorista (Rio de Janeiro: 1954 – 1956). Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2002. Nota de rodapé número 4 da própria autora. p. 12. populares e, no limite, característico da própria nação brasileira". 108 Quanto à aceitação do periódico por parte do público e dos outros veículos de comunicação, as informações que temos mostram-se tendenciosas visto que foram extraídas da própria revista, que em sua segunda e terceira edições, em novembro e dezembro de 1954, dois meses após seu primeiro número ter sido lançado, trazem uma seção destinada à visão da imprensa em relação ao nascimento da Revista da Música Popular e em como esta se referiu ao aparecimento daquela. Outro fator que aponta serem tendenciosas nossas informações é que vários dos autores que escreveram sobre o surgimento da Revista da Música Popular, em outros veículos de comunicação, terão, posteriormente, uma ou outra página escritas na revista, quando não uma coluna inteira esporádica ou fixa - como a exemplo de Rubem Braga e Jota Efegê. Porém, iremos citar alguns comentários extraídos da revista, sem que nos preocupemos, pois agora nosso leitor já está devidamente avisado sobre a possível parcialidade de tais comentários. Referindo-se ao lançamento do periódico Rubem Braga, para o Correio da Manhã escreve: "Acho importante porque é a primeira publicação especializada em um setor meio esquecido de nossa cultura". 109 Mário Cabral, para a Tribuna de Imprensa diz: "Não me lembro de outra publicação, em nosso meio, com êsse propósito sério de estudar de verdade o nosso cancioneiro, de estimular o que é autêntico". 110 Hoche Ponte também para o Correio da Manhã enfatiza que: "O que antes de mais nada sentimos vontade de aplaudir é a idéia mesma de uma tal revista, sobretudo agora, quando o rádio e a televisão, com seus mil boleros e mambos, exercem uma influência danosa sôbre compositores e intérpretes de personalidade débil". 111 E por fim, Antonio Bento para o Diário Carioca afirma ser "a revista que estava faltando a esta cidade tão sambista e seresteira, mas que ainda não sabe, em têrmos de musicologia, a riqueza enorme que possui em pouco mais de um século da sua canção de carnaval". 112 Como pudemos perceber, não eram só os criadores e colaboradores da revista que partilhavam da idéia de ser necessária uma compilação com músicas e compositores da "época de ouro" que representava a legítima música urbana popular brasileira. Vários outros intelectuais da época compartilhavam o mesmo pensamento, que era igualmente dividido com uma parcela da população, que também achava grotesca a influência estrangeira na música brasileira. Wasserman resgata a idéia de que na época ser um homem da imprensa, era, além de ascender socialmente perante os olhares alheios, também uma forma de formar opiniões. Diferentemente dos dias de hoje, onde o jornalismo se diz imparcial, na época a parcialidade era 108 NAPOLITANO, M. . A historiografia da Música Popular Brasileira: síntese bibliográfica e desafios atuais da pesquisa histórica. ArtCultura (UFU), v. 8, p. 135-150, 2006. p. 137. 109 Revista da Música Popular, n.º2, p.124. 110 Idem. 111 Idem. 112 Idem. explícita e era com essa intenção - a de mudar opiniões - que muitas pessoas ingressavam nessa área. E foi justamente esse o intuito, segundo a autora, que Rangel e Moraes - juntamente com muitos outros colaboradores da revista - tiveram a iniciativa de executar o projeto, visando fixar a concepção de que a música produzida no Brasil, especialmente na década de 1930, foi a única verdadeiramente pura e não deveria, portanto, ser esquecida jamais. Maria Clara também destaca que a linha editorial da revista se diferenciava das outras muitas - rodadas na época. Enquanto as demais contavam com um número bastante grande de fotografias e, em contrapartida, pouco percentual textual a Revista da Música Popular escrevia num sentido inverso. Eram "50 páginas, cada página com duas colunas de texto e um número reduzido de fotografias, uma média de quatro vezes mais textos que fotos". 113 Algo que pude notar fazendo uma breve pesquisa do material jornalístico da década de 50, foi a quantidade considerável de revistas ligadas à questões pouco importantes como boatos contados a respeito de pessoas públicas e famosas e também uma grande quantia de revistas sobre cinema, como à exemplo da Cine-Fan, Cinearte, Cine-Revista, Cinelândia, Filmelândia.114 Wasserman, em sua tese, cita ainda as outras revistas ligadas à música como a Radiolândia e a Revista do Rádio.115 O fato da Revista da Música Popular contar com mais textos que imagens nos dá um panorama do tipo de leitor que estaria procurando o periódico. Ela é claramente voltada a um público mais intelectualizado e declaradamente direcionada aos fãs, colecionadores ou interessados em discos. Como afirma Wasserman: Tratava-se de um público apreciador da “velha música”, colecionadores, estudiosos sobre o assunto, que negavam o presente musical por este ter se desvirtuado da “pureza” (na expressão dos editores) conquistada com Ismael Silva, Wilson Batista, Noel Rosa, Aracy de Almeida. 116 A revista quando escrevia sobre a decadência da música brasileira estava, quase sempre, se referindo a decadência do samba. Porém, a discussão deles é diferente do debate suscitado no capítulo anterior, onde os autores discutiam qual samba era o verdadeiro, qual teria maior legitimidade, o da primeira geração ou o do pessoal do Estácio. Na época da revista, já se considerava bem definido que o "samba de verdade" era aquele feito no Estácio a partir da década de 1930 - o anterior ainda era metade maxixe. Ele era o ritmo mais puro e genuinamente brasileiro que se conhecia e foi assim até 1945 quando se inicia a importação de ritmos estrangeiros que viriam a influenciar de forma marcante a música popular brasileira, o que marca o fim da "época de 113 WASSERMAN, Maria Clara. Op. Cit., p.13. 114 Década de 50: quando a felicidade parecia bater às portas do Brasil. Jornais e Revistas Pesquisados. Disponível em: http://decadade50.blogspot.com/2006/09/jornais-e-revistas-pesquisados.html. 05/06/2011. 115 WASSERMAN, Maria Clara. Op. Cit., p.13. 116 Idem. ouro" e início da fase de internacionalização na nossa música. A discussão presente na revista girava em torno de analisar criticamente "a influência americana, as marchas carnavalescas, os fãs clubes e programas de auditório, as orquestrações no samba e todo o procedimento da indústria fonográfica". 117 O primeiro ponto, a influência estrangeira, principalmente norte americana, se deu inicialmente através do cinema. Foi através dos musicais produzidos em Hollywood que o Brasil passou a conhecer e "imitar" (como gostam de escrever os colaboradores da revista) os ritmos estrangeiros populares na época, fazendo com que o samba não fosse mais o único "queridinho do Brasil", tendo que dividir e até perder espaço para os novos "swingues" que chegavam de fora. E a mistura entre os ritmos foi quase inevitável, o que gerou muita discussão e desgosto para os amantes da música "pura" brasileira. Uma das mais marcantes influências foi a fusão do samba com características do bolero, o que ficou conhecido como "sambolero". Era samba, alguns afirmavam, porém com mudanças significativas no andamento e nas letras das composições, que passaram a ser cada vez mais "melodramáticas". Segundo a revista, boa parte da culpa por isso ter acontecido foi devida a pressão que a indústria fonográfica - muito criticada pelo periódico - exercia. Wasserman, escrevendo a respeito dos pesquisadores da historiografia da música brasileira: Tinhorão e Vasco Mariz, afirma que eles: [...] analisam o período como propício à involução musical, provocada pela moderna indústria do disco que começou a criar e a manipular uma nova audiência pensamento que tomou forma com a Revista da Música Popular que, pela primeira vez tratou sistematicamente do tema, criticando a indústria fonográfica que a cada dia, “fabricava” artistas e músicas sem qualquer compromisso com a tradição. 118 Vimos no capítulo anterior que o foi decorrente também do advento da indústria fonográfica as primeiras formas de compra e venda dos sambas, parcerias (por vezes não justas) entre compositores e cantores, etc. Tudo isso é criticado pela revista e por Pérsio Moraes, autor das crônicas que serão posteriormente analisadas. Os espaços físicos da música popular brasileira, bem como dos lugares de divertimentos dos boêmios também se modificou desde meados da década de 40 até os anos de 1950. Entretanto, novamente diferente do que já vimos no capítulo anterior, esse espaço não gera discussão em torno das casas das tias baianas e o bairro do Estácio - como lugares de legitimação do samba de verdade. Agora a questão do espaço é outra. Com o fechamento de prostíbulos, a desapropriação de prédios antigos e insalubres e a proibição do jogo com o fechamento dos cassinos o malandro sambista fica deslocado, perde seu ambiente e segundo alguns autores isso vem acentuar perante a sociedade a 117 Ibidem, p.18. 118 Ibidem, p.19. decadência do samba. Porém, uma cidade como o Rio de Janeiro não poderia ficar sem seus "lugares de divertimentos" e a zona sul carioca então desperta para acomodar novos redutos boêmios com a abertura de night clubs e boites. Sobre os novos boêmios e a mudança dos espaços de sociabilidade Wasserman nos lembra que: [...] a nova boêmia que ocupava Copacabana não era a mesma que circulava no Centro do Rio de Janeiro. Mesmo em pontos opostos da cidade, a música popular ainda era o elo de união entre espaços e classes sociais e o que se tocava em ambos os lugares, direcionava o repertório das rádios, principalmente em relação aos sambas-de-meio-de-ano ou sambas-canções. 119 A música, desde metade de 1940, circulava livremente pelos quatro cantos da cidade. Não se restringia mais apenas aos morros, subúrbios e zona norte, a música chegou à zona sul carioca, e essa chegada trouxe conseqüências para a música brasileira. Com o novo ponto de encontro da boêmia carioca, situado agora em espaços mais nobres da cidade, a música estava mais "próxima da elite carioca, de artistas nacionais e estrangeiros e ainda de colunistas sociais". 120 Fato que merece destaque na década de 50 foi a inauguração da primeira emissora de televisão brasileira, a Tv Tupi exatamente em 1950. Mas como ressalta Wasserman, durante toda a década de 50 "a televisão ainda não representava uma ameaça para a audiência radiofônica",121 pois ela só viria a se popularizar definitivamente a partir de 1960. Antes disso o número de aparelhos era reduzido, devido em grande parte ao seu custo, portanto, restringindo o acesso à elite carioca. Na direção contrária o rádio popularizado desde 1932 "representaria ainda, nos vinte anos seguintes, um fator simbólico de congregação das classes populares e da burguesia". 122 Todos o tinham em casa, ele era utensílio imprescindível nos lares tanto pobres quanto ricos, o que acarretou na consolidação de sua audiência. Wasserman resume afirmando que o rádio "transformou-se em um fenômeno cotidiano, ligado à cultura popular urbana". 123 Como ela era a principal mídia de áudio para a propagação da música no Brasil, a Revista da Música Popular menciona-o corriqueiramente em suas 14 edições. Quase sempre essas menções são em termos de críticas, pois o rádio, como parceiro da indústria fonográfica, ajudava a difundir qualquer música que agradasse ao público tendo ela ou não qualidade. E ele fora também o principal veículo de difusão da mistura entre músicas estrangeiras e brasileiras, fato que desagradava muito os redatores da revista. Como sintetiza Wasserman: 119 Ibidem, p.21. 120 Ibidem, p.23. 121 Ibidem, p.24. 122 Ibidem, p.25 123 Idem. O procedimento do mercado fonográfico foi duramente criticado pela Revista da Música Popular. O repertório das rádios durante o período de circulação da Revista (1954 a 1956) evidenciava uma política voltada para o gosto popular, onde o melodrama era a principal característica das canções do período. 124 A autora traz, em sua tese, uma pequena amostragem das músicas mais tocadas nas rádios durante os dois anos de existência da Revista da Música Popular. Baseado nos dados ela constata que o samba, realmente "puro", constituía apenas 30% do repertório de sucesso na época, dividindo espaço com as marchinhas de carnaval, com os sambas-canção e com as músicas estrangeiras (tangos, boleros, rumbas, foxes) que juntos formavam o restante da lista musical interpretada. Esse fato, segundo Wasserman, representava para a revista um "cenário “apocalíptico e trágico” e caberia ao próprio periódico retomar a tradição perdida". 125 Com essa passagem compreendemos claramente a intenção dos fundadores da revista - e igualmente de todos que colaboraram com ela e escreveram em suas páginas - em "salvar" a música brasileira e o Brasil de um fim dos tempos em termos culturais e musicais. Em resumo, as grandes preocupações da revista eram preservar os ídolos dos anos 30, que em menos de 20 anos já pareciam esquecidos por boa parte das pessoas e principalmente pelos meios de comunicação do período, como as revistas sobre o assunto e o rádio; não deixar a arte viver para atender apenas à demanda popular e comercial e principalmente não deixá-la morrer sucumbida, por exemplo, pelo apelo do capitalismo de compor músicas por dinheiro e não mais meramente por amor e criar uma raiz de tradição que vincularia os sambas da década de 1930 a mais autêntica e limpa música popular brasileira, tendo esta que ser preservada a qualquer custo. 124 Ibidem, p.34. 125 Ibidem, p.37. CAPÍTULO 5 - Crônica, um gênero textual Nós mencionamos anteriormente a diferença de postura em relação ao jornalismo atual e o propósito dos fundadores da Revista da Música Popular, dizendo que o primeiro se diz frio e objetivo sendo sempre "imparcial", ou buscando, a todo o momento, ocultar sua parcialidade - o que à nosso ver é impossível, pois todo texto escrito e toda palavra falada está imbuída de alguma carga de subjetividade - enquanto que os segundos são explicitamente parciais e tem a intenção de formar e/ou modificar opiniões. A crônica, seria o único gênero textual passível de comparações com o jornalismo empregado pelos redatores da Revista da Música Popular. Segundo Yolanda Maria Muniz Tuzino: A crônica tem a façanha de ser um texto que informa através do enfoque autoral, subjetivo, opinativo, parcial. Para o cronista, por sua vez, a crônica é o texto que lhe dá a liberdade de transitar pelo real e pelo ficcional, pelo noticioso e pelo literário concomitantemente. 126 A palavra crônica tem sua origem etimológica na palavra grega chronos, que significa tempo. Tuzino cita Massaud Moisés para explicar que: Do grego chronikós, relativo a tempo (chrónos), pelo latim chronica, o vocábulo “crônica” designava, no inicio da era cristã, uma lista ou relação de acontecimentos ordenados segundo a marcha do tempo, isto é, em seqüência cronológica. Situada entre os anais e a história, limitava-se a registrar os eventos sem aprofundar-lhes as causas ou tentar interpretá-los. Em tal acepção, a crônica atingiu o ápice depois do século XII, graças a Froissart, na França, Geoffrey of Monmouth, na Inglaterra, Fernão Lopes, em Portugal, Alfonso X, na Espanha, quando se aproximou estreitamente da historiografia, não sem ostentar traços de ficção literária. A partir da Renascença, o termo ‘crônica’ cedeu vez a ‘história’, finalizando, por conseguinte, o seu milenar sincretismo. 127 Porém, o emprego de seu conceito moderno teve início apenas no século XIX, quando "tal vocábulo revestiu-se de sentido estritamente literário" 128 não tardando para que a imprensa utilizasse-o amplamente num sentido de narrativa histórica. Uma questão levantada pela autora é com relação ao diferente uso e entendimento da crônica pelo jornalismo nacional e internacional. De acordo com Tuzino: O berço da crônica brasileira é o jornal impresso. Aqui ela foi desenvolvida pelos cronistas de modo tão singular que, além de não existir texto com características similares no âmbito internacional, passou a ser apontada como uma criação genuinamente brasileira. 129 126 TUZINO, Yolanda Maria Muniz. Crônica: uma Intersecção entre o Jornalismo e Literatura. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/tuzino-yolandauma-interseccao.pdf. 06/06/2011. p.2. 127 MOISÉS, Massaud. A criação Literária – Prosa II. São Paulo: Cultrix, 2003. p.101. apud TUZINO, Yolanda Maria Muniz. Op. Cit., p.3. 128 TUZINO, Yolanda Maria Muniz. Op. Cit., p.3. 129 Ibidem, p.1. No Brasil, o gênero, passa a ser utilizado, ainda hoje, com um sentido diferente daquele empregado por outros países. Internacionalmente, a crônica está relacionada ao relato cronológico enquanto que em nosso país não existe, necessariamente, essa associação. Para nós, o entendimento da palavra crônica remete a um gênero textual que descreve, quase sempre, a atualidade, e que tem como característica ser um texto curto e rápido, próprio para publicações em revistas e jornais. "Porém, seja como no sentido inicial de “registro do passado e dos fatos na ordem em que sucederam”, seja em sua acepção atual enquanto - “enfoque dos fatos do dia-a-dia” - o vínculo com o sentido etimológico permaneceu"130 mantendo na palavra crônica um sentido de resgate do tempo, seja ele passado ou presente. A carta de Pero Vaz de Caminha escrita em 1500 para relatar a chegada no Novo Mundo - a descoberta do Brasil - configura-se na primeira crônica de nosso país. Vários autores compartilham a opinião de que nossa literatura surgiu da crônica, pois além daquela escrita por Caminha, todas as outras contemporâneas a ela utilizavam-se do mesmo recurso de linguagem para descrever e pormenorizar as "coisas" da nova terra. Mas notemos que ainda nessa altura as crônicas tinham o sentido literal de narrarem cronologicamente os fatos. Outros pesquisadores, por sua vez, atestam que o nascimento do gênero no Brasil tem seu marco em 1852 quando é lançado o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro por Francisco Otaviano, mas nem todos compartilham a visão de que a crônica já nascera assim, muitos afirmam que ela nasceu, antes como folhetim, para posteriormente se tornar o que hoje chamamos crônica. Tuzino citando Neiva escreve que: [...] à medida que a crônica ganhou o seu espaço no jornal impresso, sobretudo, com os textos de Machado de Assis, no século XIX, o fator tempo passou a não ser tão fundamental. O aspecto cronológico cedeu caminho às inúmeras possibilidades de significados da crônica, à sua abrangência temática e lingüística. 131 Esse teria sido o momento de dissociação, atravessado pela crônica brasileira, que viria a consolidar o gênero como o entendemos na atualidade. O século XX foi marcado por profundas mudanças jornalísticas. O surgimento do rádio, a primeira Guerra Mundial e a divisão do trabalho causaram grande impacto na imprensa brasileira. "Esta viveria um grande processo de modernização através da importação de novos equipamentos e de uma maior definição nas relações sociais de trabalho, conseqüências da intensificação do sistema capitalista". 132 A notícia passa a ser algo "comprável" e, portanto, manipulável. Isso nos remete 130 Ibidem, p. 4. 131 NEIVA, Érica Michelline Cavalcante. A crônica no jornal impresso brasileiro. Disponível em <www.unirevista.unisinos.com.br>. Acesso em: 11 de fevereiro de 2008. apud TUZINO, Yolanda Maria Muniz. Op. Cit., p.6-7. 132 Idem. imediatamente à música, que como citada acima, passou pelo mesmo processo e, que também decorrente dele, os criadores da Revista da Música Popular quiseram executar seu projeto de lançar a revista. Como observamos não somente as artes (dança, música, teatro) estavam sujeitas ao novo sistema que se instalava cada vez mais rápido no Brasil - e no mundo. Tudo, uma hora ou outra, ficaria à mercê dele, sendo dependente do sistema para continuar existindo e com isso virava objeto comercial, moldável aos interesses capitalistas. Tuzino define bem o que ocorreu igualmente com a imprensa quando diz que "a notícia transformou-se em bem de consumo e, como tal, destinava-se às exigências de seu publico consumidor". 133 Penso que a lógica deve ser a que vigora até os dias de hoje: se a notícia não vende, ela não interessa. Na contemporaneidade, segundo enaltece Sandra Pesavento, a crônica: [...] carrega consigo o ritmo alucinante da vida moderna e a sua caracterização estigmática de leitura leve, de texto ligeiro, para divertir, informar ou fornecer a notícia e os comentários aos habitantes da urbe moderna. Ela é muito bem aceita, pois combina as exigências da rapidez da comunicação da sociedade moderna com a tradição coloquial da moralidade. 134 O historiador deve, portanto, ver nesse gênero textual um registro - carregado de sensibilidade - de um tempo, ações e percepções passadas. Segundo a autora "para o historiador do presente a crônica se oferece como um exercício imaginário para a apreensão das sensibilidades passadas". 135 Quanto à crônica ser um gênero literário tipicamente brasileiro, esta afirmação se baseia em constatar que este estilo lingüístico é diferente nos diversos países, mas que, entretanto, nota-se sempre a ligação com a narração histórica e com a cronologia. No Brasil isso não ocorre. As características encontradas em nossas crônicas não se apresentam em nenhum outro lugar. Para muitos autores ela seria um gênero autônomo fruto da criação de várias personalidades distintas. Contudo, semelhanças em outros aspectos surgem com relação a nossa crônica com àquelas escritas em Portugal. De acordo com Tuzino "a característica que faz com que se equivalha é que o autor de uma crônica portuguesa age de modo similar ao autor brasileiro para redigi-la: utiliza-se dos fatos como pretexto". 136 Mas se vários autores atestam que o gênero é brasileiro, há ainda os que afirmem ser ele carioca. Segundo Massaud as crônicas são naturalizadas cariocas, pois haveria um volume, uma constância e uma qualidade muito maiores nas crônicas produzidas por autores do Rio de Janeiro do TUZINO, Yolanda Maria Muniz. Op. Cit., p.7. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Crônica: A leitura sensível do tempo. Anos 90 - revista do curso de Pós-Graduação em História, Porto Alegre, n. 7, p. 29-37 jul. 1997. p.31. 135 Idem. 136 Ibidem, p.9. 133 134 que de outros estados, sem tirar o mérito dos demais escritores. O autor afirma que: Tal naturalização não se processou sem profunda metamorfose, que explica o entusiasmo com que alguns estudiosos defendem a cidadania brasileira da crônica: ao menos da crônica dos nossos dias, tudo faz crer que raciocinam corretamente. De qualquer modo, a crônica tal qual se desenvolveu entre nós, parece não ter similar noutras literaturas, salvo por influência de nossos escritores (como na moderna literatura portuguesa). 137 Quanto às classificações destinadas as crônicas há divergência de opiniões e de teorias por parte dos pesquisadores no assunto. Temos classificações baseadas no critério jornalístico segundo Luiz Beltrão, na tipologia literária de acordo com Afrânio Coutinho, na relação com gêneros literários seguindo Massaud Moisés e na estrutura da narrativa como afirma Antônio Cândido.138 Iremos apenas mencionar cada qual sem nos aprofundarmos, para que posteriormente possamos utilizarmo-nos delas para fazer um panorama das crônicas de Pérsio de Moraes. As classificações baseadas no critério jornalístico tem sua primeira distinção feita em relação à natureza da crônica, que pode ser geral, local ou especializada. Na geral, o autor escreve sobre variados assuntos e tem sempre um espaço fixo no jornal ou revista. A local ou urbana trata de assuntos quotidianos da cidade e a especializada tem sempre como autor um especialista em determinado assunto que irá escrever todas as vezes sobre esse mesmo assunto dando pormenores sobre ele. Quanto ao tratamento dado ao tema da crônica, ele pode ser analítico, sentimental ou satírico-humorista. No primeiro os dados são expostos e discorridos de modo objetivo e breve. No segundo o autor se imbui de emoção para escrever e comover seu leito. Já no terceiro o recurso utilizado é a ironia, a crítica, a caricatura e às vezes a mistura de todos os elementos juntos. As categorizações através da tipologia literária podem classificar-se quanto à natureza do assunto ou quanto o movimento interno. Quanto à natureza do assunto as crônicas podem ser narrativas ou metafísicas. As primeiras se aproximam dos contos e um grande exemplo de escritor deste estilo é Fernando Sabino. Já as segundas são "constituídas de reflexões mais ou menos filosóficas sobre os acontecimentos ou os homens, como é o caso de Machado de Assis ou Carlos Drummond de Andrade". 139 Quanto ao movimento interno elas podem ser crônicas-poemas ou crônicas-comentários. As crônicas-poemas tem conteúdo lírico, segundo Coutinho é "mero extravasamento da alma do artista ante o espetáculo da vida, das paisagens ou episódios para ele significativos, como é o caso de Álvaro Moreyra, Rubem Braga, etc." 140 e as crônicas-comentários trazem assuntos díspares, abordam vários acontecimentos que podem - e geralmente - são MOISÉS, Massaud. A criação Literária – Prosa II. São Paulo: Cultrix, 2003. p.103. Ver em TUZINO, Yolanda Maria Muniz. Op. Cit, p.11-12. 139 COUTINHO, Afrânio. Antologia brasileira de literatura. , Letras e Artes, vol.3. Rio de Janeiro: 1967. p. 97-98. 140 Idem. 137 138 relacionados a questões que nem sempre tem ligação direta. O levantamento das crônicas nas relações com os gêneros literários se divide em crônicaconto e crônica-poema. No primeiro o autor assume o papel de narrador e historiador. Ele relata em forma de conto um fato que lhe chamou atenção. No segundo o autor insere sua emoção na hora de escrever a crônica e os temas são geralmente ligados a algum sentimento ou fato sucedido com o próprio autor. E por fim a classificação através da estrutura da narrativa se dá pela diferença da crônica diálogo, crônica narrativa, crônica poética e crônica biografia. Na primeira o autor da crônica conversa com seu leitor, trocando informações com este ou lhe contando como se este estivesse realmente ali, presente, podendo ouvi-lo. Na segunda há semelhança com a crônica conto. É um princípio dela, um estágio anterior ao conto em si. A terceira se assemelha à classificação anteriormente citada da crônica-poema. Eu diria que os autores definiram a mesma coisa. E a última, a crônica biografia é lírica e narra a vida de uma pessoa, que eu acredito não poder ser o próprio autor, pois senão o texto se enquadraria à uma crônica poética. Após esse breve esboço sobre tão rico gênero literário trataremos de algumas questões com as quais gostaríamos de concluir este subcapítulo. Uma, partilhada por Yolanda Tuzino, defende a idéia de considerarmos a crônica como um gênero textual híbrido, que não pertence exclusivamente nem ao jornalismo nem à literatura transitando livremente por ambos os campos de produção. Segundo Tuzino: [...] a leitura de mundo oferecida por aquele que produz uma crônica é extremamente ética, na medida em que deixa evidente ao leitor de que aquele texto é autoral, é opinativo. A Crônica é Jornalismo e Literatura. Sua natureza híbrida impera nesta compreensão. É jornalística quando busca no cotidiano os fatos da vida real que são noticiosos e é literária quando se permite utilizar elementos literários (ex: criação de personagens, linguagem solta e coloquial, etc.) para construíla. 141 Outra noção trazida à tona por Sandra Jatahy Pesavento nos mostra como as crônicas são às vezes consideradas gêneros "menores", inferiores a outros. Isso se deve ao fato de, na maioria das vezes, ela tratar de assuntos "mais simples", do cotidiano, em detrimento de abordar questões mais "sérias" - como poderiam afirmar uma gama de intelectuais. Porém, para a autora, é justamente isso que faz dela ser um gênero tão grandioso. Elas têm a capacidade de "captar a partir de "acontecimentos "miúdos" do cotidiano o seu tema narrativo, mostrando ao leitor a beleza das coisas simples, agora reveladas numa grandeza e singularidade até então insuspeitadas". 142 141 142 TUZINO, Yolanda Maria Muniz. Op. Cit, p.15. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. Cit., p.29. CAPÍTULO 6 - Um tipo da música popular Vários foram os colaboradores que, vindos das mais variadas áreas como historiadores, jornalistas, colecionadores de discos, literatos ajudaram a transformar a Revista da Música num periódico de muita qualidade. Grandes nomes da literatura e do jornalismo deixaram sua marca na revista à exemplo de Sérgio Porto, Orestes Barbosa, Rubem Braga, Jota Efegê, entre outros. A própria revista, numa seção - já citada anteriormente - intitulada Como a imprensa se referiu ao aparecimento da Revista da Música Popular, presente no segundo e terceiro número da revista em novembro e dezembro de 1954 dois meses após seu primeiro número ter sido lançado, nos prova, baseado no relato de outros autores escrevendo para distintos meios de comunicação quão renomada era a gama de colaboradores da revista: "Os colaboradores da Revista da Música Popular são todos nomes conhecidos e consagrados na imprensa e nas letras do país [...]" (Estado de Minas) "O grupo de colaboradores é dos mais abalizados e autorizados [...]" (Diário de Bauru) "Apresentando agradável aspecto, bastante ilustrada, selecionou igualmente excelente corpo de colaboradores onde figuram especialistas nos diversos aspectos musicais dos temas populares" (Diário de Notícias) E por fim "[...] escolheu o diretor da Revista da Música Popular uma equipe que congrega o que há de melhor na imprensa especializada, reunindo, ao mesmo tempo, respeitáveis nomes como os de Manuel Bandeira e Rubem Braga, que, por si sós, dão uma déia do excelente nível da matéria" (A Cigarra). 143 A revista não tinha nem dia nem mês certo para ser lançada e nas 14 edições só consta a informação dos meses. A princípio era um periódico mensal, porém houve meses cujo lançamento não foi realizado, como em outubro de 1954, e outros em que uma revista se destinava a dois meses, como em Março/Abril, Maio/Junho, Julho/Agosto e Novembro/Dezembro de 1955. No seu último ano de existência são editados apenas três números, em Abril, em Junho e em Setembro de 1956. A estrutura da revista compunha-se de seções fixas e esporádicas. As últimas eram mais numerosas que as primeiras. As primeiras mesmo que chamadas fixas, não estavam presentes em absolutamente todos os números da revista - principalmente nas primeiras edições, o que possivelmente se deve ao fato de no início, o periódico ainda esta estruturando-se e adaptando-se à demanda e ao que se propôs fazer. A respeito das colunas fixas começaremos dando uma breve pincelada sobre o que versava cada qual, seus autores e sua disposição na revista. A primeira a ser tratada é a coluna intitulada Discos do mês e é escrita pelo próprio Lúcio Rangel, com exceção 143 Revista da Música Popular, n.º 3, p.176. apenas do lançamento no primeiro número onde quem fica responsável pela coluna é Sérgio Porto. Está presente em todos os números da revista até a 10a. edição. A seção era destinada a apresentações e críticas de diversos discos. Como não poderia deixar de ser a maioria deles era do gênero samba, e as críticas para esses quase não apareciam. Muito diferente de quando algum disco de cantor brasileiro cantando ritmos estrangeiros era citado onde nesse caso Rangel não poupava palavras para escancarar sua indignação Cantor cow-boy no Brasil é coisa absurda. Porque macaquear o estrangeiro, quando temos o ritmo e motivos nossos, quando possuímos um dos folclores mais ricos do mundo? E pensar que discos como êsses são dedicados às crianças brasileiras! A Carrousel já apresentou gravações excelentes para crianças e ficamos pasmados com a inclusão do cantor cow-boy numa série tão bem feita e que tanto sucesso vem fazendo. 144 Seguindo a temática dos discos, que permeia grande parte da revista, outra seção fixa se encontrava na área destinada ao jazz. Como já mencionado anteriormente, a Revista da Música Popular não tratava apenas da música brasileira - apesar de ser o mote principal - trazendo em todas as suas edições seções fixas de abordagem exclusiva ao jazz de New Orleans cuja autenticidade era transparente para os redatores do periódico. A coluna chamava-se Um disco por mês, esteve presente em onze edições (não aparecendo nos número 7, 8, 9 e 14) e cuja autoria não consta na revista. Nela, a cada edição, havia um disco de jazz, selecionado pelo escritor que contava um pouco sobre quem gravou a composição (músico e gravadora), as informações do disco como nome, faixas e breve história de algumas delas, também avisava onde ele poderia ser encontrado para compra no país. E claro, a maior parte do texto era destinado às críticas - majoritariamente positivas - à mídia em questão. Outras colunas constituíam a área destinada ao jazz na revista, mas como elas variavam de acordo com a edição encaixá-la-emos como esporádicas, porém, que fique claro que a área sobre jazz estava sempre presente e ocupava as últimas páginas do periódico, sendo que às vezes uma coluna separada das outras se encontrava no meio da revista. A seção Estes são raros presente, igualmente à coluna anterior, em onze dos quatorze números lançados trazia a cada edição um disco (ou mais) fabricado por gravadoras que na maioria das vezes não existiam no Brasil, mas fazendo com que aqueles discos fossem de muito difícil acesso. Apenas poucos colecionadores o possuíam. O comentarista falava rapidamente da gravadora, dos cantores e principalmente dos compositores das canções mais famosas de tais gravações. É uma coluna semelhante a Um disco por mês com a diferença de que nesta, todas as recomendações de discos eram de música brasileira. A coluna O rádio em 30 dias escrita por Nestor de Holanda fez parte do corpo da revista durante sete edições. As seis primeiras de maneira 144 Revista da Música Popular, n.º 2, p.103. consecutiva (estando presentes desde o 1o. até o 6o. número) e a sétima apenas no 12o. volume da revista. A seção ficava encarregada, de acordo com Maria Clara Wasserman por: [...] descrever e polemizar os acontecimentos nas principais emissoras do país. Com estilo irônico, Nestor de Holanda criticava os fatos e as personalidades radiofônicas. Apesar das criticas que fazia aos fãs clubes e aos concursos, a coluna do jornalista era a única que possuía espaço para os principais nomes do rádio nos anos 50, como Emilinha, Marlene, Jorge Goulart, Angela Maria e outros. Em meio a críticas e sugestões, Nestor de Holanda chegava a noticiar os principais eventos da Rádio Nacional e dos concursos em geral. 145 Em Música dentro da noite Fernando Lobo - compositor, jornalista, radialista e pesquisador de mpb - traz a agenda cultural de música brasileira do Rio de Janeiro. Ele enfatiza, principalmente, as atrações que podem ser vistas e ouvidas à noite como em boites, salões de hotéis, casas dançantes, casas de shows e restaurantes. Mas algumas dicas são também para o período do dia, como exposições de arte que relacionam música e pintura, por exemplo. A coluna tem um tom bastante irreverente. Lobo, além de descrever os melhores lugares para conferir cada atração, contando pequenas histórias divertidas sobre o local ou personagens que fazem parte dele, também traz ilustrações - desenhadas por ele mesmo - para dar colorido às suas pequenas histórias. A coluna toma duas páginas da revista e acredito ter sido ela bem aceita pelos leitores visto sua continuidade durante todas as edições, com exceção do número 8, que, como já mencionamos anteriormente, foi um lançamento especial redigido para homenagear Carmen Miranda que havia falecido, portanto, toda revista versava sobre a cantora e sua estrutura se deu de forma diferente nessa edição, não abarcando nem mesmo as seções fixas. Na seção intitulada História social da música popular carioca escrita pela folclorista Mariza Lira, o intuito era trazer para o periódico "um estudo sobre as raízes folclóricas da música do Rio de Janeiro". 146 Sua coluna esteve presente, consecutivamente, em todos os números da revista a partir da 3a. edição. Segundo Maria Clara Wasserman, que pesquisou mais a fundo essa seção da revista, Lira deixava transparecer uma proposta de "historicisar a música popular carioca, garantir a vertente folclórica e consolidar a idéia de que a música nascida no ambiente urbano do Rio de Janeiro era a música que representava a identidade da nação brasileira". 147 Ela seguia, portanto, o objetivo claro da revista: criar uma noção de identidade a partir dos sambas da "época de ouro". Para dar veracidade a tal criação a revista conta com uma gama de autores vindos de diversas áreas (músicos, compositores, musicólogos, folcloristas, intelectuais de diferentes áreas, literatos, historiadores, jornalistas, radialistas, entre outros) que a cada número do periódico deveriam seguir WASSERMAN, Maria Clara. Op. Cit., p.31-32. Ibidem, p.100. 147 Idem. 145 146 as diretrizes da revista, tendo um compromisso com a construção da identidade nacional com base na música urbana popular brasileira autêntica. A última coluna no hall de seções consideradas fixas por esta pesquisa levava o nome de Um tipo da música popular. Ela nos interessa especialmente por ser nosso objeto de análise dentro da fonte historiográfica escolhida. A seção tinha autoria do jornalista e escritor Pérsio de Moraes, natural de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Em parceria com Lúcio Rangel foi fundador da Revista da Música Popular, diretor gerente do periódico durante seus dois anos de existência e era o responsável pela parte administrativa dela, cuidando igualmente dos patrocínios. Segundo Wasserman: [...] a estrutura pouco comercial do periódico, além da postura ideológica de Moraes e Rangel provocaram uma crise financeira na Revista após a 7ª edição, quando deixou de ser mensal e passou a circular de forma aleatória, quando fechava o orçamento. 148 A coluna de Pérsio fez parte do corpo da revista durante as 13 edições. 149 Escrita em forma de crônica, ela tinha por objetivo comentar sobre eventos e/ou personagens que serviram ou poderiam servir de contexto para famosas letras de sambas. Segundo seu colunista: [...] o que mais me impressiona na nossa música popular é o tipo humano retratado em certos sambas ou marchas [...] de fato, o que mais me impressiona é o <<retrato>> de certos tipos nas côres simples das palavras de rua (ou de morro) dos sambistas, emoldurado pelas notas das músicas sem intenção.150 O autor, nessa primeira edição de sua coluna, dá seqüência à sua teoria que afirma retratarem os sambas os tipos mais simples de pessoas. Em geral, não eram os "figurões" que estavam presentes nas letras, mas sim qualquer um que segundo Pérsio: [...] a gente se encontra a tôda hora, trabalha junto com êles, fica atrás ou na frente dêles em qualquer dos milhares de filas de nossa cidade mil vêzes maravilhosa, ou se espreme junto com êles num elevador, num trem da Central, ou num <<comício>> de banca de jornal. E, no entanto, nunca os observamos intensamente, atentamente. 151 Para ele, essa era a grande genialidade contida nas letras de samba, o fato de conseguir flagrar no melhor ângulo figuras "esquecidas", despercebidas de nosso cotidiano. Fazendo um paralelo com o gênero textual com a qual a coluna é escrita, as crônicas são imbuídas da mesma WASSERMAN, Maria Clara. Op. Cit., p.91-92. Novamente lembramos que a edição de número 8 foi um lançamento especial em homenagem à cantora Carmen Miranda. Nesse volume, nem mesmo as seções fixas da revista estão presentes. 150 Revista da Música Popular, n.º 1, p.46. 151 Idem. 148 149 sutileza. De fatos e personagens do dia-a-dia são extraídos os temas fonte de sua inspiração, e acontecimentos que por vezes passariam sem que nós nos déssemos conta, vistas através das crônicas ou das letras de sambas adquirem uma nova dimensão, de especial relevância aos olhares atentos dos leitores e amantes dos sambas. Pérsio finaliza sua introdução justificando que sua motivação para escrever aquela coluna era o fato de muitos dos "retratáveis" dos sambas não terem idéia de que eram eles que inspiravam as letras daquelas tão belas músicas. E segue afirmando que por vezes os compositores não tinham apenas uma fonte de inspiração, mas várias. Muitas letras davam margem a considerarmos muitas pessoas personagens de sambas consagrados, e segundo Moraes, todos nós também poderíamos identificar em alguém de nosso convívio um tipo da música popular. Em termos de estrutura a coluna tinha sempre um subtítulo que remetia ao "retratável" sobre o qual Moraes discorreria ao longo do texto. Os personagens eram sempre vinculados ou a um samba consagrado ou a vários152 - salvo uma exceção na edição de número 12 cujo tema era o carnaval e para isso Pérsio trouxe como referência marchinhas carnavalescas. Abaixo as treze crônicas presentes na revista: UM TIPO DA MÚSICA POPULAR SEM SUBTÍTULO SEM SUBTÍTULO O <<INQUILINO>> DA CALÇADA LAURINDO CONVERSA DE BOTEQUIM "SEU OSCAR" O SAMBISTA INÉDITO ONDE ESTÁ A HONESTIDADE? MARIA MALUCA PALHAÇO DE NATAL O FOLIÃO O "CORREIRO" POIS É, ATAULFO N.º DA REVISTA 1 2 3 4 5 6 7 9 10 11 12 13 14 Para este trabalho escolhemos seis crônicas como objeto de análise presentes na 1ª, 4ª, 5ª, 7ª, 12ª e 13ª edições. Como já explicamos na introdução os critérios para a escolha de nosso objeto se basearam nos conteúdos das crônicas. As escolhidas versam sobre o mundo do samba e dos 152 Todas as composições utilizadas por Pérsio em sua coluna foram produzidas entre 1930 e 1950, salvo duas exceções: "Quem sabe, sabe" e "Turma do Funil", ambas marchas carnavalescas presentes na 12a. edição da revista e datadas de 1956. sambistas. Diferentemente daquelas não selecionadas que por vezes eram apenas divagações do autor sobre alguma questão pouco relevante para este trabalho. Tendo como ponto principal de abordagem os elementos relacionados ao samba, as crônicas analisadas abordam: o malandro e a "instituição malandragem" como no caso dos textos contidos na 1ª e 5ª edições da revista; a mudança de espaço físico dos sambas da primeira geração para os do "pessoal do Estácio" tratando também das reformas urbanas e sanitárias às quais o Rio de Janeiro das décadas de 1930 e 1940 atravessou, a exemplo, das crônicas inseridas na 4ª e na 12ª publicação; o crescimento da indústria fonográfica e sua interferência no modo de fazer música brasileira, bem como os mecanismos de compra, de venda e de parcerias nos sambas entre compositores, cantores e gravadoras presentes no 7ª número da revista e a nostalgia vivida pelos colaboradores da revista em relação a "época de ouro" da música brasileira, tendo como marco de referência a década de 1930, contida na 13ª crônica. O malandro, a malandragem e uma "tradição popular malandra" foram afirmados como elementos nacionais consagrados pela historiografia brasileira. Esta, se apoiando na abolição da escravatura onde na década de 1880 um grande contingente de ex-escravos - que seriam os ancestrais dos primeiros compositores de samba - buscaria, nas atividades ilegais e informais, maneiras de tirar o seu sustento, abdicando de qualquer atividade relacionada ao trabalho por haver relação com os difíceis anos de escravidão, justificaria sua teoria do malandro como mito nacional. Tiago de Melo Gomes, em sua tese de mestrado, busca desconstruir essa enraizada tradição historiográfica mostrando que contos ligados à tradição oral francesa e inglesa já traziam a temática malandra desde o Antigo Regime. Ao longo do trabalho tem-se o objetivo de compreender como se deu a transformação de um tipo como malandro em personagem nacional. O samba malandro teve sua trajetória de nascimento (como acima descrito), de sobrevivência - até meados do período do Estado Novo quando o governo entende que seu caráter é potencialmente desestabilizador para o país por pregar atitudes e enaltecer figuras não desejadas pela “máquina varguista” e o substituiu por sambas de exaltação - e de desaparecimento após 1945 quando "se tornaria anacrônico devido à instituição do capitalismo brasileiro". 153 Gomes aponta para o fato de que mesmo pouco desenvolvida por estudiosos, essa tese da tradição historiográfica a respeito do malandro foi amplamente utilizada por diversos autores, alguns inclusive utilizados nessa pesquisa como José Ramos Tinhorão, Sérgio Cabral, Alcir Lenharo, Renato Ortiz, João 153 GOMES, Tiago de Melo. Lenço no pescoço: o malandro no teatro de revista e na musica popular "nacional", "popular" e cultura de massas nos anos 1920. Dissertação de mestrado. Universidade de Campinas, Campinas, 1998. p.4. Máximo e Carlos Didier.154 O autor continua questionando a visão compartilhada por muitos autores de que os sambas malandros, escritos, segundos esses mesmos pesquisadores, "todos" antes de 1937 seriam os sambas puros, produzidos com sinceridade, diferente dos sambas de exaltação, também enquadrados sem exceções no período do Estado Novo que, por terem sido pensados sob a pressão da censura, portanto, de modo forçoso, não seriam considerados música de muito boa qualidade, pois perderiam sua ingenuidade. Segundo Gomes: [...] as letras de samba de conteúdo malandro podem ser lidas de forma inteiramente livre de relativizações, uma vez que foram produzidas de forma "autêntica". Já os sambas classificados como exaltativos são desprezados, tidos como fruto da censura. Logo, já no Estado Novo esta inocência já está perdida, algo como uma expulsão do paraíso a partir da qual a música e o povo nunca mais seriam os mesmos. O malandro e seus sambas aparecem então como uma alegoria do último momento antes do país ser atingido pelo capitalismo, responsável pela perda de autenticidade da música popular, vista aqui também como uma alegoria do povo, que também perdeu sua inocência após o advento do capitalismo. 155 Item a item o autor tenta desconstruir as premissas mencionadas acima nos mostrando que nem todos os sambas malandros foram escritos antes de 1937 e nem todos eles são ingênuos, nem todos os sambas de exaltação foram produzidos dentro do período do Estado Novo e nem todos são "forçados" e "impuros", e que o samba também não morre com o nascimento do capitalismo. Em linhas gerais, o autor, baseado em fontes documentais (que são em sua maioria letras de sambas do século XX) tem a verdadeira intenção de nos levar a pensar em uma historiografia já consolidada, porém pouco revisada e que merece possivelmente, consideráveis modificações. As primeiras músicas com a temática da malandragem ou com o personagem do malandro aparecem nos últimos anos da década de 1920. Com a crescente valorização dos elementos "nacional-populares" o malandro, se distancia cada vez mais "do papel de simples trapaceiro para, como parceiro da mulata, consagrar-se como pitoresco representante de um país que tinha orgulho do caráter singular de suas "classes populares". 156 Para Gomes, o samba 157 (como hoje o conhecemos) e o malandro nasceram, para a música popular, num mesmo período e beneficiaram-se de um contexto de valorização de elementos tidos populares, ascendendo concomitantemente como símbolos nacionais. Essa valorização está ligada à um progresso que se pretendia para o Brasil, 154 Os trabalhos dos autores acima citados são: CABRAL, Sérgio, "Getúlio Vargas e a Música Popular Brasileira", In: Ensaios de Opinião, 1975, p. 40-41 e No Tempo de Almirante: uma história do rádio e da MPB, RJ, Francisco Alves, 1990, p.197; LENHARO, Alcir, Sacralização da Política, Campinas, Papirus/Unicamp, 2a. edição 1989, p.40; MÁXIMO, Jõao e DIDIER, Carlos, Noel Rosa: uma biografia, Brasília. Linha Gráfica/Unb, 1990, pp.132 e 481; ORTIZ, Renato, Cultura Brasileira e Identidade Nacional, SP, Brasiliense, 5a. edição, 1994, p.43; TINHORÃO, José Ramos, Música Popular: um tema em debate, RJ, JCM, 2a. edição 1969, p. 149. 155 GOMES, Tiago de Melo. Op. Cit., p. 20-21. 156 Ibidem, p. 129. 157 Entenda-se, nesse contexto, por samba a segunda fase do samba ou os sambas do bairro do Estácio. elevando-o à um patamar de país "novo" procurando elementos que o identificassem como único. O samba, com suas temáticas, se enquadra muito bem para ser eleito como ritmo nacional por excelência, por representar a modernidade baseada na tradição. De acordo com Tiago de Melo Gomes: A construção da idéia de que o vigor da nação brasileira estava na "alma popular" levou a um progressivo interesse pela vida dos subúrbios e principalmente, dos morros [...] Entre outros símbolos deste que era continuamente construído como um "mundo à parte", o samba e o malandro ocupavam um lugar especial. O malandro seria reconhecido como o habitante típico deste pitoresco ambiente, enquanto que o samba viria a ser a sua "mais pura expressão cultural". 158 O malandro é personagem típico dos sambas da segunda geração, dos sambas do Estácio, os mesmos enaltecidos pela Revista da Música Popular, que os via como a única manifestação autêntica de música urbana brasileira. Como não poderia deixar de ser, Pérsio de Moraes, em suas crônicas, escolhe sempre sambas produzidos entre as décadas de 30 e 40 para servirem de base ao "retratável" ao qual ele irá discorrer no momento. Nas crônicas presentes na 1a. e na 5a edição do periódico, Moraes traz à tona a temática malandra. Na primeira com o samba "Ai que saudades da Amélia" e na quinta com "Conversa de Botequim". Abaixo as letras das músicas: "Ai que saudades da Amélia" (Mário Lago e Ataulfo Alves / 1942) "Nunca vi fazer tanta exigência Nem fazer o que você me faz Você não sabe o que é consciência Nem vê que eu sou um pobre rapaz Você só pensa em luxo e riqueza Tudo o que você vê, você quer Ai, meu deus, que saudade da Amélia Aquilo sim é que era mulher Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer Quando me via contrariado Dizia: "meu filho, o que se há de fazer!" Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade" "Conversa de Botequim" (Noel Rosa e Vadico / 1935) "Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa Uma boa média que não seja requentada, Um pão bem quente com manteiga à beça, Um guardanapo e um copo d'água bem gelada. Feche a porta da direita com muito cuidado Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol. 158 GOMES, Tiago de Melo. Op. Cit, p. 151. Vá perguntar ao seu freguês do lado Qual foi o resultado do futebol. Se você ficar limpando a mesa Não me levanto nem pago a despesa. Vá pedir ao seu patrão Uma caneta, um tinteiro, Um envelope e um cartão. Não se esqueça de me dar palitos E um cigarro pra espantar mosquitos. Vá dizer ao charuteiro Que me empreste umas revistas, Um isqueiro e um cinzeiro. (Refrão) Seu garçom faça o favor de me trazer depressa... Telefone ao menos uma vez Para três quatro, quatro, três, três, três E ordene ao seu Osório Que me mande um guarda-chuva Aqui pro nosso escritório. Seu garçom me empresta algum dinheiro, Que eu deixei o meu com o bicheiro. Vá dizer ao seu gerente Que pendure esta despesa No cabide ali em frente. (Refrão) Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa..." A primeira é uma composição de 1942 de autoria de Mário Lago com melodia de Ataulfo Alves. Na letra da música estão presentes três personagens: o protagonista, sua mulher atual e sua ex-mulher. Segundo os autores Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, que escreveram dois volumes do livro "A canção no tempo 85 anos de músicas brasileiras", onde há o catálogo de vários sucessos musicais desde 1901 até 1985, o tema da música seria "um confronto dos defeitos da mulher atual com as qualidades da mulher anterior. A atual, a quem o protagonista se dirige, é exigente, egoísta, "Só pensa em luxo e riqueza", enquanto a anterior é um exemplo de virtude e resignação" 159. A primeira mulher seria a realidade, a representação do presente, já a anterior "é o passado, uma saudade idealizada na figura da mulher perfeita, pelos padrões da época" 160. As transformações pelas quais o Brasil atravessou no século XX tiveram influências diretas no modelo familiar e no lugar que a mulher ocupou no âmbito doméstico e fora dele. Com a transição da sociedade rural com bases familiares patriarcais para uma sociedade bem mais 159 SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. vol 1 (1901-1957). Editora: 34. São Paulo, 1997. p.205. 160 Idem. industrializada gerando mobilidade social, cultural e até geográfica o arquétipo familiar tradicional se altera. Porém, ainda hoje são notáveis alguns registros relacionados às origens da estrutura familiar. Segundo Rigonatti, citado pelas autoras Marlene Simionato e Raquel Oliveira: [...] da família romana, por exemplo, temos a autoridade do chefe da família, onde a submissão da esposa e dos filhos ao pai confere ao homem o papel de chefe. Da família medieval perpetua-se o caráter sacramental do casamento originado no século XVI. Da cultura portuguesa, temos a solidariedade, o sentimento de sensível ligação afetiva, abnegação e desprendimento.161 Decorrente principalmente da inserção feminina no mercado de trabalho - acarretando no trabalho dela fora de casa, diminuindo seu tempo para cuidar dos filhos e do marido - as tarefas exercidas pelo homem e pela mulher, dentro do lar, se modificam, assim como seus papeis sociais fora do âmbito familiar. Porém, Mário Lago e Ataulfo Alves nos versos da música em questão, remontam a uma época em que havia um estabelecimento de limites distintos para as funções exercidas por homens e mulheres. A mulher era responsável pelos cuidados com as crianças e com o lar, já o homem ficava encarregado de ganhar dinheiro para sustentar esse lar. Segundo Bernardo Jablonski: [...] em termos ideológicos, criou-se um sistema de valores e de crenças que procurava justificar tal divisão, levando mulheres a assumir posturas "expressivas", ligadas à compaixão, conformidade, cooperação e prontidão para ajuda. Já os homens se identificavam com os ideais "instrumentais", próximos à autonomia, independência, ambição e repressão das emoções. 162 É justamente essa postura de compaixão, conformidade, cooperação e prontidão para ajuda que tanto a Amélia da letra da música quanto a Vina da crônica de Pérsio de Moraes adotam. Explico-vos. A Vina foi a personagem escolhida por Pérsio para retratar na realidade o samba de Mário Lago e Ataulfo Alves. Com a intenção de provar que todos os personagens de sambas famosos poderiam ser pessoas do dia-a-dia e conhecidos de qualquer um de nós, Pérsio busca, geralmente, relacionar as músicas com gente conhecida em sua vida. Vina, era a empregada de seu irmão que morava em Cascadura, subúrbio do Rio de Janeiro. O samba trata da malandragem, mas nesse caso, não seria possível falar do seu marido "malandro" sem pensarmos o papel das mulheres dos malandros, que também fizeram parte da história do samba. Mulheres que, em sua maioria, eram resignadas, submissas e partilhavam daquelas posturas conformistas 161 RIGONATTI, S. P. et al. Temas em psiquiatria forense e psicologia jurídica. São Paulo: Vetor Editora PsicoPedagógica, 2003. apud SIMIONATO, Marlene Aparecida Wischral; OLIVEIRA, Raquel Gusmão. Funções e Transformações da Família ao longo da história. In: I Encontro Paranaense de Psicopedagogia, 2003. p.4 162 JABLONSKI, Bernardo. Papéis conjugais: conflito e transição. In: Féres-Carneiro, Terezinha (org): Relação amorosa, casamento, separação e terapia de casal. Coletâneas da Anpepp no. 1, pag. 113-124. Rio de Janeiro: 1996. p.118. sublinhadas acima. Vina e Amélia, eram claros exemplos da existência de tais mulheres. Pérsio, na crônica, quando narra seu reencontro com Vina - que sempre ocorria em alguns domingos quando ia cumprir a tarefa de visitar seu irmão e almoçar com a família dele - escreve que Vina estava "mais magra, mais velha e tem até um dente a menos. Mas seu jeito é o mesmo. Àquela eterna alegria mansa e mole. Àquêle conformismo cansado das mulheres pobres que trabalham para ajudar o marido." 163 Miguel, marido de Vina, personifica um tipo claro de malandro, segundo nossa análise. Chegamos a tal conclusão decorrente de algumas passagens da crônica, como à exemplo do momento em que Pérsio pergunta a Vina o que é feito do Miguel e ela dá início ao diálogo dos dois contando: - Foi na estação se distrair. Sabe? êle não anda bom não. / - Que é que êle tem? Parece tão forte. / É, quem vê êle não diz. Eu também não sei o que é. Só sei que êle tem tido umas molezas, umas coisas esquisitas, assim um nervoso. Se fôsse rico, o povo dizia que era luxo, mas pobre não tem disso não. Quando o cara amolece, o negócio não é brinquedo não. Olha, só esta semana o coitado faltou três dias no serviço. / - Estava de cama?/ - Não. É que na quinta-feira não houve jeito do pobre acordar cedo, por mais que eu fizesse. Resultado: chegou no serviço meia hora atrasado (veja você: só meia hora). Pois o encarregado começou com <<mais mais>>, conversa mole, etc., e o Miguel fês o que deveria ter feito mesmo: virou as costas e voltou para casa. E por desafôro, não foi também na sexta. Só foi ontem mas de tarde, receber a semana. Êle tem personalidade, isso tem!164 O dialógo prossegue com Vina contando à Pérsio que Miguel diz à ela que vai passar a aturar as indiretas do encarregado para não perder o dia de trabalho e com isso não diminuir o orçamento de casa, porém ela logo diz que avisou à ele que aquilo ela não topa, que por falta de comida não se morre naquela casa, pois ela ainda se considera muito forte, diz que não tem luxo e sabe trabalhar. "Lavo roupa p'ra fora, faço pastéis e doces que o moleque vende na estação. Aliás, não faço nada demais em ajudar o Miguel, que é tão bom p'ra mim. Só quero que Deus o conserve sempre assim, sempre meu, mas com sua <<personalidade>>".165 Pode-se inferir das palavras de Vina que ela admirava a "personalidade" (ou poderíamos chamar de malandragem?) de Miguel e que era feliz por tê-lo ao seu lado. Uma questão a se pensar é se ela o amava muito e com isso não se importava dele faltar ao trabalho, dormir até mais tarde tendo ela - e o filho - que arcar com as despesas de casa, ou o fato era que em uma sociedade que prezava muito pela instituição do casamento, ficar sozinha, para o gênero feminino não era nem um pouco atraente. Revista da Música Popular, n.º 1, p.47. Idem. 165 Idem. 163 164 Quando Miguel aparece na crônica, Pérsio pergunta a ele como ele está, e sua resposta é tipicamente malandra: "Eu não vou. me levam, como se diz".166 E na seqüência, Miguel explica a Pérsio sua "doença" dizendo que: "Quem me vê não diz, mas eu estou muito doente. Não sei de que, mas estou. Só quem sabe sou eu, Deus e a Vina."167 Para Pérsio, fica clara a "invenção" da doença de Miguel para servir como justificativa para não ter que pegar no pesado cumprindo com suas tarefas de chefe do lar, que passam a ser exercidas com resignação e conformismo, por sua esposa, Vina. Ainda na crônica, há uma comparação entre Amélia e Vina onde Moraes afirma que ambas não tinham a menor vaidade e isso decorria do fato de não terem tempo de ter, tinham que trabalhar para sustentar seus maridos, que volta e meia apareciam com "doenças" sem explicações nem sintomas, mas que os impossibilitavam de exercerem trabalho quaisquer. E por conta da "doença" tinham que sair para se distrair e se animar; quem sabe a "doença" não passasse. Para finalizar a crônica Pérsio conversa com o leitor sobre como ficaria Miguel sem a Vina: "Agora, se Miguel vier a vier a perder a Vina - o que não desejo porque sou seu amigo - vai sentir uma falta enorme uma grande saudade. e se lamentará eternamente: - Vina é que era mulher de verdade! ". 168 A segunda composição de 1935 tem autoria de Noel Rosa com melodia de Vadico. A letra da música é uma crônica perfeita do personagem malandro, na figura de freguês do botequim, dando ordens ao garçom que, no seu entendimento, deveria ser muito mais que um simples atendente. Segundo Severiano e Mello: [...] o personagem principal um freguês desabusado que, ao preço de uma simples média com pão e manteiga, acha-se no direito de agir como se estivesse em sua casa. Assim, em ordens sucessivas, ele exige do garçom atendimento rápido e eficiente (...), que inclui ainda o fornecimento de "caneta, tinteiro, envelope, cartão, cigarro, isqueiro, cinzeiro, revistas, o resultado do futebol" e até "o empréstimo de algum dinheiro", pois deixara o seu com o bicheiro. Tudo isso fiado, pois, para terminar, o sujeito ordena: "Vá dizer ao seu gerente / que pendure essa despesa / no cabide ali em frente". 169 Os autores escrevem que o freguês agia "como se estivesse em sua casa". É justamente isso que muitos botequins do Rio de Janeiro representaram entre o final da década de 1920 até fins de 1930. Como já foi explicado no primeiro capítulo deste trabalho, os botequins eram espaços de sociabilidade muito representativos para a capital federal nesta época. A maioria dos sambistas, se não todos, freqüentava cada qual o "seu" botequim, que era, várias vezes, o mesmo que de algum de seus colegas. Nesses espaços, os compositores, cantores e admiradores de samba se encontravam, trocavam informações, ficam à par das novidades e ofereciam seus serviços como músicos e 166 Idem. 167 Idem. 168 Idem. 169 SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. Op. Cit., p.135. compositores. Por essa razão, os botequins eram também chamados de "escritório" pelos sambistas da "época de ouro" da música brasileira. Como os botequins eram espaços de predileção dos sambistas, por analogia, eram também os dos malandros. E a quinta crônica de Pérsio, que também aborda a temática da malandragem versa em torno dessa familiaridade com que se portavam os malandros e/ou sambistas dentro dos "seus botequins" e como se sentiam deslocados fora deles. Pérsio inicia sua história contando que o tipo ao qual irá retratar na crônica daquele momento foi encontrado por acaso. Estava ele sentado em um bar e de repente adentra o recinto um tipo que lhe parecia familiar, mas ele não sabia quem era. Após observar brevemente sua vestimenta, seu "ar um pouco de arrogância, um pouco de zombaria, um pouco de condescendência superior" 170 e seu comportamento folgado logo percebeu que se tratava do personagem (ou de alguém que poderia ter sido o personagem) da letra da do samba de Noel e Vadico. O autor diz que ficou feliz em reconhecer o personagem e afirma que "pela pinta (do malandro), iria dar um espetáculo completo". 171 O autor esperava que o sujeito interpretasse ao vivo e a cores as atitudes do freguês da música que lhe veio a cabeça. Isso teria acontecido, se não fosse, após o pedido do cafezinho seguido de um copo d’água bem gelada o garçom ter ido até a mesa do sujeito, limpando-a e dando o seguinte recado: "- Café só em pé". 172 Segundo Pérsio: Esta informação bruta e totalmente inesperada para o mulato, deixou-o apalermado, como se não tivesse compreendido direito. O sorriso se fechou quase totalmente, ficando apenas um restinho, mantido a custo, num canto de cara. Heroicamente sustentou o meio sorriso, onde encaixou um cigarro com oportunidade. Só então passou a estudar o ambiente. 173 Nesse estudo o malandro observa que não se tratava de um botequim da zona norte, mas de um bar da zona sul. A decoração era diferente, havia luzes escondidas em enfeites de gesso nas paredes, os móveis (mesas, cadeiras e bancada) eram coloridos, ao invés de guardanapos no centro da mesa se encontrava um depósito de canudos, enfim "um bar que até agora só vira em cinema". 174 O malandro desconcertado percebendo que estava em um ambiente diferente do qual procurava, pegou o cardápio e começou a olhá-lo. O autor conta que ele nem mesmo conseguia entender o que estava escrito, era tudo muito diferente e complicado. As pessoas que freqüentavam o ambiente também lhe pareciam extremamente estranhas. Revista da Música Popular, n.º 5, p.252. Idem. 172 Idem. 173 Idem. 174 Idem. 170 171 Porém, Pérsio escreve que apesar da situação ser desfavorável ao sujeito, ele não perde a classe em momento algum: O mulato estava derrotado. Via-se em sua cara que êle estava deslocado naquele bar da zona sul. Sua bossa não podia funcionar naquele cenário. Mesmo assim, ainda manteve sua velha classe. Meteu entre os lábios um palito de fósforo, derrubou o chapéu verde sôbre os olhos e levantou-se já, de novo, com alguma pose. Concedeu um olhar de cima para o garçon, fêz uma meia volta aceitável e gingou o passo para a rua. 175 As referências descritas pelo autor, como "manter a velha classe", "derrubar o chapéu sobre os olhos", "levantar com pose" e gingar até a rua" atuam num sentido de legitimar a escolha daquele tipo relacionando-o com o malandro/freguês da letra da música. Os elementos citados estão intimamente ligados à imagem que se tinha (e ainda se tem) da figura do malandro, portanto, se o sujeito ao qual Pérsio encontrou, possuía essas características ele poderia ser rotulado como tal. A crônica termina contando que o mulato sai do bar, pega - disfarçadamente - um ônibus e segue até o bairro de Vila Isabel, seu bairro. Ele poderia então sentir-se em casa novamente, pois segundo Pérsio, em seu bairro: [...] a cadeira de botequim quer dizer confôrto. Onde o cafezinho dá direito a informações "comerciais" como o resultado do bicho, do futebol, das corridas de cavalos e de outros animais. Onde o cafezinho dá direito a "convert" de água gelada, palito, jornal e guardanapo. Onde o garçom tem cuidado com sua saúde, encostando a porta por causa do sol ou de um golpe de ar. Onde além de tudo, o gerente é "seu" e êle pode pendurar a conta com dignidade. 176 Como nosso recorte espacial foi o botequim, seguimos com a crônica de número 7 que terá como tema de análise o crescimento da indústria fonográfica e sua interferência no modo de fazer música brasileira, bem como os mecanismos de compra, venda e parcerias nos sambas entre compositores, cantores e gravadoras, que no início, ocorria justamente dentro dos botequins ou "escritórios" como os sambistas preferiam. Na seqüência também iremos relacioná-la com as crônicas da 4a. e 12a edições que versam sobre as reformas urbanas e sanitárias no Rio de Janeiro. O texto de Pérsio, nesta 7a. edição chama-se O Sambista Inédito e a música que dá origem à crônica é de autoria de Crispim Rocha, porém sem título conhecido. 177 Abaixo segue a letra: Composição de Crispim Rocha 178 175 Ibidem, p.253. 176 Idem. 177 Pesquisamos no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/, 04/06/2011; em SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. vol 1 (1901-1957). Editora: 34. São Paulo, 1997. e nos demais materiais bibliográficos utilizados nesse trabalho, porém não encontramos nenhuma menção ao compositor, nem nada relacionado à letra da música acima citada. "Vão desmoronar as favelas Aonde que eu vou ficar Ô, senhor Prefeito, Arranje casa pros pobres morar Arranje casa pros morar Na rua nós não podemos ficar Aonde eu moro já mandaram me mudar Apelo para a sua lealdade Não deixe as favelas se desmoronar" Pérsio conta que conheceu Crispim numa noite chuvosa de domingo no bairro de Bangu, subúrbio do Rio de Janeiro. O autor segue sua descrição dizendo que ele estava: [...] em uma sala cheia de samba e coisas de samba como instrumentos, fumaça de cigarros e muita gente, principalmente, da boa raça negra. Os violões marcando um compasso consciente, um cavaquinho peralta e um pandeiro até discreto. Tudo em volta da mesa redonda que apenas servia para oferecer uma fantástica batida de maracujá, de saudosa memória. A voz agreste de Crispim se esgueirava pelo som dos violões, fazia dueto com o cavaquinho e obedecia, respeitosa, a marcação do pandeiro. 179 Também nos conta que já havia se passado um mês desde que esteve nessa reunião e aquele samba desconhecido continuava na sua cabeça. Ele ressalta que até aquele momento ainda sentia uma grande sensação de pena, pois o leitor nunca viria a ouvir aquele samba, levando em conta sua certeza de que ele nunca seria gravado - certeza que baseado em nossa pesquisa se confirma: não há referências sobre Crispim Rocha e seu samba. De acordo com Pérsio: [...] há uma série de "exigências" que o bisonho Crispim ignora e, naturalmente, não compreenderia. "Exigências" como: comprar cantor, dar parceria a cantor, dar parceria a "trabalhador" da música, dar parceria a parceiros do cantor, dar parceria a poderosos discotecários, dar parceria a tantos parceiros que seu próprio nome não caberia no sêlo do disco, enfim, "exigências" usuais, porém, incompreensíveis para Crispim. 180 O cronista faz uma crítica clara aos novos padrões e condutas impostos pela indústria fonográfica que estaria matando o samba autêntico. Antes do advento desse mercado de discos as músicas eram compostas mais por amor do que por dinheiro, e apesar de pouco rentáveis, eram esteticamente boas, tinham qualidade e nos deixavam felizes ao ouvi-las. Diferentemente do que ocorre após o crescimento desse segmento industrial que transforma a música - vista como arte, que deve ser conservada "pura", segundo pensamento de Pérsio de Moraes e seus colegas escritores da 178 Não temos a informação do título da composição e, como ela não foi gravada, também não podemos datar a letra da música. 179 Revista da Música Popular, n.º 7, p.360-361. 180 Ibidem, p.361. Revista da Música Popular - em um negócio como qualquer outro que visa o lucro através da venda, antes de qualquer coisa. Se referindo aos colaboradores da Revista da Música Popular Maria Clara Wasserman nos explica que: a crítica que os jornalistas dirigiam ao moderno mercado fonográfico era a falta de critérios estéticos e a não preocupação em deixar vivo o que chamavam de passado de ouro, ou heróico da música brasileira. Os articuladores do periódico acreditavam que a conservação das tradições resgataria uma “consciência” da ainda nascente indústria fonográfica dos anos 50 para que esta não se deixasse levar por “modernismos” e “estrangeirismos”. Outra característica da publicação era o juízo de valor presente na definição de “música boa” que estava ligada ao passado heróico e era desviada naquele momento pela indústria do rádio e do disco. 181 As "exigências" citadas por Pérsio na crônica em relação a comprar cantor e dar parceria a "Deus e o mundo" estão presentes no mundo do samba desde a década de 1920. Já citadas no capítulo anterior, as diversas modalidades de compra e venda de sambas, incluindo as práticas de parceria eram variadas. As letras podiam ser vendidas pelos compositores por uma soma fixa que implicava em tirar deles o direito autoral completo da obra, concedendo-o ao comprador (constituindo-se esse o caso mais grave). Ou o compositor também vendia todos os direitos autorais da música, porém teria sua autoria reconhecida na partitura, no disco ou em ambos. Ou ainda o compositor poderia ceder apenas uma parte dos direitos autorais com o compromisso, por parte de quem o comprava, em gravar o samba. Esse terceiro caso, mais conhecido como parceria, se torna comum entre os sambistas da década de 1930. A princípio, esse era um bom negócio para os sambistas que admitiam ser muito difícil ter seus sambas gravados sem a influência de algum intérprete que gozasse de bom prestígio no meio artístico. Eles serviam como a ponte, ou a porta de entrada para que aquelas letras escritas por homens desconhecidos, saíssem do anonimato e se tornassem grandes sucessos escritos por sambistas que posteriormente entrariam para o hall dos gênios da música popular brasileira, como Noel Rosa e Ismael Silva. Porém, com o crescimento da indústria fonográfica o uso abusivo dessas práticas, visando sempre o lucro de alguns, essa situação se agrava e passa a caracterizar uma prática muito negativa, a qual Pérsio de Moraes e o restante de colaboradores da Revista da Música Popular, refutam com veemência. Segundo eles, aquilo ocorria em decorrência da desenfreada busca por lucros almejados pelo mercado de discos. O autor Dilmar Miranda nos dá um panorama de como isso acarreta, por vezes, num fim drástico para os compositores quando escreve que: 181 WASSERMAN, Maria Clara. Op. Cit., p.89-90. [...] como o compositor popular não tinha acesso aos meios burocráticos usuais para o registro de suas músicas com vistas ao recebimento dos direitos autorais, via de regra, eram ludibriados pelos apropriadores de suas criações, disso só tomando ciência quando procurava usufruir financeiramente de sua arte. Desorganizados e semi-analfabetos, muitos só tardiamente começaram a participar das sociedades arrecadadoras de direitos autorais. 182 As crônicas da 4a. e da 12a. edição se interligam à esta crônica quando remetem à lembranças das questões suscitadas pelas das reformas urbanas e sanitárias às quais o Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX atravessou, alterando os espaços da capital federal. Na letra da música de Crispim Rocha, há um apelo ao "senhor prefeito" para que este não deixe que os pobres durmam na rua novamente. Eles, que já foram despejados uma vez quando tirados à força do centro do Rio de Janeiro, tendo que migrar para os morros - dando início as favelas - ou para os subúrbios da cidade pede para que o prefeito, dessa vez, consiga moradia para eles não os deixando na miséria como já haveria ocorrido no passado. As músicas que inspiraram Pérsio de Moraes a escrever as próximas crônicas de nossa análise são respectivamente Praça Onze e Laurindo - para a primeira - e variadas marchinhas de carnaval - para a segunda.183 "Praça Onze" (Herivelto Martins e Grande Otelo / 1942 ) "Vão acabar com a Praça Onze Não vai haver mais Escola de Samba, não vai Chora o tamborim Chora o morro inteiro Favela, Salgueiro Mangueira, Estação Primeira Guardai os vossos pandeiros, guardai Porque a Escola de Samba não sai Adeus, minha Praça Onze, adeus Já sabemos que vais desaparecer Leva contigo a nossa recordação Mas ficarás eternamente em nosso coração E algum dia nova praça nós teremos E o teu passado cantaremos" "Laurindo" (Herivelto Martins / 1943) "Laurindo sobe o morro gritando: Não acabou a Praça Onze, não acabou Vamos esquentar os nossos tamborins Procure a porta-bandeira E põe a turma em fileira 182 MIRANDA, Dilmar Santos de. A cidade e o samba. In; Logos: comunicação e conflitos urbanos. Rio de Janeiro: v. 14, n. 26, p.84-97, 2007. p.95. 183 Selecionamos para transcrição apenas cinco das doze marchas carnavalescas citadas na crônica para não estendermos muito o texto com letras de música. E marca ensaio pra quarta-feira E quando a escola de samba chegou Na Praça Onze não encontrou Mais ninguém, não sambou Laurindo pega o apito, apita "evolução" Mas toda a escola de samba Largou bateria no chão E foi-se embora cantando E daí a pirâmide Foi aumentando, aumentando." Marchas de carnaval: "Mamãe Eu Quero" ( Jararaca e Vicente Paiva / 1937) "Mamãe eu quero, mamãe eu quero, Mamãe eu quero mamar! Dá a chupeta! Dá a chupeta! Ai! Dá a chupeta Dá a chupeta pro bebê não chorar! Dorme filhinho do meu coração! Pega a mamadeira e entra no meu cordão. Eu tenho uma irmã que se chama Ana: De piscar o olho já ficou sem a pestana. Eu olho as pequenas, mas daquele jeito E tenho muita pena não ser criança de peito!... Eu tenho uma irmã que é fenomenal: Ela é da bossa e o marido é um boçal!" "O Teu Cabelo Não Nega" (Irmãos Valença e Lamartine Babo / 1932) "O teu cabelo não nega, mulata, Porque és mulata na cor, Mas como a cor não pega, mulata, Mulata eu quero o teu amor. Tens um sabor bem do Brasil, Tens a alma cor de anil, Mulata, mulatinha, meu amor, Fui nomeado teu tenente interventor. Quem te inventou, meu pancadão Teve uma consagração. A lua te invejando faz careta, Porque, mulata tu não és deste planeta. Quando, meu bem, vieste à Terra, Portugal declarou guerra. A concorrência então foi colossal: Vasco da Gama contra o batalhão naval." "Quebra-quebra Gabiroba" (Plínio Brito / 1930) "Ó quebra, quebra gabiroba Eu quero ver quebrar Ó quebra, quebra gabiroba Eu quero ver quebrar Ó quebra, quebra gabiroba Eu quero só te amar Ó quebra, quebra gabiroba Eu quero só brincar Ó quebra aqui e quebra lá Eu quero ver quebrar É no rio de janeiro Que é a terra do amor Só se vive sem dinheiro Mas se goza com calor" "Turma do Funil" (Mirabeau, Milton de Oliveira e Urgel de Castro / 1956) "Chegou a turma do funil Todo mundo bebe Mas ninguém dorme no ponto Ha, ha, ha, ninguém dorme no ponto Nós é que bebemos e eles que ficam tontos Eu bebo, sem compromisso, com meu dinheiro, ninguém tem nada com isso Aonde houver garrafa, aonde houver barril Presente está a turma do funil." "Quem Sabe, Sabe" (Carvalhinho e Joel de Almeida / 1956) "Quem sabe, sabe Conhece bem Como é gostoso Gostar de alguém Ai morena deixa eu gostar de você Boêmio sabe beber boêmio também tem querer." Para a primeira crônica temos uma composição igualmente datada de 1942 de autoria de Herivelto Martins e Grande Otelo. A letra, como o próprio nome da música indica, fala sobre a Praça Onze que existiu por mais de 150 anos, delimitada pelas ruas Marquês de Pombal (a oeste), Santana (a leste), Visconde de Itaúna (ao sul) e Senador Euzébio (ao norte). Ela foi destruída em 1941 quando a prefeitura começou as obras para a criação da Avenida Presidente Vargas. A Praça Onze, assim como algumas das ruas que a circundavam já foram citadas neste trabalho. Isso porque esse local, antigamente denominado Rocio Pequeno, é famoso para o mundo do samba desde as primeiras décadas do século XX. Segundo Severiano e Mello: [...] era o local mais cosmopolita do Rio de Janeiro. Em suas redondezas misturavam-se imigrantes espanhóis, italianos e judeus de várias procedências com milhares de negros, na maioria oriundos da Bahia. E foram os negros que transformaram a Praça Onze em reduto de sambistas. 184 Os negros fundadores dos primeiros ranchos nascidos cariocas adotaram a Praça Onze, como local de saída para os cortejos. E a tradição se perpetuou com os blocos e com as escolas de samba que usavam o espaço como marco espacial para o princípio dos desfiles. As tias baianas - e a comunidade baiana no geral - habitava ao largo da praça, como à exemplo da Tia Ciata, que morava na rua Visconde de Itaúna. A autora Raquel Rolnik, pesquisando sobre territórios negros nas cidades brasileiras nos explica que as ruas, assim como os terreiros - de samba, de jongo, de candomblé - eram territórios de escravos durante a segunda metade do século XIX. A contigüidade dos sobrados nas zonas centrais da cidade contribuía para que fosse intensa a circulação de escravos domésticos: buscando água nos chafarizes, indo ou voltando com a roupa ou os dejetos para jogar nos rios, carregando cestas perto dos mercados, transportando objetos de um ponto a outro da cidade [...] na cidade do Rio de Janeiro, em 1860, havia cem mil escravos para uma população total de 250 mil habitantes, 60% dos quais envolvidos com serviço doméstico [...] nas ruas do centro, escravos domésticos misturavam-se aos de ganho, alugados por seus senhores por hora ou dia. 185 Segundo a autora, tanto São Paulo quanto o Rio de Janeiro passaram por importantes transformações na virada do século XX – como, por exemplo, a abolição da escravidão - que repercutiriam primeiramente em um aumento populacional e na densidade demográfica - levando em conta o êxodo do escravos das fazendas do interior do estado para a capital - influenciando em futuros planejamentos criados para embranquecer a cidade e redefinir os espaços territoriais. As reformas urbanas e sanitárias sofridas pela capital federal se enquadram nesses planos. De acordo com Rolnik: [...] a face urbana desse processo é uma espécie de projeto de "limpeza" da cidade, baseado na construção de um modelo urbanístico e de sua imposição através da intervenção de um poder municipal recém-criado. Um dos principais alvos de intervenção foram justamente os território negros. A violência dessa transformação foi maior no Rio de Janeiro, não só porque a cidade era maior e mais importante, mas sobretudo porque, na virada do século, era ainda uma cidade muito negra. 186 184 SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. vol 1 (1901-1957). Editora: 34. São Paulo, 1997. p.209. 185 ROLNIK, Raquel. Territórios negros nas cidades brasileiras (etnicidade e cidade em São Paulo e no Rio de Janeiro). Estudos Afro-Asiáticos, n. 17, 1989. p.4. 186 Ibidem, p.7. A virada do século e as primeiras décadas de 1900 ficaram conhecidas como a "era do botaabaixo", o que nos dá uma dimensão do tamanho e da violência de como foram postas em prática as reformas no Rio de Janeiro. Elas iniciam, sob o comando do engenheiro e prefeito do distrito federal, Pereira Passos em 1902 187 até a inauguração da Avenida Central pelo presidente da república Rodrigues Alves em 1906. Sob o slogan "Rio: civilize-se!" Passos executa a maior reforma já vista na capital. Reforma esta, que já estava sendo pensada desde os últimos anos do império, visto a necessidade de elevar o Rio de Janeiro à verdadeira capital federal, fazendo jus a seu posto, se igualando em termos de beleza, modernização, higiene, estrutura, e civilidade às grandes cidades européias como Londres e Paris. O Rio de Janeiro que no começo do século XX ficava confinado entre quatros morros (São Bento, Conceição, Castelo e Santo Antônio), tendo suas ruas mal iluminadas e estreitas, prédios antigos transformados em habitações coletivas, noções e hábitos de higiene precários - o que favorecia constantes surtos de doenças - habitado por pessoas simples, mendigos e vendedores ambulantes (pois as famílias abastadas já haviam se mudado para as novas freguesias, que futuramente viriam a fazer parte da cidade com o título de zona sul e norte), necessitava urgentemente, às vistas da elite, ser remodelado para adequar-se "ao uso e convívio exclusivo das "pessoas de bem"". 188 A reforma atingiu em cheio "os mais importantes quilombos do Rio de Janeiro"189 dos quais faziam parte a região portuária da Saúde e Gamboa e os cortiços e habitações coletivas da Cidade Nova - Sacramento, Santa Rita, Santana e Santo Antônio - trazendo com isso enormes conseqüências. Além de desencadear a "aceleração do processo de favelização e de periferização dos subúrbios, com sua conseqüente proletarização, provocando a migração de camadas médias urbanas para áreas mais nobres da cidade" 190 iniciando a segregação sócio-espacial da cidade também provocou umas das maiores crises habitacionais já vistas pelo Rio de Janeiro o que acarretou numa guerra civil. Segundo Rolnik: [...] durante quatro dias (12 a 16 de novembro de 1904) alastrou-se a insurreição pelos espaços plebeus da cidade: bondes foram virados e utilizados como trincheiras, combustões de iluminação foram quebrados, o comércio foi depredado e saqueado, os insurretos enfrentaram os policiais. 191 A guerra de curta duração só teve fim quando o exército acaba intervindo e derrota o Prata Preta, o capoeira mais famoso do bairro da Saúde que teria sido quem mais conseguiu resistir às 187 Há autores como a própria Raquel Rolnik que trazem o ano de 1904 como o marco de início das obras 188 ROLNIK, Raquel. Op. Cit., p.9. 189 Ibidem, p.10. 190 Site oficial Instituto Pereira Passos. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/ipp. 13/06/2011. 191 ROLNIK, Raquel. Op. Cit., p.10. forças policiais. A respeito da "guerra" citada pela autora seu início foi desencadeado, igualmente, pelas reformas sanitárias da capital federal. A guerra ficou conhecida como a "Revolta da Vacina". Tendo ficado à cargo da prefeitura do distrito federal, além do embelezamento e alargamento das ruas da cidade, demolição dos cortiços e construção de suntuosos prédios, também a participação no combate a epidemias como a peste bubônica, a varíola e a febre amarela. Osvaldo Cruz foi o médico sanitarista escolhido por Rodrigues Alves para comandar a política de saúde pública na capital. Dentre as três doenças que o estado buscou combater, a única que empregava vacinação como método preventivo era para a varíola, e foi ela o estopim para a revolta. Os moradores que já estavam indignados com o autoritarismo empregado pelos higienistas que, muitas vezes acompanhados de força policial, entravam em suas casas, jogavam "coisas" fora (segundo os médicos: era lixo), mexiam em suas plantas e animais (buscando exterminar focos de proliferação do mosquito Aedes aegypti - transmissor do vírus que causa a febre amarela e também a eliminação de pulgas que serviam de meio de transporte para a doença infecciosa da peste bubônica) agora seriam também obrigados por lei a vacinar-se contra sua vontade e sem que recebessem nenhuma explicação e informação sobre o que estava acontecendo. As penas para aqueles que não se vacinassem iam desde multas de grande valor até a proibição de a pessoa trabalhar. Havia grande desconfiança quanto à eficácia da vacina, inclusive por parte da elite opositora ao governo. Para a comunidade afro-descendente, outro problema era sua crença em curar as doenças apenas através de rituais religiosos, não sendo adeptos a nenhum tipo de medicina moderna. Tendo em vista toda essa conjuntura, Glória Kok descreve que: [...] o centro da cidade, convulsionado pelas reformas urbanas de Pereira Passos, transformou-se num palco de guerra. Os populares armavam-se de pedras, paus, vidros, ferros e outros instrumentos que encontrassem pelas ruas para enfrentar as tropas de infantaria e cavalaria (...) Durante quatro dias, as autoridades praticamente perderam o controle da região central e dos bairros da Saúde e Gamboa. A multidão lutava contra o governo, a vacina e a polícia. 192 A situação descontrolada só voltou ao normal com a ajuda da Marinha, Exército e Guarda Nacional, que tiveram que prestar reforços rápidos à prefeitura do distrito federal, que sozinho não conseguia controlar os revoltosos. No dia 16 de novembro, quando a insurreição tem fim o governo deu início as prisões e deportações. Várias pessoas foram postas em "porões de navios para uma viagem sem volta ao Acre, território que o Brasil havia comprado da Bolívia em 1903". 193 Segundo a autora, eles tinham a dolorosa missão de desaparecerem, pois o governo tinha a clara intenção de 192 193 KOK, Glória. Rio de Janeiro na época da Av. Central. São Paulo: Bei Comunicação, 2005. p.64. Ibidem, p.67. remover da cidade (e para bem longe) as pessoas ditas como "perigosas", embora, "muitos deles fossem trabalhadores, desempregados ou simples miseráveis que se envolveram circunstancialmente na revolta". 194 Essa grande reforma, entretanto, não foi a que pôs fim a Praça Onze - que nos interessa porém, é decorrente dela que a praça passa a representar um espaço importante para o mundo do samba e dos sambistas. Com a demolição de inúmeras habitações, as pessoas expulsas de seus lares sem ter para onde ir, acabam dirigindo-se ou para os morros (formando as primeiras favelas da cidade) ou para os subúrbios do Rio de Janeiro, e a comunidade negra em especial se desloca do Campo de Santana para a área logo na seqüência onde se localizava a Praça Onze. Em pouco tempo, o logradouro e seus arredores se tornam os lugares mais caracteristicamente negros do Rio de Janeiro. A praça fica em pé até 1941 quando sob o comando do governo de Henrique de Toledo Dodsworth - prefeito do Rio de Janeiro entre 1937-1945 - tem início as obras para o prolongamento da Avenida do Mangue até o Cais dos Mineiros que juntas formariam a Avenida Presidente Vargas, que recebeu esse nome em homenagem ao então Presidente Getúlio Vargas. A crônica referente à Praça Onze fala sobre um personagem, chamado Laurindo - que é também título de uma das composições usadas para a crônica - que após rumores sobre o fim da praça fica sabendo com certeza que ela não iria acabar. Tanta era sua felicidade que ele sai morro acima gritando para todos que pudessem ouvi-lo que a "Praça Onze não acabou!" e incita o pessoal a esquentar os tamborins e preparar as portas-bandeiras porque a escola de samba sairia para o desfile novamente. Pérsio de Moraes escreve, propositalmente, no sentido inverso ao que realmente aconteceu, pois a Praça Onze acabou sim, foi demolida em 1941. Revelando sua tristeza, Herivelto Martins e o Grande Otelo escrevem em 1942 o samba que tem como tema a destruição da praça e tudo que ela representava. Sem a praça, segundo a letra da música, "não vai haver mais Escola de Samba", os tamborins e todos os morros choram, os pandeiros são guardados e as boas e grandes recordações que a Praça Onze personificava para o mundo do samba ficarão para sempre na memória e no coração de todos. Já na música "Laurindo", Herivelto Martins a compõe no ano seguinte à "Praça Onze" desenvolvendo uma espécie de continuação para o samba. Na letra o personagem Laurindo - que ficou conhecido posteriormente por outras letras de samba - é criado pelo compositor que idealiza um sambista do morro. Na crônica, Pérsio mostra como o samba e os sambistas noticiariam a não demolição da praça (com a música Laurindo) e sua demolição (com Praça Onze). O autor mostra de que para o mundo do samba, aquele logradouro carioca era muito importante, portanto, a notícia de que seu 194 Ibidem, p.68. fim estaria chegando seria dada de forma "muito mais própria e completa que os jornais [...] com a grande tristeza do samba". 195 Diferentemente dos jornais que mantendo sua indiferença quanto o ocorrido, tratando-o apenas como uma simples demolição - como qualquer outra - de mais um dentre os muitos logradouros da cidade noticiariam a informação de forma muito impessoal. Os sambistas, por sua vez estariam "chorosíssimos como se o mundo fôsse acabar (e diriam): "não vai haver mais Escolas de Samba, não vai"". 196 O autor aponta para a diferença entre o que seria importante para os sambistas - vistos nesse contexto como grupo de classe baixa, ignorado por parte da sociedade - e para a elite. Para os primeiros a Praça Onze era considerada o berço do samba carioca. Seus arredores sempre foram redutos de personagens que escreveram as primeiras linhas da história de nosso gênero musical por excelência. Era lá, que as escolas de samba saíam para seus desfiles que marcaram o cenário carioca e que se constituem, atualmente, num símbolo da cidade maravilhosa. Já para elite importava que o Rio fosse sinônimo de modernidade atendendo as exigências impostas pelos padrões internacionais de beleza, higiene, habitantes brancos. Nada importava se mais uma praça viria a baixo, em prol de novas avenidas com belos prédios que abrigariam as mais importantes instâncias do governo. Importava menos ainda o fim desses lugares, levando em conta que para a execução das obras muito técnicos estrangeiros vieram dar o ar de sua graça (muito admirada na época) nas cidades brasileiras. Aquilo sim interessava a eles. Pessoas civilizadas circulando pela capital federal, diferentemente dos feios, sujos e negros que se aglomeravam ao redor da praça. Outra questão que as composições utilizadas na crônica nos levam a pensar é quanto ao contexto mundial da época em que foram gravadas. Estávamos em meio à Segunda Guerra Mundial e em 1943, quando "Laurindo" é lançada, o Brasil havia declarado guerra à Alemanha e à Itália. Os últimos versos da música dizem: "[...] Mas toda a escola de samba Largou bateria no chão E foi-se embora cantando E daí a pirâmide Foi aumentando, aumentando." Durante a Segunda Guerra Mundial todo o território nacional foi convocado participar da coleta de metais o que por convenção ficou conhecido como "Pirâmide Metálica". A coleta baseava-se na doação de objetos sucateados de metal, ferro, alumínio, cobre, bronze, entre outros, que viriam a ser derretidos e reciclados, sendo transformados como artefato de guerra tanto para o Brasil quanto para os aliados. A pirâmide presente na letra da música "é uma referência às 195 196 Revista da Música Popular, n.º 4, p.194. Idem. "pirâmides" de objetos, de preferência metálicos, que o governo incentivava o povo a doar para o chamado esforço de guerra brasileiro". 197 Essa situação denota a não alienação por parte dos músicos, mesmo os de classes mais baixas, estando eles a par das questões políticas pelas quais o Brasil atravessava. Quanto ao deslocamento de espaços atravessado pelo Rio de Janeiro na primeira metade do século XX temos a crônica de número 12 como foco de análise. Para esse texto Pérsio de Moraes utiliza-se de várias marchas carnavalescas de grande sucesso na época de suas gravações e que são, ainda hoje em dia, muitíssimo conhecidas. Porém, para essa crônica as músicas são utilizadas apenas para dar graça a trajetória percorrida pelo folião nos quatro cantos da cidade. Por exemplo: "não sabia se tinha cantado "quem sabe, sabe" na Gávea ou em Vila Isabel" ou "quando cantou "Fala, Mangueira" estava, inexplicàvelmente, no Leblon, lado a lado com um grego que fingia acompanhar a música numa lira de tampa privada". 198 Na crônica o autor conta a trajetória de um folião pioneiro, que morava no subúrbio do Rio de Janeiro, durante todo o dia e toda noite de um sábado de carnaval. A primeira questão que nos chamou atenção, foi a noção, posta pelo autor, de que nos subúrbios - ou pelo menos no subúrbio onde habitava aquele folião - não havia nada de especial em ser sábado de carnaval. O bairro continuava pacato e com sua rotina normal. As festas aconteciam no centro da cidade já revitalizada - considerando que a crônica foi escrita em abril de 1956 e entendendo que Pérsio se referia nesse texto ao tempo presente - e nos bairros da zona sul como Leblon, Botafogo e Copacabana, ambos mencionados no texto. Entendemos também a partir da crônica que subúrbio não fazia parte da cidade. Expliquemo-nos. Em termos físicos sim, era um bairro da cidade, mas às vistas de quem morava em regiões bem localizadas ou próximas ao centro, não, ele não era considerado como pertencente à cidade e até mesmo os próprios moradores do subúrbio quando tinham que ir ao centro diziam: vou a cidade - situação vivida ainda hoje por moradores de bairros afastados nas grandes capitais. Na crônica, Pérsio escreve que o folião, vendo que estava muito desanimado o sábado de carnaval em seu bairro, pega um bonde e chega à cidade, onde as festas aconteciam. Lá ele faz, juntamente com um grupo de amigos, uma via sacra passando por inúmeros bairros tendo que pegar inúmeras conduções para se dirigir de onde morava até o lugar dos festejos. Porém, nada o aborrecia, visto que ele havia ingerido uma quantidade considerável de bebidas alcoólicas - mais especificamente cachaças e chopes. No outro dia o folião mal se lembra do que havia acontecido e muito menos de como teria chegado em casa. Envergonhado e sentindo-se com uma ressaca imensa ele sai de casa e refugia-se no botequim. Lá seu desanimo aumentou, após ver noticiado em todos Jairo e MELLO, Zuza Homem de., Op. Cit., p. 218. Revista da Música Popular, n.º 12, p.646-647. 197 SEVERIANO, 198 os jornais "fotos escandalosas e reportagens com os números dos desastres e crimes ocorridos durante a doideira geral"199, quando foi obrigado segundo Pérsio a ter que "concordar molemente com o velho aposentado que não se cansava de dizer (querendo humilhá-lo, por certo) com ar de grande autoridade e superioridade: - O carnaval de rua está morrendo de ano para ano. No meu tempo...".200 O comentário feito pelo senhor aposentado tem uma clara nostalgia em relação "aos tempos passados". Assim como a Revista da Música Popular, aquele senhor também considerava melhores os anos que já ficaram para trás, os carnavais que já se foram, os bons sambas já produzidos. Esse é nosso ponto de ligação com a próxima, e última, crônica analisada. Intitulada O "Correio" a crônica da 13a. edição fez uso da música "O correio já chegou" composição de 1934, de autoria de Ary Barroso. Tendo sido um grande sucesso no ano de sua gravação a música conta a história de um narrador que todo dia aguardava o carteiro passar esperando a carta de alguém que ele amava, porém, essa carta nunca chegou. Os velhos tempos felizes e de amor não mais voltarão e o apelo que o protagonista faz é de que seu amor o apague completamente de sua memória. Abaixo a letra da música: "O correio já chegou" (Ary Barroso / 1934) "O correio já chegou ô, ô Nem uma cartinha de você Todo o dia a mesma coisa E eu de longe, sem saber porque Longe dos olhos Longe do coração É o ditado mais certeiro Deste mundo de ilusão Amor, como é triste a minha sorte Só espero, agora, a morte É tudo que me resta pra consolação O correio já chegou ô, ô Nem uma cartinha de você Todo o dia a mesma coisa E eu de longe, sem saber porque A minha mágoa Vem da confiança Que em você depositava Minha única esperança Amor Já que tudo está perdido Só lhe faço este pedido Apaga-me de todo de sua lembrança" 199 Idem. 200 Idem. A crônica traz, em partes, a mesma temática. O "Correio" - título da crônica - vem a ser o carteiro que é (ou era) tão aguardado por uma enormidade de pessoas ansiosas por notícias e informações de pessoas amadas que estavam fisicamente longe em determinada altura. Escrevemos em partes, pois através de uma situação do tempo presente Pérsio tem a intenção de relembrar ao leitor os "tempos do bom samba, como êste de Ary Barroso". 201 A situação que o autor aborda é o aumento do preço do sêlo dos correios estipulado pelo diretor geral dos correios e telégrafos. Ele diz que houve um aumento de mais de quatro vezes em relação ao valor que custava antes. Como conseqüência, as pessoas que não dispunham de muitos recursos - e às vezes as que dispunham também - deixaram de enviar tantas cartas de conteúdo "pouco importante" guardando seu rico dinheiro para quando houvesse necessidade de comunicação, e não simplesmente por capricho ou para fazer um agrado a pessoa amada. Ele exemplifica a situação comentando que até mesmo a Revista da Música Popular, que recebia antes muitas cartas de leitores assíduos que escreviam apenas para elogiar essa ou aquela matéria agora já não recebem mais. E igualmente do lado oposto, a revista que gostava muito de responder agradecendo e isso já não é mais possível com os selos custando tão caro: "A êsses leitores amigos também gostávamos de responder dizendo do estímulo que suas palavras nos traziam. Agora, essa correspondência cordial diminuiu bastante e nos sentimos quase sòzinhos. Mas saberemos continuar nossa luta, que vale a pena". 202 Pérsio termina a crônica dizendo que as coisas andam ruins - e não só devido ao preço dos selos, mas com relação a decadência da música brasileira - mas, afirma que mesmo "as coisas ruins têm sempre o seu lado bom"203 e continua escrevendo que o lado bom disso tudo é ter "a oportunidade de relembrarmos êste belo samba de Ary Barroso"204 e saber que já houve música de qualidade produzida no Brasil, só o que não podemos deixar acontecer é seu esquecimento e morte. Esse sentimento saudosista e de luta pela preservação da nossa "música de qualidade" também está presente na crônica da 4a. edição, já analisada acima. No último parágrafo Pérsio, se referindo às marchas de carnaval e aos sambas da década de 1930 diz que: [...] essa música, a única verdadeiramente do povo, não se parece em nada com essa outra que você vem ouvindo ùltimamente, acompanhada por numerosa e pianíssima orquestra e dita em segrêdo ao microfone para auditórios histéricos. Não. A nossa música popular é simples e forte. Exige apenas sentimento, vontade de cantar, violões, tamborins e pouco mais. Para o carnaval, acrescente-se a isso uns surdos, umas cachaças e umas fantasias de sujo. 205 Revista da Música Popular, n.º 13, p.684. Ibidem, p.685. 203 Idem. 204 Idem. 205 Revista da Música Popular, n.º 4, p.195. 201 202 A crítica feita pelo autor se destina aos sambas-canção, que ele diz serem sambas cantados em segredo - devido ao ritmo mais calmo como era cantado sob influência do bolero - aos programas de auditório que, ele julga serem histéricos, e à influência das orquestras com variados instrumentos que passaram a criar novas versões para sambas já existentes ao mesmo tempo em que produziam novos sambas, sob ritmo e melodia diferentes dos quais os colaboradores da revista avaliavam como puros e autênticos. Pérsio de Moraes buscou através de suas crônicas enfatizar - de modo descontraído, conversando com seu leitor - o engajamento ideológico seguido pela Revista da Música Popular. A revista como um todo estava muito bem articulada. Seus colaboradores não divergiam entre si, pelo contrário, cada qual com sua seção e artigo conseguiam brechas para comprovar a necessidade do periódico em vista da situação alarmante que poderia dar fim a música brasileira autêntica, tendo como grave conseqüência o esquecimento das grandes obras musicais dos anos 30 bem como seus gênios compositores. Seguindo a mesma linha Pérsio salienta a gravidade do problema em relação à decadência da boa música popular nacional decorrente, entre outras coisas, da intensa influência estrangeira que permeia todo tipo de arte e cultura no Brasil daquela época e o crescimento desenfreado das indústrias fonográficas e meios de comunicação, que tinham interesse exclusivo nos lucros obtidos com suas vendas sem que a qualidade da produção importasse. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista o panorama do surgimento da música popular urbana no Brasil, a contextualização da conjuntura pela qual o país passou durante toda a trajetória percorrida pelo samba, a discussão historiográfica confrontando pesquisadores que não partilham de opiniões convergentes e a apresentação seguida da análise da fonte escolhida foi possível pensarmos em determinadas considerações acerca do objetivo de Pérsio de Moraes ao escrever suas treze crônicas, bem como, a visão que a Revista da Música Popular buscou criar e fundamentar ao longo de seus dois anos de existência. Claramente tendenciosa, tanto as crônicas de Pérsio de Moraes quanto os demais artigos da revista buscaram dar legitimidade a idéia de que a única música realmente genuína produzida em nosso país foi o samba, e apenas os sambas da segunda geração ou da fase dos sambas do Estácio. Para os fundadores da revista (Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes), bem como para a vasta gama de colaboradores, era imprescindível deter o processo de associação da música e da cultura de um modo geral como divertimento popular, o que acarretava em sua decadência. Processo criado e alimentado pelo mercado de discos, tendo como principais representantes as rádios e as indústrias fonográficas. Esses agentes, segundo a revista, perderam o critério e o bom senso para distinguir a cultura brasileira das demais. Eles permitiam, e até incentivavam, a intensa interferência e influência das artes estrangeiras nas "coisas brasileiras" afetando fatalmente a música popular nacional. Para conter essa inversão de discernimento a Revista da Música Popular foi criada buscando basear-se em uma tradição que levava em conta a noção de "cultura popular" para definir o que era autenticamente brasileiro do que não era, refutando veementemente as artes que não atendiam à qualificação de pureza, proposta pela revista. Seus articuladores, sendo Pérsio de Moraes um dos mais influentes, a cada número do periódico, buscaram consolidar a importância da preservação da música brasileira, através de listagens de discos de músicas de qualidade, reportagens com grandes nomes da música brasileira e incentivo à coleção de materiais ligados ao tema. Bem como a severas críticas por vezes ridicularizando tudo aquilo que não atendesse a proposta estipulada. Através das crônicas de Pérsio de Moraes nós pudemos abordar temas relacionados ao mundo do samba que já haviam sido mencionados na primeira parte da monografia, nos permitindo com isso explorá-los melhor. Tratamos das questões envolvendo os novos elementos que se caracterizam como tipicamente ligados ao samba, a exemplo do personagem "malandro", bem como as mudanças de espaço físico dos sambas da primeira geração - que tem como marco a Praça Onze e as casas das Tias Baianas- para os sambas produzidos pelo "pessoal do Estácio" - onde os botequins passam a ser os "escritórios" dos sambistas - lembrando as intensas agitações que as reformas urbanas e sanitárias trouxeram para a capital federal. A nostalgia vivida pelos colaboradores da revista, em relação a "época de ouro" da música brasileira também foi tema suscitado pelas crônicas. Por fim, as insatisfações quanto ao crescimento da indústria fonográfica e sua interferência no modo de comercializar a música brasileira, bem como os mecanismos de compra, de venda e de parcerias nos sambas entre compositores, cantores e gravadoras voltaram a ser enfatizados por estar presentes nos textos observados. Notamos, à medida que fizemos a análise das crônicas, que elas mantinham ligações entre si, além de permitirem uma observação de vários temas em um só texto. O final de uma crônica era quase sempre o ponto de convergência para a outra. Pudemos relacionar, por exemplo, em uma crônica que tinha como tema o carnaval a questão das reformas no Rio de Janeiro durante a metade do século XX, a nostalgia vivenciada pelos escritores da Revista da Música Popular e a crítica às novidades musicais da década de 1950, ligando-a com outra que iniciava abordando a questão da influência estrangeira na música brasileira acarretando numa produção musical de má qualidade aos olhos de Pérsio de Moraes. O gênero textual da crônica tem como característica ser leve, pessoal e abordar assuntos ou personagens do cotidiano de todos nós. Em nossa análise, percebemos que o autor utiliza-se dessa leveza para embutir suas severas críticas quanto ao panorama musical brasileiro da década de 50, que para um leitor mais desatento, passariam em forma de "histórinha", sem perceber que seu subconsciente estaria registrando a mensagem a qual Pérsio procura passar. Entendemos que o autor, além de criticar, tinha uma intenção clara que incutir nos leitores - e reforçar - a idéia proposta pela revista que considerava autenticamente brasileira apenas a produção musical da segunda geração dos sambas. Isso é natural em todos os meios de comunicação, porém faz-se, majoritariamente, de forma velada. A revista por sua vez deixa transparecer - e até faz questão disso - sua visão ou sua "missão" como Lúcio Rangel gostava de escrever. Percebemos através da análise das seis crônicas que Pérsio de Moraes faz questão de deixar clara sua identificação com os sambistas - geralmente de classe baixa e negros - mostrando-se "do povo", como eles também seriam, segundo seu entendimento. Sentimos algo como um paternalismo por parte do autor, que se utilizando desse recurso conseguiria dialogar mais abertamente com certa parcela de leitores que compartilhariam das mesmas condições dos sambistas do final de década de 1920 até a década de 1940. Sabemos que a revista foi lida, principalmente por um público mais culto, o que não deixava de significar que esses leitores fossem negros ou de classe baixa. Muitos colaboradores da revista eram, inclusive, músicos ou compositores dessas décadas, e a maioria não dispunha de muitos recursos, mas não por isso eram mal vistos pela direção da revista - pelo contrário, eram muito bem quistos por ela. A Revista da Música Popular priorizou sempre a qualidade em detrimento do lucro. Talvez essa tivesse sido outra razão para o seu fim. Sendo muito exigente com relação aos anunciantes que poderiam aparecer na revista - tendo eles que compartilhar o mesmo ponto de vista do periódico Pérsio de Moraes faz uma rigorosa seleção quanto aos patrocínios para revista, sendo eles em sua maioria gravadoras especializadas somente em sambas e livrarias que publicavam livros em memória da cidade do Rio de Janeiro. Vez ou outra algum anunciante "neutro", como companhias aéreas, apareciam, porém isso não era a regra. Em todas as crônicas, a intenção de criticar situações do presente - ou de um passado próximo - que contribuiu para o caminho do falecimento da música brasileira pura está presente. As críticas em tom de nostalgia - na maioria das vezes - mostravam quão desapontado o autor se encontrava frente a nova conjuntura musical brasileira. Porém, havia um otimismo, constatado pela própria atitude de fundar a revista, em relação ao resgate da autenticidade de nossas artes, em especial a música. Pérsio de Moraes, bem como a revista e seus colaboradores num todo, tinham esperança de ser possível resgatar uma memória musical dos ouvintes que perceberiam quão decadente era a música que ouviam naquela altura e saberiam que o Brasil já fez música de verdade, já produziu música puramente brasileira. FONTES Coleção Revista da Música Popular - Rio de Janeiro. Funarte: Bem-Te-Vi Produções Literárias, 2006. 775p.: il. Edição fac-similada da coleção completa da Revista da Música Popular, editada por Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes, de 1954 a 1956 (14 números). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira. São Paulo: Duas Cidades, 1982. BARBOSA, Orestes. Samba: sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores. 2ª ed., Rio de Janeiro: Funarte, 1978. CABRAL, Sérgio. 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