Verbos Médios e Anticausativos: - Pós

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Verbos Médios e
Anticausativos:
Uma proposta no âmbito da
Psicolinguística Experimental
Sabrina Lopes dos Santos
Rio de Janeiro
Janeiro de 2012
Verbos Médios e
Anticausativos:
Uma proposta no âmbito da Psicolinguística
Experimental
Sabrina Lopes dos Santos
Dissertação
de
Mestrado
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
requesito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Linguística
Orientador: Professor Doutor Marcus Antônio
Rezende Maia
Rio de Janeiro
Janeiro de 2012
iii
Santos, Sabrina Lopes dos
Verbos Médios e Anticausativos: Uma proposta no âmbito da
Psicolinguística Experimental / Sabrina Lopes dos Santos – Rio de
Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2012.
xi,85f.: Il.; 30cm.
Orientador Marcus Antônio Rezende Maia
Dissertação (mestrado) – UFRJ / Faculdade de Letras /
Programa de Pós-Graduação em Linguística, 2012.
Referências Bibliográficas: f. 87-90
1. Alternância Causativa 2. Médios 3. Anticausativo 4.
Psicolinguística 5. Sintaxe Experimental.
I. Maia, Marcus Antonio Rezende (Orient.); II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação
em Linguística. III. Verbos Médios e Anticausativos: Uma proposta
no âmbito da Psicolinguística Experimental
iv
VERBOS MÉDIOS E ANTICAUSATIVOS: UMA PROPOSTA NO ÂMBITO DA
PSICOLINGUÍSTICA EXPERIMENTAL
Sabrina Lopes dos Santos
Orientador: Professor Doutor Marcus Antônio Rezende Maia
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
quesitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Linguística.
Examinada por:
_______________________________________________________
Professor Doutor Marcus Antônio Rezende Maia – UFRJ
_________________________________________________
Professora Doutora Aniela Improta França - UFRJ
_________________________________________________
Professor Doutor Gabriel de Ávila Othero - UFRGS
________________________________________________________
Professora Doutora Márcia Damaso Vieira – UFRJ, Suplente
________________________________________________________
Professora Érica dos Santos Rodrigues – PUC-RIO, Suplente
Rio de Janeiro
Janeiro de 2012
v
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço ao meu orientador, Marcus Maia, que me acolheu em seu
laboratório de pesquisa – o LAPEX, do qual faço parte desde 2008. Deixo explícita
aqui minha admiração e respeito por seu trabalho como professor e orientador,
representando um símbolo de motivação para qualquer pesquisador, e expresso meu
carinho por ter confiado na qualidade do meu trabalho e pelos “puxões de orelha”,
sempre oportunos.
Agradeço aos meus pais, Eunice e Genival, pela educação, incentivo aos estudos e
acima de tudo aos valores que sempre me guiam nas minhas escolhas, nem sempre
acertadas...
Não posso deixar de agradecer aos membros do LAPEX e do ACESIN, dos quais,
alguns se tornaram amigos queridos.
Deixo o meu “muito obrigado” a Rossana que sempre se mostrou disponível em
participar de meus experimentos, bem como me ajudar no recrutamento de
participantes, e estendo esse agradecimento a todos os demais voluntários, que
foram fundamentais para a realização desse trabalho.
Por fim, agradeço a CAPES pela bolsa, sem a qual essa dissertação não seria
possível.
vi
RESUMO
VERBOS MÉDIOS E ANTICAUSATIVOS: UMA PROPOSTA NO ÂMBITO DA
PSICOLINGUÍSTICA EXPERIMENTAL
SABRINA LOPES DOS SANTOS
Orientador: Marcus Antônio Rezende Maia
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Linguística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Esta dissertação tem como principal objetivo discutir o fenômeno da
alternância causativa que permite que verbos atuem tanto na valência transitiva
quanto intransitiva. Por meio de metodologia experimental, são sugeridas classes
para os verbos que se comportam dessa maneira: médios e anticausativos.
O fenômeno da alternância causativa suscita grande divergência entre duas
importantes abordagens no âmbito da Gramática Gerativa: lexicalistas e
construcionistas. Nesse sentido, essa dissertação apresenta alguns trabalhos que
vigoram dentro dessas vertentes e utilizam o fenômeno da alternância causativa para
investigar as propriedades dos componentes da faculdade da linguagem que atuam no
processamento linguístico. Entretanto, as assunções encontradas nesse trabalho
encontram respaldo na Morfologia Distribuída, de abordagem construcionista, que
parece fornecer um modelo mais favorável para justificar e representar os dados
decorrentes dos experimentos psicolinguísticos realizados nesse trabalho.
Esse trabalho se insere na especialidade conhecida como Processamento de
Frases, no âmbito da Psicolinguística Experimental, que se ocupa das propriedades
dos processos envolvidos na compreensão e produção de estruturas frasais. Dessa
forma, metodologias experimentais são empregadas para testar as hipóteses
levantadas sobre as especificidades dos fenômenos linguísticos estudados, no que
concerne esse trabalho, a alternância causativa. Nesse sentido, foram utilizadas
técnicas experimentais de julgamento de aceitabilidade/gramaticalidade e leitura
automonitorada. A justificativa desse trabalho reside, portanto, em contribuir para
um diálogo produtivo entre a Linguística Teórica e a Psicolinguística, no campo da
chamada Sintaxe Experimental.
vii
Palavras-chaves:
Alternância
Psicolinguística, Sintaxe Experimental.
Causativa,
Médios,
Anticausativos,
viii
Abstract
VERBOS MÉDIOS E ANTICAUSATIVOS: UMA PROPOSTA NO ÂMBITO DA
PSICOLINGUÍSTICA EXPERIMENTAL
SABRINA LOPES DOS SANTOS
Orientador: Marcus Antônio Rezende Maia
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Linguística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Abstract
The main objective of this Master’s thesis is to investigate the phenomenon of
the causative alternation in Brazilian Portuguese through psycholinguistic
experiments, proposing to classify verbs with transitive and intransitive valence in
two classes: middle and anticausative.
The study of the causative alternation has been the source of dispute between
two important approaches in Theoretical Linguistics, namely, lexicalism and
constructionism. This thesis reviews some relevant aspects of these two approaches
and moves on to explore the phenomenon from a processing point of view. Three
experiments are reported using the methodologies of speeded acceptability judgment
and self-paced reading. We argue that the experimental results support the
constructionist approach, more specifically the theory of Distributed Morphology
(Halle & Marantz, 1993).
Therefore, the work is developed within the framework of Sentence
Processing, but in close dialogue with linguistic theories, seeking to contribute to the
new field of Experimental Syntax.
Key-words: causative alternation, middles, anticausative, psycholinguistics,
experimental syntax.
ix
Sumário
1.
Introdução.......................................................................................................12
1.1 Objetivos e Justificativa da Pesquisa................................................................12
1.2 Inacusatividade e Alternância Causativa..........................................................14
1.2.1 Denominações.......................................................................................17
1.3 Fundamentação Teórica da proposta................................................................20
1.3.1 Teoria da Morfologia Distribuída............................................................20
1.4 Aportes Experimentais......................................................................................24
1.4.1 Técnicas Experimentais...........................................................................25
2.
Visão Teórica do Processo...........................................................................................................28
2.1 Construcionismo versus Lexicalismo .............................................................28
2.1.1 O Ponto de Vista Lexicalista...................................................................29
2.1.2 O Ponto de Vista Construcionista............................................................35
2.2 Discussão.........................................................................................................44
3. Aportes de Processamento..............................................................................................................46
3.1 Psicolinguística Experimental............................................................................46
3.2 Experimentos......................................................................................................47
3.3Di Sciullo et al. (2007): middles x transitivos.....................................................48
3.3.1 Resultados................................................................................................50
3.4 Experimentos 1 : Julgamento de aceitabilidade da voz média em
PB.............................................................................................................................51
3.4.1 Resultados............................................................................................... 54
3.4.2 Discussão...............................................................................................56
3.5 Experimento 2: Leitura Automonitorada de sentenças Voz Média em
PB.................................................................................................................................57
3.5.1 Resultados................................................................................................60
3.5.2 Discussão..................................................................................................62
3.6
Experimento
3:
Julgamento
de
aceitabilidade
médio
x
anticausativo..................................................................................................................64
3.6.1 Resultados................................................................................................67
3.6.2 Discussão..................................................................................................69
3.7 Conclusões..........................................................................................................70
4. Estrutura e Representação........................ .................... ..................74
x
4.1 Estrutura e representação dos verbos médios e anticausativos.........................74
4.1.1 Médios...................................................................................................75
4.1.2 Anticausativos.......................................................................................79
4.2 Conclusões.........................................................................................................80
5. Conclusão................................................................................................................84
Referências...................................................................................................................87
Anexo............................................................................................................................91
1. Lista do experimento 1......................................................................................91
2. Lista do experimento 2......................................................................................92
3. Lista do experimento 3......................................................................................95
xi
Lista de Figuras
Figura
Descrição
Página
1.
Esquema da gramática na Morfologia Distribuída.
23
2.
Desenho do experimento de Lee e Thompson (2011).
27
3.
Gráficos com os resultados obtidos a partir dos experimentos
de julgamento de aceitabilidade (Di Sciullo et al., 2007)
49
4.
Desenho do experimento 1.
55
5.
Gráfico e tabela com índices de rejeição (experimento 1).
56
6.
Gráfico e tabela das médias de tempo de julgamento
(experimento 1).
57
7.
Exemplos das condições experimentais (experimento 2).
60
8.
Desenho do experimento 2.
61
9.
Gráfico e tabela com as médias de tempo de leitura do
segmento 2 (experimento 2).
62
10.
Gráfico e tabela de médias de tempo de resposta à pergunta
interpretativa (experimento 2).
63
11.
Desenho do experimento 3.
68
12.
Gráfico e tabela de índices de aceitabilidade em valor
percentual (experimento 3).
69
13.
Gráfico e tabela das médias de tempo de julgamento
(experimento 3).
70
Lista de Tabela
Tabela
1
Descrição
Índices de respostas (experimento 2)
Página
63
12
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO
1.1 Objetivos e Justificativa da Pesquisa
Esta dissertação tem como objetivo principal discutir o fenômeno da
alternância causativa, que permite que alguns verbos atuem em duas valências,
sugerindo uma classificação para tais verbos, através do uso de metodologias
experimentais. Busca-se, assim, exercitar um diálogo produtivo entre a Linguística
Teórica e a Psicolinguística, no campo da chamada Sintaxe Experimental, que ainda se
mostra pouco difundido no Brasil.
O tema investigado tem sido amplamente discutido em Linguística, uma vez
que possibilita a investigação de propriedades centrais dos subcomponentes que
constituem a arquitetura gramatical (sintático, morfológico, semântico e fonológico).
Sendo assim, pretendemos, mais especificamente, com esse trabalho, contribuir para
as teorias sobre a interface entre o léxico e a sintaxe. Duas abordagens fundamentais, a
lexicalista e a construcionista, no quadro mais amplo da Teoria da Gramática Gerativa,
têm buscado explicações que deem conta dos mecanismos que atuam na restrição dos
processos de valência verbal, procurando entender como e por que ocorrem mudanças
na estrutura argumental de alguns verbos.
Os proponentes do lexicalismo defendem a existência de um componente
lexical onde estariam armazenadas as palavras adquiridas pelo falante, locus onde
estariam prontas para entrar na computação no nível sintático. Nesse sentido, advogam
uma tendência dos argumentos, quando ocorrem com certos papéis temáticos, a
aparecerem em mesmas posições sintáticas, sendo este um indício de que as
propriedades sintáticas seriam pré-estabelecidas pela semântica, com o léxico atuando
na configuração da estrutura argumental dos predicados.
Por outro lado, os teóricos construcionistas (não-lexicalistas) acreditam que a
estrutura lexical de um verbo não interfere na sua configuração sintática, mas o que
determinaria a interpretação dos argumentos seriam, ao contrário, as posições
sintáticas em que aqueles são realizados. Uma proposta, no âmbito não lexicalista, que
ganhará destaque nessa dissertação é a da Teoria da Morfologia Distribuída (cf. Halle
& Marantz, 1993), que leva a sintaxe para dentro da palavra, propondo a existência de
13
três listas nas quais estariam contidos os traços que atuam na computação das palavras
e das sentenças.
A intensa discussão que se tem feito sobre o fenômeno da alternância causativa
consiste, sobretudo, em determinar quais propriedades semânticas e sintáticas estão
envolvidas no licenciamento desse processo complexo. Observa-se que, mesmo a
terminologia cunhada para o processo está longe de ser inequívoca e desprovida de
ambiguidades. Por exemplo, Ciríaco (2007) trata a alternância causativa como
alternância causativo/ergativa por entender que haveria uma forma causativa básica
derivando uma forma ergativa, baseando suas assunções, sobretudo, na decomposição
de predicados em um nível semântico-lexical proposto por Levin e Rappaport-Hovav
(1995). Alexiadou et al. (2006), por outro lado, denominam o fenômeno de alternância
causativa/anticausativa, mostrando que existem evidências morfológicas que indicam
não existir uma direcionalidade para o fenômeno1.
Em meio a tal diversidade,
assumimos, fundamentalmente, que a alternância causativa se refere a uma mudança
na valência verbal que está relacionada ao número de argumentos presentes na
estrutura argumental dos verbos. Por isso, por vezes, vamos nos referir a ela como
sendo uma alternância de transitividade (valência ou diátese).
Nesse trabalho, tentaremos responder a duas questões que são fundamentais
para conferir maior acuidade a nossa proposta: (i) se existe, de fato, um sentido no
processo da alternância (ergativo-causativo ou causativo-ergativo); e, em existindo
uma direção, qual seria a forma básica e qual seria a derivada? (ii) qual seria o modelo
mais adequado a se seguir para representar essas estruturas, tendo em vista os
resultados experimentais encontrados ao longo de nossa pesquisa?
Veremos nos capítulos que se seguem que a Morfologia Distribuída parece
fornecer um modelo favorável aos dados dos estudos psicolinguísticos apresentados
nessa dissertação.
1
Distintamente de Ciríaco (2007) e Levin e Rappaport-Hovav (2005), outros autores tais com
Lakoff (1968, 1970), Dowty (1979), Williams (1991), Hale e Keyser (1986, 1987), Brousseau
e Ritter (1991), Harley (1995), Pesetsky (1995) apud Schäfer (2009), postulam que a forma
anticausativa estaria derivando a forma causativa num processo de causativização, ou seja, a
forma básica seria a intransitiva.
14
1.2 Inacusatividade e Alternância Causativa
Segundo a Generalização de Burzio2 (1981), que desenvolve a Hipótese da
Inacusatividade de Perlmutter (1978), um verbo que não tem a opção de projetar um
especificador não seria capaz de atribuir caso. Assim, em sentenças formadas por
verbos ditos inacusativos haveria um sujeito derivado por movimento sintático, como
observado nos exemplos (1) e (2):
(1)
Maria chegou.
(2)
O copo quebrou.
Na derivação dessas estruturas intransitivas, os respectivos NPs (Maria e O
copo) se deslocam da posição de argumento interno para a posição de argumento
externo, uma vez que, na posição em que os NPs são originalmente gerados, não é
possível que recebam caso. Assim, os NPs, que já receberam papel de tema ou
paciente do verbo, em sua posição de origem, devem se mover para a posição de
especificador de IP para receber caso nominativo, deixando um vestígio nas suas
posições de base, segundo proposto por Keyser & Roeper, 1984; Roberts, 1987; Di
Sciullo, 2005, entre outros. Com isso temos a representação estrutural de (1) e (2)
configurada em (3):
(3)
[VP V NP] – estrutura inacusativa
Entretanto, existem estruturas intransitivas, como (4), que não possuem
sujeitos derivados via movimento sintático, ou seja, o NP não é alçado de dentro do
VP. Por esta razão, essas construções não demonstram o grau de complexidade
estrutural evidenciado nas estruturas inacusativas vistas acima. Tais construções,
denominadas inergativas, teriam uma representação estrutural como em (4b):
(4) a. Maria bebeu.
2
A Generalização de Burzio não considera sentenças como “Há cinco pessoas aqui”, onde
teríamos um verbo atribuindo caso acusativo ao NP, porém não projeta um especificador.
15
b. NP [VP V] – estrutura inergativa
Os verbos inacusativos não constituem uma classe fechada, isto é, nem todos
apresentam as mesmas características, pois observamos comportamentos derivacionais
distintos, ou seja, há verbos que permitem alternância causativa e outros que não.
Observando as orações a seguir, vemos claramente essa distinção:
(5) a. Maria chegou.
b. *Maria chegou o menino.
(6) a. O copo quebrou.
b. O menino quebrou o copo.
Em (5), temos um verbo inacusativo que não permite a contraparte transitiva,
como visto pela agramaticalidade da oração (5b) e a esses verbos chamaremos
inacusativos puros3, ou seja, não licenciam a contraparte transitiva, mas possuem
sujeito
derivado
por
movimento
sintático,
configurando
uma
estrutura
monoargumental. Em (6), vemos o verbo quebrar atuando em duas valências, a
intransitiva, em (6a), e a transitiva, em (6b), com estrutura biargumental. Entretanto,
temos, ainda, casos como (7)-(9), no qual a estrutura inacusativa parece ser permitida
somente pela presença de um adjunto, em construção média, configurando uma
estrutura sintática diferente dos verbos como quebrar, também chamados, na literatura
corrente sobre o tema, de incoativos.
(7) No salão disseram que o cabelo cortou fácil.
(8) Esse livro vende bem.
(9) A caneta escreveu bastante.
As estruturas em (7)-(9), chamadas de voz média, têm motivado grande
discussão na literatura voltada para o fenômeno da inacusatividade e da alternância
causativa. Essas estruturas têm sido analisadas em muitos trabalhos em decorrência
das divergências de tratamento por parte dos autores, tais como, apenas para focalizar
3
Nomenclatura de Schäfer (2009)
16
a língua portuguesa, os estudos de Rodrigues (1998), Camacho (2003), Ciríaco (2007),
Pacheco (2008), entre vários outros.
Ciríaco (2007), por exemplo, faz diferenciação entre a voz média e os verbos
ergativos (anticausativos), a partir da estrutura resultante da alternância de diátese.
Para a autora, a construção ergativa denota o mesmo evento da sua estrutura básica
(transitiva), enquanto que a voz média passa a não mais denotar um evento e sim um
estado, “transformando a construção em uma sentença genérica”. Em (7) e (9), vemos
que os verbos cortar e escrever, ao contrário do que afirma Ciríaco (2007), descreve
um evento e não um estado o que, segundo a autora, deveria ocorrer com esses verbos
na mudança para a diátese intransitiva.
Keyser e Roeper (1984) entendem que a Formação Média (Middle Formation)
é cabível para as duas categorias de verbos (middles e ergatives) que se diferenciam
com base em onde, na gramática, as estruturas seriam geradas: middles na sintaxe e
ergatives no léxico. Além do fato de que as estruturas middles precisariam do advérbio
para serem consideradas gramaticais, assumindo-se que os middles sejam, na verdade
transitivos, e que os ergatives seriam intransitivos. A Formação Média de Keyser e
Roeper se refere, sobretudo, a sentenças genéricas, realizadas como verdades gerais,
isto é, não descrevem um evento particular no tempo, como visto em (10) e (11):
(10) ? Yesterday, the mayor bribed easily, according to the newspaper.
(11) ? At yesterday’s house party, the kitchen wall painted easily.4
Entretanto, em Português do Brasil, parece que as construções médias não
precisariam estar necessariamente no tempo presente, denotando um sentido genérico,
para serem bem aceitas:
(12) Ontem, o muro pintou fácil porque o tempo estava seco.
(13) Ontem, a roupa lavou rápido porque a máquina era boa.
(14) Ontem, a tesoura cortou fácil porque estava amolada.
4
Exemplos de Keyser e Roeper (1984:384).
17
Para fins dessa dissertação, considero a construção média ou voz média as
sentenças cujos sujeitos são afetados e há necessidade de adjunção verbal para que
sejam consideradas gramaticais. O tratamento a essas construções, como (12)-(14),
ficará mais claro nos capítulos 3 e 4, onde apresento nosso aporte experimental e
proponho uma análise para as representações estruturais dos verbos médios e
anticausativos que acreditamos seja a mais adequada para explicar os nossos
resultados.
1.2.1 Denominações
Como estamos vendo, na tentativa de classificar os verbos que licenciam a
alternância causativa, encontramos diferentes denominações, de acordo com o
contexto sentencial em que esses verbos se inserem: incoativo, anticausativo,
inacusativo, ergativo, voz média ou medial. Souza (1999), em sua tese de doutorado,
fez uma breve distinção entre as categorias, a saber:
i.
Incoativo
A forma incoativa estaria relacionada aos verbos que denotam início de
mudança ou passagem de um estado a outro por parte do sujeito, como (15). Porém,
nem sempre ocorre mudança, pode ser apenas o prosseguimento do estado anterior,
como em (16):
(15) O lixo queimou.
(16) As folhas amarelaram.
i.
Anticausativo
Em (17) e (18), temos estruturas anticausativas que se referem às construções
com verbos que licenciam a alternância causativa, ou seja, possuem uma parte
transitiva e outra intransitiva, entretanto não denotam alterações aspectuais como a
forma incoativa, vista em (15) e (16):
(17) A menina grudou o papel na parede.
(18) O papel grudou na parede.
18
ii.
Inacusativo
Essa denominação pode ser entendida como resultado da Generalização de
Burzio, pois afirma que um verbo que não projeta um especificador também não será
capaz de atribuir caso acusativo. Porém, observando a oração em (19), vemos um
verbo que não projeta especificador atribuindo caso acusativo:
(19) Tinha o livro do Jô e do Jabor na livraria.5
iii.
Ergativo
A utilização do termo ergativo se originou na descrição das chamadas línguas
ergativas que flexionam o sujeito de duas formas distintas: se o verbo é transitivo irá
atribuir caso ergativo, se for intransitivo atribuirá caso absolutivo (o mesmo que o
objeto direto) 6. A partir desse padrão, passou-se a utilizar o termo para os verbos cujo
sujeito da variante intransitiva é o objeto na variante intransitiva, como pode ser
observado em (20) .
(20) a. Os operários começaram as obras no Maracanã.
b. As obras começaram no Maracanã.
iv.
Voz média x voz medial
Em sua classificação original (do Grego Antigo), a voz média se referia às
construções com sujeito funcionando tanto como agente quanto afetado pela ação do
verbo, ou seja, o sujeito e o afetado seriam os mesmos da voz ativa, como nos exemplos
(20) e (21):
(20) O sacerdote faz sacrifícios. (em benefício de outro/s)- ativa
5
Exemplo retirado de Souza (1999).
6
Cf. Souza, 1999:18.
19
Gr.: Ho hieréus thúei.
(21) Xenofonte faz sacrifícios. (em benefício próprio)- média
Gr.: Xenofōn thúetai.
Atualmente, a expressão voz média se relaciona mais especificamente com
frases como (22) e (23), que lembrariam alguns aspectos dessas estruturas do grego
antigo:
(22) Esse feijão cozinha bem.
(23) A roupa lavou fácil.
(24) Rosana cozinhou o feijão.
(25) Rosana lavou a roupa.
Porém, esses verbos, geralmente, têm o sujeito desempenhando função de
agente da “ação” verbal (uma pessoa, por exemplo), já em (22) e (23) o que temos é o
afetado no papel de agente diferente daquele que ocupa essa posição na voz ativa, em
(24) e (25), como no caso da voz média propriamente dita cf. (20) e (21).
A estrutura medial seria referente a sentenças que não possuam um sujeito
“implícito”, geralmente ocorram no tempo presente, conotando genericidade, como é
assumido por Ciríaco (2007) e exemplificado em (26) e (27):
(26) Vasos quebram.
(27) Pássaros voam.
Em razão dessa variação, proponho aplicar-se o tratamento de anticausativos
aos verbos que alternam de transitividade livremente, isto é, não necessitam de
advérbio em sua estrutura para licenciarem a forma intransitiva, como em (28), e
20
médios7 para os verbos que só atuam na forma intransitiva com a adjunção, como em
(29):
(28) A xícara quebrou.
(29) O feijão cozinhou bem.
1.3 Fundamentação Teórica da proposta
As classes de verbos participantes da alternância causativa (médios e
anticausativos) sugeridas nessa dissertação encontram respaldo na Teoria da
Morfologia Distribuída (doravante MD), proposta inicialmente por Halle e Marantz
(1993). Essa é uma teoria fundamentalmente construcionista e, como tal, apresenta
propriedades que a diferenciam, sobretudo, das correntes lexicalistas. Na seção que se
segue apresento um breve resumo com as principais características e princípios que
embasam a teoria da MD.
1.3.1 Teoria da Morfologia Distribuída
A organização da arquitetura da gramática, no âmbito da MD, está baseada em
três propriedades fundamentais: Inserção Tardia (Late Insertion), Subespecificação do
item de vocabulário (Underspecification of vocabulary item) e Estrutura Sintática
Hierárquica (Syntactic Hierarchical Structure All the Way Down), a saber:
i)
Inserção Tardia: essa propriedade prevê que a expressão fonológica da
estrutura sintática, em todos os casos, é fornecida no mapeamento para
a Forma Fonológica (PF- Phonological Form). Diante disso, as
categorias sintáticas são puramente abstratas, não possuindo conteúdo
fonológico. Somente após a sintaxe são inseridas as expressões
7
Ao longo desse texto também irei me referir à voz média ou estrutura média, mas sempre
relacionadas a construções do tipo O feijão cozinhou bem ou Esse muro pintou fácil.
21
fonológicas chamadas Itens de Vocabulário (Vocabular Item) nos nós
terminais, por meio de um processo de Spell-out8.
ii)
Subespecificação dos itens de Vocabulário: significa que as expressões
fonológicas não precisam ser plenamente especificadas para serem
inseridas nas posições sintáticas (ou nós terminais). Somente os
morfemas9 são totalmente especificados pelo seu conteúdo. Os itens de
vocabulário
carregam
informações
sintáticas,
morfológicas
e
semânticas suficientes - resultantes das operações morfossintáticas para serem inseridas nos nós terminais, onde nenhuma outra forma mais
específica está disponível. Isso quer dizer que um nó morfossintático
pode conter mais informações do que o item vocabular que será
inserido nessa posição, por isso podem ser subespecificados.
iii)
Estrutura Sintática Hierarquizada All the Way Down: implica que os nós
terminais, onde os itens de vocabulário serão inseridos, se organizam
em estruturas hierárquicas determinadas por princípios e operações da
sintaxe. Os nós terminais nos quais os itens de vocabulário serão
inseridos estão sujeitos a modificações resultantes de operações
realizadas no componente morfológico.
Ao propor a Teoria da MD, Halle e Marantz assumem que a realização
fonológica dos elementos terminais na sintaxe é regida pelas entradas lexicais (Lista2 Vocabulário) que irão unir os de traços morfossintáticos aos traços fonológicos.
Abaixo, pode-se observar o esquema da gramática na MD:
8
Mais adiante, Chomsky (1998, 1999) irá propor que os elementos computados sofrem spell-out
ao longo da derivação.
9
Nos termos da Morfologia Distribuída, morfema se refere a um nó terminal (sintático ou
morfológico) e a seu conteúdo de traços morfossintáticos, não sendo provido de expressão
fonológica. As expressões fonológicas são fornecidas como parte do item do Vocabulário.
Morfemas são entendidos como átomos da representação morfossintática e seu conteúdo na
sintaxe consiste de traços semântico-sintáticos extraídos do conjunto disponível na Gramática
Universal, Harley e Noyer (1999).
22
Figura 1: Esquema da gramática na Morfologia Distribuída, adaptado de Harley e Noyer (1999).
Na organização da gramática, vista no esquema acima, observamos que a
Lista 1 (Léxico Estrito, Marantz; 1997) contém os traços morfossintáticos (abstratos) e
raízes acategoriais que irão atuar no sistema computacional através de operações de
mover, concatenar e copiar. Inicialmente, ocorre uma pré-seleção dos feixes de traços
23
que serão utilizados ao longo da derivação sintática. As informações contidas nos nós
resultantes das operações sintáticas são enviadas para a Forma Lógica e para o
componente morfológico do sistema computacional. Ao contrário do que se assumiu
nas últimas décadas pelos estudos no âmbito da Gramática Gerativa, a teoria da MD
propõe que os mecanismos morfológicos estariam distribuídos entre os vários
componentes da gramática e não concentrados em um componente único. A MD
adiciona um nível à organização dos princípios e parâmetros da gramática: o nível da
estrutura morfológica (Morphology Structure- MS). A estrutura morfológica é uma
representação que serve como parte da Fonologia, onde esta é entendida como uma
componente interpretativa que realiza fonologicamente as representações sintáticas.
Traços fonológicos são fornecidos aos morfemas somente em MS por de meio de
Inserção Vocabular. Dentro do componente morfológico, os nós terminais resultantes
de operações sintáticas irão sofrer operações morfológicas (tais como Fundir e
Fissionar) gerando novos nós terminais que estarão sujeitos à inserção dos itens do
Vocabulário. Esse inventário de itens constitui a Lista 2 (Vocabulário) que confere
conteúdo fonológico aos nós resultantes das operações morfossintáticas. Para uma
determinada entrada de vocabulário ser inserida em algum morfema na sintaxe,
nenhum dos seus traços morfossintáticos pode estar em conflito com algum outro traço
nesse mesmo nível. A entrada vocabular deve conter um subconjunto de traços
morfossintáticos dos nós terminais, isto é, não necessita conter todos os traços
morfossintáticos contidos nos nós terminais que serão inseridos, o que leva a
subespecificação do item do vocabulário. Dada a inserção vocabular, as expressões
derivadas por esse mecanismo são enviadas para a Interface Conceptual onde irão
receber “significado” fornecido pela a Lista 3 (Enciclopédia). A Lista 3 é responsável
por atribuir sentido às raízes, considerando-se o ambiente sintático em que aparecem.
Para entendermos melhor o mecanismo de inserção dos itens do vocabulário
nos nós terminais derivados pelas operações morfossintáticas, vamos tomar como
exemplo o paradigma da concordância de pessoa no pretérito imperfeito do verbo
escrever:
I. escrevia, escrevias, escrevia, escrevíamos, escrevíeis, escreviam
24
Podemos observar que o item do Vocabulário - a pode ser inserido tanto na 1ª
quanto na 3ª pessoa do singular, o que nos mostra que esse item contém apenas o traço
de número, pois se também tivesse o traço de pessoa não poderia ser inserido nos nós
morfossintáticos onde esses itens devem ser inseridos. Por outro lado, o item -as
contém mais traços específicos do que o item –a que fazem com que seja inserido no
nó terminal de 2ª pessoa, pois se não fosse dessa forma também poderia ser inserido na
1ª e na 3ª pessoa do singular. Tendo em vista os traços que cada item do vocabulário
possui, esses (-a e -as, no paradigma citado) entram em competição e aquele que
possuir o maior número de traços será inserido no morfema adequado.
Diante disso, na MD, as palavras, assim como as sentenças, são derivadas pela
composicionalidade de traços morfossintáticos que formam complexos de núcleos
sintáticos nos quais serão inseridos itens do Vocabulário. Tendo em conta, que
nenhum dos traços morfossintáticos envolvidos nas operações morfossintáticas é
provido de expressão fonológica. Por exemplo, partindo de uma raiz acategorial
√PESC- que pode ser concatenada a um categorizador verbal (v- vezinho) derivando o
verbo pescar, que encontra seu significado listado na Enciclopédia. Na concatenação
da [raiz+v] ocorre uma negociação de significado de maneira arbitrária. Uma vez
estabelecido esse significado, as demais derivações serão associadas a esse sentido
atribuído inicialmente – pesca, pescaria, pescador, etc.
1.4 Aportes Experimentais
Como já dissemos acima, a presente pesquisa conta com aporte tecnológico de
cunho experimental no intuito de conferir maior acuidade às afirmações e
argumentações a respeito do tema a ser estudado, no caso desta dissertação – a
alternância causativa. Assumimos que para uma teoria linguística estar de fato bem
fundamentada deve buscar a correspondência entre a estrutura linguística e a estrutura
psicológica, e é nesse sentido que testes psicolinguísticos são aplicados aos usuários
das línguas.
No capítulo 3 desta dissertação, encontram-se descritos em detalhe os
experimentos realizados ao longo de nossa pesquisa. Entretanto, abaixo, revisamos,
brevemente, dois trabalhos no âmbito da Linguística Experimental que ilustram como
25
a metodologia psicolinguística pode ser produtivamente utilizada em favor dos estudos
sobre estrutura argumental.
1.4.1 Técnicas experimentais
Lee e Thompson (2011) realizaram estudo com grupos de falantes normais e
afásicos10 e evidenciaram que, nos dois grupos, o processo de produção de sentenças
reflete as diferenças linguísticas entre verbos inacusativos e inergativos. Para elaborar
essa afirmativa os autores realizaram experimento de rastreamento ocular11, cuja tarefa
dos sujeitos era produzir frases com palavras que apareciam dispostas na tela do
computador, localizado imediatamente a sua frente, as sentenças deveriam ser
formuladas tão logo os estímulos aparecessem na tela, como ilustrado na figura 2.
Inergativo
Inacusativo
Figura 2: Desenho do experimento de Lee e Thompson (2011)
10
O grupo de afásicos sofria de agramatismo que se caracteriza por distúrbios de sintaxe.
11
A técnica de rastreamento ocular (eye-tracking) permite aferir tempos de fixação oculares nos
segmentos relevantes e monitorar a movimentação ocular, progressiva e regressiva, de mudança
de fixação de um segmento para outro, o que se denomina sacada (saccade), possibilitando
estabelecer correlações entre esses padrões e diferentes processos cognitivos, tanto em
paradigmas de rastreamento ocular em leitura quanto em paradigmas com input oral e imagens
(visual world paradigm)
26
A distinção entre verbos inergativos e inacusativos se evidencia nesse estudo
na associação de diferentes processos, em tempo real, de produção de sentenças,
avaliando as medidas de tempo de movimento e fixação oculares e produção de fala.
Os dois grupos mostraram mais diferenças em tempos de fixação entre as palavras
não-verbais (adjetivo e nome) quando a integração de palavras dentro do enunciado
envolvia uma derivação de uma sentença inacusativa.
Friedmann, Taranto, Shapiro e Swinney (2008) utilizaram experimento com
paradigma de cross-modal priming12 com decisão lexical para evidenciar a reativação
automática do argumento movido em sentenças inacusativas ao ouvirem o verbo,
enquanto que esse padrão não foi constatado em orações inergativas. Nesse teste, os
participantes deveriam ouvir a sentença, e durante a audição de cada frase, um
estímulo lexical era apresentado visualmente, devendo os participantes decidir
rapidamente se consideravam o item visual como uma palavra ou não-palavra. Os
exemplos (30), (31) e (32) ilustram os estímulos utilizados na implementação do teste
e o momento em que deveriam executar a decisão lexical. Os alvos visuais apareciam
nas três posições investigadas em cada sentença, indicadas pelos números sobrescritos
nas sentenças abaixo.
(30) Inacusativo não alternante
The tailor ¹ from East Orange, New Jersey mysteriously disappeared ² when it
was ³ time to adjust the tuxedos and dresses for the participants in the wedding party.
(31) Inacusativo alternante
The table ¹ in the basement of the old house finally dried ² after the leaking ³
window was sealed a month ago.
(32) Inergativo
12
O paradigma de priming baseia-se em um efeito que se refere à influência que um evento
antecedente exerce sobre outro posterior, supondo que uma palavra possa ser acessada mais
rapidamente se antecedida de outra semanticamente, morfologicamente, fonologicamente ou
mesmo ortograficamente a ela relacionada. A técnica cross-modal priming utiliza mais de um
tipo de estímulo (visual e auditivo).
27
The surgeon ¹ with a brown felt fedora hat and matching coat eagerly smiled ²
when the beautiful ³ actress walked down the corridor to exam room three.
As
localizações
das
duas
primeiras
posições
foram
determinadas
estruturalmente: a primeira imediatamente após o participante ouvisse o sujeito e a
segunda após ouvisse o verbo (no vestígio). A terceira posição era 750ms após a
segunda posição. Os antecedentes foram reativados nos três tipos de verbos
(inacusativos alternantes, inacusativos não alternantes e inergativos), porém na
posição 3 ocorreu reativação somente com verbos inacusativos, mas não para os
inergativos. As análises mostraram que sentenças com verbos inacusativos e
inergativos são processadas diferentemente e que os sujeitos são reativados depois de
verbos inacusativos, mas não são depois de verbos inergativos. Desta forma, a
Hipótese da Inacusatividade, bem como as análises que apontam para um movimento
da posição de objeto para a posição de sujeito, na derivação de sentenças inacusativas
poderiam ser sustentadas.
Esses dois trabalhos demonstram que podemos verificar a realidade psicológica
mais complexa das estruturas argumentais dos verbos e, por isso, técnicas
experimentais devem ser utilizadas como ferramenta comum entre os estudiosos da
linguagem e das línguas, e nesse sentido, pretendemos contribuir para o
desenvolvimento e a difusão das pesquisas linguísticas que constituem essa área.
28
CAPÍTULO 2: VISÃO TEÓRICA DO PROCESSO
“All seemingly intransitive verbs are not
created equal”.13
(Baker, 1983)
2.1 Construcionistas versus Lexicalistas
Este capítulo será dedicado à descrição de algumas das abordagens teóricas a
respeito do fenômeno da alternância causativa, buscando a melhor fundamentação
para as hipóteses e para os resultados obtidos em nossas investigações. Nas seções 2.2
e 2.3 apresentamos alguns trabalhos que utilizam a alternância causativa como
ferramenta para investigar as propriedades dos componentes da faculdade da
linguagem que atuam no processamento linguístico. As análises sobre os verbos
inacusativos, que admitem a alternância causativa, são foco principal de descrição,
tendo em vista que o objetivo maior desse trabalho é propor a classificação desses
verbos.
O estudo da alternância causativa contribui para as teorias sobre interface entre
léxico e sintaxe, dividindo-as em lexicalistas e construcionistas (não-lexicalistas). Do
lado lexicalista, autores como Levin & Rappaport-Hovav (1995) defendem uma
tendência dos argumentos quando ocorrem com certos papéis temáticos aparecerem
nas mesmas posições sintáticas, sendo este um indício de que as propriedades
sintáticas sejam pré-estabelecidas pela semântica, com o léxico atuando na
configuração da estrutura argumental dos predicados. Por outro lado, teóricos nãolexicalistas, como Marantz (1984), acreditam que a estrutura lexical de um verbo não
interfere na sua configuração sintática, mas o que determinaria a interpretação dos
argumentos seriam as posições sintáticas em que são realizados.
13
“Todos os verbos aparentemente intransitivos não são criados iguais”, Baker; 1983.
29
2.1.1 O Ponto de Vista Lexicalista
Levin e Rappaport-Hovav (1995, 2005), no âmbito da Semântica Lexical,
advogam que os verbos participantes da alternância causativa teriam como forma
básica a estrutura transitiva (causativa) e que a forma intransitiva (inacusativa) é
derivada por um processo de “detransitivização”, afirmando também que em geral são
verbos de mudança de estado. Essa argumentação está baseada nas propostas de Levin
(1993) e Levin Rappaport-Hovav (1995), que identificam três classes de verbos
baseadas em suas representações semântico-lexicais associadas à estrutura de
argumentos. Segundo as autoras, existiriam três classes de verbos: os que denotam
eventos causados externamente, os que denotam verbos causados internamente e os
verbos de existência e aparecimento, exemplificados respectivamente em (33), (34) e
(35):
(33) a. O tijolo quebrou a janela.
b. A janela quebrou.
(34) a. A criança sorriu.
b. *O palhaço sorriu a criança.
(35) a. A chave sumiu.
b. *O porteiro sumiu a chave.
Os verbos causados externamente englobariam a maior parte dos verbos de
mudança de estado e seriam basicamente causativos com representação semânticolexical diádica (dois argumentos – um externo e um interno). Os verbos causados
internamente seriam monádicos (um argumento externo), constituindo, assim, a classe
dos inergativos. Os verbos de aparecimento e existência são considerados inacusativos
diádicos, com dois argumentos internos.
As autoras postulam uma representação semântico-lexical, por meio da
decomposição de predicados para verbos participantes da alternância causativa,
associada às formas intransitivas e transitivas. Nesse nível, envolveriam um predicado
CAUSE que toma dois subeventos: um causador e outro central, este último atrelado
30
ao participante afetado pelo evento e ao componente inerente da raiz14 verbal. Para as
autoras, os verbos inacusativos alternantes são basicamente causativos e diádicos, isto
é, com dois argumentos em sua representação semântico-lexical, como é representado
em (36), sendo um argumento externo (causador) e um argumento interno afetado:
(36) v: [[x ACT] CAUSE[y BECOME <STATE>]]
quebrar: [[x ACT] CAUSE[y BECOME <QUEBRADO>]]
A forma básica dos verbos inacusativos alternantes postulada pelas autoras
seria mais complexa em sua representação semântico-lexical (cf. (36)), mas imporia
menos restrições semânticas a seus argumentos.
Por outro lado, os verbos inergativos seriam monádicos, sem o predicado
CAUSE no nível semântico-lexical, em (37), e consequentemente não poderiam atuar
na alternância causativa.
(37) v: [x ACT]
sorrir: [x <ACT> SORRIR]
Levin e Rappaport-Hovav (1995), assumindo que os verbos inergativos não
possuem o predicado CAUSE, atestam, assim, que esses verbos teriam um único
subevento predicado - <ACT>, em (37). Os eventos causados internamente estariam
relacionados a uma propriedade inerente à entidade participante do evento, ou seja, ao
argumento do verbo que seria responsável pela realização do evento, atuando como
um agente volicional. Em (38) e (39), os argumentos Joana e A menina carregariam,
na visão de Levin e Rappaport-Hovav, as propriedades de volição sobre o evento
predicado pelo verbo.
(38) Joana dançou.
[Joana <ACT >DANÇAR]
(39) A menina riu.
[A menina <ACT> RIR]
14
Raiz se refere ao componente idiossincrático do verbo, no âmbito lexicalista.
31
Com isso, verbos inergativos como rir e dançar teriam uma representação
semântico-lexical monádica, com o argumento agentivo exercendo “controle” sobre a
ação, o que não poderia ser aplicado a verbos como quebrar e abrir, que possuem
representação semântico-lexical como (36), que repito abaixo em (40):
(40) v: [[x ACT] CAUSE[y BECOME <STATE>]]
Segundo as autoras, os verbos atuantes na alternância causativa seriam aqueles
basicamente transitivos (diádicos) com predicado CAUSE em sua representação
semântico-lexical, inferindo mudança de estado e predicando eventos causados
externamente. A realização da forma intransitiva derivada da transitiva se daria pela
ausência do constituinte causador no nível da estrutura dos argumentos em
consequência de vinculação lexical (lexical binding) da causa externa, sendo
interpretada como quantificação existencial. A eventualidade desses verbos pode
ocorrer sem a intervenção direta de um agente volicional, o que possibilitaria que a
causa externa não fosse projetada na sintaxe, desde que a natureza do evento causador
seja subespecificada pelo verbo. Com isso, segundo as autoras, teríamos a seguinte
configuração para a formação da construção intransitiva dos verbos inacusativos
participantes da alternância causativa:
Intransitivo (quebrar): [[x ACT] CAUSE [y BECOME <QUEBRADO>]]
Vinculação lexical
ø
Regras de linking
Sintaxe
y
Em (41), o sujeito da variante intransitiva e o objeto da transitiva compartilham
o mesmo papel semântico, pois os sujeitos possíveis da forma intransitiva seria um
subconjunto dos objetos possíveis da forma transitiva, nos termos das autoras, o que
contribuiria para a postulação da forma básica causativa (diádica) para os verbos
32
inacusativos alternantes. Com isso, teríamos em (42) a representação no nível da
estrutura dos argumentos, ou seja, na sintaxe:
(41) a. O menino quebrou o copo.
b. O copo quebrou.
(42) [y BECOME <QUEBRADO>]
Levin (1993) sugere que todos os verbos causados externamente devem ter uso
transitivo e causativo, mas nem todos teriam a variante intransitiva na qual a causa
externa estaria subsespecificada, como em (44), constituindo os verbos transitivos que
não “detransitivizam”:
(43) O menino cortou o cabelo (com a tesoura).
(44) *O cabelo cortou.
Contudo, se observarmos as sentenças (45) (46) vemos que as análises das
autoras, para verbos transitivos que não “detransitivizam”, isto é, que não possuiriam a
contraparte intransitiva por exigirem um agente como sujeito expresso na sintaxe, não
dariam conta de verbos como cortar e limpar em Português do Brasil, pois estes
possuem a forma inacusativa (intransitiva) em contexto de voz média15:
(45) O cabelo cortou fácil
(46) A tesoura cortou bem.
(47) O homem limpou a pia com o detergente.
(48) A pia limpou fácil.
(49) O detergente limpou bem.
Outra questão, que não parece plausível, seria a postulação de uma mesma
representação para todos os verbos transitivos, uma vez que se comportam de maneira
distinta. Em (45)-(49) vemos que verbos como cortar e limpar participam da
alternância de transitividade em contexto de voz média, logo não poderiam ser
15
Nos termos estabelecidos no capítulo 1.
33
excluídos do grupo de verbos, que nos termos das autoras, sofrem processo de
“detransitivização”. Levin e Rappaport-Hovav assumem a representação semânticolexical para verbos basicamente transitivos tal como em (36), o que englobaria tanto
verbos como cortar quanto quebrar. Entretanto, não está evidente porque verbos como
cortar não “detransitivizam” se possuem a mesma representação semântico-lexical,
inferem um evento causado externamente e denotam mudança de estado.
As propriedades destacadas pelas autoras para verbos participantes da
alternância causativa revelam-se coerentes entre as línguas, mas a postulação de uma
representação semântico-lexical (cf. (36)) para esses verbos não nos parece provável
tendo em vista os resultados obtidos nesse trabalho. Nem todos os verbos transitivos
possuem as mesmas configurações estruturais e sua proposta lexicalista não daria
conta de nossos dados. No capítulo 3, estão descritos os experimentos, com seus
respectivos resultados que apontam para um sistema de processamento linguístico
guiado inicialmente por propriedades sintáticas. Sendo assim uma análise no âmbito
lexicalista, que prevê a configuração sintática realizada por propriedades lexicais, não
seria satisfatória.
A postulação de uma representação no nível semântico-lexical de Levin e
Rappaport- Hovav para os verbos transitivos, vista anteriormente em (36) e (40) e
repetida abaixo, não daria conta das diferenças na seleção dos argumentos que
encontramos
na
aplicação
do
experimento
de
julgamento
de
aceitabilidade/gramaticalidade16.
(50) v: [[x ACT] CAUSE[y BECOME <STATE>]]
Os resultados indicam diferenças de processamento entre verbos médios e
verbos anticausativos, sugerindo que esses dois grupos possuiriam traços distintos
inerentes à sua composicionalidade, assim como categorias funcionais distintas
permitindo ou restringindo, no nível da sentença, a realização de estruturas semânticosintáticas. Diante disso, não poderíamos assumir uma teoria que advogue em favor de
uma mesma representação para verbos que se comportam distintamente na derivação
de suas estruturas argumentais.
16
A descrição desse experimento está presente na seção 3.6 do capítulo 3.
34
Ciríaco (2007) trata do fenômeno como alternância causativo-ergativo por
considerar a mudança de transitividade, isto é, a existência de duas configurações
sintáticas, fundamentada em propriedades semânticas. Na forma causativa, haveria um
argumento causador do processo e outro afetado; na forma ergativa, haveria somente
um argumento afetado pelo processo. A perspectiva de Ciríaco pode ser traduzida
pelas representações propostas por Levin e Rappaport-Hovav (1995), para
configurações causativo-transitivo, acima, em (50), e para configurações ergativointransitivo, como em (51):
(51) v: [y BECOME <STATE>]
Ciríaco adota a proposição de Levin e Rappaport-Hovav (1995), que postula a
existência de uma forma básica possibilitando a construção de outra a partir de
restrições semântico-lexicais, por ser mais econômico “em termos de aquisição e
conhecimento de língua”. Nesse sentido, Ciríaco recorre à noção de acarretamento
lexical, atribuídos pelos verbos a itens lexicais (Dowty 1989, 1991), e à proposta de
papéis temáticos de Cançado (2005), postulando que um verbo é basicamente
transitivo por acarretar lexicalmente a propriedade de desencadeador do processo17. A
alternância causativa é vista, então, como um processo de ergativização sofrido por um
verbo basicamente transitivo. Segundo a autora, a forma básica (transitiva) passa por
um processo sintático de “alçamento do complemento” para a posição de sujeito,
resultando em duas construções intransitivas, uma ergativa e outra medial. Porém, as
duas construções derivadas da forma transitiva básica passariam por processos de
formação semanticamente distintos referentes a uma alteração do aspecto lexical. A
forma básica transitiva, em (52), denota um accomplishment e a forma derivada
ergativa, em (53), denota um achievemennt18, resultante de um processo de
ergativização. Esse processo não altera a natureza do evento; o que muda é a
perspectiva que passa a ser a do argumento afetado.
17
“A propriedade de ser desencadeador é definida como ter algum papel no desenrolar do
evento. Se, por exemplo, numa dada sentença x V y, é acarretada a x, no conjunto de Pn(x), a
propriedade de ter um papel no desencadeamento do evento, dizemos que x tem o desencadeador
como uma das propriedades de seu papel temático” (Ciríaco; 2007:36).
18
Accomplishments e Achievements são aspectos relacionados à especificidade de eventos. O
primeiro descreve especificações de evento dinâmico, durativo e télico, enquanto o segundo
descreve evento dinâmico instantâneo e télico.
35
(52) João quebrou o vaso.
(53) O vaso quebrou.
(54) Vasos quebram facilmente.
Porém, a forma medial, nos termos da autora, em (54), não estaria mais
relacionada a evento, pois passa a denotar um estado e seu uso estaria atrelado ao
emprego do tempo presente se referindo ao uso genérico do verbo quebrar.
As assunções de Ciríaco parecem realmente plausíveis de um ponto de vista
semântico-lexical, mas nossas análises demonstram que a complexidade, em termos de
processamento, das estruturas tratadas aqui não deriva de aspectos semânticos, como
será visto no próximo capítulo, e sim de especificidades da estrutura argumental do
verbo.
2.1.2 O Ponto de Vista Construcionista
Do ponto de vista construcionista (ou não-lexicalista), a interpretação seria
determinada de acordo com as posições sintáticas ocupadas pelos argumentos. Na
proposta de Hale & Keyser (1993), a estrutura argumental de um item lexical seria
propriamente uma sintaxe, não havendo separação entre o léxico e a sintaxe. Nessa
análise, os autores abandonam a noção de atribuição de papel temático e definem
relações temáticas nos termos de configurações estruturais simples. Isto é, o que
haveria de fato seriam relações determinadas pelas categorias e suas projeções, que
são restritas por uma pequena lista de categorias lexicais e por projeções nãoambíguas. Os autores, com isso, atribuem um nível temático especial para o NP na
estrutura postulada para verbos transitivos, vista em (55). O NP nessa estrutura
receberá o papel de “agente” levando em conta que seu status gramatical é
determinado pelas relações que carregam na estrutura relacional projetada pelo núcleo
lexical V.
36
(55)
Em (55), os autores atestam que o NP carrega a relação de especificador dentro
de um VP cujo núcleo toma um complemento que também seria a projeção de uma
categoria V. Nessa configuração, as
categorias lexicais
são identificadas
individualmente com um “tipo” nocional especial e as estruturas relacionais, que são
projetadas por cada categoria, definem um sistema atrelado às relações semânticas,
conferindo dessa forma um “significado elementar” (elementary meaning, Hale e
Keyser, 1993:68). Tendo em vista a relação sintático-lexical nas estruturas
argumentais dos itens lexicais, Hale e Keyser (1993) fazem uma adaptação da concha
larsoniana19 para a representação de verbos transitivos. Com isso, irão assumir que o
especificador da matriz VP é a posição temática do argumento externo, considerando a
relação sintática entre o núcleo V e o VP interno correspondendo como uma “relação
causal”, onde a categoria V está associada com o tipo nocional elementar de “evento”.
Sendo assim, em (55), teríamos um V encabeçando a estrutura como um todo e outro
V encabeçando o VP complemento.
Para Hale e Keyser, o argumento externo da matriz do verbo carrega uma
relação sintática não ambígua a ela e sua relação semântica com a estrutura é
igualmente não ambígua como o “agente”. Nesse sentido, os autores atestam que não
haveria sujeito na estrutura relacional lexical (lexical relational structure – LRS) de
verbos inergativos, onde LRS seria a representação em que “cada núcleo lexical
projeta sua categoria para um nível frasal e determina dentro da projeção um sistema
não-ambíguo de relações estruturais que valem entre os núcleos e suas projeções
categoriais e seus argumentos (especificadores, se presentes, e complementos)”, Hale
19
VP-shell, Larson (1988).
37
e Keyser, (1993:53). Essa postulação está atrelada ao princípio da Interpretação Plena
(Full Interpretation20). Se o sujeito estivesse presente na LRS desses verbos, ele seria
não interpretável, pois não existiria um predicado na posição de complemento para
compelir a presença do sujeito no interior do VP. Portanto, o sujeito de um verbo
inergativo seria um verdadeiro argumento externo que ocupa a posição de
especificador (Spec) de uma projeção funcional IP para receber papel de agente. O
papel de agente estaria assumindo função de predicação no processo de formação da
estrutura o que estaria de acordo com as propostas de Chomsky (1981) e Marantz
(1984) que entendem que o sujeito recebe seu papel semântico de VP, e não do núcleo
V. Em (56), temos a estrutura de um verbo inergativo (laugh) que seria o resultado da
incorporação21 (nos termos de Baker; 1988) do objeto “laugh” da estrutura relacional
lexical dentro do V abstrato com o sujeito externo expresso no VP.
(56)
De fato, o que os autores querem sugerir é que não há mecanismos linguísticos
específicos para a estrutura argumental, pois não existiriam processos de atribuição de
20
Full Interpretation: esse princípio requer que todos os elementos da Forma Fonológica e da
Forma Lógica, tomados na interface da sintaxe, devem ter uma interpretação apropriada,
licenciadas num sentido relevante, Chomsky (1998a).
21
Mais adiante, em Hale e Keyser (2002), a ideia de incorporação é abandonada e os autores
assumem a derivação das construções denominais por meio de conflation, instanciando
fonologicamente verbos leves para essas estruturas.
38
papéis temáticos independentes da predicação e não haveriam papéis temáticos
separados das relações lexicais expressas em não ambiguidade.
Hale e Keyser consideram que verbos inacusativos teriam a propriedade de
projetar tanto sintagmas verbais transitivos quanto intransitivos. Quando um verbo
inacusativo projeta um sintagma verbal intransitivo, o NP interno se desloca para a
posição de sujeito [spec, IP]. Segundo as assunções de Hale e Keyser (1993), o sujeito
em s-sintaxe22 é o argumento interno em LRS dos verbos inacusativos, sendo esse
argumento “afetado”. Com isso, a diferença entre verbos inergativos e inacusativos
seria que o sujeito em s-sintaxe de um inergativo seria externo e o de um inacusativo
interno, tal como a estrutura em (57), onde X pode ser um A (adjetivo ou advérbio) ou
P (preposição):
(57)
A proposta de Hale e Keyser (1993) define a estrutura de verbos transitivos
atuando em dois núcleos separados: um V° que introduz os argumentos internos do
verbo e se projeta para VP e um vº (verbo leve) que introduz, na posição de
especificador, um argumento externo, que assume o VP como seu complemento.
Harley (1995, 2006) e Marantz (1997), no âmbito da MD, levam essa proposta de
núcleos separados, para as estruturas anticausativas, sugerindo que, nessa
configuração, o verbo leve não projeta argumento externo. Marantz (1997) argumenta
que entre os núcleos funcionais inseridos em ambientes cujas raízes se tornam verbos,
haverá um núcleo, chamado v-1, que projeta um agente e outro núcleo v-2 que não
projeta. Esses vezinhos atuariam como verbos leves e assumiriam diferentes valores
para um único núcleo ou ainda poderiam ter uma unidade que possuiria um único
núcleo (opcionalmente) que projeta um agente e, assim, aceita tanto v-1 quanto v-2.
22
S-sintaxe se refere à derivação da estrutura superficial a partir de uma estrutura profunda.
39
No mesmo sentido, Harley argumenta que as estruturas incoativas e causativas teriam
uma raiz verbal se movendo para um núcleo vº (verbo leve) acima, que está em
relação de c-comando23 com a raiz, criando uma estrutura de adjunção mais complexa
que irá se mover para uma categoria funcional.
A principal diferença entre as construções incoativas e causativas estaria
baseada na natureza do núcleo categorizador vº. Em estruturas incoativas, o vº
assumiria um valor BECOME e diante disso não projetaria argumento externo,
licenciando a construção intransitiva. Enquanto que, em estruturas causativas, o núcleo
categorizador vº teria valor CAUSE e projetaria argumento externo, configurando a
construção causativa. Em (58) e (59), temos a representação da estrutura incoativa e
causativa, respectivamente, na proposta de Harley (2006):
(58) Inacusativa
23
A definição mais tradicional de c-comando prevê que um nó α c-comanda um nó β se e
somente se: (i) α não domina β nem β domina α; (ii) cada nódulo ramificante γ que domina α
também domina β. Em outras palavras, α c-comanda β se e somente se β é o irmão de α ou filho
(ou neto, bisneto...) do irmão de α.
40
(59) Causativa
Maia, Oliveira e Santos (no prelo), realizaram estudo translinguístico24,
investigando o fenômeno da alternância causativa em Karajá25, Xavante26 e Português
do Brasil, aplicados a nativos de cada uma das línguas. O estudo se baseava na
proposta de Hale & Keyser (1993) para os verbos transitivos que estariam atuando em
dois núcleos separados e nas proposições de Harley (1995, 2006) e Marantz (1997)
que assumiram essa configuração também para as estruturas anticausativas
(incoativas), nas quais o verbo leve não estaria projetando argumento externo. Tendo
em vista essa abordagem, Maia, Oliveira e Santos esperavam encontrar evidências
para a complexidade do processamento da contraparte inacusativa dos verbos que
licenciam a alternância da transitividade, buscando, nesse sentido, evidenciar a
realidade psicológica do vezinho. Esse estudo se insere no âmbito da Psicolinguística
Experimental, nesse sentido, foram utilizados aportes tecnológicos experimentais que
forneceram dados estatisticamente analisáveis, para verificar, assim, se as hipóteses
levantadas são válidas ou não.
Nos experimentos aplicados no estudo de Maia, Oliveira e Santos, a língua
Karajá não apresentou dificuldades de processamento na contraparte intransitiva
(inacusativa), uma vez que possui codificação morfológica diferenciada para
24
Foi aplicado modelo experimental de julgamento de aceitabilidade/gramaticalidade a falantes
nativos das línguas.
25
Língua falada por tribo indígena na ilha do Bananal, Tocantins.
26
Língua indígena falada por cerca de 13000 pessoas, a leste do estado do Mato Grosso.
41
representar as partes verbais da alternância causativa por meio de alternância vocálica
i/a, como observado em (60), (61) e (62); a presença de marca morfológica atua como
facilitador no processamento dessas estruturas sintaticamente mais complexas em
relação à contraparte causativa.
(60) Tyky rasunyra – inacusativa
roupa sujou
‘ A roupa sujou’
(61) Hirari tyky risunyra - causativa
menina roupa sujou
‘A menina sujou a roupa.’
(62) Beu tyky risunyra - causativa
lama roupa sujou
‘A lama sujou a roupa’
Essa facilitação não ocorre nas línguas Xavante e Português do Brasil, pois estas não
apresentam codificação morfológica para marcar a mudança de transitividade. Por essa
razão, postulam a realidade psicológica dos morfemas (–i-/-a-) na gramática de
falantes nativos do Karajá.
Os dados obtidos do Karajá contribuíram com a proposta de uma configuração
estrutural com base no argumentado Marantz (1997) e Harley (2006), no âmbito da
Teoria da Morfologia Distribuída, onde esses morfemas representativos da alternância
causativa funcionariam como verbos leves com diferentes propriedades semânticosintáticas. Quando não introduz argumento externo e possui valor BECOME empregase o vº - a -; quando há projeção de argumento externo e possui valor CAUSE utilizase - i -, como visto acima. Essa configuração com dois núcleos também se aplicaria as
demais línguas e essa proposta será levada nessa dissertação para os verbos postulados
aqui como médios e anticausativos.
Outra abordagem que assume os pressupostos da MD é a proposta de
Alexiadou et al. (2006). Nesse trabalho, as autoras tratam o fenômeno em questão
como alternância causativa/anticausativa, advogando contra um processo derivacional,
onde uma forma básica estaria derivando outra. Seguindo algumas das postulações de
Kratzer (2003), as autoras propõem que causativas e anticausativas se diferenciam pela
42
presença ou ausência de um núcleo VOICE que seria responsável por introduzir o
argumento externo. No caso das causativas, propõem que inacusativos puros e
causativos envolveriam um núcleo CAUSE. O núcleo CAUSE teria a função de
introduzir uma “relação causal” entre um evento causador e o estado resultante
denotado pela raiz verbal e o tema como visto em (63):
(63)
(64)
Diante disso, anticausativos teriam sua representação em (63) e causativos em
(64). Outro fator apontado por Alexiadou et al. (2005) que vai de encontro às
propostas
que
advogam
em
favor
de
uma
entrada
lexical
relacionada
derivacionalmente a outra é a presença de marcas morfológicas para as duas variantes
em diversas línguas, onde tanto a forma transitiva quanto a intransitiva pode ou não
apresentar marcadores morfológicos para expressar a sua diátese. As sentenças (65)(66) exemplificam essa possibilidade, presente em Turco27:
27
Exemplos retirados de Montrul (2000).
43
(65) a. Düʂman gemi-yi bat-ir-miʂ
enemy ship-ACC sink-CAUS- PAST
‘The enemy sank the ship.’
b. Gemi bat-miʂ.
ship sink-PAST
‘The ship sank.’
(66) a. Hisiz pencere-yi kir-di.
thief window-ACC break-PAST
The thief broke the window.
b. Pencere kir-il-di.
window break-PASS-PAST
‘The window broke.’
Em (65a), temos no verbo a presença de um morfema (-ir-) marcando a
valência causativa, enquanto que na contraparte anticausativa, em (65b), não
observamos a presença de um marcador. Por outro lado, em (66) vemos que o
morfema indicador da valência verbal encontra-se na estrutura anticausativa, em (66b),
cujo morfema (-il-) é o mesmo encontrado em construções passivas e, ainda, que a
sentença causativa, em (66a) não apresenta morfema específico para expressar a
transitividade do verbo.
2.2 Discussão
As propostas lexicalistas de Levin (1993), Levin e Rapapport-Hovav (1995,
2005), Ciríaco (2007), entre outros, para os verbos atuantes na alternância causativa,
tais como, a propriedade de em geral inferirem mudança de estado e denotarem
eventos causados externamente, se mostram de fato verdadeiras. Entretanto, sua
proposta de um nível semântico-lexical baseado na decomposição de predicados não
seria satisfatória diante dos resultados obtidos a partir de nossos experimentos. As
análises decorrentes de nossos testes demonstram que num estágio inicial do
processamento linguístico, propriedades semânticas não estariam atuando na
configuração da estrutura argumental dos verbos, pelo menos não no nível postulado
pelas teorias lexicalistas. Diante disso, assumimos o posicionamento construcionista
44
de Hale e Keyser, (1993), Marantz (1984, 1997), Harley (1995, 2005), entre outros,
postulando, com base na Morfologia Distribuída de Hale e Marantz (1993) para
validar nossas afirmações a respeito das propriedades que licenciam a alternância
causativa, assim como as classes de inacusativos que resultaram dessa pesquisa.
Citamos também o trabalho de Alexiadou et al. (2006) que consideram, basicamente,
ocorrer uma alternância de voz (Voice), tendo em vista que esse componente seria
responsável por introduzir o argumento externo, e diante da presença ou não desse
núcleo a transitividade da sentença é estabelecida não havendo necessidade de postular
uma forma básica em detrimento da outra. Nossa proposta estaria no mesmo sentido,
pois, como veremos no capítulo 4, acreditamos que fatores morfossintáticos atuam na
composição das sentenças fazendo com que a transitividade seja estabelecida, não
existindo assim uma entrada lexical que pré-estabeleça a transitividade do verbo e,
dessa maneira, não haveria direcionalidade de uma forma para outra.
45
CAPÍTULO 3: APORTES DE PROCESSAMENTO
“Mesmo agora, no momento em que você
está lendo este texto, por exemplo, você está tendo
que transformar os sinais visuais constituídos de
letras que compõem as palavras e as frases e o
próprio texto, de maneira a também compreender
o que, nesse exato momento, estamos produzindo
em forma de escrita. Neste momento você está
transformando a informação visual em informação
linguística relevante para reconhecer as estruturas
sintáticas e o conteúdo semântico do texto”.
(Leitão, 2008)
3.1 Psicolinguística Experimental
Esse trabalho se insere na especialidade conhecida como Sentence ProcessingProcessamento de Frases, no âmbito da Psicolinguística Experimental, que se ocupa
das propriedades dos processos envolvidos na compreensão e produção de estruturas
frasais. Estudos dessa natureza utilizam metodologia experimental específica, com
aporte tecnológico computacional, para a obtenção de dados do processamento da
linguagem, que se traduzem em índices e medidas estatisticamente analisáveis. As
investigações baseadas em experimentos psicolinguísticos vêm se revelando muito
eficazes nas pesquisas que buscam a descrição das propriedades e características dos
componentes da gramática, uma vez que afere dados obtidos, mesmo que de forma
indireta, na origem dos fenômenos, isto é, a mente dos falantes.
Existem diversos modelos experimentais que funcionam como ferramenta de
captura
desses
dados,
destacando-se
as
técnicas
de
julgamento
de
aceitabilidade/gramaticalidade, leitura automonitorada – utilizados nesse trabalho,
além do paradigma de priming e a técnica de rastreamento ocular28. Os experimentos
descritos nas seções seguintes ilustram duas dessas técnicas e avaliam o desempenho
do processador sintático – parser (Frazier, 1979; Frazier & Fodor, 1978), no curso
temporal do processamento das estruturas inacusativas, verificando se o mesmo utiliza
informações de natureza semântica e/ou pragmática em uma análise inicial ou se
apenas é guiado pela sintaxe. Com isso, obtêm-se subsídios para postular
28
Essas técnicas foram brevemente exemplificadas no capítulo 1.
46
representações mentais dos fenômenos investigados, isto é, como estruturas oracionais
são definidas pela gramática da competência.
O desenvolvimento e aplicação dos experimentos utilizados nesse trabalho se
deram via programa computacional Psyscope (cf. Cohen, J.D., et alii, 1993) para
Macintosh. O programa dispõe de interface gráfica que permite ao usuário (estudantes
e pesquisadores) projetar um experimento a partir de questões científicas levantadas
no âmbito da sua pesquisa. Para tal, uma elaboração fatorial do experimento é
arquitetada de maneira que as análises deem conta dos fatores que estão sendo
investigados. Assim, promove-se a articulação do experimento por meio do
delineamento exato de tipos de estímulos e sequências de eventos para cada uma das
células do desenho fatorial. Nesse sentido, o programa é utilizado, no âmbito da
Psicolinguística, como ferramenta na investigação de fenômenos das línguas humanas.
A partir da exposição de estímulos linguísticos, que compõem o desenho do
experimento, o programa irá capturar medidas que serão traduzidas em dados
analisáveis estatisticamente, conferindo maior precisão às postulações de estudos
dessa natureza. Desenhos experimentais podem ser contemplados nas seções seguintes
desse capítulo.
Todos os experimentos implementados, para fins dessa dissertação, foram
realizados com voluntários, ditos sujeitos, falantes nativos de Português do Brasil, com
visão normal ou corrigida no LAPEX/UFRJ29.
3.2 Experimentos
Nesse estudo, foram empregados dois modelos experimentais: dois de
julgamento de aceitabilidade/gramaticalidade (com input visual) e um de leitura
automonitorada. O primeiro modelo consiste em um teste de julgamento imediato de
aceitabilidade realizado pelos participantes a respeito dos estímulos apresentados, isto
é, os participantes do experimento tiveram como tarefa avaliar se um conjunto de
frases a eles apresentadas eram bem ou mal formados na língua cujo fenômeno estava
sendo investigado. Essa técnica captura medidas off-line, fornecidas em um segundo
29
Laboratório de Psicolinguística Experimental (CNPq/FAPERJ), localizado na Faculdade de
Letras da UFRJ.
47
estágio do curso temporal do processamento linguístico, onde informações semânticas
e pragmáticas estão atuando na compreensão do estímulo. O segundo modelo é uma
técnica on-line, isto é, captura medidas antes que ocorra a integração entre todos os
níveis linguísticos, analisando o processamento linguístico no momento em que o
mesmo está em curso. Nesse método, as frases são segmentadas e os participantes têm
como tarefa a leitura de cada segmento, controlando, eles próprios, o tempo de leitura
dos segmentos, que são apresentados em diferentes telas no computador.
Os experimentos tinham como principal objetivo fornecer dados de
processamento que refletissem as diferenças na derivação de sentenças com verbos
atuantes na alternância causativa. Por essa razão, verbos inacusativos que não alternam
de transitividade não fazem parte do conjunto de materiais utilizados nos
experimentos.
Primeiramente, verificamos se as diferenças entre transitivos (causativos) e
sua contraparte inacusativa poderiam ser atribuídas à maior complexidade da estrutura
argumental dos verbos que possuem sujeitos derivados de movimento sintático. Em
seguida, buscamos postular classes para os verbos inacusativos que não constituem
uma classe fechada, isto é, possuem verbos com grades temáticas distintas,
restringindo e licenciando configurações estruturais submetidas às propriedades
argumentais dos verbos.
3.3 Di Sciullo et al. (2007): middles x transitivas
No primeiro momento desse estudo, o objetivo era verificar se sentenças
inacusativas, em PB apresentavam diferenças de processamento em relação à
contraparte transitiva (causativa). Para tal, buscamos na literatura estudos que
reportassem investigações de natureza experimental sobre sentenças inacusativas.
Nesse sentido, Di Sciullo et al. (2007) serviu de ponto de partida para os estudos que
se seguiram na investigação da alternância causativa que culminou nessa dissertação.
O trabalho citado apresenta três experimentos: dois de julgamento imediato de
aceitabilidade (um com input visual e outro auditivo) e um de leitura automonitorada.
Nesse estudo, os autores buscavam averiguar qual seria o fenômeno linguístico que
acarretaria a dificuldade de processamento de estruturas inacusativas. Isto é, a
48
complexidade seria motivada pelo movimento de NP para a posição de Spec
disponível em IP, que atribuiria caso nominativo ao sintagma movido (Keyser e
Roeper, 1984 e Roberts, 1987) ou estaria relacionada à mudança da estrutura
argumental do verbo acarretada pela presença de “material funcional suplementar”,
nos termos de Di Sciullo (2005). Tendo em vista essas assunções, Di Sciullo et al
(2007) buscaram verificar se existiria um correlato de processamento traduzido por
maiores índices de rejeição e tempos de leitura das sentenças com verbos middles30 em
oposição às sentenças transitivas31.
Nos experimentos de julgamento de aceitabilidade, realizados por Di Sciullo et
al. (2007), empregaram-se sentenças com verbos middles e transitivos nas condições
experimentais, ilustradas em (67), (68) e (69), abaixo:
(67) This book sells steadily. Middle
(68) This store sells steadily. Transitiva inanimada
(69) This clerk sells steadily. Transitiva animada
O traço de animacidade do argumento externo foi manipulado entre as
condições para controlar possíveis efeitos de tipicalidade da posição de sujeito,
animado por excelência. Porém, a condição transitiva inanimada também parece
apresentar sujeito derivado de movimento sintático – alçado da posição de adjunto.
Entretanto, quando extraído dessa posição não apresenta o mesmo nível de
complexidade de processamento que os sujeitos extraídos da posição de objeto, como
ocorre nas orações com verbos middles. Os autores não discutem essa questão em seu
trabalho e, nesse primeiro momento, também não consideramos essa derivação nos
experimentos em PB, pois a condição transitiva inanimada foi utilizada para garantir
que a dificuldade de processamento era devida à maior complexidade da estrutura
argumental da voz média e não a efeitos de tipicalidade da posição de sujeito.
30
Di Sciullo et al. (2007) seguem a nomenclatura de Keyser e Roeper (1984) para as sentenças
middles que em dois de nossos experimentos chamamos de voz média, e por fim classificamos
como verbos médios.
31
As sentenças ditas transitivas se referem às condições que não teriam o sujeito derivado de
movimento sintático, não entendemos o porquê de se referir a essas estruturas como transitivas,
uma vez que são monoargumentais (intransitivas). Entretanto, assumimos em nossos
experimentos essa denominação para ser mais fidedigno ao trabalho original de Di Sciullo et al
(2007). Uma possibilidade é que os autores considerem a forma básica como sendo a transitiva.
49
No experimento de leitura automonitorada realizado por Di Siciullo et al.
(2007), foram adicionadas orações na voz passiva para cada uma das condições
experimentais dos testes de julgamento, fazendo adaptações quando necessário, como
exemplificado em (70), (71) e (72). A nova condição tinha como objetivo comparar
possíveis efeitos de movimento como se assume nas análises de middles e passivas.
(70)This book was sold quickly.
(71)This store was sold quickly.
(72)This clerk was fired quickly.
3.3.1 Resultados
Os resultados dos testes de julgamento indicaram maiores dificuldades de
processamento das orações middles, evidenciadas por índices de rejeição
significativamente maiores, no teste com input visual, em oposição às condições
transitivas, assim como maiores médias de tempo de julgamento no teste feito com
input auditivo: F(2,86)= 14.5, p< 0,0001 e F(2,86)= 31,8, p<0,0001, respectivamente.
Abaixo, na figura 3, podem-se observar os gráficos resultantes das análises estatísticas
desses dois experimentos:
Figura 3: Gráficos com os resultados obtidos a partir dos experimentos de julgamento de aceitabilidade
(Di Sciullo et al., 2007).
Os dados obtidos do teste de leitura automonitorada mostraram maiores
tempos de leitura para os verbos middles.
50
Os autores sugerem que os maiores tempos de leitura e índices de rejeição para
middles estão relacionados a operações geradas pela estrutura desses verbos.
Entretanto, esses autores não atribuem essa complexidade argumental ao movimento
do NP gerado na posição de argumento interno para a posição de argumento externo,
como grande parte dos estudiosos do fenômeno da Inacusatividade (Burzio, 1981;
Keyser e Roeper, 1984; Hale e Keyser, 1993.
Di Sciullo et al (2007) sugerem que middles sofreriam mudança de estrutura
argumental em consequência da combinação de um modificador adjetival cf. (70) com
um verbo inacusativo, sendo analisados nos termos de uma operação de mudança
(shift) da estrutura argumental, assumindo que está pode ser flexível para esses verbos.
Com isso, assumem uma operação de A-structure shift, citado em (73), que levaria a
dificuldade de processamento das middles.
(73) “A-structure shift
Functional material brings about the shifting of the canonical argument of
predicate along with the semantic type shift of its parts.”32
Nesse sentido, os verbos na voz passiva não teriam um shift da estrutura
argumental não apresentando dificuldades de processamento, embora também sejam
geradas por movimento sintático de NP.
Afirmam também que, de um ponto de vista semântico, a natureza canônica do
argumento interno (inanimado) poderia influenciar no tempo de processamento das
orações com verbos middles, fazendo com que se comportassem como um agente
inanimado, que assumindo a posição de argumento externo causaria um estranhamento
da sentença. Entretanto, analisando esses dados de um ponto de vista não lexicalista,
poder-se-ia atribuir os resultados ao movimento sintático sofrido pelo argumento
interno deslocado da posição de objeto.
3.4 Experimento 1: Julgamento de aceitabilidade da voz média em PB
32
“Material funcional acarreta a mudança de estrutura argumental do predicado juntamente com
a mudança de tipo semântico de suas partes” - Di Sciullo (2005).
51
A partir do trabalho de Di Sciullo et al. (2007), elaboramos um experimento
de julgamento de gramaticalidade, com input visual, para avaliarmos se os resultados
obtidos no teste realizado em Inglês, também se repetiriam em PB.
Justificativa e Hipótese
Na derivação de estruturas inacusativas, o constituinte gerado na posição de
argumento interno se desloca para a posição de argumento externo, uma vez que, na
posição em que é gerado, não recebe caso, segundo proposto por Keyser & Roeper,
(1984); Roberts, (1987); Di Sciullo, (2005), entre outros, passando a desempenhar
função gramatical de sujeito. Diante disso, esperava-se que as sentenças VM (voz
média) exibissem níveis de rejeição significativamente maiores do que TA (transitiva
animada) e TI (transitiva inanimada), tendo em vista a maior complexidade
estrutural ocasionada pelo movimento sintático do NP argumento interno, na
construção da voz média. O NP que ocupa a posição de sujeito nas sentenças na voz
média é deslocado de dentro do VP, posição em que é gerado. Em sua posição inicial,
recebe papel temático de paciente ou tema, mas, como o verbo middle não seria capaz
de atribuir caso, o NP deve se deslocar para a posição de argumento externo para
receber caso nominativo. O traço de animacidade do sujeito tem função de garantir
que os maiores índices de rejeição se devem a maior complexidade estrutural das
sentenças voz média (VM), e não a um efeito de tipicalidade da posição de sujeito,
seguindo Di Sciullo et al. (2007). As frases que configuravam a condição transitiva
animada (TA) deveriam apresentar níveis de rejeição menores, pois, além de não
apresentarem derivação através de movimento sintático, o traço [+ animado] favorece
a interpretação de sujeito, por excelência, tipicamente agentivo. Nas orações
transitivas inanimadas (TI), o sujeito é inanimado, como em VM, mas é agente33,
como em TA, com isso os índices de rejeição também seriam significativamente
maiores para a condição VM, que embora tenham sujeito inanimado são derivadas de
movimento sintático. As medidas de tempo das sentenças voz média deveriam ser
33
No primeiro momento da pesquisa não discutimos a natureza temática do constituinte dessa
condição, pois sua implementação era de controle para garantir a comparabilidade entre as
condições.
52
significativamente maiores do que as condições transitiva animada e transitiva
inanimada, em consequência da complexidade da estrutura argumental das sentenças
voz média. Com isso, o que de fato estávamos esperando era que sentenças como Esse
feijão cozinha bem -VM- fossem significativamente mais rejeitadas quando
comparadas a sentenças como Essa moça cozinha bem –TA- e Esse fogão cozinha
bem - TI.
Material
O material utilizado consistia em três listas com 15 frases experimentais em
cada uma delas: 15 sentenças na voz média – VM; 15 sentenças transitivas com sujeito
animado – TA; 15 sentenças transitivas com sujeito inanimado – TI; e ainda, 30 frases
distratoras. As frases experimentais foram distribuídas em quadrado latino (Latin
Square), de forma que todos os sujeitos vissem todas as condições experimentais, mas
não a mesma frase em cada condição. Como variáveis independentes, tínhamos o traço
de animacidade dos sujeitos e a transitividade verbal; como variáveis dependentes, os
índices de rejeição e as medidas de tempo de compreensão das sentenças.
A tríade abaixo exemplifica o material utilizado no experimento:
VM
Esse feijão cozinha bem
TA
Essa moça cozinha bem.
TI
Esse fogão cozinha bem.
Participantes
O experimento foi realizado com 30 falantes nativos de Português do Brasil,
com visão normal ou corrigida, estudantes da graduação na Faculdade de Letras da
UFRJ. Todos os participantes eram adultos com idade entre 20 e 30 anos, com visão
normal ou corrigida.
Procedimento
53
Os participantes tinham como tarefa ler as sentenças apresentadas na tela do
computador (uma por vez) e, imediatamente após a leitura, deveriam julgar se
consideravam a frase bem ou mal formada na língua. Os participantes eram
submetidos previamente a um treino do experimento a fim de não haver hesitação
sobre como proceder durante o teste. Depois de julgada, a sentença era substituída por
uma tela em branco que permaneceria até que o próprio participante acionasse a
próxima sentença. Os comandos para julgamento e mudança de tela eram de próprio
controle do participante, realizados por meio de uma button-box, acoplada ao
computador, posicionado a frente do sujeito: botão amarelo para chamar uma nova
sentença, botão vermelho para resposta NÃO e botão verde para responder SIM. A
figura 4 ilustra o desenho do experimento:
sentença
sentença
Figura 4: desenho do experimento 1.
3.4.1 Resultados
Os índices de rejeição da condição voz média foram significativamente
maiores do que as condições transitiva animada e transitiva inanimada indicando
que as orações voz média apresentam alguma particularidade estrutural que as tornam
mais complexas de serem processados. Essa dificuldade é atribuída à complexidade da
estrutura argumental dos verbos configurados na voz média, derivada do movimento
sintático do argumento interno para a posição de sujeito o que torna o processamento
54
dessas sentenças mais custoso ao analisador sintático. Os índices de rejeição são
apresentados na figura 5, abaixo:
100%
90%
80%
70%
60%
sim
50%
não
40%
30%
20%
10%
0%
VM
TA
sim
não
VM
60%
40%
Esse feijão cozinha bem.
TA
83%
17%
Essa moça cozinha bem.
TI
86%
14%
Esse feijão cozinha bem.
TI
Figura 5: gráfico e tabela com índices de rejeição às condições experimentais.
Os índices de rejeição da condição voz média foram significativamente
maiores, em termos estatísticos, do que os índices de rejeição das condições: VMnão x
TAnão - X² = 20,82, p<0,0001; VMnão x TInão - X²=40, p< 0,0001.
As medidas de tempo de julgamento (figura 6) foram submetidas a um teste-T
que verifica se as medias de duas matrizes X e Y diferem significativamente. A análise
estatística, tomando as condições duas a duas, não apontou, no entanto, diferenças
significativas entre as condições: VM x TA - t(298) =1,87; p = 0,06; VM x TI - t(298)
=0,10; p = 0,9; TA x TI – t(298) = 1,20; p = 0,2.
55
4000
3500
3000
2500
sim
2000
não
1500
1000
500
0
VM
TA
sim
não
VM
2610ms
2989ms
Esse feijão cozinha bem.
TA
2321ms
3759ms
Essa moça cozinha bem.
TI
2492ms
3026ms
Esse fogão cozinha bem.
TI
Figura 6: gráfico e tabela das médias de tempo de julgamento.
3.4.2 Discussão
Embora os tempos de julgamento não tenham apresentado diferenças
significativas entre as condições, o que não é incomum nesse tipo de experimento (offline), os índices de rejeição das construções voz média foram significativamente
maiores do que os índices das contrapartes transitivas. Estes índices mais altos de
rejeição das médias seriam provocados pela maior complexidade estrutural dessas
construções que, como analisadas acima, apresentam movimento sintático da posição
56
de objeto para a posição de sujeito, enquanto as transitivas teriam seu sujeito já gerado
na base.
Entretanto, não podemos desconsiderar que a condição TI também poderia
apresentar sujeitos derivados de movimento sintático, mas diferentemente das
construções médias, teria seu sujeito extraído da posição de adjunto ou ainda se tratar
de uma estrutura intransitiva que apresenta a posição de argumento externo projetada.
Essa condição não apresentou índices de rejeição significativos o que aponta para a
existência de alguma propriedade que facilitaria o processamento das sentenças
mesmo que apresentem um processo derivacional distinto da condição TA.
3.5 Experimento 2: Leitura Automonitorada de sentenças Voz Média
em PB
Os resultados obtidos a partir do experimento de julgamento de aceitabilidade
apontam para a real complexidade argumental das sentenças voz média, porém a
técnica de julgamento de aceitabilidade não captura medidas on-line, isto é, não afere
medidas no momento em que o processamento linguístico está em curso. Por essa
razão, foi elaborado um experimento on-line de leitura automonitorada.
Justificativa e Hipótese
Nesse experimento, foi introduzido um contexto prévio para tornar as
sentenças mais naturais aos participantes, e como se tratava de uma técnica on-line foi
possível verificar que sentença inacusativas são realmente mais difíceis de serem
processadas, não apenas julgadas. Partindo da premissa da existência de movimento
do NP-objeto (argumento interno) para a posição de sujeito na derivação de sentenças
inacusativas34, esperava-se que os participantes demonstrassem maior dificuldade de
processamento na condição voz média. A complexidade estrutural dessas frases
deveria se refletir nas variáveis dependentes: tempos de leitura do segmento crítico e
compreensão das sentenças. As condições transitiva animada e transitiva
inanimada não deveriam apresentar dificuldades de processamento, considerando que
possuiriam históricos derivacionais menos complexos, isto é, não apresentam sujeitos
34
Burzio, 1981; Keyser & Roeper, 1984; Roberts, 1987; Hale e Keyser, 1993; Di Sciullo, 2005;
entre outros.
57
derivados de movimento sintático, seguindo ainda o estudo de Di Sciullo et al. (2007).
Entretanto, como já observamos, anteriormente, a condição TI também poderia
apresentar alguma especificidade derivacional, mas para efeitos de comparabilidade
entre as condições sua configuração sintática talvez mais complexa não influenciou
nos resultados, pois sua utilização era para evitar que a dificuldade de processamento
fosse devida a efeitos de tipicalidade da posição de sujeito, assim como no
experimento 1.
A introdução de um contexto prévio só deveria influenciar nas medidas offline, pois em um sistema modular de processamento, acredita-se que as informações
de natureza semântica e pragmática atuariam apenas em um segundo estágio no curso
temporal da compreensão (cf. Frazier, 1979; Ferreira & Clifton, 1983; entre outros).
As medidas on-line – tempos de leitura do segmento crítico - deveriam ser
significativamente maiores para a condição voz média, do que os tempos das demais
condições, pois essa condição apresenta como já visto aqui, histórico derivacional
mais complexo.
Material
O material utilizado foi constituído por três listas com 15 frases experimentais
em cada uma delas: 15 sentenças voz média – VM; 15 sentenças transitivas com
sujeito animado – TA; 15 sentenças transitivas com sujeito inanimado – TI; e ainda,
30 frases distratoras. Novamente, distribuíram-se as frases experimentais em quadrado
latino, de forma que todos os sujeitos vissem todas as condições experimentais, mas
não a mesma frase em cada condição. A tríade na figura 7 exemplifica as condições
experimentais empregadas nesse experimento com os cortes em cada sentença, o
segmento crítico em negrito, além da pergunta interpretativa final:
58
VM - Os grãos estavam velhos, /mas esse feijão cozinha bem,/ disse o vendedor.
O feijão cozinha bem? Sim ou Não
TA – Os empregados são pouco eficientes, / mas essa moça cozinha bem,/ como me
disseram.
A moça sabe cozinhar? Sim ou Não
TI - O almoço estava atrasado, /mas esse fogão cozinha bem,/ deixando todos mais
calmos.
Esse fogão é bom? Sim ou Não
Figura 7: exemplos das condições experimentais. As partes realçadas indicam o segmento crítico.
O objetivo de se introduzir um contexto prévio era tornar essas sentenças mais
naturais de serem compreendidas. A introdução de um contexto prévio não deveria
facilitar o processamento das sentenças, pois estudos experimentais apontam para um
parser que não considera informações de natureza semântica e pragmática num
estágio inicial de processamento linguístico (Maia et al., 2003). Entretanto, não
manipulamos esse contexto como uma variável independente de modo que essa
afirmação pudesse ser mais fortemente sustentada aqui.
Participantes
O experimento foi realizado com 30 falantes nativos de Português do Brasil,
com visão normal ou corrigida, estudantes da graduação na Faculdade de Letras da
UFRJ. Todos os participantes eram adultos com idade entre 20 e 30 anos.
Procedimentos
Os participantes deveriam ler rapidamente as sentenças que eram apresentadas
segmentadas em três partes, na tela do computador (uma por vez) e responder a uma
pergunta interpretativa, ao final de cada frase, como ilustrado na figura 6. Os
comandos eram de controle do próprio participante realizado pelo acionamento de
uma button-box acoplada ao computador. Os participantes deveriam pressionar o
botão amarelo para mudar de tela e ler o próximo segmento; botão vermelho para
resposta NÃO e botão verde para responder SIM. Os sujeitos deveriam responder SIM
para acertar as frases experimentais. Os participantes eram submetidos previamente a
59
um treino do experimento a fim de não haver hesitação sobre como proceder durante o
teste. A figura 8 ilustra o desenho do experimento:
segmento 1
segmento 2
segmento 3
(crítico)
pergunta
Figura 8: desenho do experimento.
3.5.1 Resultados
A comparação das médias de tempos de leitura dos segmentos críticos das três
condições experimentais mostrou-se significativamente maiores para condição VM.
Esse resultado, apresentado na figura 9, está na direção da hipótese levantada, o que
contribui para a afirmação de uma real complexidade no processamento das sentenças
voz média. As médias de tempo de leitura do segmento crítico não apresentaram
diferenças significativas entre as condições TA e TI.
60
2450
2400
2350
2300
2250
2200
Série1
2150
2100
2050
2000
1950
VM
TA
TI
VM
2411ms /mas esse feijão cozinha bem/
TA
2127ms /mas essa moça cozinha bem/
TI
2148ms /mas esse fogão cozinha bem/
Figura 9: gráfico e tabela com as médias de tempo de leitura do segmento 2.
A realização do teste T de student entre os tempos médios de leitura dos
segmentos críticos, nas diferentes condições, comprovou, estatisticamente, a diferença
significativa entre as condições. Obtiveram-se os seguintes valores: VM2 x TA2 t(298) =2,3; p=0,02 significativo; VM2 x TI2 - t(298) =2,1; p=0,03 significativo;
porém TA2xTI2 não diferem estatisticamente: t(298) =0,17; p=0,8 não significativo.
As medidas off-line não foram significativamente distintas. Os índices de
resposta (tabela 1) não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre as
condições, embora apresentassem uma ocorrência um pouco maior de erros nas
condições VM e TI do que em TA. As médias de tempo de resposta não foram
significativamente distintas (figura 10). A análise estatística das médias de tempo de
resposta revelou os seguintes dados: VMrxTAr - X2=1,17; p=0,27; VMr x TIr -
61
X2=0,007; p=0,93; TAr x TIr - X2=1,37; p=0,24. Conclui-se, portanto, que não houve
diferença significativa entre as condições, nesta medida.
2700
2600
2500
2400
Série1
2300
2200
2100
VM
TA
VM
2647ms
TI
TA
2287ms
TI
2503ms
Figura 10: gráfico e tabela de médias de tempo de resposta à pergunta interpretativa.
sim
Não
VM
137
13
TA
150
---
TI
136
14
Tabela1: índices de respostas.
3.5.2 Discussão
Nesse segundo experimento, esperava-se que as médias de tempo de leitura do
segmento crítico fossem maiores nas condições de voz média- VM- (figura 9),
62
indicando o efeito de complexidade estrutural no processamento da sentença
inacusativa, configurada no experimento pela voz média. Esse resultado sugere que as
sentenças com inacusativos são mais custosas ao processador sintático em decorrência
do movimento de NP, conforme indicado pelos seus maiores tempos de leitura,
relativamente às condições transitivas.
As medidas off-line neste experimento não foram diferentes. Dado o contexto
adequado, inacusativos, embora mais complexos de se processarem, como revelado
pelos seus maiores tempos de leitura, são interpretados com índices e tempos
semelhantes às condições transitivas.
Evidenciamos a existência de maior complexidade estrutural na derivação de
sentenças com verbos inacusativos em relação a estruturas menos complexas que não
teriam movimento sintático na sua derivação.
Porém, ficam algumas lacunas: i) parece pouco provável que a condição TI
(transitiva inanimada) seja gerada por movimento sintático tendo em vista que não
acarreta o mesmo custo ao processador sintático que a condição VM. Diante disso que
especificidade essa condição apresentaria para ser tão prontamente processada quanto
à condição transitiva animada? ii) os verbos utilizados não constituem uma única
classe de verbos inacusativos, mas o que faz esses verbos se comportarem de forma
distinta é uma questão que ainda fica em aberto, a qual tentarei responder mais à
frente.
Os verbos empregados possuem diferentes grades temáticas, isto é, são, de
fato, diferentes tipos de verbos inacusativos, mas para efeito dos experimentos
descritos acima essa questão não parece haver interferido nos resultados, pois todas as
condições experimentais se configuravam superficialmente na valência intransitiva.
Essa configuração tinha como objetivo avaliar a existência de processos derivacionais
distintos, ou seja, sujeito derivado ou não via movimento sintático deslocado da
posição de argumento interno (NP-objeto) o que foi evidenciado pelos resultados
obtidos a partir dos experimentos de julgamento de aceitabilidade e leitura
automonitorada. Quanto à condição transitiva inanimada, é ainda necessária uma
investigação mais acurada para determinar se existe alguma propriedade na estrutura
que facilitaria o processamento das sentenças. Mais adiante proponho uma explicação
para essa questão.
63
3.6 Experimento 3: Julgamento de aceitabilidade médio x anticausativo
Depois de evidenciada a maior complexidade das sentenças na voz média, que
seria a contraparte inacusativa, passamos a investigação das propriedades estruturais
dos verbos inacusativos, buscando uma classificação para aqueles envolvidos na
alternância de transitividade. O objetivo nesse momento era determinar que
propriedades semânticas e sintáticas da estrutura argumental desses verbos licenciam a
atuação em duas diáteses – transitiva (causativa) e intransitiva (inacusativa). Por essa
razão, foi elaborado um experimento de julgamento de aceitabilidade que fornecesse
evidências empíricas para as classificações aqui propostas.
Justificativa e Hipótese
Keyser & Roeper (1984) apontam para a existência de um agente implícito
essencial a grade temática em verbos (middles), o que não é evidenciado em
anticausativas35. Schäfer (2009), afirma que a presença de um agente implícito se
evidencia
pelo
licenciamento
de
adjuntos
instrumentos
que
devem
estar
semanticamente relacionados a um constituinte animado/humano. Em contrapartida,
verbos anticausativos não possuiriam agentes implícitos e, consequentemente, não
admitiriam adjuntos de natureza instrumental alçado para a posição de sujeito; para
anticausativos os adjuntos devem ter natureza causal, ocupando posição de sujeito
somente em estruturas transitivas. Os sujeitos de verbos anticausativos são paciente,
tema ou afetado, não admitindo um argumento externo causador quando assumem a
diátese intransitiva. A partir das orações de (74) – (81), observamos os diferentes
comportamentos entre verbos médios e anticausativos:
(74) O menino cortou o cabelo com a tesoura.
(75) *O menino abriu a porta com o vento.
(76) O cabelo cortou fácil.
(77) A tesoura cortou fácil.
35
Keyser & Roeper nomeiam como ergatives as sentenças aqui chamadas de anticausativas.
64
(78) A porta abriu com o vento.
(79) A porta abriu.
(80) O vento abriu a porta.
(81) *O vento abriu.
Médios admitem extração de adjunto de natureza instrumental ocupando
posição de argumento externo em estrutura intransitiva, como em (77), mas parecem
rejeitar a extração de argumento interno, uma vez que esse não tem um traço
relacionado com agentividade, como em (76). Verbos anticausativos não licenciam
extração de adjunto causa, como visto em (81); adjuntos dessa natureza só assumiriam
função gramatical de sujeito em uma diátese transitiva como visto em (80). Entretanto,
em (79), vemos que o deslocamento do argumento interno para a posição de sujeito
não gera agramaticalidade, pois verbos como abrir não teriam um agente implícito
indexado ao verbo, licenciando um constituinte com papel de tema ou paciente.
Nesse sentido, elaboramos um experimento off-line de julgamento de
aceitabilidade, esperando encontrar evidências empíricas que comprovem tais
afirmações a respeito do fenômeno da alternância causativa. Para tal, elaboramos
experimento de julgamento de aceitabilidade comparando sentenças com as seguintes
configurações: verbos médios com sujeito alçado da posição de argumento – MAg;
verbos médios com sujeito alçado da posição de adjunto – MAd; verbos anticausativos
com sujeito alçado da posição de argumento – AAg e verbos anticausativos com
sujeito alçado da posição de adjunto- AAd. As sentenças em (82)-(85) exemplificam o
material utilizado no experimento:
(82) O cabelo cortou fácil. - MAg
(83) A tesoura cortou fácil. - MAd
(84) O gelo derreteu logo. - AAg
(85) O calor derreteu logo. - AAd
Esperava-se que os índices e tempos de rejeição das orações AAd fossem
significativamente maiores, em termos estatísticos, pois seriam menos aceitas, uma
vez que, em geral, os verbos anticausativos não licenciariam um argumento externo de
natureza causal, na diátese intransitiva. A condição MAd deveria apresentar índices de
65
rejeição menores em relação à MAg, pois a presença de um argumento externo de
natureza instrumental infere a presença de um agente, facilitando o processamento
dessa estrutura, ou seja, sentenças como (83) são mais aceitas pelos falantes do que
sentenças como (82). As condições MAd e AAg não deveriam apresentar níveis
elevados de rejeição considerando que seus argumentos satisfazem a grade temática
exigida pelo verbo, instrumento e paciente ou tema, respectivamente, ocupando
posição
de
argumento
externo
em
estrutura
intransitiva.
Como
variáveis
independentes, tínhamos: sujeito extraído da posição de argumento interno e de
adjunto, tipo de verbo e transitividade verbal. Os índices e medidas de tempo de
aceitabilidade das sentenças configuraram as variáveis dependentes.
Para efeitos de comparabilidade experimental todas as orações estão em
estrutura média, nos termos estabelecidos no capítulo 1.
Material
O experimento era constituído de 4 listas com 20 frases experimentais em cada:
20 de médios com sujeito-argumento, 20 de médios com sujeito-adjunto, 20 de
anticausativos com sujeito-argumento, 20 anticausativos com sujeito-adjunto e 56
distratoras. O cruzamento desses níveis produziu quatro condições experimentais:
MAg, MAd, AAg e AAd. O quarteto abaixo exemplifica as condições experimentais:
MAg
O cabelo cortou fácil.
MAd
A tesoura cortou fácil.
AAg
A porteira abriu fácil.
AAd
A ventania abriu fácil.
Participantes
O experimento foi realizado com 32 falantes nativos de Português do Brasil,
graduandos da Faculdade de Letras da UFRJ, com visão normal ou corrigida. Todos os
participantes eram adultos com idade entre 20 e 30 anos.
Procedimentos
66
Os participantes deveriam ler as sentenças apresentadas na tela do computador
(uma por vez) e, na sequência, deveriam julgar se consideravam a frase bem ou mal
formada na língua. As frases permaneciam na tela durante 3000ms e, em seguida,
eram substituídas por uma tela contendo três pontos de interrogação, nesse momento
os participantes deveriam julgar a frase. Depois de julgada a sentença, a tela era
substituída por outra em branco que permaneceria até que o próprio participante
chamasse a próxima frase através do acionamento de uma tecla. Os procedimentos
foram previamente explicados pelo pesquisador responsável pela aplicação do
experimento. Como de hábito, os participantes foram submetidos a um treino prévio, a
fim de evitar possíveis dúvidas sobre como proceder durante o teste. Os comandos
para julgar e para mudar a tela eram de próprio controle do participante, realizados
através do próprio teclado do computador, posicionado a frente do sujeito: tecla
espaço (destacada em amarelo) para chamar uma nova sentença, tecla L (em
vermelho) para resposta NÃO e tecla S (em verde) para responder SIM. A figura 11
ilustra o desenho do experimento:
sentença
???
sentença
Figura 11: desenho do experimento.
3.6.1 Resultados
A análise dos dados obtidos evidenciou que as orações com verbos médios
possuem índices de aceitabilidade maiores quando apresentam sujeitos com valor
67
instrumental - condição MAd, em comparação estatística a condição
MAg cujo
sujeito-afetado apresenta indícios de ser derivado de movimento sintático dado os
experimentos supracitados. Enquanto que verbos anticausativos são mais aceitos com
sujeito-afetado – AAg, do que com sujeito com valor causa - AAd. Esses resultados
estão na direção da atuação de traços inerentes na configuração estrutural do verbo,
como fatores determinantes para o licenciamento da alternância causativa. A figura 12
apresenta o gráfico e a tabela com índices de aceitabilidade em dados percentuais:
80%
70%
60%
50%
sim
40%
não
30%
20%
10%
0%
MAg
MAd
AAg
AAd
sim
não
65%
MAg
O cabelo cortou fácil.
35%
MAd
A tesoura cortou fácil.
61,30% 38,70%
AAg
A porteira abriu fácil.
62,50% 37,50%
AAd
A ventania abriu fácil.
38,80% 61,20%
Figura 12: gráfico e tabela de índices de aceitabilidade em valor percentual.
Os cruzamentos entre os índices de sim vs não, nas quatro condições,
produziram, todos, diferenças significativas, a saber: MAg sim x não: X2 (1, 160) = 18,
p= 0,0001; MAd sim x não: X2 (1, 160) = 9,7, p= 0,0019; AAg sim x não: X2 (1, 160)
= 11,5, p= 0,0007; AAd sim x não: X2 (1, 160) = 9,7, p= 0,0019.
68
A figura 13 apresenta as médias de tempo de julgamento, porém esses dados
não apresentaram diferenças significativas.
1600
1200
sim
800
não
400
0
MAg
MAd
AAg
sim
AAd
não
MAg
O cabelo cortou fácil.
1006ms 1327ms
MAd
A tesoura cortou fácil.
1267ms 1310ms
AAg
A porteira abriu fácil.
1127ms 1342ms
AAd
A ventania abriu fácil.
1472ms 1392ms
Figura 13: gráfico e tabela das médias de tempo de julgamento.
3.6.2 Discussão
O objetivo desse experimento era postular classes para os verbos inacusativos
atuantes na alternância causativa. Apoiando-se nas premissas de Keyser e Roeper
(1984), que apontam para a existência de um agente implícito presente na grade
temática de verbos middles (médios), de um lado, e ausente em verbos anticausativos,
de outro, e Schäfer (2009), que aponta para a relação entre adjuntos instrumentos e
agente animado na configuração de construções com verbos médios.
69
Os resultados mostraram que as sentenças de verbos médios com sujeitoafetado - MAg -
e anticausativos com sujeito-causa – AAd – foram,
significativamente, mais rejeitadas, enquanto que as sentenças contendo médios com
sujeito-instrumento – MAd - e anticausativos com sujeito-afetado – AAg - foram bem
aceitas, de acordo com o previsto. Isso corrobora ainda mais para a afirmação de que
orações de verbos médios com sujeito-afetado teriam sua complexidade derivacional
em razão de movimento sintático, assim, como sentenças de verbos anticausativos
com sujeito-afetado. Porém, não podemos deixar de comentar que as sentenças com
médios com sujeito-afetado resultaram em um índice de rejeição considerável.
As sentenças de verbos anticausativos com sujeito-causa - condição AAd- em
geral, não seriam bem aceitas, pois um sujeito dessa natureza seria licenciado em
construções intransitivas. Os anticausativos, diante do posicionamento teórico
assumido até o momento e pelos resultados obtidos a partir de experimentação, não
possuem um agente implícito em sua grade temática, possibilitando a construção
inacusativa mesmo que não estejam inseridos em contexto de voz média – A porta
abriu. A condição com verbos médios com sujeito-instrumento – MAd - são bem
aceitas pela possibilidade da existência de um argumento externo implícito com valor
agentivo facilitando o processamento dessas estruturas ou poderíamos pensar que os
sujeitos quando possuem natureza instrumental podem ser derivados na posição de
argumento externo, e ainda poderíamos pensar em “agentividade não-animada”.
Tendo em vista que os dados foram na direção esperada, sendo consistentes
com a fundamentação teórica postulamos duas categorias distintas para verbos
inacusativos atuantes na alternância causativa calcadas em aportes de processamento
linguístico: médios e anticausativos.
3.7 Conclusões
Este capítulo foi dedicado à descrição dos experimentos realizados ao longo do
trabalho de investigação do fenômeno da alternância causativa, buscando, sobretudo, a
postulação de classes de verbos inacusativos atuantes nas duas diáteses (transitiva e
intransitiva). As seções 3.1 e 3.2 fazem um breve esclarecimento sobre os objetos de
estudo no âmbito da Psicolinguística Experimental, citando algumas das técnicas
experimentais utilizadas por estudos dessa natureza. Nas seções 3.4, 3.5 e 3.6,
encontram-se descritos os experimentos realizados durante o desenvolvimento dessa
70
pesquisa, assim como seus resultados e discussões a respeito dos dados obtidos a partir
de cada um deles.
Os experimentos 1 e 2, de julgamento imediato de aceitabilidade e leitura
automonitorada, respectivamente, contribuíram para a afirmação da existência de
maior complexidade das estruturas inacusativas em oposição às condições transitivas.
Em razão dos resultados obtidos dos experimentos, assumimos as proposições que
sugerem um movimento sintático sofrido pelo o NP gerado na posição de argumento
interno para a posição de argumento externo que, nessa posição, irá receber caso
nominativo (Burzio, 1981; Keyser e Roeper, 1984, Roberts, 1987; Hale e Keyser,
1993; entre outros). Nesse sentido, atribuímos a dificuldade de processamento das
sentenças inacusativas (middles) ao movimento sintático, tendo em vista os maiores
índices de rejeição (experimento 1) e maiores tempos de leitura de sentenças
inacusativas (experimento 2).
Distintamente de nosso posicionamento, Di Sciullo et al (2007) atribuem a
dificuldade de processamento a um shift36 da estrutura argumental dos verbos, embora
não neguem a existência de movimento sintático envolvendo NPs. Em seus
experimentos, utilizaram orações na voz passiva, que também possui movimento
sintático, mas não alteram a transitividade da estrutura, e consequentemente não
apresentam dificuldades de processamento. Essa observação apesar de ser uma
questão relevante para as análises de estrutura argumental não será discutida e
aprofundada nesse trabalho, uma vez que orações na voz passiva não fazem parte do
corpus experimental do nosso trabalho.
Após a descrição dos experimentos 1 e 2, que forneceram dados para a
postulação de uma real complexidade da estrutura argumental de verbos inacusativos
alternantes, passou-se a descrição do experimento 3 (julgamento imediato de
aceitabilidade) que possibilitou a divisão dos verbos inacusativos participantes da
alternância causativa em duas classes: médios e anticausativos. A lógica desse
experimento estava fundamentada nas postulações de Keyser e Roeper (1984),
seguidas por Schäfer (2009), que apontam para a existência de um agente implícito
atuando na grade temática dos verbos médios, advogando que o licenciamento de
adjuntos instrumentais seria uma evidência da presença desse agente – A tesoura
36
Cf. seção 3.2.
71
cortou fácil. Tendo em vista o desenho do experimento, que contrastou sentenças na
construção média37 contrapondo sentenças com verbos médios e sentenças com verbos
anticausativos.
Em relação às orações com verbos médios, verificamos que se um NP com
traço instrumental (A esponja limpou bem; A vitrola tocou bem) ocupa a posição de
sujeito são significativamente mais aceitas do que se o NP que ocupa essa posição é
um argumento “afetado” (A pia limpou bem; A guitarra tocou bem). Isso seria um
indício da existência de traço com valor instrumental inerente a raiz dos verbos que
passamos a chamar de médios.
Em contrapartida, verbos anticausativos não possuiriam agentes implícitos e
não seriam compatíveis com traços instrumentais. O fato desses verbos não
licenciarem adjuntos com esse valor seria um indício da ausência de traço que infira
um agente causador, como no caso de um traço com valor instrumental, na
composicionalidade desses predicadores. Os adjuntos de sentenças com verbos
anticausativos devem ter natureza causal (Schäfer, 2009), ocupando posição de
argumento externo somente em estruturas transitivas (O vento abriu a porta). Com
isso, verbos anticausativos possuem sujeito afetado, mas rejeitam sujeito-causa em
contexto intransitivo, como pode ser evidenciado pelos índices de rejeição
significativamente maiores das orações contendo verbos anticausativos com sujeitocausa em oposição às orações com verbos anticausativos com sujeito-afetado. Outra
característica que distingue os verbos médios dos verbos anticausativos é o contexto
sentencial em que estão inseridos, isto é, enquanto esses são licenciados com ou sem a
presença de um “modificador adjetival”
38
, aqueles devem estar inseridos em orações
médias para assumirem a diátese intransitiva. Em suma, médios são verbos que em
contexto intransitivo não aceitam livremente sujeito-afetado, embora seja possível e
anticausativos são aqueles que aceitam livremente sujeito-afetado em contexto
intransitivo.
Diante disso, concluímos a parte de descrição experimental dessa dissertação
que norteou as postulações encontradas nesse texto, mas ainda ficam duas questões:
37
Nos termos estabelecidos no capítulo1.
38
Di Sciullo, 2005.
72
como podemos representar a estrutura argumental desses verbos e qual será o melhor
modelo a ser seguido? Para responder a essas questões recorremos a Teoria da
Morfologia Distribuída que teve suas principais características e propriedades
explicitadas no capítulo 1.
73
CAPÍTULO 4: ESTRUTURA E REPRESENTAÇÃO
4.1 Estrutura e representação dos verbos médios e anticausativos
Como vimos no capítulo 1, seguindo a MD temos que as palavras, assim como
as sentenças são formadas pelo mesmo processo, isto é, derivadas da
composicionalidade de traços morfossintáticos que formam complexos de núcleos
sintáticos nos quais serão inseridos os itens do Vocabulário. Se tomarmos os verbos
quebrar e cortar, como exemplos temos em (a) e (b) a composicionalidade desses
verbos:
(a)
(b)
Nas figuras acima, vemos a formação de verbos pela concatenação de raízes
acategoriais com um categorizador v (vezinho). Seguindo a ideia de Marantz (1997)
que argumenta que os núcleos funcionais – “v” em (a) e (b) – podem assumir
diferentes valores para um único núcleo e Harley (1995) que, no mesmo sentido,
atribui valores BECOME e CAUSE aos vezinhos categorizadores; a saber, quando
estes não projetam argumento externo terão valor BECOME e quando projetam
argumento externo terão valor CAUSE. Tentaremos, assim, postular representações
74
estruturais para os verbos médios e anticausativos, que divido em duas seções dada a
maior complexidade da configuração dos verbos médios.
4.1.1 Médios
Os experimentos apresentados aqui apontam para a existência de traços
distintos entre verbos que alternam de valência livremente quando possuem sujeitoafetado (quebrar, rasgar, abrir, etc.) de verbos que se configuram inacusativos em
contexto de restrito (cortar, limpar, cozinhar, etc.). Isso se traduz pelas diferenças
significativas entre os índices de aceitabilidade e medidas de tempo de processamento
das condições testadas. Assumimos que para um verbo ser considerado médio deve
obrigatoriamente estar inserido em contexto de voz média, isto é, deve ter um sujeitoafetado e adjunção verbal, sendo esta adjunção essencial para gramaticalidade da
sentença, como em (86):
(86) O feijão cozinhou logo.
(87) A tesoura cortou fácil.
Para representar os verbos que podem ser configurados como médios
poderíamos pensar numa derivação tal como em (88), porém se assim fosse teríamos o
mesmo processo derivacional que os anticausativos. Se observarmos os dados do
processamento linguístico encontrados nos nossos estudos (cf. figura 12), veremos que
verbos, como quebrar e cozinhar, possuem históricos derivacionais distintos, uma vez
que médios se mostraram mais custosos ao processador sintático do que
anticausativos, tendo em vista os índices e medidas aqui analisados. Diante disso, não
postularemos uma representação de verbos médios por acreditarmos que os dados
experimentais que temos ainda não são suficientes para tal.
75
(88) O feijão cozinhou logo.
Consideramos que os dados resultantes de nossos estudos podem ser uma
evidência para o que muitos autores têm assumido como um “agente implícito” na
grade temática dos verbos médios (middles39), uma vez que um instrumento necessita
de uma entidade animada que tenha “controle” sobre ele, isto é, o que tem sido tratado
de “agente implícito” poderia ser a interpretação pragmática dada à presença desses
traços na composicionalidade dos verbos e as suas relações com os demais traços
presentes nos argumentos que compõe uma oração.
Ainda no âmbito da MD, assumimos que, em (87) o vezinho que age na
computação do verbo cortar tem um valor CAUSE e que em contexto intransitivo
parece se comportar como os inergativos, entretanto não estariam denotando um
evento causado internamente como postulado por Levin e Rappaport- Hovav,
considerando que essa seria uma propriedade inerente aos verbos inergativos.
Primeiramente, ao formularmos a lógica do experimento 3, consideramos que
os NPs instrumentais, como A tesoura em (87), em posição de sujeito, seriam
derivados da posição de adjunto formando uma estrutura intransitiva, o que já seriam
um argumento contra as propostas de Levin e Rapapport-Hovav quanto a transitivos
que não “detransitivizam”. Entretanto, no avanço da pesquisa entendemos que não se
podem considerar essas estruturas como médias uma vez que o sujeito não é afetado
39
Keyser e Roeper, 1984; Hale e Keyser (1993), Schäfer (2009), entre outros.
76
pelo predicador; em uma sentença como (87), o NP-sujeito infere propriedade
“agentiva”, uma vez que o sujeito possui traço instrumental, facilitando o
processamento da estrutura. Enquanto que em estrutura média o NP-sujeito tem
propriedade de “afetado”. Além disso, entendemos que os NPs-sujeitos de sentenças,
como (89)-(91), podem ser gerados na posição de argumento externo, desde que
tenham traço instrumental e o que levaria o “v”, que se concatena a raiz, assumir valor
CAUSE, isto é, em razão das operações realizadas entre os traços que entram na
composicionalidade do verbo e do constituinte que ocupa a posição de sujeito. Nesse
caso, teríamos uma estrutura intransitiva sem grande dificuldade de processamento,
como mostrado por nossos resultados experimentais.
(89) A tesoura cortou fácil.
(90) O detergente limpou bem.
(91) Essa panela cozinha bem.
Em (92), observamos que a tesoura ocupa a posição de sujeito em uma oração
causativa, embora não tenha volição sobre o evento e seja inanimado, então, temos o a
raiz do verbo cortar se unido ao vezinho que irá assumir valor CAUSE, derivando
uma sentença causativa:
(92) O arquiteto disse que a tesoura cortou a cartolina muito melhor que o
estilete.
De fato, o que podemos concluir de nossos experimentos, sobretudo, a partir do
experimento 3, é que NP-sujeito com traço instrumental facilitam o processamento das
sentenças com verbos que podem formar voz média. Na literatura corrente sobre
alternância causativa, esses verbos são frequentemente tratados como causativos e não
sofreriam processo de “detransitivização”, nos termos de Levin e Rappaport-Hovav
(2005). Contudo nossos resultados indicam que em determinados contextos esses
verbos poderiam assumir a valência intransitiva por um processo semelhante a dos
inergativos, desde que o NP argumento externo possua valor instrumental, assim
como, a possibilidade de construções intransitiva inacusativas na voz média (Esse
feijão cozinhou rápido), porém não podemos afirmar qual valor o vezinho
77
categorizador estaria assumindo nessas construções. No caso de sentenças como (89)(90), é possível que o NP argumento externo compartilhe de traços sintáticos e
semânticos, que atuam na sua composicionalidade, que estariam presentes também nos
traços e itens do Vocabulário envolvidos na computação dos verbos; e as relações que
se estabelecem entre os traços e os itens, bem como o ambiente sintático gerado
poderiam levar a atribuição do valor CAUSE ao vezinho categorizador, projetando,
assim, a posição de argumento externo. Em (94), temos uma sugestão de representação
estrutural dessas estruturas coma base nos experimentos realizados ao longo desse
trabalho em consonância com as postulações da Morfologia Distribuída:
(94) A tesoura cortou fácil.
No caso de o NP animado ocupando posição de sujeito em estrutura
intransitiva de verbos como cortar, limpar ou cozinhar, temos duas possibilidades:
poderíamos pensar em um objeto nulo, uma vez que temos o “v” com valor CAUSE,
gerando uma estrutura causativa, mas não expressa o argumento interno ou numa
estrutura inergativa (A empregada limpou muito bem/ A minha mãe disse que a
empregada dela limpa muito bem). Entretanto, não vou me aprofundar nessa questão,
pois nosso trabalho estava focado nas propriedades que licenciam a atuação dos verbos
nas duas diáteses, bem como na postulação de classes para os mesmos, e nesse
momento essa questão extrapolaria nosso objetivo principal.
78
Abaixo, exemplifico alguns verbos que consideramos configurar a classe dos
médios e que foram utilizados nas listas de estímulos em nossos experimentos, em
anexo ao final da dissertação.
(i) cortar, pintar, limpar, lavar, remover, afiar, amolar, operar, xerocar,
escrever, traduzir, fotografar, tocar, colorir, derrubar, etc.
4.1.2 Anticausativos
Os verbos anticausativos teriam em sua composicionalidade o categorizador
“v” assumindo valor BECOME. Isto é, as relações que se estabelecem entre os traços e
os itens do Vocabulário na composicionalidade dos constituintes dessas sentenças
estariam atribuindo esse valor, que não licencia a projeção de argumento externo. A
postulação de muitos autores para a existência de um “agente implícito” na grade
temática dos verbos middles estaria atrelada a ausência do mesmo nos anticausativos
(Keyser e Roeper, 1984; Hale e Keyser, 1993; Schäfer, 2009; entre outros). Nos
termos dessa dissertação, isso seria a interpretação da ausência de traços específicos
que geram as relações que irão atribuir um valor CAUSE ou BECOME ao “v” que
entra na computação dos predicadores e que, consequentemente, irão ou não projetar
argumento externo.
Em (95), apresento a representação para estruturas anticausativas tendo em
vista os resultados do experimento 3 diante das postulações do modelo da MD que tem
se mostrado o mais favorável para garantir a idoneidade de nossos argumentos.
Estruturas anticausativas são obrigatoriamente intransitivas e possuem sujeito-afetado,
porém, diferentemente de estruturas médias não exigem adjunção:
79
(95)
Abaixo, exemplifico alguns verbos que classificamos como anticausativos e
que foram utilizados nas listas de estímulos em nossos experimentos, em anexo ao
final da dissertação.
(ii) abrir, fechar, molhar, furar, estragar, afundar, quebrar, apagar, entupir,
derreter, ascender, azedar, arrebentar, esvaziar, rasgar, etc.
4.2 Conclusões
Nesse capítulo, entretemos tentativas de propostas para as representações das
estruturas argumentais dos verbos no âmbito da Morfologia Distribuída que seja
harmônica com os resultados encontrados em nossos experimentos. Assumimos,
assim, que a transitividade é uma propriedade relacionada à sentença, sendo
determinada de acordo com o número de argumentos presentes na estrutura e não do
predicador sozinho. Nessa ótica, temos, em (96)-(98), verbo anticausativo (valência
intransitiva) e, em (99-101), verbo causativo (valência transitiva).
(96) O copo quebrou.
(97) A roupa molhou (no varal).
(98) O sorvete derreteu (fora da geladeira).
(99) O menino quebrou o copo.
(100) A chuva molhou a roupa.
80
(101) O calor derreteu o sorvete.
Tendo em vista a possibilidade de um mesmo núcleo funcional poder assumir
diferentes valores, como apontado por Marantz, identificamos que em sentenças como
(96) e (98), o vezinho, que compõe o verbo, assumir valor BECOME em função das
operações decorrentes da sua composicionalidade juntamente com os traços que atuam
na composicionalidade dos constituintes que assumirão as posições de argumentos do
verbo. Assim, em orações com verbos anticausativos como O sorvete derreteu, o NP
O sorvete que ocupa a posição de sujeito será gerado na posição de argumento interno,
uma vez que o valor BECOME não licencia a projeção da posição de argumento
externo, ou seja, os traços que estão atuando na formação do NP não estabeleceriam as
mesmas relações com os traços do verbo quando essas operações levam a atribuição
de valor CAUSE ao vezinho. Então, concluímos que verbos anticausativos são aqueles
que se configuram em uma estrutura intransitiva com sujeito-afetado, cf. (96)-(98). Em
relação a verbos como cortar, entendemos que se configuram em estruturas
intransitivas em dois contextos: voz média e com sujeito-instrumento. A seguir, em
(102)-(105), podemos observar essas possibilidades:
(102) O cabelo cortou fácil.
(103) O feijão cozinhou logo.
(104) A tesoura cortou fácil.
(105) A panela cozinhou bem.
Em (102) e (103), temos verbos médios em estrutura intransitiva, enquanto que
em (104) e (105) temos verbos causativos em estrutura intransitiva.
Harley (1995,2006) e Marantz (1997), no âmbito da MD, assumem que os
vezinhos categorizadores, que se concatenam as raízes na derivação de verbos, serão
responsáveis pela projeção ou não da posição de argumento externo de acordo com o
valor que será assumido por ele: BECOME sem projeção de argumento externo;
CAUSE com projeção de argumento externo. Seguindo essa proposta, entendemos que
a classificação dos verbos, de uma forma mais abrangente, está atrelada ao contexto
linguístico que está inserido e o ambiente sintático que será derivado das relações dos
traços que formam uma determinada estrutura. No mesmo sentido, entendemos que a
81
valência da estrutura está relacionada com o número de argumentos presentes final da
derivação das sentenças. Porém, diferentemente, desses autores não estamos
assumindo que haja uma forma básica derivando outra, os dados apontam para uma
não direcionalidade do fenômeno, mas essa afirmação precisa ainda de mais
experimentação para ser mais veementemente sustentada.
A partir das sentenças em (106)-(111), tentarei explicar de uma forma mais
clara o que estamos de fato sugerindo a partir das propostas de Harley e Marantz e dos
nossos dados experimentais:
(106) O feijão cozinhou rápido.
(107) A panela cozinhou bem.
(108) O copo quebrou todo.
(109) O calor derreteu logo.
(110) O homem cortou o cabelo.
(111) O homem furou o pneu com o prego.
Em (110) e (111), dizemos que a estrutura é transitiva porque apresenta dois
argumentos (um argumento externo e outro interno), nesse caso o vezinho que entra na
composicionalidade do verbo terá valor CAUSE projetando posição de argumento
externo ocupado nas sentenças pelo NP O homem. Nas sentenças (106) e (107), temos
estruturas intransitivas com apenas de um argumento na derivação das estruturas, mas
em uma análise sintático-lexical mais fina vemos que esses verbos apresentam
especificidades em relação aos traços que entram na composicionalidade da derivação
das estruturas, como podemos concluir a partir dos resultados obtidos no experimento
3, relatado no capítulo anterior. Em (106), temos um verbo médio de acordo com o
que já foi estabelecido anteriormente, estrutura com sujeito-afetado exigindo adjunção
para ser gramatical. Em (107), temos as relações, entre os traços dos elementos que
entram na composicionalidade da sentença, levando ao categorizador vº assumir valor
CAUSE, pois nesse caso o traço instrumental licencia que o constituinte A panela
ocupe a posição de argumento externo, projetada pelo verbo leve, nesse caso assumo
que o verbo causativo está configurado na valência intransitiva, não envolvendo uma
derivação sintática mais complexa como no caso dos médios. Em (108) e (109), nos
referimos aos verbos como anticausativos em uma estrutura intransitiva, naturalmente,
82
considerando que apresentam apenas um argumento. Nesse caso, na derivação da
sentença o sujeito é o argumento interno deslocado, uma vez que o vº categorizador
que atua na concatenação de [√QUEBR + v] assume valor BECOME.
É importante deixar claro que os verbos anticausativos e médios também
diferem em relação ao contexto em que o uso intransitivo é possível: enquanto, os
médios precisam ser inseridos em contexto de voz média para serem licenciados na
valência intransitiva, os anticausativos não. As sentenças como (81), onde o verbo
anticausativo é expresso com o sujeito-causa que, no experimento 3, foram
significativamente mais rejeitadas, mas na implementação desse experimento
assumimos que não admitiriam sujeito com esse valor causa em uma valência
intransitiva. Porém, em algumas sentenças, como em (109) tem sua gramaticalidade
questionada, diante disso não postularemos classificações para os verbos dessas
estruturas. Diante da possibilidade de o verbo como quebrar licenciar um sujeitocausa numa valência intransitiva, o processo parece ser similar ao que licencia os
sujeitos com valor instrumental nos verbos como cortar, quando possuem o vº
categorizador com valor CAUSE projetando argumento externo. Contudo, essa
afirmação precisa de mais experimentação para que tenha uma postulação mais
acurada, tendo em vista os resultados do experimento 3, como vimos no capítulo
anterior. No mesmo sentido que é necessário verificar mais profundamente a natureza
do movimento sintático sofrido pelos NPs. No caso do vº assumir valor BECOME o
movimento sintático parece conferir maior complexidade de processamento do que
quando o valor CAUSE é assumido pelo vº onde o NP não está sendo deslocado de
dentro do √P.40
40
No âmbito da Teoria-X’, poderíamos pensar em oposição de movimento-A versus movimento
A’. O primeiro se refere ao deslocamento de constituintes em posições argumentais e o segundo
ao movimento sintático de constituintes em posições não argumentais. Com isso, teríamos em O
copo quebrou um movimento-A e em A tesoura cortou fácil movimento-A’, porém essas duas
condições não demonstraram diferenças significativas na análise de nossos experimentos, e se
assumirmos esses movimentos em nossas análises, também teríamos que considerar uma
direcionalidade para o fenômeno da alternância de transitividade, o que não achamos prudente
fazer em razão da insuficiência de dados empíricos.
83
CAPÍTULO 5: CONCLUSÃO
Esse trabalho teve como objetivo central a postulação de classes para os verbos
atuantes na alternância causativa, buscando subsídios em aportes de experimentos
psicolinguísticos. Ao final desse estudo chegamos à denominação de médios e
anticausativos, quando os verbos inacusativos alternantes se encontram na diátese
intransitiva.
No capítulo 1, faço uma introdução sobre o fenômeno da alternância de
transitividade, explicitando que esse é um tema que suscita grande divergência entre
duas importantes abordagens no âmbito da Gramática Gerativa: lexicalistas e
construcionistas. Faço também um breve resumo da teoria da Morfologia Distribuída,
uma vez que seguimos esse modelo para validar as representações encontradas nesse
texto. No capítulo 2, apresento alguns trabalhos das correntes gerativistas que se
ocupam de estudos de natureza argumental, com foco na alternância causativa,
mostrando as principais postulações desses trabalhos que serviram de fundamentação
teórica para a implementação e realização dos experimentos apresentados no capítulo
3. Esse capítulo demonstra a real complexidade da forma inacusativa (voz média)
creditada pelos dados obtidos a partir dos experimentos 1 e 2, onde a condição voz
média apresentava sujeito derivado de movimento sintático em contraposição as
condições transitiva animada e transitiva inanimada, que não apresentam o mesmo
processo derivacional. Ainda no capítulo 3, foi apresentado o experimento que
propiciou a postulação das classes de médios e anticausativos pela comparação de
sentenças contendo verbos com sujeito com valor instrumental que atuou como
facilitador do processamento da condição com verbos médios com sujeitoinstrumental- MAd, que inicialmente acreditávamos ser gerada pela extração de
adjunto, em contraposição as condições que apresentavam sujeito derivado da posição
de argumento interno, configurando os médios com sujeito-afetado- MAg e
anticausativos com sujeito-afetado– AAg. Na análise dos dados obtidos a partir desse
último experimento, entendemos que os médios só podem assim serem denominados
em contexto de voz média, isto é, sujeito afetado e adjunção verbal, ou seja, a
condição MAd não configura verbo médio e sim causativo em estrutura intransitiva
como visto no capítulo anterior. Verificamos ainda que as sentenças com verbos
84
médios com sujeito-afetado -MAg- apresentavam índices de rejeição maiores do que a
condição com verbos anticausativos com sujeito-afetado- AAg, embora ambos tenham
sujeito derivado da posição de argumento interno. No capítulo 4, apresento uma
proposta de representação para os verbos que atuam na alternância de transitividade,
seguindo as propostas de Harley (1995) e Marantz (1997). Assumo que categorizador
(vº) com valor BECOME, ao não projetar argumento externo, atua na configuração
estrutural dos verbos quando estes se configuram anticausativos. Na configuração de
verbos médios não achamos que os dados pudessem ser suficientes para a postulação
de uma representação estrutural diante das divergências de processamento encontrada
a partir do experimento 3, em relação à condição de anticausativos. Considerando que
essa condição também apresenta sujeito derivado da posição de argumento interno,
porém não apresenta o mesmo nível de complexidade de verbos médios.
A atribuição de valor CAUSE ao categorizador vezinho, que projeta
argumento externo, estaria atuando na configuração de sentenças com verbos
causativos como A tesoura cortou fácil, tal como os inergativos. Os dados e as análises
subsequentes encontradas nesse estudo indicam que o fenômeno da alternância
causativa não teria uma direcionalidade, ou seja, não haveria uma forma básica
derivando outra como muitos autores assumem. As formas seriam derivadas a partir
do valor atribuído ao vezinho em razão das relações estabelecidas pelos traços e itens
de Vocabulário que entram na computação das sentenças. Entretanto, reconhecemos a
necessidade de mais experimentação para que possamos reforçar nossas postulações
em decorrência das lacunas apontadas pelos diferentes índices de aceitabilidades
obtidos a partir do experimento 3.
Assumimos, assim, que o categorizador “v” irá ou não projetar a posição de
argumento externo, dependendo do valor que irá adquirir ao longo da derivação dos
verbos que atuam tanto na valência transitiva quanto na intransitiva, com isso, o valor
assumido pelo vezinho acarretaria um custo maior ou menor ao processador sintático.
Entretanto, não podemos deixar de comentar que a natureza dessas relações ainda
precisa ser investigada mais a fundo para que possamos entender as especificidades
que compõem os mecanismos da linguagem humana. De qualquer forma, acreditamos
que esse trabalho contribui para demonstrar o potencial da pesquisa na interface da
Psicolinguística e da Sintaxe experimentais no que se refere ao estudo da estrutura
85
argumental dos verbos, da mesma forma que favorece o estreitamento do diálogo entre
as diferentes subáreas que se ocupam de teorias linguísticas.
86
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89
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90
ANEXO
1. Lista do Experimento 1
Voz Média
1) Este livro vende bem.
2) Esse papel gruda muito.
3) Esse assado corta
suavemente.
4) Essa guitarra toca
perfeitamente.
5) Essa batata descasca
facilmente.
6) Esse azulejo limpa
perfeitamente.
7) Esse feijão cozinha
bem.
8) Esse muro pinta
facilmente.
9) Esse piso varre bem.
10) Essa casa queima
logo.
11) Essa casa aluga bem.
12) Esse texto traduz logo.
13) Essa paisagem
fotografa facilmente.
14) A roupa muda sempre.
15) Essa blusa costura
rapidamente.
Transitiva animado
1) Este homem vende
bem.
2) A menina gruda
muito.
3) O cozinheiro corta
suavemente.
4) O pianista toca
perfeitamente.
5) O cozinheiro
descasca facilmente.
6) O funcionário limpa
perfeitamente.
7) Essa moça cozinha
bem.
8) Esse homem pinta
facilmente.
9) Essa moça varre
bem.
10) O homem queima
logo.
11) A senhora aluga
bem.
12) O professor traduz
logo.
13) Essa menina
fotografa facilmente.
14) A moça muda
sempre.
15) A moça costura
rapidamente.
Transitivo Inanimado
1) Esta loja vende bem.
2) O chiclete gruda muito.
3) A lâmina corta
suavemente.
4) Essa vitrola toca
perfeitamente.
5) O aparelho descasca
facilmente.
6) O detergente limpa
perfeitamente.
7) Esse fogão cozinha
bem.
8) Esse pincel pinta
facilmente.
9) A vassoura varre bem.
10) A tocha queima logo.
11) A empresa aluga bem.
12) O programa traduz
logo.
13) Essa máquina
fotografa facilmente.
14) O clima muda sempre.
15) Essa máquina costura
rapidamente.
91
2. Lista do experiment 2
Médios
1) Ouvi dizer que essa
loja está sempre vazia, /
mas esse livro vende
bem/ o ano inteiro.
Transitivo Animado
1) A loja não faturou
muito, / mas esse homem
vende bem/ como me
disseram.
Transitivo Inanimado
1) As vendas caíram esse
mês, / mas essa loja vende
bem/ para surprese de todos.
- Este livro vende muito?
S ou N
2) Cuidado com a cola,
/pois esse papel gruda
muito/ como avisou a
professora.
-O homem sabe vender?
S ou N
2) O garoto está feliz
com o namoro/, mas a
menina gruda muito/
como me contaram.
S ou N
2) Fizeram de tudo para
limpar o chão/, mas o chiclete
gruda muito/ deixando a mãe
irritada.
- O papel gruda muito?
-A menina é grudenta?
-O chiclete grudou no chão?
S ou N
3) As facas não estavam
amoladas, / mas o assado
corta suavemente/ como
todos viram.
S ou N
3) Todos achavam que a
carne estava dura, / mas
o cozinheiro corta
suavemente/ como todos
viram.
S ou N
3) O assado não ficou muito
macio, /mas a lâmina corta
suavemente/ para a alegria de
todos.
-A loja vende muito?
-O assado estava
macio?S ou N
-O cozinheiro cortou a
carne?S ou N
-A lâmina estava amolada? S
ou N
4) Todos os instrumentos
são muito antigos, / mas
essa guitarra toca
perfeitamente/ disse o
vendedor.
4) Os músicos pareciam
desafinados, / mas o
pianista toca
perfeitamente/ como ouvi
no concerto.
4) As peças do brechó
estavam em péssimo estado, /
mas essa vitrola toca
perfeitamente/ como pude
observar.
-A guitarra está
funcionando?S ou N
-O pianista toca bem? S
ou N
-A vitrola está funcionando?S
ou N
5) Os legumes estavam
um pouco velhos, / mas
essa batata descasca
facilmente/ disse o moço
na feira.
5) O assistente tem
dificuldades com os
legumes, / mas o
cozinheiro descasca
facilmente/ o que
agilizou o almoço.
5) Os legumes sempre estão
ruins, / mas o aparelho
descasca facilmente/ o que
agilizou o almoço.
-É fácil descascar essa
batata?S ou N
6) O detergente sempre
-O cozinheiro é
habilidoso para
descascar?S ou N
6) As crianças sujam
-É fácil descascar com esse
aparelho?S ou N
6) A louça do almoço ficou
92
acaba antes de a faxina
terminar, / mas o azulejo
limpa perfeitamente/
deixando a faxina mais
rápida.
- O azulejo fica limpo?S
ou N
7) Os grãos estavam
velhos, /mas esse feijão
cozinha bem/ disse o
vendedor.
muito o pátio da escola, /
mas o funcionário limpa
perfeitamente/ deixando
como a diretora pediu.
-O funcionário é
eficiente?S ou N
muito suja, / mas o detergente
limpa perfeitamente/
ajudando na faxina.
-O detergente é muito bom? S
ou N
7) Os empregados da
mansão são pouco
eficientes, / mas essa
moça cozinha bem/ como
me disseram.
7) O almoço de Natal estava
atrasado, / mas esse fogão
cozinha bem/ deixando todos
mais calmos.
-O feijão cozinha bem? S
ou N
-A moça sabe cozinhar?
S ou N
8) A tinta que você
8) A reforma da casa
comprou está muito
acabou logo, / pois esse
grossa, / mas esse muro
homem pinta facilmente/
pinta facilmente/ o que
como me disseram.
facilita a reforma.
-O homem sabe pintar? S
- É fácil pintar o muro? S ou N
ou N
9) Entrou muita poeira
9) Os empregados
em casa depois da
demoram a terminar o
ventania, / mas esse piso serviço de casa, / mas
varre bem / deixando
essa moça varre bem /
como antes.
como me disseram.
-Esse fogão é excelente? S ou
N
- É fácil varrer o piso?
- A moça sabe varrer?
S ou N
10) Os bombeiros não
demoraram a chegar, /
mas a casa queimou
logo/ para desespero dos
donos.
S ou N
10) A mulher estava
fazendo um ótimo
churrasco, / mas o
homem queimou logo/
deixando todos com
fome.
8) A superfície da tela estava
desgastada, / mas esse pincel
pinta facilmente/ o que ajuda
na restauração.
- Esse pincel bom? S ou N
9) O chão estava sujo de
terra, /mas a vassoura varre
bem/ agilizando a limpeza.
- A vassoura é boa? S ou N
10) A festa junina estava
ótima, /mas a tocha queimou
logo/ como sempre acontece.
-A tocha apagou? S ou N
-A casa pegou fogo? S
ou N
-O homem queimou o
churrasco? S ou N
11) A vizinhança é muito 11) Ninguém achava
perigosa, /mas essa casa bons imóveis
alugou bem/ para a
disponíveis, / mas a
surpresa de todos.
senhora alugou bem/ para
surpresa de todos.
-Conseguiram alugar a
11) Os diretores estavam
preocupados com as finanças,
/ mas a empresa alugou bem/
deixando todos aliviados.
-A empresa conseguiu um
93
casa? S ou N
bom aluguel? S ou N
12) O assunto era muito
complicado para essa
série, / mas esse texto
traduz logo/ o que
ajudou os alunos.
-A senhora fez um bom
aluguel? S ou N
12) Os alunos não
entendem os textos em
Inglês, / mas o professor
traduz logo/ ajudando os
alunos.
-O texto traduz o
assunto?
- O professor traduz
rapidamente?
-O programa é bom?
S ou N
13) A neblina dificulta a
visibilidade, /mas essa
paisagem fotografa
facilmente/ deixando
todos calmos.
S ou N
13) Os alunos do curso
não eram muito
aplicados, / mas essa
menina fotografa
facilmente/ para alegria
do professor.
12) A aluna estava
preocupada com o trabalho de
Inglês, /mas o programa
traduz logo/ ajudando no
trabelho.
S ou N
-É fácil fotografar a
paisagem? S ou N
14) As modelos são as
mesmas, / mas a roupa
muda sempre/ como
sempre ouvi dizer.
-A roupa sempre muda?
S ou N
-A menina sabe
fotografar? S ou N
14) A mãe insistia para
que a filha não saísse do
emprego, /mas a moça
muda sempre/ como me
disseram.
15) A mulher ficou com
a roupa rasgada, / mas
essa blusa costura
rapidamente / disse a
vendedora.
- A moça muda muito? S
ou N
15) O enxoval do
casamento estava
atrasado, /mas a moça
costura rapidamente/
como me disseram.
-É fácil costurar essa
blusa? S ou N
- A moça sabe costurara?
S ou N
13) A chuva dificultava as
imagens externas, /mas essa
máquina fotografa
facilmente/ para a alegria de
todos.
-A máquina funciona bem? S
ou N
14) Todos acharam que não
precisavam levar casaco para
praia, / mas o clima muda
sempre/ como foi avisado.
- O clima muda muito? S ou
N
15) O vestido da noiva ainda
não estava pronto, / mas essa
máquina costura rapidamente/
deixando todos mais calmos.
-Essa máquina é boa? S ou N
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3. Lista do experimento 3
MAg
MAd
1. O cabelo cortou fácil.
1. A tesoura cortou fácil.
2. A parede pintou mal.
2.
3. O ladrilho limpou mal.
3. Esse pano limpou bem.
4. A roupa lavou fácil.
4. O sabão lavou fácil.
5. O esmalte removeu fácil.
5. A aguarrás removeu fácil.
6. O facão afiou logo.
6. A chaira afiou logo.
7. A tesoura amolou bem.
7. Essa chaira amolou mal.
8. A perna depilou fácil.
8. A cera depilou fácil.
9. O paredão derrubou logo.
9. A marreta derrubou fácil.
10. Esse desenho coloriu bem.
10. A canetinha coloriu bem.
11. A guitarra tocou mal.
11. A vitrola tocou bem.
12. Esse vídeo gravou fácil.
12. A câmera gravou fácil.
13. A paisagem fotografou mal.
13. A máquina fotografou longe.
14. O terreno adubou fácil.
14. O esterco adubou muito.
15. O prédio demoliu rápido.
15. O trator demoliu rápido.
16. O nariz operou fácil.
16. A pinça operou fácil.
17. Esse piso encerou rápido.
17. A máquina encerou rápido.
18. O artigo xerocou rápido.
18. A máquina xerocou rápido.
19. Esse texto traduziu logo.
19. O programa traduziu bem
20. O trabalho escreveu rápido.
20. Essa caneta escreveu bastante.
AAg
Essa tinta pintou bem.
AAd
1.
A porteira abriu fácil.
1. A ventania abriu fácil.
2.
A janela fechou mal.
2. O vento fechou bem.
3.
O vestido molhou bem.
3. Essa chuva molhou bem.
4.
O pneu furou logo.
4. O prego furou mal.
5.
A fogueira apagou logo.
5. O vendaval apagou logo.
6.
O feijão azedou logo.
6. O calor azedou logo.
7.
Esse ralo entupiu bem.
7. O cabelo entupiu bem.
8.
O gelo derreteu logo.
8. O calor derreteu muito
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9.
A fogueira ascendeu logo.
9. O álcool ascendeu logo.
10.
Esse vestido desbotou bem.
10. A lavagem desbotou muito.
11.
O casaco secou mal.
11. Esse vento secou bem.
12.
O vestido rasgou fácil.
12. Essa queda rasgou muito.
13.
Essa rede arrebentou logo.
13. Esse peso arrebentou logo.
14.
A piscina esvaziou logo.
14. Essa bomba esvaziou fácil.
15.
A ponte balançou bastante.
15. O vento balançou bastante.
16.
A fruta estragou logo.
16. O calor estragou logo.
17.
Esse navio afundou rápido.
17. Essa onda afundou rápido.
18.
Esse quadro arranhou bastante.
18. A mudança arranhou bastante.
19.
A madeira empenou muito.
19. Essa chuva empenou muito.
20.
A empresa arruinou rápido.
20. Essa fraude arruinou rápido.
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