DIFERENCIAÇÃO GENÉTICA EM POPULAÇÕES DE Anopheles darlingi Root, 1926 (Diptera: Culicidae) DO ESTADO DO AMAZONAS, USANDO MARCADORES RAPD-PCR Ana Paula Barbosa da Silva; INPA/UEA – [email protected] Wanderli Pedro Tadei; INPA – [email protected] Joselita Maria Mendes dos Santos; INPA/UEA – [email protected] Introdução Anopheles darlingi Root, 1926 é o principal vetor de malária humana no Brasil. Ocorre desde o sul do México ao norte da Argentina, e do leste dos Alpes andinos até a costa atlântica da América do Sul (Forattini, 1962). Atualmente, é considerada uma espécie monotípica. Porém, estudos prévios sobre a biologia indicaram a presença de populações geograficamente distintas e diferentes padrões na atividade de picar (Malafronte et al., 1999). Considerando esses aspectos e sua importância em relação à saúde pública, estudos visando comparar a variabilidade genética das populações em sua área de distribuição são necessários, principalmente, porque podem fornecer subsídios para o desenvolvimento de novas medidas de controle para a malária. Nesse sentido, a técnica de DNA Polimórfico Amplificado ao Acaso (RAPD) vem demonstrando bons resultados. É uma variação da técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), e foi desenvolvida por Williams et al. (1990). Nela, utiliza-se somente um oligonucleotídeo de 10-15 bases, como iniciadores para amplificar o DNA genômico. Os produtos da amplificação são separados por eletroforese em gel de agarose, onde os fragmentos maiores migram mais lentamente. Essa técnica não necessita do conhecimento prévio da seqüência a ser amplificada, possibilita um maior número de marcadores possíveis de serem mapeados, aumentando a possibilidade de identificar grupos de ligação (linkage) relacionados a caracteres quantitativos (QTL’s). Permite identificar o grau de similaridade entre os genótipos, aos níveis inter e intra-específicos de DNA (Williams et al., 1990). Nesse trabalho, foi analisada a variabilidade genética intra e interpopulacional de A. darlingi, procedentes de localidades ao longo dos rios Negro e Solimões (AM), utilizando marcadores moleculares de RAPD-PCR. Material e métodos A. Procedência e Coleta das Amostras A análise da variabilidade genética foi realizada a partir da geração F1 de fêmeas capturadas em campo. As capturas de anofelinos adultos foram realizadas em quatro cidades do Estado do Amazonas: Manaus e São Gabriel da Cachoeira (localizadas às margens do Rio Negro); Coari e Tabatinga (localizadas às margens do rio Solimões-Amazonas). Em laboratório, as fêmeas foram postas individualmente para desovar, e identificadas posteriormente, usando as chaves de Gorham et al. (1967) e Consoli & Lourenço-deOliveira (1994). Foram analisados 30 indivíduos de cada população. B. Extração e Amplificação do DNA – RAPD A extração de DNA foi realizada segundo o protocolo descrito em Wilkerson et al. (1995), com algumas modificações. A reação de amplificação foi conduzida em volume total de 25µl, contendo 1µl de DNA, 2,5µl de PCR buffer, 1,5µl de MgCl2, 2,5µl de dNTP, 2,5µl de primer (AM 05 - 5’GTGACGTAGC-3’, AM 08 5’GTTGCGATCC-3’ e AM 09 - 5’GGACTGGAGT-3’, Operon Technologies Inc. Alameda, CA.), 0,3µl de Taq DNA polimerase (Invitrogen) e 14,7µl de água milli-q autoclavada. A amplificação (RAPD) foi realizada em termociclador marca Perking-Elmer, progamado para 45 ciclos com as seguintes etapas: desnaturação das fitas de DNA (1min. à 94ºC), anelamento do primer (1min. à 36ºC), alongamentos das fitas sintetizadas (2min. à 72ºC) e um ciclo de alongamento final (7 min. à 72ºC). C. Eletroforese e Fotodocumentação Os produtos amplificados foram fracionados em gel de agarose a 1,5% e corados com solução de Brometo de Etídio (5ng/µL). Em seguida, estes foram visualizados e fotografados em um aparelho de fotodocumentação de gel, modelo Eagle Eye II (Stratagene), luz ultravioleta de 300nm de comprimento de onda. D. Análise Estatística Para a análise da variabilidade genética utilizou-se o Programa Tools for Population Genetics Analyses (TFPGA). O dendrograma de similaridade foi construído usando o índice de distância (Nei, 1978). Resultados e Discussão A variabilidade genética é uma condição fundamental para que haja evolução adaptativa de uma espécie, uma vez que a seleção natural atua entre as variantes que ocorrem dentro das populações, em função da adaptação ao ambiente (Hartl, 1981). Estudos sobre a variabilidade genética em mosquitos mostraram que neste grupo os níveis de polimorfismo e heterozigosidade média são bastante heterogêneos (Santos, 1992). O perfil obtido da amplificação do DNA de A. darlingi revelou vários fragmentos polimórficos, sendo selecionados 13 locos para as quatro populações (Figura 1), os quais variaram de 400 a 2000pb. A sensibilidade da RAPD na detecção de polimorfismos é grande, sendo possível à identificação de genótipos e obtenção de “fingerprints” genômicos. Dessa forma, os polimorfismos observados podem ser resultantes de pequenas alterações na seqüência do sítio de iniciação (inserções/deleções/substituições) ou de alterações que modifiquem o tamanho da seqüência a ser amplificada (Williams et al., 1990). Diferenças em apenas um par de bases podem ser detectadas pela técnica e, por isso, grande número de polimorfismos pode ser revelado em indivíduos estreitamente relacionados, como os demonstrados para A. darlingi. Os resultados mostraram elevada variabilidade, sendo que a população de Coari (P= 90,90%; Ho= 0,321) revelou maior variabilidade genética (Tabela 1), enquanto que a de Manaus (P= 78,78%; Ho= 0,278) foi menor. Os dados de estrutura genética dessas populações foram testados com base no método θ e mostraram o valor de Fst significativo (Fst= 0,107 ± 0,024), onde o índice de consistência “bootstrapping” para 1000 replicações foi de 95%. Esses resultados indicam certa estruturação microgeográfica, resultante de alguma barreira nos acasalamentos aleatórios. Analisando caracteres morfológicos, isoenzimas, DNA mitocondrial e RAPD em populações de A. darlingi procedentes de Belize, Bolívia, Brasil, Guiana Francesa e Venezuela, Manguin et al. (1999) observaram evidências de divisão geográfica em muitas populações, porém, condizente com uma espécie monotípica. O teste de qui-quadrado para diferenciação das populações (Raymond & Rousset, 1995) foi significativo (χ 2=157,3317; GL=26; P<0,001). A matriz de similaridade e distância genética (Tabela 2) mostrou distâncias variando de 0,0105 a 0,9895. A maior distância foi observada entre São Gabriel da Cachoeira e Coari, e a menor foi entre esta e Tabatinga. Com base nesses dados, as populações foram separadas em três clusters: o primeiro formado por Coari e Tabatinga; o segundo por Manaus; e o terceiro por S. Gabriel da Cachoeira (Figura 2). Análise da variabilidade genética em populações de A. darlingi procedentes de localidades ao longo dos rios Negro e Solimões ainda não foi feita. Entretanto, trabalhos realizados com primatas mostraram que os principais rios da região amazônica em termos de volume e fluxo (rios Negro, Solimões, Amazonas e Madeira) dividem a Amazônia, aproximadamente, em quatro quadrantes, e servem como barreira de dispersão para as espécies de primatas (Horta, 2003). Nesse trabalho verificou-se que, Coari e Tabatinga que se encontram localizadas às margens do rio Solimões, são geneticamente mais próximas, do que Manaus e S. Gabriel da Cachoeira que estão situadas às margens do rio Negro. Há certa correlação entre a distância genética e a distância geográfica, mas os dados ainda não são conclusivos. Agradecimentos Ao M.Sc. Juracy de Freitas Maia pelo importante apoio técnico. À Dra. Joselita M. Mendes dos Santos e ao Dr. Wanderli Pedro Tadei pela orientação e companheirismo. À Universidade do Estado do Amazonas – UEA, Pós-Graduação em Biotecnologia e Recursos Naturais da Amazônia. À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM pela concessão das bolsas. Ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA (Coordenação de Pesquisas em Ciências da Saúde-CPCS; Laboratório de Vetores da Malária e Dengue) pela cessão do laboratório para a realização das análises. Bibliografia citada Consoli, R.A.G.B.; Lourenço-de-Oliveira, R. 1994. Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 225 p. Forattini, O.P. 1962. Entomologia Médica. São Paulo: Faculdade de Higiene e Saúde Pública. 504 p. Gorham, J.R.; Stojanovich, C.J.; Scott, H.G. 1967. Clave ilustrada para los Mosquitos Anofelinos de Sudamérica Oriental. Atlanta: Comunicable Disease Center, United States Public Health Service. 64 p. Hartl, D.L. 1981. A primer of populations genetics. Sunderland: Inc. Publisher. 191 p. Horta, M.R. 2003. A primeira teoria da evolução de Wallace. Scientiae studia, 1: 519530. Malafronte, R.S.; Marrelli, M.T.; Marinotti, O. 1999. Analysis of ITS2 DNA sequences from Brazilian Anopheles darlingi (Diptera: Culicidae). Journal of Medicine and Entomology, 36(5): 631-634. Manguin, S.; Wilkerson, R.C.; Conn, J.E.; Rubio-Palis, Y.; Danoff-Burg, J.A.; Roberts, D.R. 1999. Population structure of the primary malaria vector in South America, Anopheles darlingi, using isozyme, random amplified polymorphic DNA, internal transcribed spacer 2, and morphologic markers. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 60(3): 364-376. Nei, M. 1978. Estimation of average heterozigosity and genetic distance from a small number of individuals. Genetics, 89: 583590. Raymond, M.L.; Rousset, F. 1995. An exact test for population differentiation. Evolution, 49: 1280-1283. Santos, J.M.M. 1992. Variabilidade genética em populações naturais de Anopheles (Nyssorhynchus) darlingi Root, 1926 (Diptera: Culicidae). Tese de Doutorado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia / Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas. 150P. Wilkerson, R.C.; Parson, T.J.; Klein, T.A.; Gaffgan, T.V.; Bergo, E.; Consolim, J. 1995. Diagnosis by random amplified polymorphic DNA polymerase chain reaction of four cryptic species related to Anopheles (Nyssorhynchus) albitarsis (Diptera: Culicidae) from Paraguay, Argentina end Brazil. Journal of Medicine and Entomology, 32(5): 697-704. Williams, J.G.K.; Kubelik, A.R.; Livak, K.J.; Tingy, S.V. 1990. DNA polymerase amplified by arbitrary primers are used as genetic markers. Nucleic Acids Research, 18(22): 6531-6535. M 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 C M 2,072 pb 1,500 pb 600 pb Figura 1. Perfil da variabilidade genética em populações de A. darlingi do Estado do Amazonas. M=marcador molecular (Ladder 100pb) e C=Controle. Amostras: 1 a 5 (S. Gabriel da Cachoeira), 6 a 10 (Coari), 11 a 14 (Tabatinga) e 15 a 18 (Manaus). Tabela 1. Estimativa da variabilidade genética das populações de A. darlingi do Estado do Amazonas. Número médio de Percentagem de locos amostras por loco polimórficos Observada Esperada 30 81,81 0,257 0,261 Coari 30 90,90 0,321 0,325 Tabatinga 30 81,81 0,285 0,289 Manaus 30 78,78 0,278 0,284 População S. Gabriel da Cachoeira Heterozigosidade média Tabela 2. Matriz de similaridade e distância genética nas populações de A. darlingi do Estado do Amazonas. População 1 2 3 4 ***** 0,9068 0,9167 0,9514 Coari 0,0979 ***** 0,9895 0,9703 Tabatinga 0,0870 0,0105 ***** 0,9787 Manaus 0,0498 0,0301 0,0215 ***** S. Gabriel da Cachoeira Figura 2. Dendrograma agrupando as populações de A. darlingi com base na distância genética. Método não ponderado de agrupamento de pares de populações com média aritmética - UPGMA (Nei, 1978).