Pró-Reitoria Acadêmica Curso de Relações Internacionais Trabalho de Conclusão de Curso EM BUSCA DO PROTAGONISMO: O BRASIL E A TENTATIVA DE UM ASSENTO PERMANENTE NO CONSELHO DA LIGA DAS NAÇÕES Autor: Leonardo Furtado Abrantes de Melo Orientador: Prof. MsC Creomar de Souza Brasília - DF 2015 LEONARDO FURTADO ABRANTES DE MELO EM BUSCA DO PROTAGONISMO: O BRASIL E A TENTATIVA DE UM ASSENTO PERMANENTE NO CONSELHO DA LIGA DAS NAÇÕES Monografia apresentada ao curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial de obtenção do Título de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. MsC. Creomar de Souza Brasília – DF 2015 TERMO DE APROVAÇÃO Monografia de autoria de Leonardo Furtado Abrantes de Melo, intitulada “EM BUSCA DO PROTAGONISMO: O BRASIL E ATENTATIVA DE UM ASSENTO PERMANENTE NO CONSELHO DA LIGA DAS NAÇÕES”, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais, em 01 de junho de 2015, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _________________________________ Prof. MSc. Creomar de Souza Orientador Relações Internacionais - UCB _________________________________ Prof. MSc. Danilo Borges Examinador Relações Internacionais – UCB _________________________________ Prof. MSc. Gustavo Lopes Examinador Relações Internacionais - UCB Brasília – DF 2015 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a minha família e amigos pelo apoio e compreensão. Em especial, aos meus pais, Dameana Furtado e Geraldo Abrantes, por acreditarem no meu potencial e apoiarem a construção desse sonho. Agradeço a todos aqueles que estiveram presentes nesse processo e aqueles que me acompanham em cada etapa da minha vida. Obrigado aos meus companheiros que durante esses quatro anos vêm ganhando cada vez mais espaço no meu coração, essa graduação não teria sido a mesma sem vocês. Merece especial agradecimento minha grande amiga Tajla Medeiros, que pacientemente me auxiliou a construir uma monografia mais clara e fiel aos meus objetivos. Também, a Laryssa Almeida, que desde o primeiro semestre me acompanha nessa jornada, seu apoio e companhia foram fundamentais para o processo de construção deste trabalho de conclusão de curso. Agradeço, também, ao meu orientador, o professor Creomar de Souza, que desde o início do curso tem sido um exemplo. O professor teve um papel fundamental não só para a lapidação da ideia que construí há alguns anos, mas para a minha formação como estudante e profissional, nossas conversas e orientações serviram de inspiração para a feitura deste trabalho. E, por fim, agradeço aqueles professores que ainda no ensino fundamental e médio me mostraram o mundo por meio da história. Agradeço aqueles professores que na graduação fizeram-me encontrar nesse curso a minha grande paixão. Em especial, a professora Fernanda de Moura Fernandes, que já na graduação, me fez encontrar novamente meu encantamento pela história, suas aulas foram à inspiração do presente trabalho. RESUMO A proposta deste estudo é descrever e a analisar a participação brasileira na Liga das Nações, em especial, a construção e o processo de negociação do pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações (1919). Busca-se, assim, entender os efeitos do fracasso da demanda do Brasil na política externa brasileira, em especial, no período que sucede à criação da Organização das Nações Unidas. Ao analisar do quadro histórico é possível compreender as razões que levaram a continuidade da campanha por um assento permanente, agora, no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Palavras-chave: Liga das Nações, Organização das Nações Unidas, Conselho de Segurança das Nações Unidas, História da Política Externa Brasileira. ABSTRACT The purpose of this study is to describe and analyze the Brazilian involvement within the League of Nations, principally, the construction and negotiation processes of the Brazilian claim for a permanent seat at the League Council (1919). This study aims to understand the failure effects in the Brazil's foreign policy attempts in a long-term perspective, especially in the period that follows the United Nations establishment. Having considered the historical context, it is possible to understand the reasons which led Brazil to claim a permanent seat at the UN Security Council. Keywords: League of Nations, United Nations, United Nations Security Council, Brazilian Foreign Policy History. Lista de siglas ONU – Organização das Nações Unidas CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10 1.1 O problema e sua importância ................................................................... 10 1.2 Hipótese ..................................................................................................... 14 1.3 Objetivos .................................................................................................... 14 1.3.1 Objetivo Geral ......................................................................................... 14 1.3.2 Objetivos Específicos .............................................................................. 14 1.4 Metodologia ................................................................................................ 15 2. REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................... 16 2.1 Revisão bibliográfica .................................................................................. 16 2.2 Marco teórico.............................................................................................. 17 3. DESENVOLVIMENTO ................................................................................. 18 3.1 A criação da Liga das Nações .................................................................... 18 3.1.1 O Contexto de criação da Liga das Nações ............................................ 19 3.1.2 As Negociações de Paz .......................................................................... 25 3.1.3 O Brasil em Versalhes ............................................................................. 29 3.1.4 A Liga das Nações .................................................................................. 33 3.2 O Brasil e a Liga das Nações ..................................................................... 36 3.2.1 O Brasil e os primeiros anos de funcionamento da Liga das Nações ..... 37 3.2.2 O Governo Arthur Bernardes e o pleito por um assento permanente ..... 39 3.2.3 Os Acordos de Locarno e a crise de março de 1926 .............................. 46 3.2.4 O veto brasileiro ...................................................................................... 49 3.2.5 A retirada do Brasil da Liga ..................................................................... 51 3.3 O Brasil e a criação da Organização Das Nações Unidas ......................... 55 3.3.1 A Organização das Nações Unidas ......................................................... 55 3.3.2 A concepção do Conselho de Segurança das Nações Unidas ............... 58 3.3.3 A candidatura brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas ........................................................................ 60 4. CONCLUSÕES ............................................................................................ 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 71 10 1. INTRODUÇÃO 1.1 O problema e sua importância A Liga das Nações foi criada após a Primeira Guerra Mundial. O conflito se iniciou em 1914, tendo como estopim o assassinato de Franz Ferdinand, herdeiro ao trono austríaco. Uma série de tensões instalou-se na Europa entre 1890 e 1914, cabe citar as tensões nos Bálcãs1, principalmente, entre a Rússia e a Áustria-Hungria; o movimento imperialista alemão que gerou antagonismos e aumentou a instabilidade no período; a ascensão dos movimentos nacionalistas, acarretando a uma onda protecionista; e o advento da diplomacia secreta e a quebra de alianças (SARAIVA ET al., 2007). O conflito durou cerca de quatro anos, entre 1914 e 1918, e teve um efeito devastador nos países Europeus. Com o final do conflito foi instaurada a Conferência de Paris, em 1919, onde o Tratado de Versalhes foi elaborado pelos Aliados. Os vencidos foram excluídos dos processos de negociações, baseados na visão idealista de Woodrow Wilson e, sobretudo, no revanchismo Frances que de sobrepõe a ideia de uma paz inclusiva, criando, assim, a paz punitiva ao final das negociações (SARAIVA ET al., 2007). Neste contexto, o Tratado de Versalhes previa a criação de um fórum multilateral de fomento a cooperação e manutenção da paz estabelecida ao final do conflito. A organização foi proposta pelo então presidente norteamericano, Woodrow Wilson, em um dos pontos do seu postulado, conhecido como “Os 14 pontos de Woodrow Wilson”, base da premissa Idealista, nos quais o então presidente apontava o caminho para uma paz duradoura. Foi criada, assim a Liga das Nações: O pacto da Sociedade das Nações nasceu de uma ideia remota de solução pacífica de controvérsias e de cooperação internacional, porém vingou a ser incluído nos 14 pontos e ao ser firmado, a 28 de abril de 1919, como anexo aos tratados de paz. A sociedade 1 Região sudeste da Europa que engloba a Albânia, Bósnia e Hezergovina, Bulgária, Grécia, República da Macedônia, Montenegro, Sérvia, o autoproclamado independente Kosovo, a porção da Turquia no continente Europeu, bem como, Croácia, Romênia, Eslovênia e a Áustria. 11 compunha-se permanentes de e um conselho, eleitos, uma com membros assembleia e um secretariado, além da Corte Internacional de Justiça de Haia. (CERVO, 2007, p. 142) A participação do Brasil na Liga das Nações se inicia, ainda, no âmbito da Conferência de Paris (1919). O país foi signatário do Tratado de Versalhes, acordo que criou a Organização. “Mais importante: o Brasil é também indicado para ocupar um dos quatro assentos não permanentes no Conselho da Liga no primeiro ano de funcionamento, 1920, sendo reeleito para ocupar o mesmo assento continuamente até 1925.” (SANTOS, 2003, p.88). Segundo Santos (2003) o Brasil entendia sua participação na Liga das Nações como uma oportunidade de ser reconhecido como uma potência. Buscava, sobretudo, sua projeção internacional, através da Organização, deixando de atuar tão somente no cenário americano, para atuar no cenário Europeu, centro das relações de poder do período analisado. O país preenchia um vácuo de poder causado pela não participação dos Estados Unidos na Liga das Nações devido a não ratificação do Tratado pelo Senado norte-americano. O Brasil tornou-se, assim, o país americano com maior participação na Organização. O Brasil fora eleito por cinco anos consecutivos como membro temporário do Conselho da Liga das Nações, como já citado. O país fora beneficiado pela falta de regulamentação no que cerne às eleições dos membros temporários. Não havia uma regulamentação sobre a periodicidade que as eleições deveriam ocorrer, nem quanto tempo cada mandato duraria (SANTOS, 2003). Contudo, em 1921, um conjunto de normas foi proposta, através de uma emenda ao Artigo 4º do Pacto2, definindo que os países eleitos como membros temporários deveriam continuar no cargo pelo período de 3 (três) anos, não podendo se reelegerem por igual período. Entretanto, esta ementa passou a vigorar apenas em 1926, devido à necessidade de todos os membros ratificarem a ementa, e alguns países, como Espanha, mostravam resistência quanto a sua ratificação (SANTOS, 2003). 2 Aqui o Pacto refere-se ao Tratado de Versalhes, acordo que criou a Liga das Nações. 12 A participação brasileira na Liga das Nações se inicia durante o governo de Epitácio Pessoa (1919-1922), início da Liga, quando o Brasil figurava entre os membros fundadores. Os diplomatas que representavam o Brasil em Genebra, sede da Liga, possuíam autonomia de ação e, sobretudo, estavam contentes com a posição que o Brasil havia alcançado ao final da Primeira Guerra Mundial (GARCIA, 2000). O governo de Epitácio Pessoa fora favorecido pela falta de regulamentação sobre as eleições dos membros temporários. Portanto a campanha brasileira por um assento permanente no Conselho da Liga não era uma prioridade para o seu governo, se iniciando de fato no governo de Arthur Bernardes (1922-1926) (GARCIA, 2000). O governo de Bernardes coincide com um período de adequações das normas para eleições de membros temporários no Conselho da Liga. O Brasil se encontrava em uma posição desfavorável, tendo poucas chances de reeleição para o cargo. Por esta razão, Bernardes tornou o pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho da Liga como o principal objetivo de política externa (SILVA, 1998). Segundo Garcia (2000) o governo de Bernardes foi marcado por um período conturbado domesticamente, apesar de ter sido uma figura política carismática, seu governo era desaprovado pela maioria da população devido ao alto grau de repressão contra os movimentos oposicionistas. Bernardes buscava conter estes movimentos com violência, um governo opressor e autoritário. Arthur Bernardes buscava com o pleito uma ascensão internacional, mas, também, conter os movimentos oposicionistas, utilizando, assim, objetivos de política externa para legitimar sua política doméstica. O pleito ganhou ainda mais força durante o seu mandato (GARCIA, 2000). Diversas propostas foram apresentadas durante o governo de Bernardes, o Brasil buscava apoio dos membros permanentes do Conselho, foi instaurada, inclusive, uma embaixada junto à Liga, em 1924. Com a crescente dificuldade brasileira de angariar apoio junto aos membros permanentes do Conselho o país busca utilizar, sem sucesso, de um possível veto à admissão alemã à Liga, em 1926, para conseguir um assento permanente. A crise que sucede o veto brasileiro à admissão da Alemanha como membro permanente 13 no Conselho da Liga faz com que o Brasil se retire da Liga das Nações ainda em 1926, comprovando o fracasso do pleito brasileiro (SANTOS, 2003). A Liga das Nações constituía um fórum multilateral, com um caráter idealista, que objetivava a manutenção da paz, tendo em vista os resultados catastróficos da Primeira Guerra Mundial. Entretanto, a Organização falhou no que cerne ao seu principal objetivo. A Liga se inicia fadada ao fracasso, a organização não contava com a presença americana. União Soviética e Alemanha, também, não faziam parte da Liga, enfraquecendo, assim, sua representatividade (CERVO, 2007). A Liga das Nações mostrou-se um instrumento ineficiente já que as rodadas de negociações na organização não geravam resultados concretos, além da sua falta de representatividade. A Liga estava enfraquecida, tornandose assim uma “apoteose política” (CERVO, 2007, p. 144), a organização foi dissolvida em 1946, oficialmente, mas a organização já não funcionara há anos, tendo em vista o fracasso do seu objetivo de manutenção da paz, representada pela invasão japonesa a Manchúria (1931), a escalada da Segunda Guerra Mundial e a criação de seu organismo sucessor. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada no contexto do final da Segunda Guerra Mundial, no âmbito da Conferência de São Francisco, em 1945. Cerca de 50 países assinaram a Carta das Nações Unidas. A organização foi desenhada com base nos preceitos da Liga das Nações, mas buscava superar os erros cometidos na construção do organismo. A organização tinha como principal objetivo a manutenção da paz instaurada com o final da Segunda Guerra Mundial. Segundo Silva (1998) o pleito para um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas se inicia durante a criação da Organização (1944-1947). O Brasil reforçava o papel que havia desempenhado, militarmente, na Segunda Guerra Mundial, utilizava de seus atributos geográficos, como dimensão, regime e recursos naturais para reafirmar sua relevância para alcançar o pleito. O país acreditava que possuía um papel de suma importância nas negociações de paz para a estabilização do sistema internacional. Com o final da Guerra Fria, o pleito resurge com maior intensidade, entre os anos de 1994 e 1998, o Brasil se aproveita, então, das discussões no que 14 cerne a uma possível reforma no Conselho de Segurança e se propõe como um candidato natural ao posto, utilizando o discurso construído, ainda, na Liga das Nações. Alguns pontos ganharam maior relevância, como a falta de representatividade das Nações Unidas, a noção de que o sistema havia mudado e o Conselho de Segurança já não representava mais as relações de poder, e que o mundo não era o mesmo do fim da Segunda Guerra Mundial. O surgimento de outras potências reforçou o argumento de que o Conselho deveria passar por reformas. Sendo assim, como a construção, o processo de negociação e o fracasso do pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações criou um elemento discursivo de longo prazo na política externa brasileira? 1.2 Hipótese O fracasso na busca por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações criou um elemento discursivo de longo prazo na política externa brasileira, representada pela busca por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo Geral Entender como a participação brasileira na Liga das Nações, em especifico, o processo de construção, negociação e fracasso do pleito por um assento permanente no Conselho da Liga afetou a construção da campanha brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. 1.3.2 Objetivos Específicos 15 1. Descrever o processo de construção da Liga das Nações e entender a importância da organização na ordem internacional que se formava no pós-guerra; 2. Analisar a atuação brasileira na Liga das Nações; 3. Entender os efeitos do fracasso do pleito na construção da política externa brasileira no que se refere à construção da campanha brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança. 1.3.3 Metodologia O método utilizado para o desenvolvimento do presente trabalho é o método comparativo, tendo em vista as características do tema abordado. Fazse necessário uma análise da atuação brasileira na Liga das Nações para entender como se deu a construção da política externa brasileira nos anos que sucedem à Liga. O método comparativo consiste em: O método comparativo realiza comparações com a finalidade de verificar semelhanças e explicar divergências. É um método usado tanto para comparações de grupos no presente, no passado, ou entre os existentes e os do passado, quanto entre sociedades de iguais ou de diferentes estágios de desenvolvimento. Exemplos: pesquisa sobre as classes sociais no Brasil, na época colonial e atualmente; pesquisa sobre os aspectos sociais da colonização portuguesa e espanhola na América Latina. (ARAÚJO, 2000) A historiografia será a fonte primária da análise do presente trabalho, os dados históricos bem como os estudos de diferentes autores que se dedicaram ao tema, nas últimas décadas, serão a fonte basilar para a construção de uma conclusão fundamentada para o tema abordado. Sendo assim, será realizada uma revisão de bibliografia, analisando o debate acadêmico em torno da participação brasileira na Liga das Nações, o processo de negociação e construção do pleito por um assento permanente no Conselho da Liga. Serão utilizados artigos, publicações, livros e documentos referentes ao tema. Além da analise do discurso brasileiro em Organismos Internacionais, a prospecção de documentos no Ministério de Relações Exteriores, auxiliando, assim, para uma análise precisa da atuação do Brasil nas Organizações supracitadas. 16 2. Referencial teórico 2.1 Revisão bibliográfica Garcia (2000) analisa a construção da Liga das Nações, sobretudo, a participação do Brasil, desde sua construção à saída brasileira da Liga, após a crise que levou ao veto da participação alemã na Organização e a saída do Brasil da Organização. Para o autor a Liga das Nações foi uma tentativa de criar um organismo supranacional que se baseava no respeito ao direito internacional, estabilidade e na manutenção da paz, diferente do sistema utilizado até então, onde os jogos de poder ditavam as regras das interações. O fracasso da Liga está relacionado com o período conturbado vivido no entre guerras (1919-1939), portanto não cabe culpar a liga pela eclosão do conflito, pois este era um ensaio de um poder supranacional que não contava com o apoio completo dos países membros e não contava com países importantes à época, como os Estados Unidos, União Soviética e Alemanha. De acordo com Garcia (2000), o papel do Brasil na Liga está intrinsecamente ligado à política externa brasileira à época que se baseava em duas visões distintas: “idealista-principista (legado de Ruy Barbosa) realistapragmática das relações internacionais (legado do Barão do Rio Branco)” (GARCIA, 2000, p.137) estas visões resultavam em um conflito entre a linha de ação e o discurso brasileiro em muitos casos, o Brasil se dividia entre as grandes potências e as pequenas potências na chamada “diplomacia pendular” (GARCIA, 2000, p.137). O Brasil passou a ocupar um lugar de destaque no jogo político internacional. O país havia conquistado, devido aos seus esforços de se juntar aos Aliados, um assento temporário entre as grandes potências no Conselho da Liga. O Brasil passou a ser um país conciliador entre os interesses das grandes e pequenas potências, tendo em vista suas características em vias de desenvolvimento e sua busca por ser reconhecido como uma grande potência. O Brasil julgava a Liga como um meio para conquistar a projeção internacional. (GARCIA, 2000). 17 Arthur Bernardes conquistou um papel fundamental para a construção do pleito, partindo do principio “vencer ou não perder” (GARCIA, 2000, p. 140). Tendo em vista que a saída brasileira não causaria tamanhos prejuízos à sua política externa ou sua relação próxima com os Estados Unidos. O então presidente, Arthur Bernardes, não aceitava a posição inferior do Brasil frente às potências europeias e defendia que o Brasil deveria participar dos processos de redistribuição de poder no período pós-guerra (GARCIA, 2000). Por fim, cabe destacar na obra de Garcia (2000) o papel do Homem de Estado e das Forças Profundas no que cerce à construção do pleito. No entanto, a vontade do homem de Estado não conseguiu sobrepujar as forças profundas que condicionavam a sua ação, pois a sua grande meta era uma distração bonapartista alimentada por um sonho de grandeza fácil em um cenário distante [...] Em matéria de política externa, tal era o paradoxo da nação satisfeita: interesses limitados, ambições desmedidas. Em Genebra, a diplomacia de prestígio prevaleceu sobre a diplomacia do desenvolvimento. (GARCIA, 2000, p.140) Entende-se assim, que uma análise do papel desempenhado pelo homem de Estado e das forças profundas devem ser analisadas para uma melhor compreensão das motivações e interesses do Brasil em sua participação na Liga das Nações. Para tanto a Escola Francesa de estudo da História das Relações Internacionais faz-se necessária para tal compreensão. 2.2 MARCO TEÓRICO Para a construção de uma análise fundamentada sobre o tema abordado faz-se necessário entender o contexto no qual o Brasil está inserido, além de uma análise profunda da realidade doméstica do país. É de suma importância, também, analisar o contexto internacional, tendo em vista que este é um fator relevante e condicionador da formulação de linhas de ação de um Estado. Duroselle (2000), em sua obra Todo Império Perecerá, um dos marcos da construção da Escola Francesa de estudos da História das Relações Internacionais, desenvolve uma teoria baseada na história. Apresenta uma serie de ferramentas para a construção de análises precisas que levam em conta, por exemplo, fatores históricos. Para o autor, o estudo científico das 18 Relações Internacionais só pode ser baseado na matéria fornecida pela história (Duroselle, 2000, p.23). A teoria de Duroselle consiste na análise de quatro grandes tópicos, sendo estes os componentes fundamentais; sistema de finalidade; sistema de casualidade; movimento. Chamando atenção, assim, para a importância de elementos como o processo de tomada de decisões, relações econômicas, sociais, geográficas, as características das relações internacionais, sendo elas pacíficas, conflituosas, e a guerra, dentre outros elementos. (AVILA, 2000) Duroselle (2000) afirma a necessidade de distinção das ciências humanas e ciências naturais, destacando a necessidade de construção de uma teoria própria. Para o autor, as teorias de relações internacionais não devem seguir o modelo das ciências naturais, tendo em vista as diferenças entre estas ciências. Destaca assim, a falta de importância empregada à história nas teorias de relações internacionais, onde muitas vezes esta é substituída por jogos matemáticos, como na Teoria dos Jogos. Para Duroselle, estas teorias buscam realizar uma previsão do futuro, sem levar em conta acontecimentos históricos, gerando, assim, resultados hipotéticos, como o autor define “pura imaginação” (DUROSELLE, 2000, p.22). Por outro lado, o que conta não são apenas os acontecimentos atuais, mas também a evolução, a corrente, indispensável para constatar as continuidades, as criações e a eventual existência de regularidades [...] (DUROSELLE, 2000, p. 24). Neste sentido a Escola Francesa será utilizada para analisar a participação brasileira na Liga das Nações e o processo de construção – negociação – do pleito por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações e seus efeitos na construção da Política Externa Brasileira. 3. Desenvolvimento 3.1 A criação da Liga das Nações 19 O desejo brasileiro de projetar-se internacionalmente e, sobretudo, ganhar espaço no novo centro de poder do sistema internacional, representado pela busca do país por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações, é entendido quando consideramos a importância da Liga para a construção da nova ordem internacional. Para entender a importância da organização, analisar-se-á, aqui, o contexto de criação da Liga das Nações. 3.1.1 O Contexto de criação da Liga das Nações A Liga das Nações ou Sociedade das Nações, criada em 1919, nos escombros da Primeira Guerra Mundial, foi o primeiro ensaio para a regulamentação das relações entre os Estados do mundo contemporâneo a partir de uma instituição multilateral. Esta organização tinha como principal proposta preservar a paz mundial e regulamentar as relações entre os Estados utilizando-se dos princípios do direito internacional. Buscava superar a ideia de estabilidade baseada no equilíbrio de poder e, sobretudo, superar a tradicional geopolítica europeia (BARACUHY, 2006, p. 355; BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). De acordo com Braga (2008), as mudanças nas relações internacionais, especificamente as europeias, que propiciaram a criação da Liga das Nações têm origem na Paz de Westfália (1648), que institui o Estado Moderno. Em um segundo momento, o Congresso de Viena (1815) contribui, ao estabelecer uma ordem multipolar que visava o equilíbrio de poder entre as potências europeias. Por fim, a Primeira Guerra Mundial aparece como o terceiro e último momento decisivo para a construção da Liga das Nações, em um cenário em que o estabelecimento da paz e a regulamentação do sistema internacional passam a ser imperativos (GARCIA 2000; VISENTINI, 2014). A Paz de Westifália, assinada em 1648, marca a construção do Estado Moderno, definindo-o como “uma área territorial com fronteiras definidas, sob a autoridade de um governo soberano e com um único sistema administrativo” (QUEIROZ, 2013, p. 4). Os princípios salvaguardados pela Paz de Westfália 20 foram o de secularização, separação do poder político do religioso, bem como o reconhecimento da liberdade religiosa; soberania, independência e autonomia política, por meio do reconhecimento da igualdade jurídica entre os Estados; territorialidade, consolidação das fronteiras nacionais e da nacionalidade dos Estados europeus. A Paz de Westfália marca a separação do poder da Igreja e do Estado, criando, assim, um sistema pluripolar de Estados soberanos. O liberalismo substitui, assim, o absolutismo decadente (BRAGA, 2008; SARAIVA ET al., 2007). Segundo DSV de Jesus (2012), devido à decadência do universalismo religioso os Estados europeus precisavam de princípios que justificassem suas ações. Neste sentido, a raison d’État salvaguardava as ações dos Estados em busca do seu bem estar. O interesse do Estado se sobrepunha a noção medieval de uma moralidade universal3. Já pela noção de equilíbrio de poder cada Estado procura defender seus próprios interesses, enquanto contribui, simultaneamente, para a segurança e estabilidade do sistema, afastando, assim, a ideia de uma monarquia universal (QUEIROZ, 2013). Braga (2008) destaca alguns autores do contexto da Paz de Westfália que ainda não pensavam na construção de uma organização internacional, mas chamavam atenção para a necessidade de se estabelecer paz. Como, por exemplo, Kant (1795), Rousseau (1761) e Saint Pierre (1713), percursores do Idealismo Clássico. Chamam atenção também para a ascensão do Direito Internacional e do Pacifismo Religioso como mecanismos de regulamentação das relações interacionais, como resposta à regulamentação de paz criada em Westfália. Segundo Braga (2008) o pacifismo religioso remete a um sentimento de moralidade enquanto o direito internacional discute o pacifismo, as regras para as relações entre Estados e os meios de regulamentação da guerra, definindo os conceitos de guerra justa e injusta (BRAGA, 2008). Segundo Braga (2008), após a Paz de Westfália o segundo momento relevante para a construção da Liga das Nações encontra-se no Congresso de 3 Refere-se à influência da Igreja como uma entidade supranacional que pregava uma conduta a ser seguida por todos os Estados. 21 Viena de 1815, uma tentativa de recuperar o sistema construído em Westfália. As Guerras Napoleônicas (1803 – 1815) quebraram o equilíbrio de poder criado em Westfália, entretanto o Congresso de Viena restabeleceu o equilíbrio entre as potências por meio do Concerto Europeu e elevou a realpolitik4. Segundo esse novo sistema os Estados eram vistos como aliados, o inimigo de hoje poderia ser um possível aliado amanhã. O Congresso de Viena estabelecia uma ordem multipolar de poder (QUEIROZ, 2013; VISENTINI, 2014). O Congresso de Viena redefiniu as fronteiras europeias e desenhou um sistema de equilíbrio entre as potências. O Congresso de Viena buscava, sobretudo, a manutenção da ordem continental (BRAGA, 2008; QUEIROZ, 2013). De acordo com Braga (2008), o Congresso de Viena, apesar de encaminhar-se para uma restauração do sistema westfaliano, acaba por ultrapassá-lo. Nesse novo sistema, o mercado mundial passa a ser uma entidade supranacional, condicionando, assim, as ações dos Estados. Nesse contexto, o internacionalismo surge como uma corrente de pensamento que reforça a necessidade de construção da paz por meio da cooperação internacional. As condições do sistema internacional endossam ainda mais essa corrente, com o aumento da importância do comércio exterior, da indústria e do intercâmbio entre os povos. O capitalismo passa a ser um fator a ser considerado nas relações entre os Estados (BRAGA, 2008). Emerge, assim, a compreensão de que os Estados não podem agir isoladamente, desconsiderando o mercado mundial e sua influência nas relações entre os Estados. As conferências ocorridas no período são um exemplo da mudança de postura dos Estados e da construção de decisões mais democráticas baseadas nesta corrente de pensamento (BRAGA, 2008). 4 “A Realpolitik, portanto, recomendaria deixar cada povo cuidar dos seus afazeres, sem interferência dos demais, até o limite dos efeitos indiretos sobre a segurança de outros da soberania exclusiva assim exercida [...]” (ALMEIDA, 2008, p.3). 22 Braga (2008) defende que o Internacionalismo e o Concerto Europeu5 são instrumentos que buscam criar mecanismos favoráveis às condições de paz. O Concerto Europeu idealiza um fórum de discussões onde as potências europeias poderão solucionar crises que possam surgir de suas relações, considerando os interesses das grandes potências, mas também dos pequenos Estados, a fim de evitar que novos conflitos, como as Guerras Napoleônicas, voltem a perturbar a paz no continente (QUEIROZ, 2013). Cabem citar, as Conferências de Haia (1899 – 1907) como um dos eventos que intensificam a busca do fortalecimento do direito internacional, tendo em vista que as Conferências acontecem com o objetivo de assegurar uma paz duradoura para todos os países do continente. Entretanto, as Conferências não geram os resultados esperados quanto à limitação armamentistas e a eclosão da Primeira Guerra Mundial sete anos após a Conferência (BRAGA, 2008; QUEIROZ, 2013). De acordo com Braga (2008) a Primeira Guerra Mundial é o terceiro evento que marca a construção da Liga das Nações. O pós-guerra estimula uma série de mudanças de percepção, e, sobretudo, a introdução de diferentes conceitos e visões que refletem não apenas na organização interna dos Estados, como também no sistema internacional. A partir da década de 1870 a ordem internacional se altera significantemente. A Guerra Franco-Prussiana é o primeiro evento a marcar essa onda de transformações. O conflito entre a França e a então Prússia, modificou as estruturas do Concerto Europeu e resultou na ascensão do Império Alemão “sobre os escombros do [Império] francês” (SARAIVA ET al., 2007, p.57). Segundo Cervo (2007), a quebra da resistência francesa à unificação alemã se fazia necessária para “glorificar a unidade com uma importante vitória externa” (SARAIVA ET al., 2007, p.57). O conflito rápido gerou a anexação da 5 Sistema de equilíbrio baseado na hegemonia coletiva das cinco grandes potências europeias: Áustria, Rússia, Prússia, Inglaterra e França. Nesse sistema, as decisões a cerca da ordem e da paz deveriam ser tomadas sem conjunto pelo Concerto no âmbito de Conferências. 23 região da Alsácia-Lorena, criando um sentimento de vingança em relação à Alemanha. Esse revanchismo guiaria a política francesa pelos próximos anos. A unificação da Alemanha significou uma ruptura do status quo, sobretudo no que se refere ao equilíbrio de poder entre as potências europeias. A Alemanha surgiu como uma potência industrial e militar no centro da região. “Esses processos transformaram o antigo vácuo de poder, no centro da Europa, em uma superpotência continental.” (SARAIVA ET al., 2007, p. 77). O aumento das tensões nos Bálcãs6, principalmente, entre a Rússia e a Áustria-Hungria; o movimento imperialista alemão que gerou antagonismos e aumentou a instabilidade no período; a ascensão dos movimentos nacionalistas, acarretando a uma onda protecionista; e o advento da diplomacia secreta e a quebra de alianças geraram uma serie de inseguranças que culminaram no conflito de escala mundial (SARAIVA ET al., 2007). Segundo Visentini (2014) as consequências do conflito foram catastróficas para a economia mundial e europeia. O período foi caracterizado pelas enormes dívidas internas e externas, gastos com reconstrução de áreas afetadas pelo conflito, o crescente protecionismo e a aplicação de barreiras para o comércio internacional. A Belle Époque europeia deu lugar a miséria e a desesperança no pós-guerra (BRAGA, 2008). A Primeira Guerra Mundial causou um retrocesso do poderio europeu, deixando para trás o período de glória do continente. O conflito gerou uma série de mudanças nas percepções dos Estados no continente e na estrutura do sistema internacional. Essa mudança de percepção reflete na organização interna dos Estados, bem como em suas políticas externas, Duroselle (2000) já afirmava que todo ato de política externa encontra suas raízes na política interna dos países (BRAGA, 2008; VISENTINI, 2014). Sendo assim, esses fatores contribuem para uma mudança no modo de se enxergar as relações internacionais e propiciam a construção de teorias 6 Região sudeste da Europa que engloba a Albânia, Bósnia e Hezergovina, Bulgária, Grécia, República da Macedônia, Montenegro, Sérvia, o autoproclamado independente Kosovo, a porção da Turquia no continente Europeu, bem como, Croácia, Romênia, Eslovênia e a Áustria. 24 idealistas que prezam pela paz e pela regulamentação do sistema internacional (BRAGA, 2014; VISENTINI, 2014). Braga (2008) defende que os horrores da Primeira Guerra Mundial propiciaram a criação de uma visão idealista baseada em normas e regras que deveriam guiar as relações entre os Estados. As consequências do conflito como o desemprego, revoluções e conflitos internos, mudanças nas fronteiras e o colapso econômico fortaleceram a necessidade de mudança (VISENTINI, 2014). Sendo assim, surge uma nova maneira de pensar o mundo, o Soft Power7, pois o equilíbrio de forças como um instrumento de manutenção da paz não foi suficiente para conter o conflito de escala mundial. O Soft Power representava, assim, uma visão democrática, sustentada pelas normas, pela moral e pela opinião pública (BRAGA, 2008). Essa mudança de postura é simbolizada no discurso do então presidente norte-americano, Woodrow Wilson, no Congresso Americano. Os Quatorze Pontos de Wilson apresentavam uma série de regras que normatizavam as relações internacionais e, sobretudo, propunham a criação de um organismo internacional que tornaria as relações entre os Estados mais democráticas, sendo este a Liga das Nações (BRAGA, 2008; SARAIVA ET al., 2007). O pós-guerra é um período marcado pela busca de um sistema mais justo e democrático, baseado nas leis de direito internacional onde um conjunto de nações busca a manutenção da ordem internacional. É o momento de reconstrução do sistema internacional, onde os Estados buscam mecanismo que garantam uma paz duradoura (BRAGA, 2008). Por fim, segundo Braga (2008), o período que compreende o Fim da Primeira Guerra Mundial deve ser visto tendo como ponto de partida a perspectiva de dois pensamentos antagônicos, por um lado a visão idealista 8 7 Joseph Nye (2004) define Soft Power como um conjunto de instrumentos pelos quais os Estados alcançam seus objetivos sem utilizar da força militar, como a sua cultura, por exemplo. 8 Refiro-me aqui à visão Idealista baseada nos Quatorze Pontos de Woodrow Wilson, então presidente norte-americano, que defendia a democratização do sistema internacional, bem 25 de uma sociedade internacional baseada no direito internacional – representada pela Liga das Nações – e, por outro, marcado pelos resultados geopolíticos das grandes potências europeias – representadas pela visão da antiga ordem europeia. Nesse contexto, o Brasil se posicionava de maneira dúbia: ora entre os que acreditavam que a nova ordem poderia ser entendida do ponto de vista idealista, defendendo a democratização da organização e do sistema internacional; ora assumindo o poder geopolítico das potências europeias para a definição da nova ordem internacional. As duas posições, de toda forma, condizem com seu desejo de figurar entre as grandes potências conforme apresentado nos tópicos seguintes a partir da descrição das negociações de paz, do papel do Brasil em Versalhes e, finalmente, da criação da Liga das Nações (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). 3.1.2 As Negociações de Paz A Primeira Guerra Mundial gerou consequências que abalaram toda a Europa, as perdas materiais e humanas causaram uma onda de instabilidade e desesperança entre a população europeia. O número de mortes superaram todos os conflitos europeus dos últimos 125 anos, o fim da Belle Époque abria caminho para um período sombrio de reconstrução e instabilidade (VISENTINI, 2014). Entretanto, a assinatura do armistício pela Alemanha, em 11 de novembro de 1918, gerou alivio e esperança para aqueles que enfrentavam o conflito. Acreditava-se que aquela havia sido a guerra para por fim a todas as guerras, os processos de negociação de paz se iniciavam com essa visão otimista, acreditava-se que esse seria o momento de construção de uma nova ordem internacional (GARCIA, 2000). como a criação de uma Organização de fomento à cooperação, baseada no Direito Internacional. 26 A Conferência de Paris (1919) deu início, assim, à construção dessa nova ordem, sobretudo, por meio da construção da Liga das Nações. A organização previa a construção de um novo sistema de manutenção da paz, baseado na responsabilidade compartilhada e no direito internacional. A Liga buscava superar, assim, o equilíbrio de poder, baseado na tradicional geopolítica europeia, construída em Westfália (1648) e reforçada no Congresso de Viena (1815) (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000; SARAIVA ET al., 2007). Em janeiro de 1919 dirigentes de cerca de 30 países chegaram a Paris para iniciar as negociações das condições de paz. Seriam discutidos durante a Conferência as reparações de guerra, desarmamento, segurança e a criação da Liga das Nações (BRAGA, 2008; SARAIVA ET al., 2007). As visões antagônicas que guiaram as negociações acerca do futuro da ordem internacional eram representadas pela visão idealista do presidente norte-americano, Woodrow Wilsoon, idealizador da Liga das Nações, e pelo revanchismo francês, representado pelo Primeiro Ministro da França, George Clemenceau, defensor da tradicional geopolítica europeia (SARAIVA ET al., 2007). Segundo Saraiva (2007), o presidente norte-americano, Woodrow Wilson, defendia mudanças estruturais nas práticas diplomáticas até então vigentes e acreditava que o fim da diplomacia secreta e o fim da paz baseada no equilíbrio de poder seriam fundamentais para a construção de uma paz fundada no debate democrático entre as nações. Wilson buscava, sobretudo, eliminar a guerra através de sanções a serem geridas pela Liga das Nações, organização idealizada pelo líder norte-americano. Buscava, sobretudo, “instituir o princípio da segurança coletiva” (SARAIVA ET al., 2007, p. 132). Segundo Keynes (2002) Woodrow Wilson chegara à Europa como um dos principais líderes responsáveis pelas negociações de paz, as palavras proferidas pelo presidente norte-americano no Congresso dos Estados Unidos, em 1918, já eram conhecidas pelos líderes europeus. Wilson gozava de um alto prestígio entre os aliados e os inimigos que acreditavam que os termos propostos nos Quatorze Pontos resultariam em condições justas de paz e, sobretudo, possibilitariam a reconstrução europeia. Os aliados o tinham como 27 um “líder vitorioso” (KEYNES, 2002, p.34), além do prestígio que Wilson gozava entre as nações europeias, os Estados Unidos saíram do conflito como uma potência militar e econômica. Os europeus dependiam economicamente do país, sobretudo no que se refere à produção de alimentos (KEYNES, 2002). Entretanto, mesmo com todos os pontos a seu favor, o Tratado de Versalhes não representara as diretrizes propostas pelo presidente Wilson no Congresso norte-americano no ano anterior à Conferência. Afinal, quais as questões que levaram ao fracasso da atuação do presidente norte-americano frente às demandas europeias? (KEYNES, 2002) De acordo com Keynes (2002), as causas para tal fato se baseiam na fraca atuação do presidente na Conferência de Paris, Keynes o classifica como “um homem de intenções generosas” (KEYNES, 2002, p. 25), sabia pouco sobre a realidade europeia, tão pouco contava com experiências em negociações como as que o esperavam em Paris. Esperava-se uma estratégia de atuação para o alcance dos Quatorze Pontos propostos pelo presidente. Entretanto, Wilson não possuía argumentos para a aplicação na realidade dos pontos outrora apresentados, pouco conhecia da realidade europeia e isso enfraquecia seu discurso. Segundo Keynes (2002), ao longo dos discursos do então presidente norte-americano durante a Conferência, podia-se notar que Wilson entendia que não poderia de fato reconstruir as relações internacionais do período e que “a verdade e a justiça” (KEYNES, 2002, p. 31) não poderiam ser aplicadas em poucos meses, que este era um trabalho gradual. Por isso, defendia a criação da Liga das Nações, este seria um instrumento fundamental para a remodelagem das relações internacionais. O Primeiro Ministro, George Clemenceau, representante francês na Conferência, soube utilizar a criação da Liga das Nações como objeto de barganha para a defesa dos interesses franceses. Wilson, por fim, cedeu às exigências de seus companheiros europeus, entretanto buscou formalizar o Tratado de maneira que este não ferisse a moral e as principais ideias dos Quatorze Pontos apresentados por ele (KEYNES, 2002). 28 A visão revanchista francesa se sobrepôs a visão idealista de Woodrow Wilson ao final das rodadas de negociações. Clemenceau usou do status francês ao final do conflito para conter o avanço alemão e assegurar a superioridade francesa com relação ao seu vizinho (KEYNES, 2002). A França buscava durante a Conferência de Paris atrasar o máximo a reconstrução da Alemanha, pois a política francesa, representada por Clemenceau, defendia que a antiga ordem não mudaria e que as guerras ocorridas nos últimos cem anos voltariam a acontecer. Segundo essa corrente de pensamento a Europa estava fadada ao mesmo destino. Acreditava-se que a Europa sempre seria um campo de batalhas entre as principais potências (KEYNES, 2012). O revanchismo francês defendia que a França deveria utilizar de seu status como vencedora do conflito e impedir a recuperação econômica alemã. Keynes afirma que a França estava ciente que tais ações aumentariam à chance de um revanchismo alemão, fato que apenas gerava a necessidade de se criar mais sanções que causariam a estagnação alemã, a perda de sua população e a incapacidade de tornar-se novamente uma potência que competiria com a França, assegurando, assim, a supremacia francesa (KEYNES, 2002). As condições de paz foram estabelecidas em cinco tratados, assinados entre 1919 e 1920, sendo eles, Versalhes, Saint Germain, Trianon, Neuilly e Sèrves. Estes tratados “dispunham sobre desarmamento e segurança, delimitação de fronteiras na Europa e questões econômicas e financeiras” (SARAIVA ET al., 2007, p. 133). Alguns autores, como Keynes, julgam o Tratado de Versalhes como muito distante dos Quatorze Pontos propostos pelo então presidente norteamericano. Entretanto Wilson acreditava que a Liga das Nações seria a instituição capaz de corrigir os erros cometidos em Versalhes (BRAGA, 2008). Ademais, na assinatura do Tratado de Versalhes os estudiosos do tema já imaginavam os efeitos catastróficos que tais medidas teriam nas relações internacionais nos anos seguintes à Primeira Guerra Mundial. Os europeus 29 haviam abandonado a tradição de incluir os vencidos nas rodadas de negociações e optaram por uma visão da antiga ordem europeia, sobrepondo, assim, os antagonismos europeus à visão idealista e inclusiva de Woodrow Wilson. Segundo Cervo (2007), a ordem de Versalhes era falha desde sua concepção e criava instabilidade, “as relações internacionais desenvolver-seiam sob tensão.” (SARAIVA ET al., 2007, p. 135). Sendo assim, no âmbito da Conferência, o Tratado de Versalhes previa a criação de uma organização internacional responsável pela gestão coletiva da paz, a Liga das Nações. Acreditava-se que a organização geraria condições de paz baseadas no direito internacional. A organização tinha como principal desafio a quebra do status quo e a construção de um novo mecanismo de manutenção da paz que superasse a estabilidade baseada no equilíbrio de forças – tradicional geopolítica europeia. Foi construído, assim, o primeiro ensaio de uma autoridade supranacional nas relações internacionais (GARCIA, 2000). 3.1.3 O Brasil em Versalhes O Brasil fora o único país da América do Sul a participar da Primeira Guerra Mundial, ao lado dos aliados. Apesar de sua modesta contribuição no conflito, o país assegurou, assim, sua participação na Conferência de Paz, iniciada em janeiro de 1919, em Paris (GARCIA, 2000). Os motivos oficiais pelos quais o Brasil ingressou no conflito de escala mundial estão vinculados à aproximação com os Estados Unidos e a solidariedade continental em um momento crítico para a história mundial (GARCIA, 2000). Segundo Garcia (2000) participar do momento de reconstrução da ordem internacional, no âmbito da Conferência de Paris, teria sido uma importante motivação para o ingresso brasileiro no conflito. Além da característica da política externa brasileira, que se inicia no governo de Delfim 30 Moreira, onde o Brasil busca além de participar das grandes decisões no sistema internacional, tornar-se um ator relevante na política mundial. O país buscava, sobretudo, ao ingressar no conflito defender seus interesses materiais, bem como conquistar uma posição ao lado das grandes potências na Liga das Nações (GARCIA, 2000). A presença brasileira na Conferência se inicia ainda em dezembro de 1918, com a chegada do deputado João Pandiá Calógeras, responsável por realizar um acompanhamento prévio das atividades da Conferência. Calógeras buscou defender os interesses brasileiros ao se mostrar contrário à tendência de agrupar os países participantes da Conferência em dois grupos: os países de “interesses gerais” e os países de “interesses particulares”. Para ele tal divisão contrariava os princípios de igualdade proclamados pela Liga das Nações (GARCIA, 2000, p. 32). Apesar da posição de Calógeras no que cerne à divisão dos Estados, o Brasil buscava alcançar o status de grande potência e figurar entre os cinco grandes9. Calógeras atuava a fim de inserir o Brasil nas questões a serem discutidas no conflito ainda que fossem questões mais pertinentes à Europa. De acordo com Garcia (2000), a conduta contraditória que se dividia na busca pelo status de grande potência e na defesa dos direitos das pequenas potências iria guiar a atuação brasileira durante a Conferência (GARCIA, 2000). O primeiro grande triunfo da diplomacia brasileira, no âmbito da Conferência, se da ainda em 14 de janeiro de 1919 quando o Conselho Superior de Guerra Aliado concedeu ao Brasil o privilégio de contar com três representantes plenipotenciários. Ainda no âmbito das conferências preliminares era levantada a hipótese do Brasil contar com apenas um delegado, então Domício da Gama, Ministro de Relações Exteriores, buscou o apoio americano a fim de conceder ao Brasil uma maior representatividade durante a Conferência. Então, o privilégio foi concedido ao Brasil tendo como justificativa o tamanho da população brasileira (GARCIA, 2000). 9 Os cinco grandes referem-se, aqui, às potências que emergiram após a Primeira Guerra Mundial, seriam estes os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, França, Itália e Japão. 31 Contudo, após severas críticas da impressa francesa, que defendia uma maior representatividade de países que sofreram perdas durante a guerra como a Bélgica e a Sérvia. Foi, então, resolvido que as grandes potências contariam com cinco delegados cada, o Brasil, a Bélgica e a Sérvia poderiam utilizar três delegados e os demais países até dois delegados (GARCIA, 2000). Em 18 de janeiro de 1919, foi aprovado na primeira sessão plenária o Art. 1º do regulamento da Conferência no qual fora definido que as potências com “interesses gerais” participariam de todas as assembleias e comissões, e as potências de “interesses limitados” participariam apenas das sessões que discutissem assuntos de seu interesse direto (GARCIA, 2000). Calógeras se reuniu, em 27 de janeiro, com os delegados latinoamericanos a fim de representar o grupo na defesa dos interesses das potências menores. O deputado defendia o não reconhecimento da divisão aprovada no Art. 1º, defendendo a igualdade das soberanias frente ao direito internacional. Os países de “interesses limitados” se articulavam a fim de se fazer representar nas comissões tidas como exclusivas das potências de “interesses gerais”. Devido às pressões contra o Art. 1º as grandes potências passaram a se mostrar mais flexíveis quanto à participação das potências menores nas comissões da Conferência (GARCIA, 2000). Nesse contexto, Epitácio Pessoa chegou à Paris, em 28 de janeiro de 1919, juntamente com os outros delegados. Nesta data, já se havia estabelecido a participação brasileira como representante da América Latina, na comissão encarregada de discutir a construção da Liga das Nações (GARCIA, 2000). Faziam-se representar na Comissão da Liga das Nações as cinco grandes potências (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Itália e Japão) e os cinco representantes das potências menores (Brasil, Bélgica, Sérvia, Portugal e China). A primeira reunião da Comissão ocorreu no dia 3 de fevereiro de 1919 (GARCIA, 2000). Segundo Garcia (2000), Epitácio Pessoa passou a questionar se as grandes decisões no âmbito da Conferência seriam tomadas unicamente pelas 32 grandes potências, considerando, apenas, seus interesses. Neste sentido, a participação das pequenas potências seria meramente figurativa. Sendo assim, Epitácio Pessoa aderiu aos protestos das menores potências que buscava o aumento da representatividade destes na Comissão da Liga das Nações. Como resultado dessa insatisfação a partir da sessão de 6 de fevereiro a Grécia, Tchecoslováquia, Polônia e a Romênia foram incluídas na Comissão. Durante as sessões da Comissão fora apresentado o projeto britânico que resguardava às grandes potências a participação como membros permanentes no Conselho da Liga. Restringindo, assim, a participação dos outros membros da organização a assuntos de interesse direto. Epitácio Pessoa se opôs ao projeto britânico, afirmando que tal restrição levaria o Conselho a torna-se um tribunal dos cinco grandes e não uma ferramenta da Liga das Nações. Reafirmando, assim, a posição brasileira de igualdade entre os Estados, contra qualquer forma de exclusão e “distinção de países de primeira e segunda classe” (GARCIA, 2000, p. 37). Fora apresentado ao final da primeira fase da Comissão, em 13 de fevereiro, o projeto do Pacto da Liga das Nações. O então presidente norteamericano Woodrow Wilson apresentou o projeto que definia a participação de 4 potências menores no Conselho Executivo da Liga das Nações, sendo os quatro primeiros países definidos no âmbito da Conferência de Paris. Epitácio Pessoa então agiu para que o Brasil ocupasse um dos assentos a serem definidos (GARCIA, 2000). Durante toda a Conferência as delegações brasileiras e americanas se mantiveram próximas, tendo em vista a disposição brasileira de apoiar os interesses norte-americanos a fim de receber o seu apoio em troca. À vista disso, Epitácio Pessoa, após a sessão plenária na qual fora apresentado o projeto de Pacto da Liga, buscou o apoio norte-americano lembrando-o da posição brasileira na América do Sul e o prestigio que a participação no Conselho traria ao Brasil (GARCIA, 2000). Assim sendo, em 28 de abril de 1919 fora aprovado o texto final do Pacto de construção da Liga das Nações, oficializando a nomeação do Brasil, da Bélgica, da Grécia, e da Espanha como membros não permanentes do 33 Conselho. “O Conselho ficaria então composto por cinco membros permanentes (as grandes potências: Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Itália e Japão) e quatro membros não permanentes.” (GARCIA, 2000, p. 42). De acordo com Garcia (2000) o Brasil alcançara essa posição graças à intervenção norte-americana. O país adotou uma estratégia de troca de interesses com os Estados Unidos a fim de alcançar os objetivos materiais e, sobretudo, aumentar o prestigio internacional brasileiro. Em troca o Brasil cedeu alguns pontos em relação ao Pacto de criação da organização. O Brasil passou, assim, a figurar entre as grandes potências, outro grande triunfo da diplomacia brasileira. (GARCIA, 2000). Por fim, Garcia (2000) destaca as visões antagônicas que guiaram a atuação brasileira no âmbito da Conferência de Paz e que se perpetuariam na sua atuação na Liga das Nações. O discurso em defesa das menores potências, fundado no reconhecimento da igualdade entre as Nações – marcado pela visão idealista – fora esquecido quando o Brasil tornou-se um dos membros não permanentes do Conselho. Pois, apesar do país ter defendido, durante sua participação na Conferência, a não classificação das nações em potências e a democratização do órgão, o Brasil aceitou a posição privilegiada que lhe fora oferecido na construção da nova ordem que se formava. 3.1.4 A Liga das Nações O Tratado de Versalhes, assinado em 28 de abril de 1919, prevê a criação da Liga das Nações. A organização tem como principal objetivo a manutenção da paz e da justiça internacional por meio de um fórum democrático baseado na segurança coletiva. Apesar de o Tratado ter sido assinado em 1919, a Liga das Nações passou a existir de fato, apenas em janeiro de 1920 quando o Tratado de Versalhes passa a vigorar (BRAGA, 2008; SARAIVA ET al., 2007). 34 O Pacto de criação da Liga das Nações, formulado pelos Estados membros, em 1919, no âmbito da Conferência de Paris, estabeleceu a estrutura da organização, bem como suas capacidades. O Pacto foi finalizado com 26 artigos e 45 Estados membros oficiais, sendo que os 32 países signatários do Tratado de Versalhes eram considerados os membros fundadores e 13 Estados neutros convidados a aderir o Pacto. A Liga das Nações era passível de adesão desde que a participação do país fosse aprovada pela Assembleia (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). Os artigos 2º a 4º, do Pacto de criação da Liga das Nações, definem a estrutura organizacional da Liga, bem como as funções e capacidades de cada órgão. Sendo assim, a Liga das Nações fora constituída com dois pilares base: a Assembleia, órgão legislativo e o Conselho, órgão executivo. Ambos os órgãos eram assistidos por uma Secretaria permanente (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). Dentre as atividades da Assembleia, cabe ressaltar a escolha dos quatro Estados que acompanharão os Aliados no Conselho Executivo da Liga das Nações, bem como aumentar o número de países representados no Conselho, caso necessário. Cabia, também, à Assembleia aprovar ou não a participação de novos membros na organização, bem como confirmar a escolha do Secretário Geral. E, sobretudo, acompanhar as situações internacionais que poderiam gerar perigo à paz mundial (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). O artigo 3º do Pacto define que as reuniões da Assembleia ocorreriam em épocas fixadas e em qualquer outra ocasião caso necessárias. As reuniões ocorreriam na sede da Liga das Nações, em Genebra, ou em qualquer outro lugar que possa ser designado. Entretanto, devido ao número de membros da Assembleia a convocação de uma reunião imediata se torna difícil (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). Além da Assembleia, a Liga contava com o Conselho Executivo, órgão responsável pela fiscalização e recomendações de ações que salvaguardassem a paz, o órgão contava com funções administrativas, consultivas e deliberativas. Dentre as principais funções do Conselho, cumpre salientar a preparação de planos de redução de armamentos entre os Estados, 35 definidos no Artigo 8º, bem como evitar a agressão ao território de um dos Estados membros; elaborar o projeto de uma Corte de Justiça, onde seriam tratados todos os assuntos de controvérsias de caráter internacional e tornar os processos diplomáticos transparentes por meio da publicação dos fatos e dos acordos propostos no âmbito da Corte (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). O Artigo 4º do Pacto define que as reuniões do Conselho devem ocorrer ao menos uma vez ao ano e podem ser marcadas sempre que a situação exigir. As reuniões são dividas em públicas e secretas, onde são discutidos diversos temas de interesse do sistema internacional, como por exemplo, as questões referentes aos Estados Bálticos e Balcânicos. Cabia ao Conselho, então, ser o intermediador entre os Estados em conflito, chamando atenção das partes para que estas entrem em acordo (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). Os Estados definidos como membros permanentes no Conselho foram os Aliados10, principais potências do período, e foram convidados a participar do Conselho como membros não permanentes a Bélgica, Brasil, Espanha e Grécia. Os Estados acompanhariam os Aliados até que houvesse as eleições que escolheriam os novos membros não permanentes (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). Os dois órgãos contavam com o suporte da Secretaria permanente, órgão responsável pelo estudo dos temas a serem discutidos no âmbito da Assembleia e do Conselho. “O Secretariado é o órgão administrativo e coordenador da Liga” (BRAGA, 2008, p.103). Além dos órgãos acima citados a Liga, ainda, contava com Comissões temporárias responsáveis por tratar de assuntos específicos como, por exemplo, refugiados – tendo em vista o grande número de nacionais que deixaram seus países devido às consequências da Primeira Guerra Mundial. Sendo assim, estas comissões eram responsáveis por discutir temas importantes para o cenário internacional, bem como para encontrarem meios para solucionar esses problemas (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). 10 Inglaterra, Franca, Itália e Japão – principais potências na assinatura do Pacto – os Estados Unidos não fazia parte da Liga das nações devido a não ratificação americana ao Tratado de Versalhes. 36 Ademais, cumpre mencionar a Corte Permanente de Justiça Internacional. A Corte é o órgão responsável pela solução de controvérsias de caráter internacional. “Suas três funções principais são: a jurisdição obrigatória, a função arbitral e a função consultiva” (BRAGA, 2008, p.104). Caberia, então, ao Tribunal Internacional de Justiça, sediado em Haia, decidir as sanções – como o rompimento das relações comerciais e financeiras – a serem aplicadas a um Estado que contrariasse os compromissos assumidos no âmbito do Pacto e recorresse à Guerra contra um dos Estados membros. Sendo esse ato considerado um ato de guerra contra todos os membros da Liga, como previsto no Artigo 16º. “A Corte é, por essas marcas, a primeira tentativa em colocar a justiça racional e permanente no anárquico sistema internacional.” (BRAGA, 2008, p.104; GARCIA, 2000). Após a ilustração do período que compreende a criação da Liga, bem como de sua estrutura organizacional, faz-se necessário entender, para os fins desta monografia, como a atuação brasileira na organização demonstra sua ambição de conquistar uma posição ao lado das grandes potências na instituição que regeria a nova ordem internacional. É dessa demanda – representada pelo pleito por um assento permanente no Conselho da Liga – que tratará o próximo capítulo. 3.2 O Brasil e a Liga das Nações Buscar-se-á, neste capítulo, descrever, com mais detalhes, como a atuação do Brasil na Liga das Nações, principalmente no que se refere à sua busca por um assento permanente no Conselho da Liga, criou um elemento discursivo de longo prazo na política externa brasileira, representada pela busca por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Descrever-se-á, também, o fracasso do pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho da Liga e os efeitos disto na origem do discurso brasileiro por um assento permanente no CSNU. 37 3.2.1 O Brasil e os primeiros anos de funcionamento da Liga das Nações Durante os dois primeiros anos de funcionamento da Liga das Nações o Brasil acompanhou o processo de maturação da organização. Participava ativamente da Liga, principalmente no âmbito do Conselho, por meio da apresentação de relatórios sobre temas específicos. Dentre esses trabalhos, cabe citar o envolvimento de Gastão Cunha, representante brasileiro na Liga, na partilha da Alta-Silésia entre a Alemanha e Polônia, bem como no conflito territorial em Eupen e Malmédy (GARCIA, 2000). A colaboração brasileira na Liga das Nações também se fazia por meio da sua presença nas principais conferências11 realizadas no âmbito da organização, bem como com a participação ativa nas Assembleias. O país obteve papel de destaque nas comissões de discussões de orçamento e finanças, com a presença de Barboza Carneiro, adido comercial em Londres, e, também, na 2ª Assembleia onde o Brasil sugeriu a criação do Secretariado da Liga na América Latina (GARCIA, 2000). Segundo Santos (2003), participar da Liga das Nações significava ao Brasil reforçar seu status internacional, figurando entre as principais potências. Ainda segundo a autora, o Brasil fora o pais americano a ter maior participação na Liga das Nações, com uma atuação regular e significativa. Devido a não participação dos Estados Unidos, o país se tornou a maior potência americana representada na organização. Nos primeiros anos de funcionamento da Liga, durante o governo de Epitácio Pessoa (1919 – 1922), os diplomatas que representavam o Brasil em Genebra, sede da Liga, possuíam autonomia de ação e estavam contentes com a posição que o Brasil havia alcançado ao final da Primeira Guerra Mundial (SANTOS, 2003). 11 Garcia (2000) cita as Conferências do Bureau Internacional do Trabalho e a Conferência sobre Comunicações e Trânsito. 38 De acordo com Garcia (2000), a preocupação brasileira quanto a sua continuidade no Conselho da Liga se restringia a saber se o país continuaria como membro temporário ou teria que “ceder lugar a outro país” (GARCIA, 2000, p. 67). Era clara a vontade dos países, inclusive brasileira, em preservar seus assentos temporários, bem como a vontade de outros países em ocupar esses assentos. Aflorava-se, assim, o clima de competição entre as potências menores por um lugar no Conselho (GARCIA, 2000). O governo de Epitácio Pessoa fora favorecido pela falta de regulamentação sobre as eleições dos membros temporários do Conselho da Liga. O Artigo 4º do Pacto apenas definia que os membros temporários do Conselho “serão designados livremente pela Assembleia e nas épocas que lhe aprouver escolher” (GARCIA, 2000, p. 155), ou seja, não existia uma periodicidade das eleições, nem a definição de regras quanto a reeleições ou uma regra de rotatividade entre os países, por exemplo, (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Entretanto, em 1921, a Primeira Comissão definiu um conjunto de regras para a eleição dos membros temporários do Conselho, estabelecendo o método de seleção, bem como a duração dos mandatos e as condições para reeleição. Fora definido, assim, que a Assembleia regulamentaria as eleições para o Conselho. Os mandatos foram definidos pelo período de três anos e aqueles Estados que ocupassem o assento temporário no Conselho por um mandato não poderiam se reeleger por igual período, visando assim uma renovação constante dos membros temporários (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Havia uma forte pressão por parte das potências menores por uma maior democratização do Conselho, os países defendiam a ampliação do número de assentos não permanentes como, também, um rodízio que permitiria que os países se revezassem como membros temporários do Conselho. Sendo assim, a Primeira Comissão aprovou a ampliação do Conselho para seis membros não permanentes (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). 39 Essa medida foi aprovada pelas grandes potências, pois se acreditava na ampliação no número de membros permanentes, ou seja, a proporção de membros permanentes para membros temporários se manteria superior. O Brasil, na figura de Domício da Gama, chefe da delegação brasileira, apoiou o aumento da representatividade dos membros eletivos, pois acreditava que o aumento do número de membros temporários diminuiria de maneira significativa a pressão das potências menores por um assento temporário, permitindo, assim, a permanência do Brasil no Conselho (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). De acordo com as novas normas que regiam as eleições do Conselho, o Brasil deveria ser substituído no órgão, em 1923, fato que modifica significantemente a posição que o país havia conquistado ainda na construção da organização. Domício da Gama sugeriu a Epitácio Pessoa, frente às novas dificuldades de reeleição brasileira, a busca por um assento permanente no Conselho. Sugeria, ainda, trabalhar com a Espanha para alcançar a admissão como membro permanente (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Nesse contexto, Arthur Bernardes (1922 – 1926) assumiu a presidência do Brasil. Devido às reduzidas chances de reeleição e a maior competitividade entre as potências menores por um assento temporário, a busca por um assento permanente fora definido com o principal objetivo de sua política externa. Surgia, assim, o início do pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). 3.2.2 O Governo Arthur Bernardes e o pleito por um assento permanente Arthur Bernardes foi eleito, após uma disputa eleitoral caracterizada por resistências militares e divergências entre as principais elites regionais. Bernardes tomou posse do cargo em 15 de novembro de 1922, em um contexto de crise econômica e instabilidade social – marcado pela eclosão de rebeliões de civis e militares. O governo já se iniciava em estado de sítio, solicitado pelo então presidente Epitácio Pessoa em junho do mesmo ano. 40 Bernardes governou por cerca de 42 meses – maior parte do seu governo – em estado de sitio, deixando de garantir, assim, direitos básicos quanto às liberdades civis da população (AMADO, 2011; GARCIA, 2000; SANTOS apud COELHO, 2014). De acordo com Garcia (2000), a maneira como o governo lidava com a oposição – marcados pela repressão e autoritarismo – era reflexo da personalidade de Bernardes. O então presidente era tido como um homem determinado, radical, autoritário e ambicioso, e apesar de ser um líder carismático, Bernardes não era bem quisto pela população. Segundo Monteiro apud Coelho (2014) não havia obstáculos que impedissem o então presidente de alcançar seus objetivos (MONTEIRO apud GARCIA, 2000). Nesse contexto, José Felix Alves Pacheco, diretor do Jornal do Commercio, foi indicado como Ministro das Relações Exteriores do Governo de Bernardes. A política externa do período foi então construída no sentido “de dentro para fora” (GARCIA, 2000, p. 73) o país analisava o cenário internacional unicamente com a perspectiva do nacional, buscava demonstrar uma coesão interna fabricada, pois o Brasil passava por uma instabilidade política e, sobretudo, um descontentamento com o governo de Bernardes (COELHO, 2014; GARCIA, 2000). Segundo Coelho (2014), Bernardes e Pacheco contavam com pouca experiência no cenário internacional, com uma percepção limitada do jogo político internacional. Não obstante, os atores centralizavam em si a construção da política externa, lhes faltava uma compreensão dos assuntos internacionais, pois ambos os analisavam unicamente pela perspectiva nacional (LIRA apud GARCIA, 2000). A atuação brasileira na Liga durante o governo de Epitácio Pessoa se deu de forma efetiva, sobretudo no Conselho, porém não existia uma política definida pelo Itamaraty para o alcance do assento permanente no Conselho da Liga. Apenas em 1922, quando surgiu a possibilidade do Brasil não se reeleger como membro não permanente, que se começou a esboçar a candidatura brasileira como membro permanente. Como citado anteriormente, nenhuma 41 atitude foi tomada pelo governo de Epitácio Pessoa devido ao fim do mandato do então presidente (GARCIA, 2000). De acordo com Garcia (2000), o governo de Arthur Bernardes definiu como principal objetivo de sua política externa a campanha por um assento permanente no Conselho. Desde 1923 o Brasil traçou estratégias, bem como propostas para convencer sua audiência – as grandes potências – que o Brasil deveria figurar entre eles no Conselho da Liga. Buscava-se, assim, elevar o status internacional do Brasil. O Brasil via a Liga como uma oportunidade de conquistar o seu lugar ao lado das grandes potências, ou seja, de acordo com Baracuhy (2006) a política externa brasileira se voltava para a busca do ajuste de sua posição de poder dentro da ordem internacional, que tinha a Liga das Nações como o centro das relações internacionais. Para tanto, o governo brasileiro aspirava alterar seu status de membro temporário para membro permanente no Conselho da Liga (BURACUHY, 2000, p. 367). Acreditava-se, assim, que a mudança do status brasileiro para uma grande potência seria conquistado automaticamente caso o país se tornasse um membro permanente no Conselho da Liga, pois o órgão representava o centro hierárquico de poder da organização (BARUHACY, 2000, p. 367). A campanha surgia no contexto de alteração do Artigo 4º que definia as regras de eleição dos membros temporários do Conselho, fato que ameaçava a posição que o Brasil havia conquistado no âmbito da construção da Organização (GARCIA, 2000). Ainda segundo Garcia (2000), a principal diferença entre as políticas externas de Epitácio Pessoa e de Arthur Bernardes se dava na concepção da participação brasileira na organização. Enquanto Epitácio se mostrava contente pela posição conquistada pelo Brasil no pós-Versalhes, como uma potência menor na aliança com os vencedores da Primeira Guerra Mundial. Bernardes entendia que a conquista do assento permanente no Conselho da Liga elevaria o status internacional do Brasil e o colocaria em um patamar superior, onde o Brasil figuraria entre as grandes potências, desconsiderando os problemas 42 quanto às resistências externas a pretensão brasileira e os problemas internos com os quais o governo sofria (GARCIA, 2000). De acordo com Baracuhy (2006), existam, assim, duas motivações coexistentes na condução da política externa brasileira: [...] uma, de natureza política internacional, que via na posição central da Liga das Nações o coroamento de uma demanda diplomática legítima e natural na ordem futura; outra, de natureza política nacional, que buscava explorar aquela conquista legítima e natural da diplomacia contra oposições políticas domésticas. Por motivos e propósitos distintos, mas por razões similares, que passavam por uma posição de poder natural na Liga correspondente ao potencial nacional do país, a possibilidade de sucesso do pleito em Genebra seduzia a elite de política externa brasileira (BARACUHY, 2006, p. 377). Sendo assim, para conquistar um assento permanente no Conselho da Liga o governo de Bernardes construiu e apoiou diversas propostas. Garcia (2000) divide a campanha em três momentos, a fórmula Brasil Espanha, onde o Brasil ocuparia o assento permanente destinado aos Estados Unidos ao passo que a Espanha ocuparia o assento permanente reservado à Alemanha. A proposta de suplência dos Estados Unidos no Conselho, abandonando a ideia de inserir a Espanha como suplente alemão. E por fim, a expectativa de recompensa pelos serviços prestados durante sua participação na organização. Arthur Bernardes designou Afrânio de Mello Franco para chefiar a delegação brasileira na 4ª Assembleia da Liga das Nações, ocorrida em setembro de 1923. Mello Franco embarcou para Genebra com a difícil missão de promover a candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho da Liga (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Mello Franco, em Genebra, altera a proposta inicial de criação de dois assentos permanentes no Conselho, para o Brasil e para a Espanha – definidas por Bernardes e Felix Pacheco, após encontrar dificuldade em angariar apoio das grandes potências. Mello Franco propõe uma formula na qual o Brasil ocuparia o assento permanente previsto para os Estados Unidos, o país defendia ser o representante da América Latina melhor qualificado, devido a suas dimensões territoriais, a população e sua contribuição na Liga desde sua formação. permanente previsto E a Espanha ocuparia, por sua vez, o assento à Alemanha. Ou seja, os países ocupariam 43 provisoriamente os assentos reservados para os Estados Unidos e à Alemanha (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Buscava-se com essa proposta superar a oposição britânica ao aumento do número de membros permanentes no Conselho. O representante britânico, Robert Cecil, defendia que o aumento do número de membros permanente engessaria o Conselho. A proposta também encontrou a objeção do representante espanhol, Quiñonez de León, declarando que a Espanha não aceitaria guardar o assento reservado para a Alemanha (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Contudo, o Brasil não conseguiu superar a oposição britânica ao aumento do número de membros permanentes do Conselho. Restava, então, ao país se contentar com a reeleição como membro temporário por meio do voto da Assembleia. O Brasil teve seu mandato renovado com 34 votos de 46 países votantes. Apenas a China não renovou o seu assento temporário, sendo substituída pela Tchecoslováquia (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). O fracasso da campanha brasileira por um assento permanente em 1923 e a crescente dificuldade de reeleição ao Conselho fizeram com que o Brasil mudasse sua estratégia, as dificuldades encontradas na fórmula BrasilEspanha desfizeram a ilusão de uma conquista fácil. Cria-se, assim, em março de 1924, uma delegação permanente com status de embaixada junto à Liga – “primeira do gênero em Genebra” (GARCIA, 2000, p. 81; SANTOS, 2003). Afrânio de Mello Franco foi nomeado chefe da Delegação permanente, com status de embaixador e Raul Fernandes foi designado como embaixador em missão especial, com função de dar suporte à atuação de Mello Franco. Já em julho de 1924, Raul Fernandes já visitava Londres, Paris, Haia, Praga, Estocolmo e Bruxelas a fim de tratar os argumentos brasileiros para o alcance do assento permanente no Conselho. Raul Fernandes por meio dos contatos realizados com os representantes europeus “acaba persuadido da justeza das modificações feita por Mello Franco na fórmula original do governo” (SANTOS, 2003, p. 91), o representante brasileiro notou a oposição à criação de um assento permanente pra o Brasil, contudo existia um apoio geral à ocupação 44 brasileira do assento permanente previsto aos Estados Unidos (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Pensava-se em dar continuidade à fórmula Brasil-Espanha, entretanto as desconfianças recíprocas e a falta de garantias quanto ao sucesso da fórmula fizeram com que o Brasil optasse por concentrar-se na sua postulação como suplente dos Estados Unidos no Conselho. Mello Franco e Raul Fernandes apoiavam a decisão tendo em vista a grande oposição em relação ao alargamento do número de membros permanentes (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Nesse contexto, durante a 5ª Assembleia, em 1924, o governo alemão enviou aos países membros do Conselho da Liga um memorando para consultar os governos sobre a adesão alemã à Liga. Sobretudo, os alemães buscam conhecer em quais condições essa adesão se daria e se seria concedido à Alemanha um assento permanente no Conselho (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). A Alemanha contou com o apoio da França e da Grã-Bretanha, apesar dos governos britânico e francês terem respondido ao país que a adesão alemã deveria ser tratada de maneira aberta no âmbito da Liga, adiantam que não fariam objeção à adesão do país à Liga e a sua participação como membro permanente no Conselho. O Brasil, por sua vez, não se opôs, a priori, à adesão alemã à Liga, contudo, chamou atenção para a necessidade de tratar do assunto de maneira ampla com a participação de todos os Estados-membros da Liga. Segundo Santos (2003), o governo brasileiro utilizava de termos vagos a fim de causar dúvidas quanto ao apoio brasileiro à causa alemã. Aguardavase, nesse sentido, o momento ideal para tirar proveito das circunstâncias (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). O interesse da Alemanha em aderir à Liga das Nações afetava diretamente a candidatura brasileira, tendo em vista que os membros permanentes do Conselho entendiam que o alargamento do órgão deveria ser discutido em outro momento devido à provável admissão alemã no Conselho da Liga. Por conseguinte, o pleito brasileiro é novamente negado e o Brasil se contenta, por sua vez, com a reeleição como membro temporário – devido a 45 não ratificação da emenda ao Artigo 4º por parte da Espanha. O Brasil contou com 40 votos de 47 países votantes, sendo o segundo país mais votado, atrás apenas do Uruguai que recebeu 43 votos (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Ainda em 1924, o governo brasileiro inicia uma campanha na imprensa nacional a fim de divulgar a busca do Brasil por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações. A campanha é intensificada, em 1925, quando Félix Pacheco inicia uma série de ações a fim de mudar a opinião pública sobre a participação brasileira na Liga, como o envio de propagandas aos institutos de ensino no Brasil, direcionada aos jovens em favor da Liga das Nações. A construção de conferências que tratavam do papel da organização e publicações em um dos jornais mais importantes à época, o Jornal do Commercio. Com essas ações, Félix Pacheco tentava amenizar às criticas da opinião pública e demonstrar à Europa o interesse brasileiro em tornar a Liga das Nações conhecida entre os brasileiros (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Durante a reunião da Assembleia e do Conselho, em 1925, as grandes potências europeias haviam se reunido para uma série de negociações paralelas a fim de construir “um acordo regional que permitisse, entre outras coisas, inclusive a admissão da Alemanha na Liga das Nações” (GARCIA, 2000, p. 89). As potências europeias buscavam, assim, manter o status quo do Conselho devido ao apoio à admissão alemã na Liga demonstrado pelos países participantes do órgão, em 1924, evitando qualquer surpresa quanto à entrada da Alemanha na organização (GARCIA, 2000). Neste sentido, a 6ª Assembleia apresentava maiores dificuldades à reeleição brasileira como membro temporário do Conselho e tornava sua campanha por um assento permanente cada vez mais difícil. O Brasil esperava o fim das negociações entre os europeus para, no âmbito da Assembleia, defender sua posição como merecedor – devido a sua ativa participação na Liga – de um assento permanente no Conselho ou a ocupação do assento previsto para os Estados Unidos (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Contudo, as negociações entre as potências europeias não foram finalizadas a tempo de o assunto ser discutido na Assembleia daquele ano. 46 Adiando, assim, outra vez “a questão dos assentos permanentes” (GARCIA, 2000, p. 89). Sendo assim, o Brasil teria que se contentar, mais ou vez, com a reeleição como membro temporário. Entretanto, o Brasil teria que superar a oposição dos países latino-americanos, que defendiam o princípio da rotatividade entre os países da região. Nesse contexto, o Brasil se reunia com os representantes latino-americanos a fim de encontrar um consenso entre os países (GARCIA, 2000; SANTOS 2003). Melo Franco conseguiu manter a posição brasileira, entretanto comprometeu-se a respeitar o princípio de rotatividade na Assembleia do ano seguinte (1926), ou seja, o Brasil não poderia mais ser reeleito como membro temporário do órgão. Sendo assim, todos os membros temporários do Conselho foram reeleitos, sendo o Brasil o mais votado com 43 votos de 49 países votantes (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). A falta de regulamentação sobre as eleições e a crescente disputa entre os países por um assento no Conselho geravam cada vez mais incertezas. “De fato, [...] a crise de março de 1926 estava em plena maturação.” (SANTOS, 2003, p.94). 3.2.3 Os Acordos de Locarno e a crise de março de 1926 Com o término da 6ª Assembleia da Liga das Nações representantes europeus – Alemanha, Bélgica, França, Grã-Bretanha, Itália, Polônia e Tchecoslováquia – se reuniram em Locarno, na Suíça, entre os dias 5 e 16 de outubro de 1925 com objetivo de rever as definições fronteiriças estabelecidas no Tratado de Versalhes. O encontro entre as potências europeias resultou em uma série de acordos que “representavam o triunfo da distensão política na Europa por meio de um acordo regional de segurança” (GARCIA, 2000, p. 95). Os Acordos de Locarno foram o marco da reaproximação franco-alemã, sobretudo, para a construção de uma nova política de segurança europeia. 47 Entre os assuntos tratados nos Acordos, cabe destacar o reconhecimento mútuo das fronteiras entre a Alemanha, Bélgica e França salvaguardadas pela Grã-Bretanha e Itália, bem como o comprometimento das potências europeias de resolverem possíveis disputas por meio da arbitragem (COELHO, 2014; GARCIA, 2000). Os Acordos de Locarno foram realizados fora do âmbito da Liga das Nações, entretanto se vinculavam a organização e previa, inclusive, a entrada da Alemanha na Liga. Assim sendo, os acordos passariam a vigorar apenas após o depósito de suas ratificações na Liga das Nações e a entrada alemã na organização (COELHO, 2014; GARCIA 2000). Nesse contexto, ainda em dezembro de 1925, os Acordos de Locarno foram depositados nos arquivos da Liga, em uma reunião do Conselho todos os países “saudaram com otimismo” (GARCIA, 2000, p. 97) os acordos construídos entre as potências europeias. O Brasil demonstrou apoio e se mostrava satisfeito com o êxito das negociações. Em fevereiro de 1926, a Alemanha, então, solicita formalmente sua admissão na Liga das Nações, sendo convocada a primeira Assembleia extraordinária da história da organização para o dia 8 de março. No entanto, em meados de janeiro do mesmo ano, a Polônia anunciava sua candidatura como membro permanente no Conselho da Liga. O país fora apoiado pela França que buscava além de um “aliado seguro” no órgão, equilibrar a entrada da Alemanha no Conselho (COELHO, 2014; GARCIA, 2000; SANTOS, 2003, p. 95). O país contava com o apoio da França, que mesmo ciente das rivalidades entre a Polônia e Alemanha – devido a definições fronteiriças e a minorias alemãs vivendo em território polonês – apoiava sua entrada no Conselho. A Polônia utilizava como argumento que entre os países que fizeram parte dos Acordos de Locarno era o único a não estar presente no Conselho, sendo assim, a entrada da Alemanha no órgão deveria ser acompanhada da Polônia (COELHO, 2014; GARCIA 2000). 48 A notícia da candidatura polonesa gerou insatisfação entre os países signatários de Locarno, principalmente, na Alemanha onde o primeiro-ministro Hans Luther declarou que não concordava com a ampliação do Conselho da Liga e que o país deveria entrar no órgão com a composição “existente à época dos acordos [de Locarno]” (SANTOS, 2003, p. 96). A situação na Europa já gerava intenso debate, outros elementos fortificaram a crise que se instalava no âmbito da Liga das Nações. O Brasil e a Espanha souberam utilizar o período de discussões sobre a ampliação do Conselho para reafirmar suas candidaturas como membros permanentes do órgão, a China também declarou oficialmente sua intenção de obter um assento permanente no Conselho. A Bélgica chegou a afirmar que se outro país, além da Alemanha, se tornasse membro permanente o país também se candidataria. A Suécia, por sua vez, se mostrou irredutível à entrada de novos membros, apoiando, apenas, a entrada alemã (GARCIA, 2000). Segundo Garcia (2000), Felix Pacheco entendera de maneira equivocada a posição do governo alemão de querer ser o único país a ingressar no Conselho da Liga. O Ministro então questiona a Mello Franco sobre a possibilidade de utilizar o veto à entrada da Alemanha na Liga como uma retaliação à demanda alemã. Contudo, Mello Franco mantinha sua posição de que o Brasil deveria se retirar da Liga caso não alcançasse seu principal objetivo na organização, o representante brasileiro em Genebra acreditava na importância da manutenção dos Acordos de Locarno, caso o Brasil vetasse a entrada alemã na organização o país sofreria severa condenação por parte dos países europeus e, sobretudo, pela opinião pública (SANTOS, 2003). Nesse contexto, Felix Pacheco torna pública a candidatura brasileira, em 22 de fevereiro de 1926, em uma entrevista à United Press International, na qual elogiou a atuação da Liga e reafirmava o compromisso brasileiro em trabalhar em conjunto com os membros da organização para torna-la cada vez mais eficaz. Finalizou a entrevista afirmando a posição brasileira de candidato a um assento permanente no Conselho da Liga (COELHO, 2014; GARCIA, 2000). 49 No contexto da crise que se instalava na Liga das Nações, onde “cada um dos muitos contendores assumindo posições de princípio inflexíveis”, Arthur Bernardes envia, em 5 de março de 1926, a Mello Franco as diretrizes da atuação brasileira em Genebra, o então presidente informa que o Brasil deverá votar contra qualquer aumento do número de assentos permanentes no Conselho da Liga, caso o Brasil e a Espanha não obtivessem seus status de membro permanente (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). Bernardes defendia que o Brasil não havia sido ouvido durante a formulação dos Acordos de Locarno, por isso o país não havia contraído nenhuma obrigação quanto aos compromissos firmados nos acordos. Cabia ao Brasil votar livremente, “a questão para o Brasil cifra-se em vencer ou não perder.” (BERNARDES apud SANTOS, 2003). 3.2.4 O veto brasileiro Em 8 de março de 1926, deu-se início a sessão extraordinária da Assembleia que objetivava tornar oficial a admissão alemã na Liga das Nações. As principais potências europeias, signatárias dos acordos de Locarno, se reuniam em separado, em negociações secretas, a fim de contornar a crise que havia se instalado entre os países locarnistas. As discussões estavam centradas na entrada da Alemanha e da Polônia no Conselho, sendo o Brasil raramente mencionado (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). A Alemanha rejeitava qualquer proposta de ampliação do Conselho que previsse a entrada de outro país simultaneamente, fosse esse a Polônia, o Brasil ou a Espanha. Os países locarnistas acreditavam que resolvida à questão da Polônia não seria difícil superar a oposição dos membros do Conselho, já que os Acordos de Locarno dependiam para sua implementação da admissão alemã à Liga, portanto acreditava-se que nenhum país travaria esse processo (COELHO, 2014; GARCIA, 2000). 50 No entanto, o Brasil e a Espanha se mantiveram firmes em suas posições. A Espanha ameaçava se retirar da Liga das Nações caso sua reivindicação não fosse atendida, enquanto o Brasil ameaça vetar a admissão alemã na Liga das Nações caso o Brasil não fosse admitido como membro permanente no Conselho da organização (GARCIA, 2000; SANTOS 2003). Ainda em 12 de março, em reunião do Conselho, os países reafirmaram o compromisso de votar a favor da Alemanha, “quaisquer que fossem os sacrifícios” (GARCIA, 2000, p. 103). Contudo, Mello Franco, seguindo as instruções de Arthur Bernardes, presidente da República, afirmou que não poderia se comprometer com tal posição. Frente às criticas recebidas durante a reunião do Conselho, principalmente do representante britânico, Chamberlain, Mello Franco enviou um telegrama para o Rio de Janeiro a fim de convencer Arthur Bernardes a repensar sua decisão. Contudo, Bernardes manteve sua posição de utilizar o veto caso a demanda brasileira não fosse atendida, para o então presidente o fato já havia se tornado uma questão de orgulho nacional. As diferenças entre as posições dos representantes brasileiros em Genebra com relação ao governo brasileiro apenas aumentava – Felix Pacheco e Bernardes, com uma visão limitada da situação na Liga, passaram, assim, a intervir diretamente na ação dos representantes brasileiros na organização (SOARES apud COELHO, 2014; GARCIA, 2000). Em 12 de março os países locarnistas se reuniam para encontrar uma solução para o impasse que impossibilitava o avanço das negociações. Naquele contexto, a Bélgica sugeriu a criação de um assento temporário para a Polônia. Entretanto a proposta não foi bem recebida por Berlim, à opinião pública se posicionava contra a negociação, fazendo com que o governo alemão rechaçasse a proposta. Para contornar o impasse, Östen Undén, delegado sueco, em 15 de março, decidiu ceder seu assento temporário à Polônia. Contudo, o governo alemão não recebeu bem a proposta, tendo em vista que a composição do Conselho mudaria de maneira significativa, um país neutro seria substituído por um governo rival, sendo a proposta novamente rechaçada (SCELLE apud COELHO, 2014; GARCIA, 2000, SANTOS, 2003). 51 O governo da Tchecoslováquia, então, decidiu por renunciar seu assento temporário no Conselho, concomitantemente a Suécia, “para a eleição de um país neutro, que poderia ser a Holanda, ou de outro país da Pequena Entente, que poderia ser a Romênia” (GARCIA, 2000, p. 106). Essa parecia ser a solução definitiva para a resolução da crise que havia se instaurado entre os países locarnistas (SANTOS, 2003). Porém, na reunião do Conselho, dia 16 de março, Mello Franco anuncia que o governo brasileiro está convencido a manter o veto à admissão alemã na Liga. Em uma última tentativa de mudar a posição brasileira, os embaixadores britânico e francês visitam o então presidente Arthur Bernardes, enquanto isso os representantes latinos americanos se reuniam com os delegados brasileiros na Liga a fim de convencer o Brasil a reconsiderar sua posição (COELHO, 2014; GARCIA, 2000). As iniciativas não surtiram o efeito esperado e em 17 de março, durante a Assembleia, Mello Franco anuncia o veto à admissão alemã na Liga das Nações. Em seu discurso o representante brasileiro defendia que o Brasil não havia se comprometido em apoiar a solicitação alemã, além de defender que a reforma do Conselho deveria ser tratada não apenas pelas potências europeias, mas por todos os países membros da organização. Mello Franco defendeu, ainda, o direito brasileiro em defender a ampliação da representatividade americana no órgão. No que se refere aos Acordos de Locarno o representante brasileiro defendeu que os acordos deveriam se submeter à Liga das Nações e não o contrário (GARCIA, 2000; SANTOS, 2003). 3.2.5 A retirada do Brasil da Liga O veto brasileiro à admissão da Alemanha na Liga das Nações resultou no adiamento de sua admissão para setembro de 1926, para tanto foi definido 52 uma Comissão12 responsável por estudar a composição do Conselho. A Comissão teria então como responsabilidade analisar questões como o número de membros até o sistema de eleição dos membros temporários (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). A comissão de estudos se reuniu pela primeira vez, apenas, em 10 de maio de 1926. Durante as reuniões algumas propostas foram apresentadas, o Brasil defendia, por sua vez, a representatividade das potências menores. O país argumentava que o Conselho da Liga era composto unicamente pelas grandes potências, fato que diminuía a representatividade do órgão e, sobretudo, não respeita o princípio de igualdade entre os Estados defendidos pela organização. O discurso brasileiro se baseava, sobretudo, na democratização do sistema internacional (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). A delegação brasileira continuara por defender o Brasil como o representante da América, entretanto, esse discurso não encontrava respaldo dos delegados sul americano, Lebreton, representante argentino, e Alberto, representante uruguaio, optaram por alinhar-se ao discurso britânico que defendia unicamente a reforma do processo eleitoral dos membros temporários, defendendo a aplicação do princípio de rotatividade (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). Assim sendo, por iniciativa britânica decide-se pelo aumento dos membros não permanentes, bem como por uma nova regulamentação no que se refere às eleições desses membros. A Comissão define então a criação de novos assentos temporários, totalizando nove assentos não permanentes – sendo que três assentos estariam reservados para a América Latina. Define, ainda, que três dos membros temporários poderiam ser reeleitos ao final do mandato desde que estes “obtivessem dois terços dos votos da Assembleia”, criando, assim, uma espécie de membro semipermanente. As eleições deveriam, assim, ocorrer para que os novos membros temporários pudessem assumir suas atribuições imediatamente (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000, p. 120). 12 A Comissão era composta pelos dez membros do Conselho da Liga e outros Estados membros da organização, sendo eles: Alemanha, Argentina, Polônia, China e Suíça. (BRAGA, 2008). 53 O objetivo britânico com sua proposta não era a de resolver em definitivo a crise instaurada em março, mas, sim, de propor uma solução que permitisse a entrada da Alemanha na Liga das Nações prevista para a Assembleia de setembro. O projeto britânico buscava evitar um novo veto à participação alemã na organização, bem como possibilitava a remoção do Brasil do órgão a fim de evitar uma nova crise como a de março daquele ano (BRAGA, 2008; GARCIA, 2000). Nesse contexto, a Comissão definiu para 28 de junho de 1926 uma nova leitura do projeto, onde seria, por fim, discutida a proposta brasileira sobre a questão dos assentos permanentes. “Entretanto, Arthur Bernardes e Félix Pacheco consideravam que o Brasil estava sendo ludibriado pelas grandes potências europeias [...]” (GARCIA, 2000, p. 121). Consequentemente à aproximação da 40ª sessão do Conselho da Liga das Nações, Arthur Bernardes definiu, rigorosamente, os passos a serem seguidos pelos representantes brasileiros na organização. Definiu, assim, que o Brasil renunciaria o seu assento temporário no Conselho, cargo que ocupara por sete anos, ainda no início da Assembleia. Na mesma ocasião, Mello Franco, seria responsável por ler a carta que continha as razões que levaram o Brasil a tomar tal atitude, além de mencionar a futura notificação brasileira de retirada da organização (GARCIA, 2000). Contudo, existiam sérias divergências entre Mello Franco, Arthur Bernardes e Félix Pacheco no que se refere à maneira como o Brasil deveria conduzir a situação em Genebra. Mello Franco, em telegrama enviado ao governo brasileiro, discordava do conteúdo da carta enviada pelo governo, considerando-a ofensiva, portanto não a leria a durante a sessão do Conselho, além de renunciar do seu posto de representante brasileiro em Genebra (GARCIA, 2000). Assim sendo, Mello Franco, durante a reunião do Conselho, em 10 de junho de 1926, declarou a posição brasileira de se retirar da Liga das Nações, com a leitura de um texto de sua própria autoria. O representante brasileiro então protocolou o envio da exposição do governo brasileiro sobre as razões que o levavam a se retirar da Organização ao Secretário-Geral da Liga, Eric 54 Drummond. E para surpresa de Mello Franco, Félix Pacheco enviou telegrama ao secretário-geral da Liga a fim de notifica-lo sobre a retirada do Brasil da Liga das Nações (GARCIA, 2000). Segundo Baracuhy (2006), a retirada do Brasil da Liga deve ser entendida no contexto dos Acordos de Locarno, onde a reintegração da Alemanha à ordem internacional – a partir de sua admissão como membro permanente no Conselho da Liga das Nações – colocava em “xeque” os interesses brasileiros na Liga (BARACUHY, 2006, p. 387). Com a radicalização da política internacional das potências européias e da política doméstica brasileira, observou Eugênio Vargas Garcia, o governo do presidente Artur Bernardes procurou camuflar o fracasso de seu objetivo principal (“vencer”) recorrendo a demonstração de força em Genebra (“não perder”) (BARACUHY, 2006, p. 387). Ainda segundo Baracuhy (2006), a deflagração da crise de 1926, pelo governo de Arthur Bernardes, não define a natureza da política externa brasileira no período. Pois, de acordo com o autor, o processo de radicalização de Bernardes – refletido na retirada do Brasil da organização – significara uma mudança de “estilo” no que se refere à condução da política externa, intrinsicamente ligada a políticas domésticas, e não de natureza de política externa. Dado que, a política externa brasileira se relacionava ao objetivo estratégico da busca por uma posição de poder central na ordem internacional, correspondente ao potencial nacional do Brasil (BARACUHY, 2006, p. 387 e 388). Visto que a percepção do potencial nacional do país, sustentáculo da política externa do período, foi um intento de reaver a herança do Barão do Rio Branco de fazer com que o Brasil conquistasse uma posição ao lado das grandes potências “na instituição-chave que, supunha-se, regeria a nova ordem internacional.” (BARACUHY, 2006, p. 388). Conforme Garcia (2000), o Brasil buscava preservar-se da humilhação de ser removido do Conselho da Liga, bem como superar a perda do prestígio da posição brasileira na organização. O Brasil então se retirava da Liga das Nações e iniciava um período no qual sua política externa se voltada à América, em uma perspectiva de aproximação com os Estados Unidos. O 55 Governo de Arthur Bernardes optava, assim, por “seguir o exemplo norteamericano de não envolvimento na política europeia.” (GARCIA, 2000, p. 131). “Para a diplomacia brasileira, 1926 desfez o projeto de uma posição de poder na Liga das Nações que correspondesse às suas aspirações históricas.” (BARACUHY, 2006, p. 391). Após a descrição e análise da atuação brasileira na Liga das Nações entende-se, por fim, a aspiração histórica brasileira de buscar ajustes de sua posição de poder, no sistema internacional, em momentos chave em que a ordem internacional passa por transformações. Como ocorrido no período pósVersalhes e como será ilustrado, no próximo capítulo, no período de criação da Organização das Nações Unidas. 3.3 O Brasil e a criação da Organização Das Nações Unidas Buscar-se-á, nesse capítulo, ilustrar como o Brasil passa a perseguir, agora na Organização das Nações Unidas, ajustar sua posição de poder na ordem internacional que tem as Nações Unidas em seu centro. O objetivo é, portanto, encontrar tendências de longo prazo que atestem a continuidade da política externa brasileira iniciada na Liga das Nações. Para tanto o foco será dado ao início da campanha brasileira por um assento permanente, agora, no Conselho de Segurança das Nações Unidas. 3.3.1 A Organização das Nações Unidas A Liga das Nações fora o antecedente imediato à Organização das Nações Unidas, criada em um momento internacional similar, a Primeira Guerra Mundial, a Liga pretendia superar a tradicional geopolítica europeia. A organização havia compreendido uma tentativa, falha, de garantir a paz e a 56 segurança dos Estados “por meio de uma organização com poderes limitados” (GARCIA, 2011, p. 25). Segundo Garcia (2011), a organização nascia de uma concepção idealista institucionalista no pós-guerra, a Liga baseava-se no voluntarismo e não em um sistema de sanções eficazes. Assim sendo, a organização falhou em seu principal objetivo, a manutenção da paz, demonstrando sua incapacidade de gerir as crises que culminaram na Segunda Guerra Mundial, como a invasão japonesa a Manchúria, em 1931, fato que marca o fracasso da organização (GARCIA, 2011, p. 25). Os países buscavam, na formulação das Nações Unidas, superar os erros do passado. Um exemplo repetidamente lembrado era o artigo 16 da Liga que previa sanções políticas, econômicas e financeiras contra algum Estado que fosse contra o Pacto da organização, entretanto o artigo não previa de fato uma intervenção militar automática. Considerava-se, então, necessário que uma ação militar fosse obrigatória, ou seja, defendia-se que apenas mecanismos legais não seriam suficientes para gerir os conflitos e crises do sistema internacional (GARCIA, 2011, p. 25). O fracasso do multilateralismo e do sistema de segurança coletiva da Liga das Nações não representou um impasse para a recriação de uma organização internacional que visasse garantir a paz entre os Estados, por meio de um fórum multilateral, no período que sucede a Segunda Guerra Mundial. O assunto já havia sido tratado pelos Aliados13 ainda antes da entrada dos Estados Unidos no conflito em 1942 (FERRO; RIBEIRO, 2004). Os Estados Unidos assumiram o processo de construção da organização, tendo em vista que os aliados estavam ocupados com o conflito que se alastrava por toda a Europa. Os EUA não tiveram seu território atacado durante o conflito, tornando-se, assim, um “possível refúgio” para as conferências internacionais que buscariam definir a nova ordem internacional. O governo americano via nessa oportunidade uma “segunda chance” para que país exercesse de forma decisiva sua influência sobre os acontecimentos no sistema internacional. Era sua oportunidade de superar a ordem de Versalhes 13 Os Aliados se faziam representar por Estados Unidos, Grã-Bretanha e a União Soviética. 57 que o então presidente norte-americano Woodrow Wilson havia ajudado a construir (GARCIA, 2011, p. 27). Nesse sentido, em 1º de janeiro de 1942, pouco depois do ataque japonês a Pearl Harbor e a entrada americana no conflito, fora assinado pelos Aliados, em Washington, a Declaração das Nações Unidas. Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a União Soviética e a China formularam o primeiro texto que contou com a adesão de outros 22 países. “A declaração formalizava a aliança de guerra, cujo nome passaria a ser oficialmente “Nações Unidas” (GARCIA, 2011, p. 30). Nesse sentido, a partir de 1943, com o andamento do conflito a favor dos Aliados, o tema da organização internacional passou a ganhar maior atenção (GARCIA, 2011). Pretendia-se, com a Organização das Nações Unidas, criar uma organização, a partir do consenso das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, que gerasse condições para a construção de uma paz efetiva por meio da prevenção de conflitos, mas que, diferentemente, da Liga das Nações, possuísse meios para responder de forma efetiva às crises (FERRO; RIBEIRO, 2004). As Nações Unidas, também, não tinham, unicamente, como objetivo a manutenção da paz. A organização buscou criar mecanismos que favorecem a reconstrução e o desenvolvimento dos países afetados pelo conflito. A organização criava, assim, em seu escopo, dispositivos que favorecessem a cooperação a fim de assegurar o funcionamento da sociedade internacional que se formara (FERRO; RIBEIRO, 2004). De acordo com Ferro e Ribeiro (2004), o Sistema das Nações Unidas, o conjunto de órgãos subsidiários da ONU e suas organizações especializadas, passaram a constituir um domínio das relações internacionais, a organização hoje “preenche um espaço que se tornou indispensável” (FERRO; RIBEIRO, 2004, p. 32). Os autores, ainda, continuam, “um mundo sem ONU, ou melhor sem uma organização de características universais, é dificilmente imaginável.” (FERRO; RIBEIRO, 2004, p. 32). 58 3.3.2 A concepção do Conselho de Segurança das Nações Unidas Como tratado por Garcia (2011), a Organização das Nações Unidas não surgia como um projeto finalizado, muitas discussões correram sobre o que deveria ser a organização. Diversas possibilidades foram testadas antes de se chegar a uma “formatação mais sistêmica” (GARCIA, 2011, p. 30). Roosevelt, presidente norte-americano, buscava levar as Nações Unidas sua ideia de uma “tutela dos poderosos”. Dado o fracasso do sistema baseado na participação universal da Liga das Nações, o então presidente sugeria que a organização deveria conter meios para defender o propósito supremo da organização, a segurança internacional (GARCIA, 2011, p. 30). No contexto pós-guerra, os aliados se tornariam as três maiores potências militares do globo, e, segundo, Garcia (2011), com a adesão da China, não existiria uma oposição concreta á vigilância do que o autor chama de Quatro Policiais. E para o então presidente norte-americano, as potências menores não poderiam defender-se das ameaças de países militarmente mais capazes, caberia, então, as grandes potências salvaguardarem esses Estados militarmente incapazes. Ciente do poder da opinião pública, Roosevelt entendia que os Estados Unidos não poderiam ser o único país a garantir a paz ao redor do mundo, pois o número excessivo de ações externas desagradaria à opinião pública. Sendo assim, agrupar-se-ia um número limitado de potências que dividiriam a responsabilidade da segurança coletiva em suas respectivas regiões. Na Europa, a Grã-Bretanha e a União Soviética iriam contrapor a ameaça alemã e a China conteria o Japão, com o apoio dos Estados Unidos. A África e, tampouco, o Hemisfério Ocidental representavam uma ameaça à segurança coletiva, à época. Formulava-se, assim, o cerne do pensamento dos Quatro Policiais, esses Estados compartilhariam, então, o ônus militar, que poderia sobrecarregar os Estados Unidos em diferentes regiões (GARCIA, 2011, p. 30). Com o decorrer do conflito, diversas conversas entre as grandes potências ocorreram para o entendimento do que seria esse órgão responsável 59 por compartilhar a missão de salvaguardar a segurança mundial (GARCIA, 2011). No âmbito da Conferência de Moscou, em 1943, os Três Grandes 14 se encontraram para discutir os rumos da guerra. Iniciaram-se ainda, durante o encontro, conversas sobre o pós-guerra, onde Roosevelt aproveitou a ausência de Churchill, Primeiro-ministro britânico, e em uma conversa privada com o Stalin apresentou o projeto para a organização mundial que se criaria (GARCIA, 2011). O então presidente norte-americano apresentara uma estrutura tripartite: composta por uma Assembleia de quarenta ou mais países, onde seria discutida qualquer questão internacional e seriam feitas recomendações a dois outros órgãos que possuiriam poder de ação; o Conselho de dez países, sendo os quatro signatários da Declaração de Moscou e outros seis países selecionados por critérios geográficos, o Conselho seria responsável por resolver controvérsias, mas não teria força de impor suas decisões; e por fim, o segundo órgão seria composto pelos Quatro Policiais, esse grupo de países teria autoridade para agir imediatamente e usar de seu poder militar para conter qualquer ameaça à paz. Poder-se-ia, assim, recorrer a sanções que isolassem o país e em última estancia o país poderia ser ocupado militarmente (GARCIA, 2011). Como aludido, Roosevelt havia concebido o Comitê Executivo e o Conselho como dois órgãos separados. Contudo, a hierarquia entre os dois órgãos seria obvia, os Quatro Policiais estariam colocados em uma posição de poder que causaria questionamento por parte dos países pequenos (GARCIA, 2011). Em fevereiro de 1944, Roosevelt aprovou a minuta de carta proposta por Cordel Hull, diplomata americano. Em seu esboço previa-se um único Conselho de Segurança, que seria formado, como pensado pelo então presidente norte-americano, pelas quatro grandes potências e alguns países menores, sendo esse órgão a fusão das entidades originais imaginadas por Roosevelt (GARCIA, 2011). 14 Refiro-me aqui aos Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética. 60 O Conselho de Segurança então começava a tomar forma ao passo que o conflito chegava ao fim. A Conferência de Dumbarton Oaks definia o projeto de construção das Nações Unidas com uma “visão fortalecida da Liga das Nações”. A Conferência resultara, também, em uma concretização do que se imaginava para o Conselho de Segurança, bem como se iniciavam as discussões sobre os países que fariam parte do órgão, começava-se a pensar na França como um Quinto Policial (GARCIA, 2011, p. 57). Ainda em Dumbarton Oaks, começava-se a questionar a possibilidade de inserir o Brasil como um sexto membro permanente no Conselho. Dada à visão regionalista de Roosevelt, onde as grandes potências deveriam compartilhar a responsabilidade de manutenção da segurança em cada região, assim, os Estados Unidos não ficariam obrigador a assumir “compromissos militares por toda parte.” (GARCIA, 2011, p. 57). Nesse contexto, o Brasil era o país, na América Latina, melhor posicionado para ocupar tal posição. Embora, como lembrado por Garcia (2011), os Estados Unidos conseguissem manter a segurança em todo o Hemisfério Ocidental, seria vantajoso para o governo norte-americano contar com um aliado irrestrito no Conselho (BRIGIDO, 2010). Em virtude das dificuldades encontradas nas negociações em Dumbarton Oaks, os Estados Unidos optaram por deixar a questão do sexto membro permanente em aberto, apesar da oposição dos britânicos e dos soviéticos sobre o alargamento do órgão (BRIGIDO, 2010). 3.3.3 A candidatura brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas Construção da ONU (campanha velada) Quando o Brasil fora comunicado sobre a possível indicação americana de incluir o Brasil como um sexto membro não permanente no Conselho fora estabelecido uma comissão que estudaria a proposta de Dumbarton Oaks, 61 para definir a posição brasileira sobre a questão (BRIGIDO, 2010; GARCIA, 2011). Dois grupos com visões diferentes sobre a proposta foram formados na comissão. Hildebrando Accioly, Raul Fernandes e José Carlos, viam a participação brasileira no Conselho de Segurança com restrições, tendo como base a crise de 1926, que levou a retirada do Brasil da Liga das Nações. Os céticos desestimulavam uma nova investida na organização que se criava a fim de evitar um constrangimento maior do que o vivido em 1926 (GARCIA, 2011). Outro grupo, orientado por Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, contava com nomes renomados como Carlos Martins e Cyro de Freitas-Valle, que viam essa oportunidade como uma maneira do Brasil ser reconhecido não só pela sua contribuição durante a Segunda Guerra Mundial, mas também pela sua grandeza territorial, população e sua posição privilegiada na América do Sul. Essa corrente não se esquecera da experiência vivida na Liga das Nações, Levi Carneiro, jurista brasileiro, defendia que as razões que levaram o Brasil a pleitear um assento permanente no Conselho Executivo da Liga não mudaram apenas se ampliaram (GARCIA, 2011). Por conseguinte, Vargas incumbiu Leão Velloso, Ministro de Relações Exteriores do Governo Vargas, de satisfazer as aspirações brasileiras, sem negligenciar as ponderações feitas pelos membros da Comissão. Definiu-se, assim, que o Brasil buscaria, na Conferência de São Francisco, um assento permanente para a América Latina, sem mencionar diretamente o Brasil (GARCIA, 2011). Nesse sentido, encontrava-se uma formula de iniciar a campanha brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas sem que isso gerasse efeitos negativos sobre a opinião pública e as correntes que resistiam à ideia da campanha brasileira (GARCIA, 2011). Acreditava-se que caso o assento permanente para a América Latina fosse aprovado à escolha do Brasil para esse posto se daria de forma natural, devido ao conhecido apoio norte-americano, em especial do então presidente 62 Roosevelt, a causa brasileira. Construía-se, assim, uma fórmula que “agradava a gregos e troianos” (GARCIA, 2011, p. 188). De acordo com Garcia (2011), o Brasil não deveria, de acordo com as instruções recebidas, pleitear a criação de um sexto assento permanente. Entretanto, a atuação brasileira em São Francisco se deu maneira diferente, ainda segundo o autor, a delegação brasileira agia com cautela, mas a fórmula apresentada por Vargas se sobrepôs as incertezas no que se refere à campanha brasileira. Durante a terceira comissão da Conferência, o Brasil apresentou sua proposta de emenda a Carta das Nações Unidas, onde o país defendia a criação de um assento permanente para a América Latina no órgão. O Brasil confirmava, assim, sua candidatura indireta (GARCIA, 2011). Os argumentos brasileiros pleitear um assento permanente no contexto de criação das Nações Unidas se assemelhava àqueles utilizados na Liga das Nações. O Brasil acreditava que deveria ser reconhecido por seus esforços durante a Segunda Guerra Mundial, destacava, sobretudo, sua posição na América Latina, além de questões como população e território vasto (COELHO, 2014; GARCIA, 2011). Contudo, segundo Garcia (2011), a morte de Roosevelt, sucedido pelo vice-presidente Harry Truman, em abril de 1945, representou uma mudança significativa do cenário da campanha brasileira. O autor afirma que “na diplomacia, indivíduos, às vezes podem fazer a diferença” (GARCIA, 2011, p. 192). Nesse sentido, a mudança da figura política causava um efeito negativo sobre as relações entre o Brasil e os Estados Unidos, pois a nova equipe de governo não possuía histórico de envolvimento com as questões brasileiras. A posição que o Brasil havia alcançado após a Segunda Guerra Mundial diminuíra significantemente (GARCIA, 2011). Mesmo sem o apoio de Roosevelt, o Brasil continuou sua campanha por um assento permanente para a América Latina. Leão Velloso incumbiu esforços para a conquista do apoio norte-americano, o representante brasileiro 63 chegou a apresentar um telegrama enviado por Vargas ao secretário de Estado norte-americano, Edward Stettinius, a fim de salientar que a busca brasileira por um assento permanente no Conselho partia, em primeira instância do presidente brasileiro (GARCIA, 2011). Entretanto, as grandes potências não estavam dispostas a permitir um alargamento do órgão, as decisões já haviam sido tomadas em Dumbarton Oaks e não seriam rediscutidas na Conferência de São Francisco (GARCIA, 2011). Nesse contexto, o Brasil, em 14 de maio, retira a sua proposta de criação de um assento permanente para um representante da América Latina no Conselho de Segurança, dado que a proposta resultaria em um aumento do número de representantes no órgão. A atitude brasileira era um reflexo da diretriz básica de não expor o Brasil a uma situação similar à vivida na Liga, a retirada da proposta evitava que ela fosse para a votação e representasse um fiasco, tendo em vista a alta probabilidade de a proposta brasileira fosse derrotada. “Esse foi o dia em que, definitivamente, o Brasil “jogou a toalha” e considerou irrealizável a obtenção do assento permanente.” (GARCIA, 2011, p.198). O Estado Novo vendia a ideia de que o Brasil alcançara uma posição internacional de destaque devido à sua intervenção no conflito, e mesmo a tentativa de angariar um assento permanente no Conselho de Segurança não afetou o cenário de contentamento do governo com a posição que o Brasil alcançara (GARCIA, 2011). As candidaturas para os mais variados órgãos das Nações Unidas poderiam ser apresentadas para eleições, mas como destaca Garcia (2011), o Brasil optou por candidatar-se ao CSNU, dado o papel a “posição-chave conferida ao órgão na estrutura da organização.” (GARCIA, 2011, p.257). A campanha brasileira por um assento temporário no CSNU, para o mandato de dois anos, foi muito bem sucedida, o país contara com o apoio das grandes potências que consideravam a aspiração brasileira justa e merecida. E em 12 de janeiro de 1946, a Assembleia Geral elegeu a Austrália, o Brasil e a 64 Polônia como membros não permanentes do Conselho, para os mandatos que dois anos, ao passo que o Egito, México e Países Baixos foram eleitos para os mandatos de um ano. Cabe ressaltar, que o Brasil fora o país melhor votado, com cerca de 47 votos do total de 50 países votantes (GARCIA, 2011). O Conselho de Segurança das Nações Unidas se formava então com cinco membros permanentes, sendo eles, os Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética, China e França, e pelos seis membros temporários supracitados. Período de incubação de 1945 a 1992 De acordo com Brigido (2010), apesar do Brasil não ter tido sucesso em sua campanha por um assento permanente no Conselho de Segurança, o governo brasileiro manteve a questão como meta de sua política externa. Contudo, a campanha brasileira iniciou-se oficialmente, apenas, ao final do Governo Itamar Franco (1992 – 1995). Ainda segundo Brigido (2010), apesar do governo brasileiro não divulgar sua campanha, era perceptível, o posicionamento favorável do governo brasileiro a uma reforma do Conselho. Os discursos brasileiros de 1946, 1947 e 1948 foram marcados pelo idealismo e uma atitude cautelosa, como a vista durante a Conferência de São Francisco, o governo brasileiro ressaltava os objetivos da organização e criticava os conflitos entre as grandes potências. E em 1949, durante o seu discurso, o Brasil comparava as Nações Unidas a Liga das Nações, o representante brasileiro, afirmara que a ONU não poderia manter-se indiferente às mudanças de cenários. Notava-se, assim, no discurso brasileiro o assunto que viria a ser o principal objetivo da política externa brasileira, no longo prazo: a reforma da Carta das Nações Unidas (BRIGIDO, 2010). Ainda assim, apenas em 1953, o governo brasileiro, em seu discurso na Assembleia Geral, tratou abertamente da necessidade de reforma na Carta das Nações Unidas. Apesar de a questão ter sido tratada de maneira cautelosa, sem especificar o Conselho de Segurança, tendo como perspectiva questões econômicas. A partir de então, o elemento de reforma da Carta da ONU passou a estar presente no discurso brasileiro, as críticas à composição do Conselho 65 se faziam presente ora de maneira explicita, ora de maneira implícita (BRIGIDO, 2010). O tema da reforma do Conselho deixou de figurar nos discursos brasileiros na organização, mas a questão voltou para o centro da agenda internacional na década de 1980. E foi nesse contexto, que o então presidente brasileiro, José Sarney (1985 – 1990), durante a 44ª Sessão Extraordinária da Assembleia Geral, discursou sobre a necessidade de reforma do Conselho: “A experiência nos leva algumas reflexões. Para que a Organização das Nações Unidas, através do Conselho de Segurança, possa desempenhar o papel de relevo que dela se espera no campo da paz e da segurança internacional, impõe-se algumas alterações na estrutura e nos procedimentos do próprio Conselho. Como dar resolução a questões importantes relacionadas, por exemplo, com a instituição de operações de paz e com seu financiamento, sem um reexame da adequação da própria composição do Conselho?” (FUNAG, 1995, p. 503 e 504). Segundo Brigido (2010), o discurso foi a primeira vez em que o Brasil tratava do seu interesse de ocupar um assento permanente no Conselho, ainda que de maneira implícita. Nota-se, no discurso, o argumento que o governo brasileiro iria utilizar em sua campanha por um assento permanente no CSNU, “a apresentação do interesse individual como interesse coletivo.” (BRIGIDO, 2010, p. 99). Durante o governo de Fernando Collor de Mello (1990 – 1992), a “campanha” brasileira recuara. O governo brasileiro, novamente, não tratou de maneira direta a reforma do CSNU. Entretanto, quando Celso Lafer assumiu o cargo de Ministro das Relações Exteriores, o tema da reforma foi retomado. Era possível observar no discurso brasileiro uma intenção futura de pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança, o Brasil buscava reforçar suas credenciais para ajustar sua posição de poder e tornar-se um membro permanente do Conselho. O governo brasileiro acreditava que alcançaria tal objetivo devido ao seu “bom comportamento”. (VISENTINI, apud BRIGIDO, 2010, p. 101). Brigido (2010), baseada no pensamento de Visentini, chama atenção para o fato de o governo brasileiro utilizar do argumento de “bom comportamento”, relembrando a participação do Brasil em iniciativas 66 importantes para a organização ao invés de utilizar o argumento de capacidade, onde o Brasil teria as “credenciais necessárias” para assumir o posto e figurar entre as grandes potências, assim, o Brasil se mostraria capaz de gerir questões relacionadas à segurança internacional (BRIGIDO, 2010, p. 101). Contudo, a campanha brasileira não havia sido lançada oficialmente. Apenas ao final do mandato de Itamar Franco, em 1994, a candidatura seria lançada pelo então Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim (BRIGIDO, 2010). Anúncio da campanha em 1992 O discurso do então presidente Sarney é considerado o marco para o início da campanha brasileira por um assento permanente 44ª AGNU, para alguns autores. O então presidente chamava atenção para a necessidade de reformulação do Conselho (BRIGIDO, 2010). Contudo, segundo Brigido (2010), a campanha brasileira ganhou força, após a nomeação do Celso Amorim como Ministro de Relações Exteriores, em 1993, que o Brasil lançou sua candidatura, oficialmente, como membro permanente do CSNU. Foi então durante o discurso do então ministro, durante a 49ª AGNU, em 1994, lançou a candidatura brasileira: “Como outros países-membros, desejamos que a reforma do Conselho de Segurança resulte ao aumento de sua eficácia. Entendemos que tal eficácia somente será assegurada por uma composição verdadeiramente representativa do conjunto das nações. No início deste mês, aos Chefes de Estado e de Governo de catorze nações da América Latina e do Caribe que formam o Grupo do Rio, reunidos na cidade do Rio de Janeiro afirmaram que “(...) por sua tradição jurídica e contribuição à causa da paz, a região da América Latina e do Caribe deve estar contemplada em qualquer ampliação do Conselho”. O Brasil tem participado ativamente do debate sobre a ampliação do Conselho de Segurança. Temos deixado clara nossa disposição de assumir todas as responsabilidades inerentes aos países que se credenciarem a ocupar assentos permanentes. ” (FUNAG, 1995). Por fim, a candidatura brasileira demonstrara a vontade do governo do Brasil em assumir um papel de destaque na nova ordem internacional. Como abordado nos capítulos anteriores, essa pretensão brasileira de ajustar sua posição de poder e utilizar do Conselho das Nações Unidas para ser 67 reconhecido como uma grande potência nasce ainda na Liga das Nações, quando o Brasil buscava, por meio do pleito por um assento permanente no Conselho da Liga, figurar entre as grandes potências. Nesse contexto, o Brasil inicia sua campanha direta por um assento permanente no CSNU, objetivo central da política externa brasileira nos anos que se seguem (BRIGIDO, 2010). 68 4. Conclusões O presente trabalho buscou descrever o processo de construção, de negociação e do fracasso do pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações. Busca-se, nesse sentido, entender quais foram os efeitos do fracasso da demanda brasileira na construção de sua política externa, sobretudo, no que se refere à construção da campanha por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Após análise da atuação brasileira na Liga das Nações, bem como no processo de construção das Nações Unidas e suas primeiras décadas de funcionamento, é possível observar que o Brasil via nessas organizações uma oportunidade de projeção internacional. Ou seja, o governo brasileiro buscava, por meio dessas organizações, ajustar sua posição de poder e figurar entre as grandes potências (BARACUHY, 2006). As razões que levaram o Brasil a pleitear um assento permanente no Conselho da Liga estavam baseadas na busca por um prestígio internacional. O pleito era baseado nas visões e na personalidade dos Homens de Estado à época, Arthur Bernardes e Félix Pacheco, o então Presidente da República e o Ministro de Relações Exteriores. Cabe destacar, também, a condição interna do Brasil como um dos fatores que afeta à construção do pleito, considerando a forte oposição ao governo e a manobra de se utilizar de um objetivo de política externa para manobrar o descontentamento interno. As forças profundas tiveram um impacto direto na construção do pleito, principalmente no que se refere à retirada brasileira da Liga das Nações. No cenário de construção das Nações Unidas, o Brasil passa a ver naquela organização uma oportunidade de se projetar, sem, todavia, esquecerse do fracasso do pleito por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações. O governo utilizava, assim, de sua experiência para construir de maneira distinta sua campanha de reconhecimento da “grandeza” brasileira. As Nações Unidas representavam, assim, um meio de “corrigir uma impropriedade histórica de na década de 1920” (GRAÇA, 2012, p.56). 69 Segundo Coelho (2014), a campanha brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança não sofreu grande influência de movimentos internos. A campanha baseava-se no contexto externo de reformulação da Organização das Nações Unidas. O Brasil aliava, assim, o processo de reinvindicação de mudanças na estrutura da organização à sua ambição de ajustar sua posição de poder no sistema internacional e ser reconhecido como uma grande potência. Porém as candidaturas brasileiras, nas duas organizações, sofrem grande influência da figura do Homem de Estado e das forças profundas. O contexto internacional, afeta a construção do pleito em 1920 e em 1945. Os dois períodos são marcados por mudanças estruturais no cenário internacional, são, sobretudo, períodos que marcam o início da construção da nova ordem internacional. O governo brasileiro, então, utilizava este contexto para inserir-se entre as potências na ordem que se formava. Nota-se que, durante o período de incubação do pleito brasileiro por um assento permanente no CSNU, a personalidade dos formuladores de política externa afeta, diretamente, a construção do discurso brasileiro na organização. Onde o país busca um assento permanente no órgão ora de maneira implícita ora de maneira ativa. Novamente as forças profundas tem um papel de destaque na análise da construção da atuação brasileira no CSNU, tendo em vista que as condições do sistema internacional, bem como a figura do Homem de Estado gera maior movimentação para o alcance do objetivo de longo prazo da política externa brasileira, construído ainda na Liga das Nações. Por fim, é perceptível a continuidade da política externa construída na Liga das Nações, onde o Brasil deveria buscar ajustar sua posição de poder a partir de uma ordem já vigente. Ou seja, o Brasil por meio da conquista de uma posição de destaque nos órgãos chave daquelas organizações conseguiria ser reconhecido como uma potência e elevar, assim, sua condição de poder. O fracasso do pleito cria, assim, um elemento discursivo de longo prazo na política externa brasileira, onde o país busca por meio da Organização das Nações Unidas, em especial, no Conselho de Segurança das Nações Unidas reformas no sistema internacional, defendendo ora a democratização do 70 sistema, ora seu espaço entre as grandes potências. O país utiliza como na Liga das Nações, do discurso do coletivo para atender suas demandas individuais. 71 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Paulo Roberto de. Pequena lição de Realpolitik. Meridiano 47, Brasília, v. 9, n. 95, p.2-4, jun. 2008. ARAÚJO, Saint-Clair Cardoso. Métodos de Pesquisa. Brasília. 2000. Disponível em: <http://www.iesambi.org.br/apostila_2007/metodos_pesquisa.htm> ARRAES, VirgÍlio Caixeta. O Brasil e o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas: dos anos 90 a 2002. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 48, n. 2, p.152-168, 2005. AVILA, Carlos Federico Domínguez. 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