imagens da escuridão em macbeth

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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem:
Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010
UNIOESTE - Cascavel / PR
IMAGENS DA ESCURIDÃO EM MACBETH
BARELLA, Raquel Cristina Lübe (G – UNIOESTE)
POLIDÓRIO, Valdomiro (Orientador - UNIOESTE)
RESUMO: A ocorrência da literatura de cunho gótico é observada principalmente no
contexto do Pré-Romantismo e Romantismo, sobretudo nas produções de escritores da
Inglaterra e dos Estados Unidos da América, cujo exemplo são Byron, Shelley e Poe,
entre outros importantes nomes. Esse gênero, que reflete um espírito assaz noturno, teria
surgido no início da Revolução Industrial, no século XVIII, da união entre a mística
inglesa e o sentimentalismo burguês, estabelecendo, além disso, contraste com o
Classicismo. Entre as influências dos poetas e escritores dos períodos literários
supramencionados é citado Shakespeare, que, já no ano de 1605, em sua tragédia
intitulada Macbeth, apresentava traços do goticismo, uma vez que faz, nessa, uso de
elementos imagéticos como o sangue, as trevas e a morte, e do sobrenatural,
representado mormente pelas “três irmãs estranhas” e por suas peripécias, que
contribuem não só para a ambientação daquela como também para a construção da
tensão e do terror da peça. Destarte, esse trabalho tem por escopo ressaltar e analisar em
Macbeth como se dá dualidade “escuridão versus luz”, bem como a simbologia das
imagens de aspecto lúgubre incrustadas no texto, que permitem tomar a obra como
Literatura Gótica. Para tanto, apoiar-se-á sobretudo em Spurgeon (1972) e seu
Shakespeare’s imagery and what it tell us.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura Gótica, Tragédia, Shakespeare, Imagens.
1 - Introdução
Motes que tangem o lúgubre, o obscuro, são recorrentes sobretudo na literatura
inglesa e norte-americana do período Pré-Romântico e Romântico. Dessa forma, é
possível citar escritores como Edgar Allan Poe (nos Estados Unidos), Emily Brontë,
Lord Byron e Mary Shelley.
Inúmeros elementos imagéticos são utilizados para que a ambientação da intriga
se construa de forma a acentuar o suspense, o mistério e a tensão que se intenta incrustar
na narrativa. Entre eles o sangue, a morte, a escuridão (as trevas ou a noite) e alusões ao
demônio, isto é, à tudo aquilo que não é sublimado.
Não obstante se afirme ser a Literatura Gótica originária do século XVIII, no
contexto do início da Revolução Industrial, já um século antes se observa em um drama
de Shakespeare aspectos dessa literatura, que influenciaria, mais adiante, os escritores e
poetas românticos. Macbeth, que data de 1605, é perpassado pelas sombras e pelo
sobrenatural.
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Conforme Burgess (1974, p.81) “[...] Macbeth, which, with its Scotish setting,
honours a Scottish king, is, on one level, a compendium of things that interested James I
– his own ancestry, the prevalence of witchcraft – but, on another, it is a very bitter
vision of life: „Out, out, brief candle.‟”
O rei James I, da Escócia, fez-se conhecer pelo seu interesse em sua genealogia e
por ordenar a morte de pessoas acusadas de bruxarias. Porém, embora seja a Era
Jacobina o contexto de produção de Macbeth, o enredo se passa no século XI, no
reinado de Henry VIII, que, assim, como James, manda matar bruxas que teriam feito
feitiços para que seu navio afundasse.
A decadência que entrelaça a personagem título, advinda da vaidade – mãe da
ambição – é envolta por tragicidade, pela treva e por ambiente propício para o medo,
para o temor. A geografia, importante nas obras do inglês, assume aqui papel essencial:
as Highlands da Escócia contribuem para a nebulosidade do drama e conferem a ele a
verossimilhança.
Destarte, o presente artigo tem por escopo apontar e analisar na peça
Shakespereana Macbeth como se dá a dualidade “luz versus escuridão” – enfatizando a
última –, que não só compõe o cenário, mas é primordial para que se desenvolva o final
trágico. Para tanto, discorrer-se-á, a priori, acerca das características da literatura gótica,
para, a posteriori, se dedicar aos elementos e imagens que vêm acarretadas à escuridão
– como o sangue e a morte –, que dominam a ambientação dessa peça de Shakespeare e
a tornam tipicamente gótica.
2 - Literatura de Cunho Gótico
Acerca da origem dos textos literários em que se incute o sombrio, aquela é
colocada como contemporânea à Revolução Industrial, que iniciou no século XVIII e
trouxe, escondidos entremeio ao desenvolvimento e a evolução em diversos sentidos,
problemas graves de ordem social – como a miséria – e psicológica, que foram
refletidos, pois, na literatura da época.
Em seu amplo estudo sobre a literatura gótica, Davis Punter
caracteriza-a como uma forma literária que, presente sobretudo na
literatura inglesa e nascida no início da revolução industrial, não se
prende a um determinado período histórico, mas onde quer que surja
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(e seu papel na literatura romântica inglesa e norte-americana foi
preponderante) marca-se pelo irrealismo, por uma certa ênfase na
descrição terrificante, uma insistência nas ambientações arcaicas, no
uso conspícuo do sobrenatural; na presença de personagens
extremamente estereotipadas e na tentativa de desdobrar e aperfeiçoar
as técnicas do suspense literário. (MENEZES apud DIMARCH, 2007,
p.69)
Destarte, esse espírito noturno está presente sobretudo nos escritores Românticos
e do período antecedente a eles, que começa a contrastar com o Classicismo e se
interessa por assuntos místicos que se contrapõem àquilo que a Igreja da ContraReforma pregava. Esses questionamentos tomam forma na Inglaterra, onde, consoante
Carpeaux (1985, p.160), se deu a aliança entre a mística inglesa e o sentimentalismo
burguês, que, segundo a autora, culminou no Romance Gótico, cujos representantes que
se sobressaem, no pré-romantismo, são Horace Walpole, Ann Radcliffe e Matthew
Gregory Lewis. Assim, a Inglaterra era o palco onde se apresentava o exótico – tudo
aquilo que não era Clássico –, seus traços sentimentais, noturnos e voltados para a
natureza. Há que se ressaltar, em tempo, que entre as diversas influências préromânticas, é Shakespeare, cuja obra é objeto de análise desse trabalho, a que mais se
destaca: “Da Inglaterra veio a descoberta de Shakespeare, que é talvez o capítulo mais
fantástico da história do Pré-Romantismo.” (CARPEAUX, 1985, p.160)
De acordo ainda com Carpeaux (1985, p.161), os traços góticos como o
terrificante, o estranho e o sobrenatural não só se estendem do momento pré-romântico
para o Romantismo, mas se renovam e se fazem ainda mais vistosos, o que se pode
verificar nos textos de Ludwig Tieck, que são desde dramas até conto de fadas, cujo
exemplo é o título Der blonde Ekbert.
Entretanto, a autora coloca E. T. A. Hoffman como autor mais importante do
Romantismo e lhe atribui a invenção do conto gótico. Hoffman, para ela, narrava o
obscuro com exagero, tão levado ao extremo aquele era que acabava por acarretar
efeitos de humor. O alemão também teria influenciado nomes bastante reconhecidos e
consagrados como Emily Brontë, Edgar Allan Poe e Gogol.
Ao tratar dos poetas românticos, Evans (1976, p.82) assevera que
Na poesia de todos eles [Byron, Coleridge, Shelley e Keats] revela-se
um sentido do maravilhoso, uma percepção da vida vista através de
uma sensibilidade nova e uma imaginação diferente. A singularidade
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da experiência individual implica para cada poeta romântico uma
solidão espiritual. Se bem que dotados de uma apurada consciência
das obrigações sociais, o poder de uma excepcional concepção da vida
obriga-os a ser quase como fugitivos que evitem os outros homens.
Presente em todos eles, esse sentimento em nenhum é tão forte como
em Shelley, que parece achar mais contentamento entre as folhas
mortas, as águas iluminadas pela lua e os fantasmas do que lugares
habitados pelo homem [...].
Na descrição dos traços que faz o autor acerca de Shelley, são dignas de nota as
cenas que ela pinta em seus escritos, que refletem de forma clara parte daquilo que é
apreciado pela literatura em que se implanta o goticismo. No entanto, mais soturno
parece ser Byron, que, além do sombrio incidir na sua poesia, fez a si um reflexo dos
“aspectos diabólicos do Romantismo” (Evans, 1976, p.99).
Após essa breve exposição daquilo que se refere à literatura gótica, passa-se,
então, à uma análise dos elementos góticos em Macbeth, obra daquele que contribuíra
para a criação de muitos dos textos em que incorre o soturno a que se fez menção nas
linhas acima.
3 - Imagens da Escuridão em Macbeth
O enredo de Macbeth, como já supracitado, é envolto por traços tangentes ao
obscuro, que possibilitam o efeito sombrio que a peça transmite. Macbeth e Banquo
encontram as três bruxas, que lhes fazem previsões: Macbeth, Barão de Glamis, se
tornaria Barão de Cawdor e então rei. Quanto a Banquo, a realeza se destinava a seus
descendentes. Quando a primeira profecia se cumpre, a ambição de Macbeth se acentua
e, influenciado por sua esposa, Lady Macbeth, busca meios de se tornar de fato rei, o
que culmina no regicídio: o então Barão de Cawdor assassina o rei Duncan e assume
seu posto. No entanto, não é a felicidade que é acarretada ao seu reinado, mas tragédias,
mortes, doença, loucura e afetação. A Escócia, palco da tirania desse personagem
Shakespereano, se transforma, dessa forma, em um local assaz assustador, o que se nota
no que profere Ross a Macduff na terceira cena do ato quarto:
Ai de mim, uma pobre pátria! Quase treme, só de pensar em olhar
para si mesma. Em vez de nosso berço, terá de ser chamada de nosso
túmulo. A ninguém se vê sorrindo, nunca, à exceção daqueles que
nada sabem. Soluços e gemidos e gritos dilaceram o ar e passam
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despercebidos. A tristeza mais violenta parece uma emoção
corriqueira. Quando dobram os sinos por algum finado, dificilmente
alguém pergunta quem expirou. E expiram-se as vidas dos homens de
bem antes de fenecerem as flores de seus chapéus. Morrem antes de
adoecer. (Shakespeare, 2003, p.224)
Ross faz que se tome, pelo excerto, os habitantes da Escócia, no reinado de
Macbeth, como vagantes, fantasmas que com nada se importam, que mostram ausência
de sentimento. Uma pátria em que há nada senão sussurros e espectros. A imagem da
morte, das cinzas do que foi destruído, que se acentua se levado em conta o clima que
compreende esses assombrosos elementos.
Imputa-se, assim, às Highlands a nebulosidade da ambientação. O espaço
geográfico que assite às peripécias das personagens é aquele das Terras Altas da
Escócia, a região de Inverness e Forres, citada como cenário. É mister ressaltar que a
geografia é componente importante nas obras Shakespereanas, porquanto está incutida
das intenções do autor que, muitas vezes, a utiliza para agradar a realeza – aqui
representada pelo Rei James, escocês.
Consoante Spurgeon (1972, p.168), as imagens e as idéias que as perpassam se
apresentam mais complexas e imaginativas nesse drama do que nos outros textos de
Shakespeare. Concluindo seu texto acerca daquele tema, a autora afirma ter dito o
suficiente
[...] to indicate how complex and varied is the symbolism in the
imagery of Macbeth, and to make it clear that an appreciable part of
the emotions we feel trhoughout of pity, fear and horror, is due to the
subtle but definite and repeated action of this imagery upon our
minds, of which, in our preocupation with the main theme, we remain
often largely unconscious. (SPURGEON, 1972, p.177)
Há, diante disso, diversos desses elementos imagéticos que remetem ao gótico.
O ambiente é construído de forma a criar no espectador (leitor) a tensão gerada pelo
sombrio, porquanto a presença da luz é mínima. As bruxas aparecem na charneca, o
castelo de Macbeth é iluminado por tochas (devido também ao contexto em que se passa
o drama) e as tempestades são também muito citadas. Logo no ato primeiro, primeira
cena, as moiras falam entre si: “Quando nos encontraremos as três, uma próxima vez?
Ao som dos trovões, à luz dos relâmpagos, em meio à chuvarada?” (SHAKESPEARE,
2003, p.145).
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O psicológico das personagens é refletido e afetado pelo ambiente. Pouco antes
de Macbeth cometer o terrível ato, Banquo se sente incomodado pela pouca
luminosidade e parece prever o que estava para acontecer. Fleance afirma já ter passado
da meia-noite, quando a lua, para eles, se põe e então Banquo diz:
Pega aqui, segura minha espada. Estão fazendo economia no céu. As
luzes estão todas apagadas. Segura isto aqui também. Cai, como
chumbo sobre os meus ombros, uma pesada pasmaceira, e, mesmo
assim, não quero dormir. Potestades, refreiem em mim os
pensamentos amaldiçoados aos quais a Natureza dá passagem durante
o repouso dos mortais. (SHAKESPEARE, 2003, p.167)
Também Lennox afirma, em momento ulterior, pouco antes da luz do dia trazer
a revelação do que ocorreu, que a noite lhe parecera agitada:
Esta noite foi turbulenta. Onde dormimos, a ventania derrubou as
chaminés. E (como dizem) ouviram-se lamentações no ar da noite,
estranhos gritos de morte, e profecias, de tétricas pronúnicias, de
medonhas combustões, de eventos caóticos, recém saídos da casca,
trazidos à luz em tempos infaustos. (SHAKESPEARE, 2003, p.176).
Em relação ao mote da noite, de acordo com Cirlot (1984, p.232)
As trevas – anteriores ao fiat lux – expressam sempre, no simbolismo
tradicional, o estado das potências não desenvolvidas que dão lugar ao
caos. Por isto, a escuridão
projetada no mundo ulterior ao
aparecimento da luz é regressiva; por isto se identifica
tradicionalmente com o princípio do mal e com as forças inferiores
não sublimadas.
Essa regressão pode ser entendida em Macbeth como o abster-se da luz da
sabedoria e o submeter-se aos desejos maldosos, isto é, o personagem não se deixa
controlar pelo superego, mas age guiado por sua ambição, desviando os olhos das
razões para não cometer o assassinato (o parentesco e a humildade de Duncan). No
recorte da passagem em que Banquo se sente sufocado devido à “economia no céu”,
esse incômodo pode também revelar intenções suas ambiciosas, que aparecem no
“repouso dos mortais”.
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Assim, se observa que – uma vez mais segundo Spurgeon (1972, p.173) –
“Another constant idea in the play arises out of the symbolism that light stands for life,
virtue, goodness; and darkness for evil and death.”
Percebe-se, portanto, a noite – a escuridão – como imagem-chave, pois que é na
ausência da luz que o regicídio é perpetrado, crime que pode ser sentido como ápice da
situação desarmoniosa iniciada com as revelações das moiras.
Ainda, é apenas nesse período que o personagem-título e sua esposa vêem como
possível tal ato malévolo (SPURGEON, 1972, p.173) – “Vem, Noite espessa e veste a
mortalha dos mais pardacentos vapores do Inferno, que é para minha fina afiada faca
não ver a ferida que faz, que é para o Céu não poder espiar através da coberta de
escuridão a tempo de gritar „Pare, pare‟!” (SHAKESPEARE, 2003, p.160)
– e é
recorrente a atribuição às trevas o poder de ocultamento de pensamentos e ações
desonrosas ou passíveis de punição: “Estrelas, escondam o seu brilho; não permitam
que a luz veja meus profundos e escuros desejos.” (SHAKESPEARE, 2003, p.157)
Como no excerto supramencionado Cirlot (1984) relaciona as trevas ao mal e a
aparição de figuras que não as sublimes, é nesse ambiente que aparece o sobrenatural;
No ato quarto, primeira cena, a rubrica indica que Macbeth, as bruxas e Hécate estão em
uma caverna. Lá, surgem aparições, caracteres grotescos, ao som de trovões, advindos
de feitiços: uma cabeça armada, uma criança ensanguentada e uma criança coroada,
segurando na mão uma árvore.
A morte também é carreada pela escuridão, uma vez que, além do regicídio,
Banquo também perde a vida quando não há a presença da luz natural. Macbeth, no
excerto abaixo, exprime sua ânsia pela chegada da noite, que trará a eliminação – pelas
mãos de três assassinos contratados por ele – de suas precupações acerca das
desconfianças de Banquo sobre a autoria do regicídio.
Vinde, Noite, vendar-nos os olhos, selar o terno olhar deste Dia
compassivo, e, com vossa mão invisível e de sangue sedenta, cancelai
e fazei em pedaços este documento que a mim cerceia todos os
movimentos. A luminosidade vai se turvando, e o corvo alça vôo vai
para a mata escura. As boas criaturas do Dia começam a desanimar e
dormitam, enquanto os negros agentes da Noite atiçam-se para suas
presas. (SHAKESPEARE, 2003, p.192).
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Uma vez mais se verifica, de tal forma, a acepção da escuridão como associada
às maldades e à morte.
Do sangue, derramado por esses diversos falecimentos que a peça descreve, há a
recorrência abundante naquela. Nas palavras de Macduff, “Sangra, sangra, pobre pátria”
(SHAKESPEARE, 2003, p.219). Para Spurgeon (1972, p.177), “The feeling of fear,
horror and pain is increased by the constant and recurring images of blood;”
De modo que “As qualidades passionais do vermelho infundem seu significado
ao sangue” (CIRLOT, 1984, p.509), que o líquido é o veículo das paixões, inesgotável
para o afetado psicológico de Lady Macbeth, em suas mãos, parece simbolizar a
lembrança do pecado que cometera, uma vez que se deixara conduzir pelas paixões: a
ambição e a vaidade – “Sai, mancha maldita! Sai, estou dizendo” (SHAKESPEARE,
2003, p.229). É a marca constante do que resultou da hamartia, o sentimento de culpa.
De acordo com o que se disse em momento anterior, assim como o sangue, a
morte e a noite, o sobrenatural faz parte da literatura de cunho gótico. Em Macbeth ele é
perceptível primordialmente nas figuras das Moiras e de Hécate.
Em detrimento de serem objetos postos em razão de James I, a presença das
bruxas é fundamental para o drama aqui analisado, a começar pelo fato de que são as
Moiras que permitem e iniciam o conflito, acordando, com suas previsões, a ambição de
Macbeth, que seria, em momento ulterior, aguçada por sua esposa.
Entretanto, a simbologia que representam aquelas é, assim como a escuridão,
importante para a elaboração do terror, além de assumirem o papel do sobrenatural,
juntamente com o elemento místico das profecias que faz o ambiente (veja-se quando
Lennox descreve a noite antecedente ao regicídio).
A partir do que a mitologia reza acerca dessas, se compreende quão significativa
é sua presença no enredo: são as Moiras nascidas da noite. Figuram como o destino de
cada um e, nas batalhas, se alimentam do sangue dos mortos (HACQUARD, 1996,
p.107). Diante disso, se nota que englobam dois dos principais símbolos que conferem
à obra a temerosidade e que delineiam a tragédia, assim como as três a delineiam por
meio de suas previsões.
Na peça Shakespereana, a caracterização que recebem é horrenda, criando no
espectador (leitor) pavor ao imaginar encontrar tais figuras em um ambiente como a
charneca.
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BANQUO – A que distância, em sua avaliação, senhor, estamos de
Forres? O que são essas figuras, tão murchas e claudicantes e tão
fantásticas e desvairadas em seus trajes a ponto de não parecerem
habitantes da Terra e, no entanto, podemos ver que estão sobre a
Terra? Vivem, vocês? Ou seriam vocês alguma coisa que não admite
perguntas humanas? Vocês parecem entender-me, logo levando, como
fazem, cada uma por sua vez, seu dedo encarquilhado aos lábios
emaciados. Vocês têm toda a aparência de mulheres e, no entanto,
suas barbas proíbem-me de interpretar suas figuras como tal.
(SHAKESPEARE, 2003, p.150)
Trazem consigo outros elementos grotescos (o sapo, as aparições), os feitiços,
crenças antigas, como a de que os animais em que as feiticeiras se metamorfoseavam
não poderiam ter cauda, caso contrário não teriam uma das patas. O que está
subentendido nos versos:
Numa peneira eu vou lá.
Velejando, velejando...
Vou, como um rato sem rabo!
Velejando, velejando...
(SHAKESPEARE, 2003, p.149)
Por sua vez, Hécate era considerada benevolente e se acreditava que trazia
prosperidade material aos homens. No entanto, ao longo dos anos, passou a ser
associada ao mundo das sombras. Assim, foi tomada como a inventora da feitiçaria, a
“chefe” das bruxas. (GRIMAL, 1993, p.193)
E é assim que a figura mitológica aparece em Macbeth, remetida à maldade,
chefiando as três estranhas irmãs e ligada à feitiçaria e à escuridão:
Ah, muito bem feito! Tenho em alta consideração a trabalheira das
três, e terá sua parte nos lucros cada uma de vocês. E agora, cantem
em volta do caldeirão, num círculo, como fadas e duendes, lançando,
sobre essa vossa poção, encantamentos a todos os ingredientes.
(SHAKESPEARE, 2003, P.207)
4 - Considerações Finais
À guisa de conclusão, a partir da análise realizada nos parágrafos acima, se
percebe que a idéia de regressão que trazem as trevas, apresentada por Cirlot, é cabível
em Macbeth, pois que nelas as personagens se julgam capazes de agir conforme seu
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desejo, fechando os olhos para aquilo que a convivência social demanda. Dessa forma,
toda sorte de desvios e maldades são cometidas, de modo que isso faça haver a presença
de elementos como o sangue e a construção de um ambiente físico e psicológico
tenebroso e repleto de tensão.
Por conseguinte, a idéia da treva carreando o mal – ao passo que a luz
desautoriza a “cegueira moral” causada pelos instintos – e esse por sua vez trazendo
consigo simbolismos que não sublimes, bem como os possíveis sentimentos de pavor
suscitados nos leitores (ou espectadores, como outrora) tornam plausível conceber a
obra como pertencente à literatura gótica.
Embora se tenha intentado abranger o máximo das imagens advindas da
escuridão, é mister mencionar que não se contemplou de modo aprofundado, nesse
artigo, todos os objetos que dão à peça o efeito gótico de suspense, soturnidade e terror,
eis que esses se apresentam naquela com riqueza.
REFERÊNCIAS
BURGESS, Anthony. English Literature. Longman, 1974.
CARPEAUX, Otto Maria. Prosa e Ficção do Romantismo. In: GUINSBURG, J. (org).
O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1985.
CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Moraes, 1984.
DIMARCH, Bruno Fischer. O Gótico e as Sombras: comunicação não comunicada.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 1997. 171 p. Dissertação (Programa de
pós-graduação em comunicação e semiótica) Pontifícia Universidade Católica. São
Paulo, 2007.
EVANS, Ifor. História da Literatura Inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 1976.
GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Bertrand,
1993.
HACQUARD, Georges. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. São Paulo: Asa,
1990.
SHAKESPEARE, William. Macbeth. São Paulo: Nova Cultural, 2003.
SPURGEON, Caroline. Shakespeare‟s imagery and what it tell us. In: WAIN, John
(org.). Macbeth – A selection of critical essays. Macmillan, 1972.
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