Transformações do ambiente e consumismo no modo de vida urbano: análise de fachadas residenciais na perspectiva sociedade x arquitetura PALAVRAS-CHAVE: Consumismo; Transformações do ambiente; Modo de vida urbano. Viviane Nascimento Silva PPGDS Unimontes Elis Medrado Viana PPGSAT UFMG/Unimontes Fábio da Silva Gonçalves PPGSAT UFMG/Unimontes Transformações do ambiente e consumismo no modo de vida urbano: análise de fachadas residenciais na perspectiva sociedade x arquitetura Viviane Nascimento Silva1 PPGDS Unimontes Elis Medrado Viana2 PPGSAT UFMG/Unimontes Fábio da Silva Gonçalves3 PPGSAT UFMG/Unimontes RESUMO Refletir as transformações do ambiente por meio do consumismo exacerbado nas cidades e perceber como elas podem ter colaborado desde então para alterar a organização do modo de vida urbano é o objetivo desse artigo. O debate teórico que subsidia o texto, busca elencar os impactos da globalização e mudanças na estrutura social. Estas mudanças, embora comecem no campo da economia, não se restringem a ela passando a interferir diretamente no âmbito dos valores, dos comportamentos, hábitos e costumes das pessoas. Refletir acerca dessas transformações, possibilita entender como a sociedade vivencia seu processo de desenvolvimento e identifica os elementos responsáveis pelas mudanças ambientais desencadeadas. Este trabalho trata-se de observar como transformações de ordem socioeconômicas e socioculturais interferem no reordenamento e na paisagem das cidades, revelando a mutação de valores, preferências e sentidos. Por isso, torna-se relevante tomar notas sobre os conceitos da cidade, o processo de formação das metrópoles e a ideia de urbanismo como modo de vida. O fenômeno da globalização é carregado de contradições, símbolos e significados. Vale pautar os custos do progresso industrial, da acumulação baseada na exploração de um sistema fechado de um mundo finito onde se faz urgente a reflexão das consequências das ações humanas. A economia transnacional encontrou como saída para busca de ascensão a abertura das fronteiras comerciais para vender, comprar e produzir em qualquer lugar, dissociando as atividades econômicas das condições locais ou nacionais.A globalização está na transnacionalização das relações sociais e pressupõe a necessidade de preocupação com o planeta, um mundo ameaçado de desaparecer pela ação humana. PALAVRAS-CHAVE: Consumismo; Transformações do ambiente; Modo de vida urbano. 1 Acadêmica do Doutorado em Desenvolvimento Social Acadêmica do Mestrado em Sociedade Ambiente e Território 3 Acadêmico do Mestrado em Sociedade Ambiente e Território 2 INTRODUÇÃO Atualmente, As cidades têm feito um movimento contínuo de crescimento voltado para a urbanização e para a metropolização. Com isso, o consumo de bens e serviços estão cada vez mais presentes na realidade da população urbana. Essa relação entre população e consumo incide diretamente também na relação com o ambiente, haja vista a utilização dos recursos naturais exacerbada e a importância dada ao desenvolvimento. Nesse sentido, lançar o olhar sobre o crescimento das cidades a partir da perspectiva desenvolvimentista significa destacar ações e estratégias de valorização e utilização de instumentos e métodos capitalistas cada vez mais presentes na dinâmica populacional. Refletir sobre as transformações do ambiente por meio do consumismo exacerbado nas cidades e perceber como elas podem ter colaborado desde então para alterar a organização do modo de vida urbano é o objetivo desse artigo. O debate teórico que subsidia o texto, busca elencar os impactos da globalização, mudanças na estrutura social do espaço e formas de mediação da relação entre população e ambiente diante de processos de urbanização. As transformações de natureza socioeconômicas e sócio-culturais ocorridas no último século desencadearam uma série de mudanças na estrutura da ordem social do capitalismo mundial. A sociedade densa, rígida, pesada, forte e sistêmica, por assim dizer representada pela figura do totalitarismo, do fordismo e da burocracia se transforma gradualmente numa estrutura nova, diferente, líquida, compulsiva, contínua e leve. As categorias tradicionais como por exemplo, a família, o Estado e a classe social são reestruturadas no que diz respeito à composição, valores, normas e procedimentos. O modelo de família patriarcal dá lugar a outras formas de representação da base familiar que evidenciam a busca por reconhecimento das diferenças e das relações de gênero em contraste com as condições de superioridade e inferioridade historicamente marcadas. Nessa perspectiva, o Estado que antes exercia sua função de forma centralizada, vivencia um processo de modernização baseado na lógica de um planejamento estratégico a fim de atingir os princípios da eficiência, eficácia e efetividade da sua ação. As condições e os limites que determinam o pertencimento a uma classe social específica são relativos e tênues, uma vez que a composição e o conceito de classe social passam por alterações e adapta-se ao formato da sociedade. Refletir acerca dessas transformações, possibilita entender e identificar como a sociedade vivencia o processo de desenvolvimento e como os elementos responsáveis pelas mudanças sociais são desencadeadas. De modo alinhavado, esta reflexão possui estreita relação e até fundamenta, tacitamente, o entendimento das mudanças em torno do espaço urbano, da reconfiguração e significação do que vem a ser a cidade, do modo de vida urbano. Trata-se de observar como transformações de ordem socioeconômicas e socioculturais interferem no reordenamento, na paisagem e arquitetura das cidades, revelando a mutação de valores, preferências e sentidos. Na primeira parte deste trabalho, constam notas acerca das principais transformações econômicas inerentes ao capitalismo mundial, sobretudo no que diz respeito aos processos produtivos. Em seguida, são apontadas algumas reflexões quanto às transformações de ordem cultural que embora surgem na maioria das vezes em decorrência de processos oriundos da economia, não restringem a ela, transcendem esta dimensão na medida em que alteram padrões de comportamento. Nessa parte, este trabalho faz referência à conceituação da cidade, ao processo de formação das metrópoles e à ideia de urbanismo como modo de vida. Ainda, a terceira parte procura articular as exposições anteriores por meio da reflexão em torno de uma experiência de análise das relações entre Arquietura e Dinâmica Populacional diante do contraste existente nas faxadas residenciais de uma cidade do Estado da Bahia.4 TRANSFORMAÇÕES SOCİOECONÔMİCAS E SOCIOCULTURAIS NA E DA CIDADE As bases estruturais da industrialização marcadas pela enorme quantidade de produtos, com muito trabalhadores distribuídos conforme as funções específicas das 4 As reflexões provem da realização de um minicurso denominado Arquitetura e Sociedade: análise estrutural de fachadas residenciais no município de Brumado/BA durante a Semana Nacional de Educação, Ciência e Tecnologia – SECITEC/2015. Embora a análise seja local, o modelo metodológico proposto pode ser realizado em vários municípios brasileiros que passaram e passam por este processo de mudanças diante das transformações da sociedade capitalista. O município de Brumado – BA, localizado a 120 Km de Vitória da Conquista no sudoeste da Bahia, possui uma população estimada em 2013 pelo IBGE de 68.776 habitantes. etapas de produção sofreram modificações decorrentes das inovações tecnológicas e passaram a exigir funcionários multifuncionais e flexíveis. Segundo Harvey (1993), a acumulação flexível representou um modelo de produção capitalista em substituição ao modelo fordista, entre as décadas de 1960 e 1970, que já não conseguia resolver os problemas emergentes no capitalismo. O sistema fordista entrou em declínio porque o mercado já não mais comportava a produção em massa, assim sendo, houve problemas no investimento de capital constante e de capital variável vinculado à produção massiva e em longo prazo. Nesse sentido, A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos e pelas novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológico organizacional. Com isso, a acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como o entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos individuais, completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas; [...] (HARVEY, 1993, p. 140). A nova forma produtiva que articula desenvolvimento tecnológico e desconcentração produtiva permite que o conhecimento, dentro do processo de produção flexível, torne-se essencial, uma vez que o domínio de técnicas mais recentes, dos mais novos produtos, da mais recente descoberta científica representa uma grande vantagem diante de um quadro competitivo, em um mundo onde as mudanças ocorrem de maneira rápida e os gastos e necessidades dependem de um sistema de produção mais flexível. Portanto, o conhecimento traduzido em capital intelectual é valorizado no processo de produção. Por isso, a formação no sentido escolar, ganha centralidade para atender às necessidades do mercado de trabalho, haja vista o destaque concedido à capacitação técnica e profissional: os propósitos dos sistemas educacionais são redesenhados em virtude disso. Ainda de acordo com Harvey (1993), a acumulação flexível é, sumariamente, uma nova maneira encontrada pelo sistema capitalista de superar suas crises cíclicas e as contradições da concentração do capital. Trata-se, portanto, de um processo de acumulação flexível, em que a produção, o mercado e a força de trabalho também são flexíveis. 5 Destarte, a globalização econômica consiste em outra transformação que altera a estrutura da sociedade, em virtude das alterações provocadas nas fronteiras mundiais relativas à produção, montagem e comercialização de bens e serviços. Isso foi em grande parte facilitado devido aos avanços das tecnologias de informação que permitem realizar diferentes tipos de comunicações instantaneamente em diversos lugares do mundo. Ao mesmo tempo em que ocorrem mudanças de natureza econômica, a sociedade transforma sua base de valores, normas, estilos de vida e relações simbólicas. Existe uma reconfiguração cultural do sistema de produção, sobretudo, no espaço urbano, na cidade. A cidade possui a diversidade como característica marcante. A imagem da cidade se configura por meio de jeitos, sons, cores, sotaques, roupas, manifestações culturais, movimentos diferenciados. É o lugar da diversidade de ideologias, costumes e atitudes, em que coexistem pessoas de diferentes crenças, valores, idades, profissões, gostos e preferências. Essa pluralidade sempre gerou discussões entre os pensadores clássicos e tem se tornado objeto de estudo em muitas das áreas da ciência moderna permeando as produções contemporâneas. A propósito, de acordo com Weber, (1987) a cidade constitui um espaço relativamente autônomo no que diz respeito à economia, justiça, distribuição do poder e comunhão de interesses e relações. A cidade é um pré-requisito para a existência do capitalismo e pressuposto de seu desenvolvimento. Já segundo Marx & Engels (1974), o conceito de cidade está atrelado ao desenvolvimento econômico, uma vez que ela constitui um mercado de bens, de capital e de trabalho. Contudo, a cidade pode ser compreendida também como uma "força" social capaz de influenciar e determinar os efeitos na vida social. As discussões realizadas pelos autores da Escola de Chicago 6 traduzem as transformações socioculturais do sistema capitalista ao destacar o surgimento e desenvolvimento das cidades como a consolidação de uma nova forma cultural, de um modo de vida decorrente do processo de urbanização, 5 O próprio conceito de trabalho passa por modificações à medida que se afasta da vinculação estreita clássica com as atividades produtivas. 6 Movimento do início do Séc. XX que combinou conceitos teóricos e pesquisa etnográfica para estudar os grandes centros urbanos emergentes nos EUA. em que as relações sociais são transitórias, movidas por interesses exclusivamente práticos e com caráter individualista. (WIRTH, 1987) Por fim, as transformações de caráter econômico e cultural ocasionaram mudanças estruturais significativas na ordem social vigente. É de fundamental importância compreender essas transformações e como elas ocorreram. No entanto, é extremamente essencial refletir sobre os impactos gerados em decorrência delas, os efeitos principais sobre o desenvolvimento e os ganhos sociais possíveis diante desse processo. Nesse sentido, insta indagar: Quais tipos de mudanças foram impulsionadas no cenário denomidado urbano mediante as transformações ocorridas no sistema capitalista de produção? Responder plenamente a este questionamento não é pretensão deste trabalho, senão elucidar aspectos teóricos e empíricos que auxiliem na compreensão de como a arquitetura atual, o “jeito” de viver, as preferências, são parte integrante dessas transformações na dinâmica populacional das cidades. De acordo com o tipo de transformação ocorrido na sociedade, as cidades e sua arquitetura serão reconceituadas, redefinidas ou resgatadas. Por exemplo, o uso de revestimentos no estilo colonial foi por muito tempo utilizado para projetar e decorar ambientes residenciais. Atualmente, eles retornam com outra roupagem, novas ténicas de aplicação, materiais diferentes e mais resitentes às intempéries do tempo. Os efeitos das transformações supramencionadas incidem na sociedade multiplamente. A priori, configura-se na passagem de uma sociedade organizada em classes sociais bem definidas, para um tipo de sociedade complexa, múltipla em seguimentos, em que os cidadãos podem pertencer ao variados estratos sociais ao mesmo tempo, dependendo das suas características etárias, de gênero, de etnia, etc.. Neste caso, o conceito de política social é alterado diante da necessidade de atender anseios de diferentes seguimentos. Por outro lado, ocorre a transição de uma sociedade forte, densa, rígida, baseada em interesses coletivos, para uma sociedade fluída, leve, flexível em que são privilegiadas a cada dia, as escolhas e opções individuais. Assim, a arquitetura e o cenário urbano também se modifica aumentando o leque de opções em torno das construções diante daquilo que agora atende às diferentes exigências e estilos de vida da população. A vida corrida, a competitividade, o individualismo moderno, a quantidade de filhos numa família, a violência urbana, as condições de trabalho tornaram-se diferentes no decorrer das últimas décadas e as pessoas apresentam novas demandas e se adaptam a novos jeitos de viver, de morar, de trabalhar e de ocupar os espaços. Certamente, os impactos relativos às transformações no sistema capitalista, alteraram fundamentalmente o processo de desenvolvimento da sociedade, os cenários urbanos e o próprio conceito de desenvolvimento foi modificado. CİDADES E METRÓPOLES – REFLEXÕES SOBRE O MODO DE VİDA URBANO O início do que é considerado moderno, é caracterizado pelo crescimento das grandes cidades. O homem moderno concentra-se em agregados gigantescos. Dessa forma, a influência que as cidades exercem sobre sua vida social são bastante significativas, uma vez que a cidade consiste no centro iniciador e controlador da vida econômica, política e cultural na maior parte do espaço geográfico contemporâneo. Existe literatura rica acerca da cidade enquanto temática, mas sobre o urbanismo especificamente, poucos são os estudos estruturados. Na verdade, o que mais se pode encontrar, são estudos de particularidades da vida urbana. Wirth (1987) se propõe a explicitar aspectos para uma teoria sobre o urbanismo. Para ele, o problema central de se estudar a cidade, é descobrir as formas de ação e organização social que emergem em agrupamentos compactos de grande número de indivíduos. Assim, quanto mais densamente habitada e heterogênea for a comunidade, mais acentuadas serão as características do urbanismo. Wirth (1987) ainda propõe estabelecer uma relação entre: 1. quantidade da população; 2. densidade da população e 3. heterogeneidade de habitantes e vida grupal. Seguem brevíssimas considerações sobre tais domínios: 1. O aumento do número de habitantes afeta as relações entre eles e provoca maiores variações individuais. Isso pode resultar na separação espacial dos indivíduos de acordo com a cor, herança étnica, posição econômica e social, gênero, religião, gostos e preferências. Os membros de uma comunidade, de uma cidade, não conhecerão todos os outros. Aqui, refeltimos/pontuamos que se trata de uma modificação no caráter e uma fragmentação das relações sociais. Diante das transformações ocorridas no capitalismo das últimas décadas, é notável a presença da segmentação das relações humanas. As pessoas cada vez mais, conhecem menos pessoas e com estas, mantêm relações menos intensas e cada vez mais utilitaristas. Os cidadãos dependem cada vez mais de grupos organizados e cada vez menos de pessoas determinadas. A cidade se caracteriza mais por contatos secundários do que primários. Seus contatos são impessoais, superficiais, transitórios e sedimentários. Isso explica a aparente “sofisticação” atribuída ao habitante da cidade, subscrita também nos crescentes postos de venda de produtos alimentícios rápidos. Embora esse processo sirva para a emancipação e liberdade individual, contribui para a perda da autoexpressão, participação, coesão dos laços afetivos, etc, o que pode gerar o estado de anomia 7 ou atitudes “blasé”8 Nesta perspectiva, as especializações, o funcionamento eficiente da ordem social e a divisão do trabalho estão relacionadas à interdependência e ao equilíbrio instável da vida urbana. Na visão de Durkheim, a combinação destes elementos, é fundamental para produzir o sentimento de solidariedade9. 2. De acordo com Darwin, o aumento numérico por área, tende a produzir a diferenciação e especialização das funções. E dessa forma, a produção se orienta pela concentração de muitos indivíduos num determinado local que é dado pelo conceito de densidade da população. A setorização e especialização das atividades será importante para o ordenamento e mudanças na configuração do ambiente urbano. Poderíamos citar outros fatores de infraestrutura que determinam a ocupação populacional como por exemplo, as oportunidades de trabalho, áreas que impulsionam o desenvolvimento do país, as migrações em busca de melhores condições de vida, etc.. Tudo isso, gera um espírito de concorrência, engrandecimento e exploração mútua e está intimamente ligado às mudanças no cenário urbano das últimas décadas. 7 Anomia é conceito proposto por Émile Durkheim para designar um estado de ausência de regras de convívio entre os homens que acaba prejudicando a ordem social. (DURKHEIM, 1999) 8 Atitude “blasé” é apresentada na obra de Georg Simmel (1903) algo que caracteriza as posturas de indiferença do indivíduo que tem ao seu alcance tudo que deseja através da moeda sem precisar manter contato mais íntimo com os demais cidadãos urbanos. 9 Durkheim faz uma distinção entre solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. A primeira refere-se à forma de organização social, inclusive do trabalho, atribuída a sistemas naturais, simples e primitivos em que a natureza das funções exercidas dos indivíduos é dada, quase que naturalmente. O segundo tipo de solidariedade, segundo ele, corresponde às formas de organização de sociedades complexas que tendem à especialização das funções, exigindo assim que cada indivíduo ou instituição estabeleça certo grau de solidariedade e dependência para que a organização social se mantenha ordenada. (DURKHEIM, 1999) 3. A interação social entre os tipos de personalidades num ambiente urbano tende a complicar a estrutura das classes e, portanto, induz à estratificação social. Todas as sociedades contemporâneas experimentam desigualdades, que se apresentam de diversas formas e origens. Dessa forma, a sociedade cada vez mais vem se estratificando, separando ou reagrupando a população de acordo com o uso de medidas contínuas que estabelecem escalas de prestígio, que classificam as pessoas de acordo com índices socioeconômicos e por meio de escalas de interação social. Devido aos diferentes interesses, o indivíduo se torna membro de grupos divergentes. Na cidade é característica a segregação das pessoas em decorrência da diferença entre raça/cor, etnia, língua, renda e status social, do que pela escolha própria. A cidade também exerce uma influência niveladora a partir da existência e uso das instituições culturais, escolas, cinemas, rádios, televisão, instituições educacionais, religiosas, políticas e recreativas. Ao integrar a vida social, política, econômica e cultural da cidade, o indivíduo tende a subordinar sua individualidade às exigências da comunidade maior e fazer parte dos movimentos coletivos existentes. Isso serve para explicar as tendências na áera da arquiterura, da construção civil, da urbanidade, dos materiais e técnicas que são utilizadas. Inclui também as interferências na formação dos profissionais que atuam nestas áreas. É neste sentido que as preferências individuais, na verdade, podem estar relacionadas e serem influenciadas pelas demandas e transformações inerentes ao capitalismo global. Então, a utilização deste ou daquele revestimento, a opção por casa térrea ou de pavimentos, o tamanho da moradia, a organização dos cômodos estão fortemente relacionados com as circunstâncias da ordem social vigente. Os estudos sobre a cidade e o urbanismo como modo de vida trazem diferentes perspectivas. Uma delas consiste em abordar o conceito de metrópole e como esta noção transcende o espaço territorial e invade até mesmo as pequenas cidades por meio de hábitos cotidianos. A contribuição de Georg Simmel escrita no início do século XX (1903) ainda traduz as experiências dos modos de vida das grandes cidades dos séculos posteriores. Estas reflexões partem da ideia de que a vida em sociedades urbanizadas é capaz de gerar conseqüências psicológicas nos indivíduos que dividem o espaço das cidades. E, para defender-se dessas conseqüências na maioria das vezes nefastas, os cidadãos metropolitanos são levados a adotar uma série de comportamentos como contatos superficiais (evitando assim o excesso de estímulos nervosos), intelectualização, e até mesmo o que o autor chama de atitude blasé. Esses comportamentos seriam necessários para a manutenção da estabilidade psíquica nos grandes centros urbanos. O comportamento mental urbano que seria caracterizado pelo distanciamento das relações afetivas relaciona-se com a instauração de relações primordialmente mecânicas direcionadas a determinados fins e feitas por meio da moeda. O processo de intelectualização que seria exatamente esse afastamento do indivíduo do excesso de relações e estímulos afetivos numa grande sociedade está relacionado com as demandas de formação profissional das áreas que atuam na arquitetura. Simmel (2005) aborda que com a expansão do mercado, da circulação da moeda e da generalização das trocas monetárias, criou-se um processo de racionalização do próprio indivíduo. Partindo do mesmo lugar de onde Weber inicia sua análise da formação do espaço urbano, Simmel também vê a cidade como um local de mercado em essência. Porém, ao contrário de Weber (1987), Simmel procura dar um enfoque aos aspectos subjetivos que são causados pela vida urbana nos indivíduos. Ao dar ênfase aos comportamentos que os indivíduos metropolitanos adotam em prol de sua estabilidade psíquica, o autor sustenta a tese de que num grande centro urbano, o homem está permanentemente exposto aos mais variados estímulos nervosos e pode haver uma espécie de “overdose” desses estímulos, desestabilizando emocionalmente o morador urbano. Para impedir que tal fato ocorra, postula-se que os indivíduos metropolitanos adotam certa “vida mental” para que possam continuar a viver nessa sociedade. Isso incluiria um distanciamento das relações afetivas. O comportamento blasé, mencionado pelo autor, refere-se ao processo de indiferença aos produtos necessários à sobrevivência. Além disso, há que se ressaltar a intelectualização dos indivíduos através de um distanciamento cada vez maior dos seus concidadãos, muitas vezes feito via uma espécie de desconfiança excessiva e de uma atitude de reserva. O espaço urbano seria, portanto, um espaço dicotômico, pois criaria cada vez mais relações de dependência através da divisão social do trabalho. Porém, essas relações seriam suprimidas e ao invés de relações pessoais de dependência, os indivíduos teriam relações mediadas por algo neutro: papel desempenhado pela moeda nessa economia. Assim, o indivíduo estaria mentalmente protegido do excesso de estímulos nervosos dos contatos cotidianos. Ao mesmo tempo, a esfera da autonomia seria desenvolvida cada vez mais, pois haveria maior liberdade aos indivíduos e menor coerção típicas de pequenos grupos sociais, essa liberdade permitiria o surgimento de indivíduos multifacetários capazes de expressar os mais diferentes aspectos de sua identidade. A sociedade urbana geraria, a esta maneira, comportamentos específicos nos indivíduos que a compõem através da inserção social mecânica ditada pela circulação de moeda, ou seja, as relações urbanas seriam via mercado. Simmel é um dos pioneiros, e o faz com brilhantismo, a adentrar os meandros psíquicos dos indivíduos “nativos” das sociedades urbanas modernas. Sua descrição do afastamento e das posições adotadas são facilmente reconhecíveis nos sujeitos contemporâneos e o que torna o texto ainda mais fascinante é que o seu conteúdo não se esgota, afinal, a cada dia que passa, essas atitudes “blasé” e de indiferença se intensificam. Diante disso, a individualidade origina-se em relações e reações: Todas as relações de ânimo entre as pessoas fundamentam-se nas suas individualidades, enquanto que as relações de entendimento contam os homens como números, como elementos em si indiferentes, que só possuem um interesse de acordo com suas capacidades consideráveis objetivamente. (SİMMEL, 2005, p. 579) A genialidade é um dos aspectos Georg Simmel, pois, mantêm-se original e adequado para se pensar desde a era pós-Revolução Industrial até os dias atuais, ou seja, no contexto de globalização. Quantos de nós não nos vemos muitas vezes inseridos de forma mecânica na sociedade por via da troca de moeda? Quem de nós realmente pensa em quem produziu ou como foi produzido o objeto de consumo que aspiramos? As relações que mantemos durante o dia são incontáveis, assim como as atitudes, olhares e posturas de indiferença que prevalecem nessas mesmas relações cada vez mais generalizadas. Ele ainda dá um passo a frente dos demais ao colocar em xeque a autenticidade das relações sociais estabelecidas dentro do contexto urbano em seu texto “A Metrópole e a Vida Mental” e nos dá ferramentas para pensar nossa própria vida em sociedade, nossa forma de inserção. Diante do ritmo acelerado das grandes cidades, da expansão da urbanização, cada vez mais, as pessoas vão se tornando estrangeiras. Simmel (2005) define a singularidade da figura do estrangeiro em seu espaço psíquico, no campo social e simbólico, como expressão de unidade de duas diferenças e/ou contrários, ao mesmo tempo que está à margem. O estrangeiro é a figura social em questão que não se instala na sociedade de acolhida. O outro, em sua singularidade, representa repulsão, integração, proximidade, distância. Essa é a dinâmica da vida do estrangeiro num espaço em transformação das dinâmicas sociais, econômicas e culturais que, por sua vez, produzem novas integrações, profundas substituições e exclusões e/ou integrações marginais (SIMMEL, 2005). A fronteira entre o antigo e o novo, entre o passado, o presente e futuro, estão imbricadas no modo de vida do estrangeiro. Nessa fronteira, solidariedades, integrações, raízes, direitos, vínculos comunitários são substituídos, alterados, redefinidos. Desse modo, o estrangeiro não possui uma dimensão da fronteira propriamente física ou geográfica, e, sim, simbólico-social. Essa dimensão da fronteira, segundo Simmel, não exclui o estrangeiro da dimensão mercantil do capitalismo, pois o insere no horizonte do consumo do exótico, auxilia na obtenção da mais-valia para o capital na medida em que também é um ator de comércio e consumo de produtos, expande a economia monetária e faz circular o dinheiro, bem como particularizar formas específicas de circulação de produtos em correspondência com a intenção constitutiva da presença do dinheiro, que é favorecer a emergência do individualismo moderno (FRISBY, 1992). Para Simmel, o estrangeiro é expressão e produtor da crise da cultura na modernidade, na urbanização. O espírito calculista, a substituição de valores em direção à dimensão quantitativa, ao cálculo, à intelectualização, à precisão e ao reino do dinheiro, favoreceram o surgimento e a expressão diferenciada do sentido da vida e seu modo de expressão. Em outras palavras, o modo de vida das grandes cidades conduzem os indivíduos a viverem a tormenta da escolha constantemente e é por isso que esse indivíduo precisa se ajustar a esse contexto, extremamente complexo, conturbado, conflitante e mutável. O urbanismo e tido como o modo de vida das cidades. As cidades passam a ser, segundo Wirth (1979) esse núcleo relativamente grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos. “A vida urbana é influenciada pela vida rural e o urbanismo rompe fronteiras da cidade, levando sua influência para além dos limites físicos” (WİRTH, 1979, p.72). Nas cidades, as massas estão sujeitas a manipulação, levada a efeito por símbolos e estereótipos manobrados por indivíduos que atuam através do controle de meios de comunicação e de produção. SOCIEDADE E ARQUITETURA – ANÁLISE DE FACHADAS RESIDENCIAIS Nesta parte do trabalho a pretensão é apresentar aspectos empíricos que dialogam com as reflexões teóricas elucidadas anteriormente. As relações entre Sociedade/Dinâmica populacional e Consumismo a partir da Arquitetura vão para além das dimensões técnicas, materiais ou de execução de um projeto. Elas revelam uma trama de comportamentos, valores e crenças que fazem parte da esfera cultural. As imagens utilizadas a seguir, constituem parte de material utilizado no minicurso: Sociedade e Arquitetura: uma análise estrututal de fachadas residenciais do município de Brumado – BA, realizado durante a Semana Nacional de Educação, Ciência e Tecnologia – SECITEC / 2015 no âmbito do Instituto Federal da Bahia – IFBA – Campus Brumado. O minicurso foi direcionado a participantes do envento em geral e especificamente a estudantes do Curso Técnico em Edificações. Foi organizado em dois momentos, sendo que na primeira parte houve uma exposição teórica e conceitual acerca do tema; e a segunda parte foi consituída de atividade prática de observação e reflexão em pequenos grupos. As escolhas dos profissionais, dos mateirias a serem utilizados na construção civil e na decoração, as técnicas utilizadas podem até surgir de uma perspectiva econômica relacioanda a custos, regras do mercado, disponibilidades de recusos naturais, fenômenos da natureza. No entanto, o que faz com que se tornem uma tendência é a incorporação por parte da comunidade e a interiozação de valores que são traduzidos em comportamentos. Por exemplo, ao observar as fachadas residenciais, notadamente percebemos a combinação destas esferas quando num mesmo espaço urbano convivem elementos clássicos e elementos contemporâneos. Eles representam a conjuntura econômica, o ritmo de vida, as condições de trabalho, segurança, enfim, os valores cultivados. Imagem 01 Fonte: Minicurso: Sociedade e Arquitetura / SECITEC / 2015 / IFBA Esta fachada apresentada acima, diz respeito à uma época em que a vida era modesta, as construções eram feitas sem muitos acessórios, normalmente sem um projeto específico, realizada à beira da rua e em alguns casos até sem o espaço destinado à calçada. A condição socioeconômica não permitia à maioria da população, possuir veículo. Logo, neste tipo comum de residência, o espaço da garagem é inexistente. As janelas e portas direciondas para a rua remetem à época em que poucas famílias possuíam aparelho de TV e era comum, os vizinhos assistirem à programação do lado de fora. Os laços de vizinhança e capital social possuíam maior coesão diante das relações de dependência e solidariedade. Imagem 02 Fonte: Minicurso: Sociedade e Arquitetura / SECITEC / 2015 / IFBA Com o passar dos anos, o “sobrado” ganha a preferência da população e as residências com mais de um pavimento se tornam tendência na construção civil. Embora nesta imagem, ainda é perceptível a conservação de algumas características da vida pacata das pequenas cidades. A porta principal em contato direto com a rua, ou mesmo a pequena varanda, palco da convivência, da conversa cotidiana, dos conflitos de vizinhaça, se torna garagem na medida em que o poder aquisitivo das famílias e as necessidades de deslocamento permitem adquirir um ou até mais de um veículo. A residência é ampliada e o segundo pavimento aparece em várias localidades. As reformas internas, adotam conceitos e influências de outros lugares, como é o caso da bancada “gourmet” no estilo americano, que representa o ritmo acelerado de vida, trabalho e estudo das pessoas que aí residem, as quais precisam fazer refeições mais rápidas enquanto otimizam seu tempo realizando outras atividades da rotina diária. Imagem 03 Fonte: Minicurso: Sociedade e Arquitetura / SECITEC / 2015 / IFBA Imagem 04 Fonte: Minicurso: Sociedade e Arquitetura / SECITEC / 2015 / IFBA A partir da análise da imagem 03 e 04 revela-se dentre outras coisas, um tipo de residência, telhado, revestimento externo, gradio, materiais, etc.. E podemos deduzir custos, tendências dos materiais utilizados devido aos recursos disponíveis na região. No entanto, este tipo residência datado de pelo menos três décadas atrás, aponta primeiramente pela presença do gradio baixo, para uma realidade em que a violência urbana ainda mantinha níveis controlados, em que os laços de vizinhanças eram mais próximos e que a tranquilidade era possível nas localidades. Em segundo lugar, a existência de espaço destinado a garagem sugere um poder aquisitivo dos donos que perimitia possuir veículo, o que representa uma condição restrita naquela época. Imagem 05 Fonte: Minicurso: Sociedade e Arquitetura / SECITEC / 2015 / IFBA Imagem 06 Fonte: Minicurso: Sociedade e Arquitetura / SECITEC / 2015 / IFBA Em contraposição, mas coexistindo lado a lado, a fachada residencial das imagens 06 e 07 já apresentam aspectos relacionados à vida moderna tanto no que se refere aos materiais utilizados na sua projeção e execução da obra, quanto no conceito que está por traz disso. Os muros altos, a cerca elétrica, denotam a insegurança na vida urbana contemporânea, traduzem a necessidade de isolamento, individualidade e privacidade. A localização sugere o status social a que pertecem seus donos. O tipo de arquitetura permite inferir sobre padrões sociais, econômicos e cultuais. CONSIDERAÇÕES FINAIS As relações entre Sociedade e Arquitetura, entre população e consumo se consitutem enquanto objeto de estudo neste trabalho com o intuito de perceber como as transformações sociais, econômicas e cultuais inerentes à sociedade capitalista possuem a capacidade de interferir no cenário urbano. As transformações econômicas decorrentes dos últimos séculos alteraram os processos produtivos em sua forma de gerar riquezas, em meio às técnicas utilizadas e conhecimento necessário para produzir. Estas transformações transcendem a dimensão econômica, porque impacta direta ou inderetamente na esfera da cultura, uma vez que altera padrões de comportamento, cultiva novos valores e ressignifica aquilo que é considerado por muitos como tradicional. Um dos aspectos que merece destaque é o fato de que o advento e o crescimento das cidades representa muito além de um fenômeno da ordem da economia em que as pessoas buscam melhores oportunidades e qualidade de vida. Além disso, este fato guarda consigo um conceito de vida, um conjunto de valores alinhados com a ideia de modernidade, de constante atualização, de tecnologias de última geração, de fluidez e flexibilidade na produção, na circulação e no consumo dos bens. Bens estes que servirão de ornamento para reorganizar o cenário urbano. O urbanismo como modo de vida, provem destas mudanças e se observarmos as alterações na arquitetura no decorrer do tempo, será possível constatar como isso se processa. Os processos de desenvolvimento globalizantes se projetam no cotidiano das cidades e das relações, pautando discussões acerca das organizações e classificações dos indivíduos a partir das projeções socioeconômicas. As reflexões aqui apresentadas não se esgotam nelas. É apenas uma abertura para outras possibilidades de investigação científica e debates contemporâneos. A exemplo disso, pode-se acrescentar à temática estudada, as relações entre a arquitetura e as diferentes dimensões relacionadas ao trabalho na sociedade atual. A utilização da residência para fins de trabalho é muito comum diante destes valores modernos. Ou ainda é possível recuperar através da história oral, ou de relatos de vida, como inúmeras pessoas se adaptaram ao modo de vida urbano nas cidades, sobreviveram e sobrevivem às mudanças no mundo do trabalho e mesclam as vivências trazidas de outros espaços. Outras possibilidades de investigação podem relacionar sociedade e arquitetura com questões de saúde pública, planejamento urbano, organização política, direitos sociais, gestão dos recursos, diferentes tipos de poluição, etc. Em suma, é muito vasto o campo de análise. O cenário urbano é um campo exposto às influências das transformações impostas pela sociedade capitalista e também um espaço para múltiplas práticas e vivências, que vem moldando ideários e processos de institucionalização. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. DURKHEIM, Emile. A solidariedade devida à divisão do trabalho ou orgânica. In: A divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 85-109. FRISBY, David. (1981), Sociological impressionism: a reassessment of Georg Simmel’s social theory. Londres/Nova York, Routledge, 1992. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 8ªed. Edições Loyola. São Paulo, 1993. LEFEBVRE, Henri. “O Direito à Cidade”. 1ª ed. São Paulo: Moraes, 1991. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Ed. Presença, Portugal, 1974. SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). In: Waizbort, Leopoldo. 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