Capítulo 2. A 1ª Lei da Termodinâmica Parte 2: termoquímica; entalpia de transformações físicas e químicas; lei de Hess; entalpia padrão de formação; entalpia padrão de reacção; sua dependência da temperatura Baseado no livro: Atkins’ Physical Chemistry Eighth Edition Peter Atkins • Julio de Paula 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 1 Termoquímica A termoquímica estuda a energia transferida na forma de calor durante as reacções químicas. O reactor, ou recipiente onde se dá a reacção, e o seu conteúdo, constituem o sistema em estudo. Pode-se usar a calorimetria para medir q para uma reacção, ou seja, para medir ΔU – se a reacção ocorrer a volume constante ΔH – se a reacção ocorrer a pressão constante Quando se liberta energia para o meio exterior durante a reacção química, a pressão constante - ΔH ‹ 0 (processo exotérmico) Quando se absorve energia do meio exterior durante a reacção química, a pressão constante - ΔH › 0 (processo endotérmico) 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 2 Variações de entalpia padrão ΔH0 – variação de entalpia para um processo em que os reagentes e produtos se encontram nos seus estados padrão Estado padrão de uma substância: estado de uma substância a determinada temperatura e à pressão de 1 bar. Ex: variação de entalpia padrão de vaporização para a H2O, ΔvapH0, é a variação molar de entalpia do líquido puro a 1 bar, quando passa a gás, a 1 bar. H2O(l) → H2O(g) ΔvapH0 (373 K) = +40.66 kJ/mol Pode-se fornecer valore de entalpia padrão a qualquer temperatura. A temperatura convencional para descrever quantidades termodinâmicas é 298.15 K. 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 3 Entalpia de transformações físicas As mudanças de estado físico são acompanhadas por variações de entalpia. Se estas forem descritas à pressão de 1 bar, são definidas como transições de entalpia padrão. Ex: Entalpia padrão de vaporização, ΔvapH0 – variação de entalpia que acompanha a conversão de líquido para gás Entalpia padrão de fusão ΔfusH0 - variação de entalpia que acompanha a conversão de sólido para líquido 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 4 A entalpia é uma função de estado, logo a variação de entalpia é independente do caminho percorrido entre o estado inicial e final H2O(s) → H2O(l) ΔfusH0 H2O(l) → H2O(g) ΔvapH0 H2O(s) → H2O(g) ΔsubH0= ΔfusH0 + ΔvapH0 ΔsubH0= 6.01 + 40.66 = 46.67 kJ/mol 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 5 ΔH0 (A→B)= - ΔH0 (B→A) A entalpia padrão de um processo é igual e de sinal oposto à entalpia padrão do processo inverso. 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 6 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 7 Entalpia de reacção química 2 A + B → 3C + D Entalpia padrão de reacção: Δr H 0 = 0 ν H ∑ m− produtos 0 ν H ∑ m reagentes Ou seja, para a reacção anterior, a entalpia padrão de reacção será: { } { } Δ r H 0 = 3H m0 (C ) + H m0 (D ) − 2H m0 (A ) + H m0 (B ) Ex: entalpia padrão de combustão do metano CH4 (g) + 2 O2 (g) → CO2 (g) + 2 H2O (l) ΔcH0= (ΔfH0CO2 + 2ΔfH0H2O) - (ΔfH0CH4 + 2ΔfH0O2) = (-393.51-(2x285.83)) – (-74.8+0) kJ/mol ΔcH0= - 890.37 kJ/mol 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 8 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 9 Lei de Hess A entalpia padrão de uma reacção pode ser obtida a partir das entalpias padrão de reacções individuais em que a reacção principal se possa dividir. Exemplo: a partir da entalpia padrão de hidrogenação do propeno e da entalpia padrão de combustão do propano, calcule a entalpia padrão de combustão do propeno. CH2=CH-CH3 (g) + H2 → CH3CH2CH3 (g) ΔHH0= -124 kJ/mol CH3CH2CH3 (g) + 5 O2 → 3 CO2 (g) + 4 H2O (l) ΔCH0= -2220 kJ/mol H2O (l) → H2 (g) + ½ O2 (g) ΔrH0= +286 kJ/mol CH2=CH-CH3 (g) + 9/2 O2 (g) → 3 CO2 (g) + 3 H2O (l) ΔCH0 (propeno) = ΔCH0 (propano) + ΔHH0 (propeno) - ΔrH0 (água) ΔCH0 (propeno) = -2220 – 124 + 286 = -2058 kJ/mol 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 10 Entalpia padrão de formação, ΔfH0 A entalpia padrão de formação, ΔfH0, de uma substância, é a entalpia padrão da reacção de formação dessa substância a partir dos seus elementos no seu estado padrão. O estado de referência de um elemento é o seu estado mais estável à pressão de 1 bar e à temperatura indicada. As entalpias padrão de formação de elementos no seu estado de referência são zero, a qualquer temperatura. 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 11 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 12 Entalpia padrão de reacção – pode ser obtida a partir das entalpias padrão de formação dos reagentes e produtos envolvidos nessa reacção Pode-se considerara a reacção como soma de duas etapas, a da decomposição dos reagentes nos seus elementos e a formação dos produtos a partir desses elementos Δr H 0 = 0 ν Δ H ∑ f − produtos 0 ν Δ H ∑ f reagentes Em que ν é o coeficiente estequiométrico 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 13 Dependência da entalpia de reacção na temperatura Quando não se dispõe dos valores experimentais da entalpia de uma reacção a diferentes temperaturas, o seu valor pode-se estimar a partir do conhecimento da entalpia da reacção a uma determinada temperatura e das capacidades caloríficas de produtos e reagentes. Quando uma substância é aquecida de T1 para T2, a sua entalpia varia (assumindo que não há transições de fase na gama de temperatura considerada): H (T2 ) = H (T1 ) + ∫ C p dT T2 T1 Esta equação é aplicável a cada substância envolvida na reacção, logo: Δ r H (T2 ) = Δ r H (T1 ) + ∫ Δ r C p0 dT 0 0 T2 Equação de Kirchhoff T1 Em que: Δ r C p0 = 0 ν C ∑ p ,m − produtos 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 0 ν C ∑ p ,m reagentes 14 Ilustração da equação de Kirchhoff Δ r H 0 (T2 ) = Δ r H 0 (T1 ) + ∫ Δ r C p0 dT T2 T1 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 15 As funções de estado, tais como a energia interna, U e a entalpia, H, são propriedades que têm um valor que não depende da forma como a amostra é preparada. O seu valor depende apenas do estado em que o sistema se encontra, e não da história prévia do sistema. Para um sistema que sofra as variações indicadas na figura, desde o estado de energia interna Ui até ao estado de energia interna Uf, o trabalho realizado quando a variação se efectua pelo caminho 1, por um processo de expansão adiabática, será w. O mesmo estado final pode ser atingido por um processo de expansão não adiabática, pelo caminho 2, e neste caso o sistema realiza um trabalho w’. O estado de energia interna Ui e Uf são os mesmos em ambos os casos, mas no primeiro caso não há variação de calor e a variação de energia, na forma de trabalho, é diferente nos dois processos. 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 16 Quando um sistema passa de um estado inicial Ui para um estado final Uf a sua variação total é igual à soma (integral) de todas as variações infinitesimais ao longo do caminho. f ΔU = ∫ dU i ΔU depende do estado inicial e final do sistema, mas não do caminho percorrido entre eles. dU é uma diferencial exacta: é uma quantidade infinitesimal que, quando integrada, dá um resultado independente dos estados inicial e final. 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 17 A energia interna é uma função de V, T e p. Como é descrita por uma equação de estado, estas variáveis estão relacionadas: conhecendo o valor de duas delas, o valor da terceira fica definido. Quando V varia para V+dV a T constante, U varia para: Quando T varia para T+dT a V constante, U varia para: ⎛ ∂U ⎞ U' = U + ⎜ ⎟ dT ∂ T ⎝ ⎠V ⎛ ∂U ⎞ U' = U + ⎜ ⎟ dV ⎝ ∂V ⎠T 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 18 Se V e T variarem ambos infinitesimalmente, a energia interna será dada pelas somas das variações infinitesimais (desprezando as variações infinitesimais de 2ª ordem, que correspondem a dVdT): ⎛ ∂U ⎞ ⎛ ∂U ⎞ U' = U + ⎜ ⎟ dT ⎟ dV + ⎜ V T ∂ ∂ ⎠V ⎝ ⎠T ⎝ = U + dU ⎛ ∂U ⎞ ⎛ ∂U ⎞ dU = ⎜ ⎟ dV + ⎜ ⎟ dT ∂ V ∂ T ⎝ ⎠T ⎝ ⎠V dU = π T dV + CV dT (∂U/∂V)T – medida da variação da energia interna de uma substância quando o seu volume varia a temperatura constante - πT, ou pressão interna 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 19 Para um gás perfeito, a energia interna é independente do volume (a T constante). Não há interacção entre moléculas, logo a energia interna é independente da distância entre moléculas, e portanto é independente do volume da amostra. Então, πT= 0. Num gás real, quando a energia interna aumenta com a expansão isotérmica do gás, πT> 0 (domínio em que as moléculas sofrem forças atractivas entre elas). 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 20 Experiência de Joule Procurou medir πT medindo a varição de temperatura do gás na sua expansão no vazio. Usou dois compartimentos metálicos imersos num banho de água. Procurou medir a variação de temperatura do banho quando se dá a expansão do gás para o vazio. Não encontrou variação de T, ou seja, concluiu que, como w=0, e q=0, então ΔU=0. Na verdade, na expansão isotérmica de um gás, U varia muito pouco, por isso πT ≈0. Nas condições da experiência a variação de T observada era demasiado pequena para ser medida 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 21 Variação da energia interna a pressão constante A partir da equação obtida anteriormente: dU = π T dV + CV dT Observa-se a variação com a T a pressão constante como sendo: ⎛ ∂U ⎞ ⎛ ∂V ⎞ π = ⎜ ⎟ ⎟ + CV T⎜ ⎝ ∂T ⎠ p ⎝ ∂T ⎠ p Declive do gráfico da variação de V com T, a pressão constante → é o coeficiente de expansão, α, da substância, ou seja, é a fracção do volume que varia por aumento de temperatura. α= 22-03-2007 Podemos também definir um outro coeficiente: a compressibilidade isotérmica, κT, a fracção do volume que varia devido a um aumento de pressão a T constante. 1 ⎛ ∂V ⎞ ⎟ ⎜ V ⎝ ∂T ⎠ p κT = Maria da Conceição Paiva 1 ⎛ ∂V ⎜ V ⎜⎝ ∂p ⎞ ⎟⎟ ⎠T 22 Introduzindo α na expressão para (∂U/∂T)p, obtém-se: ⎛ ∂U ⎞ ⎜ ⎟ = απ TV + CV ⎝ ∂T ⎠ p Para um gás perfeito, πT=0, logo: ⎛ ∂U ⎞ ⎟ = CV ⎜ ⎝ ∂T ⎠ p Pode-se provar que: C p − CV = nR α 2TV C p − CV = κT 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 23 Problemas 6. Uma amostra constituída por 1 mole de átomos de gás perfeito (para os quais Cv,m = 3/2 R) sofre o ciclo descrito na figura ao lado. a)Determine a temperatura nos pontos 1, 2 e 3 b)Calcule q, w, ΔU e ΔH para cada passo e para o ciclo total Se a informação disponível não permitir uma resposta numérica, indique se é +, -, 0 ou ?, conforme apropriado. 7. Uma amostra de 1.00 mole de H2O (g) foi condensada isotermicamente e reversivelmente a água líquida a 100 ºC. A entalpia padrão de vaporizaçãoda água a 100 ºC é 40.656 kJmol-1. Calcule w, q, ΔU e ΔH para este processo. 8. Quando se fornece 229 J de energia na forma de calor a 3.0 moles de Ar (g), a temperatura da amostra aumenta de 2.55 K. Calcule as capacidades caloríficas molares a volume constante e pressão constante para este gás. 9. Dadas as reacções (1) e (2), determine: a) ΔrH0 e ΔrU0 para a reacção 3; b) ΔfH0 para HCl (g) e H2O (g), ambos a 298 K. (1) H2 (g) + Cl2 (g) → 2 HCl (g) ΔrH0 = -184.62 kJ mol-1 (2) 2 H2 (g) + O2 (g) → 2 H2O (g) ΔrH0 = -483.64 kJ mol-1 (3) 4 HCl (g) + O2 (g) → 2 Cl2 (g) + 2 H2O (g) 10. Um determinado líquido tem ΔvapH0= 32.0 kJmol-1. Calcule q, w, ΔH e ΔU quando se vaporiza 0.75 mol a 260 K e 765 Torr. R: q= ΔH= 24.0 kJ; w= -1.6 kJ; ΔU= 22.4 kJ. 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 24 Problemas 11. Verificou-se que a capacidade calorífica a pressão constante de uma amostra de um gás perfeito variava com a temperatura de acordo com a expressão: Cp= 20.17 + 0.4001 T (J/K-1). Calcule q, w, ΔU e ΔH quando a temperatura aumenta de 0 ºC a 100 ºC (a) a pressão constante, (b) a volume constante. R: a) q= ΔH =13.1 x 103 J; w= -831 J; ΔU= 12.3 kJ; b) ΔH =13.1 kJ; w= 0; ΔU= q= 12.3 kJ 12. Quando 2 moles de CO2 são aquecidas a uma pressão constante de 1.25 atm, a sua temperatura aumenta de 250 K para 277 K. Sendo a capacidade calorífica molar do CO2 a pressão constante 37.11 JK-1mol-1, calcule q, ΔU e ΔH. R: q= ΔH =2 x 103 J mol-1; ΔU= 1.6 x 103 J mol-1 13. Uma amostra de 5 moles de CO2 está inicialmente limitada a 15 dm3 a 280 K, sofrendo de seguida uma expansão adiabática contra uma pressão constante de 78.5 kPa até o volume ter aumentado 4 vezes. Calcule q, w, ΔT, ΔU e ΔH. (a pressão final do gás não é necessariamente 78.5 kPa). R: q=0; w=-3.5 kJ; ΔU=-3.5 kJ; ΔT=-24 K; ΔH=-4.5 kJ. 14. Dadas as reacções (1) e (2) abaixo, determine: a) ΔrH0 e ΔrU0 para a reacção (3) e b) ΔfH0 para o HI (g) e para a H2O (g) a 298 K. (1)H2 (g) + I2 (s) → 2 HI (g) ΔrH0 = +52.96 kJ mol-1 (2)2 H2 (g) + O2 (g) → 2 H2O (g) ΔrH0 = -483.64 kJ mol-1 (3)4 HI (g) + O2 (g) → 2 I2 (s) + 2 H2O (g) R: a) ΔrH0 (3)= -589.56 kJ mol-1; ΔrU0 (3)= -582.13 kJ mol-1; b) ΔfH0 (HI) = 26.48 kJ mol-1; ΔfH0 (H2O)= -241.82 kJ mol-1 22-03-2007 Maria da Conceição Paiva 25