“A ESCUTA DOS OLHOS” UMA ABORDAGEM DAS

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“A ESCUTA DOS OLHOS”
UMA ABORDAGEM DAS DIRETRIZES CURRÍCULARES AOS DESAFIOS
NA EDUCAÇÃO DE SURDOS DENTRO DA DANÇA.
Bárbara Dias dos Santos ¹
RESUMO:
O foco desta pesquisa é o estudo da Dança dentro dos parâmetros curriculares
nacionais em Arte, dialogando com a Educação Inclusiva de deficientes auditivos.
Reconheço que uma das formas de se chegar ao entendimento das políticas públicas
para o ensino da Dança no nosso país, é tomar conhecimento das diferentes leis em
vigor e suas respectivas abrangências, tanto dentro do termo inclusão como da própria
dança.Esta pesquisa se faz necessária, pelo fato de no Brasil, segundo estimativas da
ONU (2003), aproximadamente 10% da população é constituída de pessoas que
possuem algum tipo de deficiência física, intelectual ou sensorial. O número de pessoas
com surdez é bastante expressivo. Conforme os dados populacionais informados pelo
IBGE/2000 há 5.750.809 pessoas com problemas relacionados à surdez. Mas apesar
desse número tão elevado será que o ensino da dança está pronto para dialogar com
essas pessoas? Que políticas públicas apóiam um ensino inclusivo de dança? Será que o
currículo de Artes está realmente sendo abrangente? E com essas indagações chego ao
termo inclusão, mas o que significa inclusão na prática cotidiana? Nós, professores,
como devemos incluir esses alunos? Como a dança, aliada a políticas públicas que
fomentem a arte poderá integrar esse campo da inclusão? Estas são algumas das muitas
perguntas que surgiram nas minhas experiências do dia a dia. E que foram respondidas
na prática em sala de aula, com desafios e avanços.
Palavras chaves: Dança- Educação- P C N’ s Artes- Surdez
1
Graduada na Primeira turma do Curso de Licenciatura Plena em Dança da Universidade Federal do Pará (2011),
Técnica em Dança pela Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (2006), Integrante do Grupo de Dança
Contemporânea Moderno em Cena e da Companhia Moderno de Sapateado, Atualmente é Professora de Dança do
Projeto Aluno Bailarino Cidadão, desenvolvido pela Companhia Moderno de Dança em Belém do Pará.
Introdução
Quando focamos nosso olhar para as questões sociais dentro da área do ensino
educacional, nos deparamos com o embate entre idéias de sociedade democrática,
multicultural, de cidadania plena e as exigências capitalistas. A educação transita como
uma das mediadoras necessárias a fim de garantir o acesso às melhores condições
sociais. As leis de Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação básica apontam
que o ensino da Arte/Dança insere-se neste contexto, não apenas como processo de
individualização, mas também de integração, inclusão, que é a reconciliação da
singularidade pessoal com a unidade social.
Ao pensarmos nesta educação amparada pela diversidade, encontramos diferenças
físicas, étnicas, socioeconômicas, lingüísticas, culturais, dentre outras. Ainda pontuando
nestas diferenciações, restrinjo ao ensino das pessoas com deficiência auditiva. No
Brasil, segundo estimativas da ONU (2003), aproximadamente 10% da população é
constituída de pessoas que possuem algum tipo de deficiência física, intelectual ou
sensorial. Direcionando mais ao âmbito da deficiência, chegamos ao número de pessoas
com surdez no Brasil que é bastante expressivo. Conforme os dados populacionais informados
pelo IBGE/2000 há 5.750.809 pessoas com problemas relacionados à surdez.
Mas apesar desse número tão elevado será que o ensino educacional está pronto para
dialogar com essas pessoas? E quando nos deparamos com um alun@² surd@? Será que meu
método de ensinar será alterado? E com essas indagações chegamos ao termo inclusão,
mas o que significa inclusão na prática cotidiana? Nós professores como devemos
incluir esses alun@s?
A inclusão e exclusão começam na sala de aula, apesar das políticas públicas
mostrarem-se empenhadas com relação à educação inclusiva, são as experiências
cotidianas dos alun@s que definem a qualidade de sua participação e a gama total de
experiências de aprendizagem oferecidas pelo profess@r. Assim decorrerei sobre os
parâmetros curriculares, as dúvidas e experiências no ensino de alun@s surd@s na
tentativa de um ensino inclusivo da Dança.
Um estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais: Reconhecendo a
dança como área do conhecimento e legitimando a qualidade de ensino
para pessoas com deficiência.
Dentro da perspectiva da educação, tornaram-se comuns idéias de que existe
produção de conhecimento somente nas áreas com disciplinas mais difundidas como,
por exemplo, no ensino da matemática, da geografia, da biologia dentre outros. Ensinos
como os das Artes/Dança são agrupados em categorias secundárias. Não é dado o real
valor para a aprendizagem da dança, perpetua uma imagem de que a atividade corporal
está desligada da atividade pensante, criadora de opinião.
Toda ação humana envolve a atividade corporal. O aluno é um ser em
constante mobilidade e utiliza-se dela para buscar conhecimento de si
mesmo e daquilo que o rodeia, relacionando-se com objetos e pessoas.
A ação física é necessária para que o aluno harmonize de maneira
integradora as potencialidades motoras, afetivas e cognitivas. A
atividade de dança na escola pode desenvolver a compreensão de sua
capacidade de movimento, através de um maior entendimento de
como seu corpo funciona. Assim, poderá usá-lo expressivamente com
maior inteligência, autonomia, responsabilidade e sensibilidade.
(MARQUES, 2005, p. 142) 1
Reconheço que uma das formas de se chegar ao entendimento das políticas públicas
para o ensino da Dança no nosso país, é tomar conhecimento das diferentes leis em
vigor e suas respectivas abrangências (leis federais nacionais, estaduais e municipais),
por exemplo, a primeira e maior delas, a LDB, Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação Nacional LDB 9394/96 (última edição) que em seu artigo 26° afirma que “A
arte passa a ser componente curricular obrigatório na educação básica”. Têm-se ainda os
PCNs-ARTE, Parâmetros Curriculares Nacionais da área de artes, publicados em 1997,
nos quais são apresentadas as quatro linguagens que devem ser abordadas nas escolas:
as artes visuais (substituindo as artes plásticas, com a inclusão do vídeo, do cinema e da
fotografia), o teatro, a música e a dança.
Analisando as leis de diretrizes curriculares nacionais da educação básica, com a
Resolução n° 4, de 13 de junho de 2010, notam-se em sua estrutura inúmeros campos
possíveis de articulação com a Dança. Começo pelo Art. 1°, que ressalta que toda
pessoa, tem o direito ao seu pleno desenvolvimento, à preparação para o exercício de
cidadania e à qualificação para o trabalho, na vivência e convivência em ambientes
educativos.
Apresento uma reflexão acerca do que seja esse este pleno desenvolvimento e
reafirmo que este, engloba uma relação sensível com o mundo, e que se dá também,
através de uma percepção própria de corpo. Citando a pesquisadora Christine Greiner,
aqui o corpo pode ser percebido como “Corpo Mídia”, corpo que é espaço de troca, ele
recebe informações do mundo ao seu redor, e processa, transforma e retransmite estas
informações ao mundo. Essas mesmas diretrizes curriculares apontam no Título I seus
objetivos em seu papel indicador de opções políticas, sociais, culturais, educacionais, e
a função da educação na sua relação com um projeto de nação.
Da mesma forma que nosso país está constituído por uma gama enorme de
singularidade regional em todos os aspectos humanos, a dança também é uma via de
acesso e percepção das várias opções culturais, sendo que trabalha no cerne do sensível
da pessoa, é uma dimensão imprescindível na percepção dos valores de cidadania tão
fundamental para a implantação de qualquer projeto humanizado na nação. Assim como
nos aponta no Título III- Sistema Nacional de Educação- o Art. 4° no parágrafo II, todos
os seguimentos da sociedade civil brasileira têm a responsabilidade de garantir a
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o
saber. Essas referências conceituais garantem liberdade de transito dos saberes, estes
não são, ou não deveriam ser objeto de posse de classe alguma, a arte necessita ser
empreendida como elemento eficaz para uma educação plena, e plena devem ser as
percepções do que abrangem a arte.
E as ricas possibilidades que cada uma dessas formas de arte nos mostra. Este modo
de perceber o espaço da Arte é reforçado no Título IV- Acesso e permanência para a
conquista da qualidade social- Art. 8° em seu parágrafo II que diz: Consideração sobre a
Inclusão, a valorização das diferenças e o entendimento à pluralidade e à diversidade
cultural, resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade. A dança
possui espaço garantido de atuação no âmbito educacional brasileiro por todos os
Artigos acima citados, essa atuação está irrevogavelmente afirmada no Capítulo IIFormação Básica comum e parte diversificada- do Art.14°, inciso 1°, diz que a arte, em
suas diferentes formas de expressão está integrada à base nacional comum da educação
básica nacional, e a dança está respaldada por ser um saber produzido culturalmente,
gerada em uma instituição produtora de conhecimento científico e tecnológico (como
exemplo cito a Universidade Federal do Pará com o curso de Licenciatura plena em
Dança.) e está incorporado na área de desenvolvimento das linguagens, este
desenvolvimento se dando através especificamente do corpo.
Após este panorama focando o ensino da dança, retenho minha escrita para a
modalidade de ensino de pessoas com deficiência. Continuando o desdobramento das
Diretrizes, no Capítulo II- Modalidades da educação básica- Seção I- Educação
Especial, o Art. 29° nos aponta a educação especial como modalidade transversal a
todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. Ou seja, a dança está inclusa como
modalidade apta a oferecer um ensino dentro dos parâmetros da deficiência. Ainda neste
Artigo, no Inciso 3°, que aponta a organização dessa educação inclusiva colocando as
seguintes orientações:
I-O pleno acesso e a efetiva participação de estudantes no ensino regular.
II-A oferta do atendimento educacional especializado.
III-A formação de professores para a educação especial e para o desenvolvimento
de práticas educacionais inclusivas.
IV- A participação da comunidade escolar.
V- A acessibilidade arquitetônica, nas comunicações e informações, nos
mobiliários e equipamentos e nos transportes.
VI- A articulação das políticas públicas intersetoriais.
Quando entendo e reconheço que o ensino da dança aliado à prática de pessoas com
deficiência, seja física, auditiva, visual, intelectual ou motora, é algo respaldado nas
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, fica evidente o papel
do profess@r e sua área de atuação. Mas isto é apenas o inicio de uma construção do
pensamento inclusivo, afinal preciso buscar enveredar mais nessas entrelinhas:
Profess@- Dança- Inclusão- Surdez- Alun@.
Entendendo as terminologias para se chegar ao ensino inclusivo da Dança.
“O que importa a surdez da orelha,
quando a mente ouve? A verdadeira
surdez, a incurável surdez, é a da mente”
(Fedinand Berther)
Ao tratarmos de um termo tão complexo como a surdez precisamos reconhecer que
qualquer compreensão ou definição implica na imagem que se faz do individuo surd@,
precisamos ter cuidado para não minimizar suas potencialidades e sua condição de ser.
A maior parte dos ouvintes desconhece a carga semântica que os termos mud@, surd@mud@ e deficiente auditiv@ evocam. Audrei Gesser (1971) decorre sobre dizendo que
para muitos ouvintes que estão longe das discussões sobre a surdez, o uso da palavra
surdo parece imprimir mais preconceito, enquanto o termo deficiente auditiv@ parecelhes ser mais politicamente correto. O termo surd@-mud@ está incorreto porque o
surd@ possue aparelho fonador, e se for treinado em alguns casos pode desenvolver a
fala.
A deficiência é uma marca que historicamente não tem pertencido aos
surdos. Essa marca sugere auto-representações, políticas, e objetivos
não familiares aos grupos. Quando os surdos discutem sua surdez,
usam termos profundamente relacionados com sua língua, seu passado
e sua comunidade. (STAINBACK, STAINBACK, 1999, p. 234)
Pensar tais termos é de suma importância, uma vez que ele possue implicações
cruciais para a vida dos surdos. (Gesser, 1972, p 170) sita Laborrit (1994) quando diz:
“Recuso-me a ser considerada excepcional ou deficiente. Não sou. Sou surda, meus
olhos são meus ouvidos. Sinceramente nada me falta, é a sociedade que me torna
excepcional” A surdez ainda é vista negativamente pela sociedade, o discurso médico
tem muito mais força e prestígio do que o discurso da diversidade, do reconhecimento
lingüístico e cultural das minorias surdas. O “normal” é ser ouvinte, e o que diverge
desse padrão deve ser corrigido, “normalizado”.
Todo processo de normalização é homogeneizador, ou seja, visa
trazer cada elemento desviante para o espaço igualitário da
norma. E uma vez normalizado, o individuo naturaliza a própria
norma, passa a crer que tudo o que diz respeito a ela é natural
(teria sido “sempre assim”). (MITTLER, 2003, p. 100).
Com este processo normalizador que a sociedade vem passando e em decorrência a
educação. Abrem-se espaços para a estigmatização e para construção de preconceitos
sociais. E o profess@r como regente maior precisa intermediar esses padrões préestabelecidos, entendendo mais este universo desse alun@ surd@, podemos dialogar e
traçar estratégias de ensino, propor vivências artísticas à turma onde todos estejam aptos
a não só participar, mas principalmente entender a proposta apresentada. Mas como se
dá esse processo de comunicação entre profess@r e alun@ surd@? Através de mímicas,
tentativas de falas ou leituras labiais?
A mola propulsora da comunicação: LIBRAS.
“Quando aceito a língua de outra pessoa,
eu aceito a pessoa... A língua é parte de nós
mesmos... Quando aceito a Língua de sinais,
eu aceito o surdo”
(Terje Basilier)
Dentro de minhas experiências como docente em contato direto com alun@s
surd@s, fui levada a compreender essa língua, por uma questão de respeito ao que @
alun@ compreendia por forma de comunicação natural.
O processo de exclusão educacional começa quando os alun@s não entendem o que
o profess@r está dizendo ou o que se espera que eles façam. Essa é a realidade de
grande parte dos alun@s surd@s do Brasil, pois encontram dificuldades ao tentarem
traçar laços de comunicação com pessoas ouvintes (Gesser, 1972, p 115). Ainda mais
quando a língua brasileira de sinais, LIBRAS, não é do vocabulário do profess@r em
sala de aula. Ou quando o ensino de LIBRAS não está presente na formação curricular
desse docente. Entende-se a Língua de sinais por:
Uma língua não universal, pois cada país possui a sua própria língua
de sinais, que sofre as influências da cultura nacional. Possuem
gramática e semântica própria. É comum aos ouvintes pressupor que
as línguas de sinais sejam versões sinalizadas das línguas orais; por
exemplo, muitos acreditam que a LIBRAS é a versão sinalizada do
português; Mas isso não é correto. Entende-se como Língua Brasileira
de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o
sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura
gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de transmissão de
idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
(GESSE 1972, p. 76)
Mas sobre este aspecto vamos além, pois inicialmente precisa-se entender o porquê
de muitas vezes os profess@res tenderem a instigar esses alun@s surd@s a oralizar e
não fazer uso da língua de sinais brasileira. Ainda existe uma idéia que o surd@ precisa
ser oralizado para se integrar na sociedade. Isso é fruto de um traçado histórico muito
difundido por adeptos convictos do oralismo, como por exemplo, Alexandre Graham
Bell, participante do Congresso de Milão em 1880, pregava:
Que a surdez era uma aberração para a humanidade, pois perpetuava
características genéticas negativas. Nesse cenário, internatos de
surdos, casamentos entre eles e qualquer tipo de contato eram
proibidos, e tal proibição foi entendida como uma medita preventiva,
capaz de “salvar” a raça humana. Entende-se que Graham Bell
contribuiu de maneira crucial para a negação e a opressão da língua de
sinais. Por isso é rechaçado com mais veemência pela comunidade
surda em todo o mundo, do mesmo modo como são rechaçados todos
os que inscrevem nessa filosofia (GESSER, 1972, p. 98)
O que nós educadores precisamos compreender é que dentro desse discurso sempre
existirão os que serão a favor de LIBRAS e os que não compartilharão da mesma idéia.
Mas o foco é o objetivo que queremos alcançar com esta educação e os resultados que
devemos alcançar, assim fica nítido que o profess@r precisa respeitar a opção do alun@
surd@, incluindo-se na forma com a qual o alun@ decidi se expressar.
Se respeitarmos a língua de sinais e o direito do surdo a ser educado
em sinais, devemos também respeitar o direito daqueles surdos que
optam por também falar (oralizar) a língua portuguesa. O perigo está
quando certas decisões são impostas, e as imposições e opressões,
sabemos, vêm de todos os quadrantes (GESSE 1972, p. 99)
Assim novas inquietações surgiram como relacionar a Linguagem da Dança aos
Surd@s, como essa dança iria ser entendida por esse alun@? Como seu corpo
responderia as técnicas que estariam sendo abordadas? Ele entenderia?Qual corpo seria
esse?
Nas entrelinhas da Dança: qual corpo está apto a Dançar?
“Aquilo que os seres humanos têm em
comum é sua capacidade para se diferenciar
uns dos outros.”
(François Laplantine)
Quando se inicia uma proposta de ensino da dança, todo conteúdo e metodologia
devem está apontados em nossos planos de ensino e aula. Mas nessas estruturações de
conteúdo, não estão mencionados que exista um corpo padrão para a execução das
aulas, ou muito menos corpos que não estão aptos para dançarem. Porém a conceituação
de normalidade volta a preencher nosso cenário, já que diariamente somos
bombardeados de informações sobre os estereótipos corporais, os quais interferem
diretamente sobre o conceito de corpo.
Essa perspectiva de normalidade acaba criando concepções de corpos
ideais que variam a depender do objetivo a ser atingido, como o corpo
atlético dos esportistas, o corpo delgado das manequins ou o corpo
estético. Com formas harmoniosas dos dançarinos. (MITTLER, 2003,
p 36)
Nota-se que nossa sociedade estabelece padrões, fazendo uma pré-imagem dos
adeptos da linguagem da dança, um conceito pré-estabelecido perpetuando idéias
capitalistas e massificadoras. Sendo comum esperar ser visto em salas de aulas de dança
crianças brancas, do gênero feminino, magras, de condições financeiras elevadas e sem
nenhum tipo de deficiência. Não conseguem enxergar dentro dessa prática ninguém que
possua alguma deficiência, afinal a dança ainda é vista por um caráter estético, com um
enorme grau de perfeição e virtuosismo. O corpo deficiente é visto como invalido.
Silveira (2009, p 25) cita Bavcar (2003 p, 176), dizendo que
O corpo deficiente é uma contradição entre a história e o
progresso. A inconseqüente história possui um marco
significativo no segundo pós-guerra, paralelamente ao início da
Revolução Industrial, na fundação do Hôtel Del Invalides, que
consagrou a pessoa vitima da guerra como um signo que conota
tanto os inválidos do trabalho como os inaptos para uma
existência conforme as normas definidas em uma determinada
situação histórica. Desde então, o amontoado de signos em
relação à pessoa com deficiência e a função de invalidade têm
sido uma conexão recorrente em nossa historia, estendendo se
até os dias atuais. SILVEIRA (2009, p25) apud BAVCAR (2003
p 176)
As considerações feitas em relação ao corpo fora de padrões estabelecidos
previamente não surgem sem fundamentação, ultrapassam os tempos através de todo
reforço histórico que possui. Os educadores não devem negar que essa dualidade é
presente, muito menos devem ignorar o potencial do alun@.
No entanto, a cultura do “corpo Ideal” ainda permeia o
imaginário de grande parte da população e, até mesmo no meio
da dança, a prática tradicional e a inércia do hábito continuam
privilegiando o corpo treinado, o corpo jovem e o corpo
vigoroso. Continua também a tentar moldar o corpo numa forma
que não lhe é próprio, sem respeitar ou ao menos observar suas
tendências. (MIRANDA, 2008, p 176)
Apesar de toda tentativa feita para a obtenção de uma sociedade padronizada,
precisamos compreender que o papel da Arte/Dança está justamente em não igualar os
corpos, mas saber trabalhar com o diferente. E contribuir para que o que diverge possa
ser instrumento de inspiração, entendido como contribuinte e não como algo que
dificulte a aprendizagem e o desenvolvimento. Marques (2005, p 124.) nos aponta que
“mais e mais dançarinos e coreógrafos estão indagando que as platéias vejam seus corpos como
uma busca de identidade cultural, uma presença física que move com e através de gênero, raça e
significados sociais.” E isso esta relacionado ao seguinte pensamento de Jocimar Daolio: “Uma
das tendências da contemporaneidade é assumir a identidade, aquilo que constitui o ser em sua
essência, sem fechar os olhos para seus declínios, feridas, marcas e ausências. Tudo é válido,
tudo é fonte de criação digna de aproveitamento”. O mesmo decorre ainda dizendo:
“Uma educação que considere o principio de alteridade saberá
reconhecer as diferenças – não só físicas, mas também culturaisexpressas pelos alunos, garantindo assim o direito de todos à sua
prática. A diferença deixará de ser critério para justificar preconceitos,
que causam constrangimentos e levam à subjugação dos alunos, para
se tornar condição de igualdade, garantindo, assim, a afirmação do seu
direito à diferença condição do pleno exercício da cidadania. Porque
os homens são iguais justamente pela expressão de suas diferenças.”
(DAOLIO, 1995, P 201)
Amparada por essa diferença que sai do papel de vilã para se tornar protagonista da
contemporaneidade artística, reflito em cima da modalidade dança. Imaginando que a
dança contemporânea torna-se uma das modalidades mais abrangentes, me refiro aos
processos não só de cena, mas principalmente aqueles que tangem o nível de ensino
educacional da dança. Mas logo segue a lista extensa de por quês, faz-se necessário
compreender o que esta modalidade trás em relação ao corpo dançante e seu seguimento
quanto educação.
A dança contemporânea dentro de sua magnitude nos aponta os vários
desdobramentos do corpo. Inicialmente deve-se essa abrangência aos múltiplos olhares
traçados para a linha de atuação e pesquisa com isso chegamos a um vasto campo
teórico sobre conceituações de corpo e técnicas. Assim trago para dialogar com essa
corrente de pensamento, o filosofo francês Michel Serres.
Em qualquer atividade a que nos dedicamos, “o corpo é suporte da intuição, da
memória, do saber, do trabalho e, sobretudo, da invenção” (STAINBACK, 1999, p.36).
Em seu livro “Variações sobre o corpo” aborda as variações que o corpo assume
e que as suas potências de movimento se transformam, dividindo em quatro partes de
apoio para a construção do corpo: o poder, a metamorfose, o conhecimento e a
vertigem. A partir desses conceitos, liguei à construção de um corpo que dança.
Onde o poder significa executar com confiança o movimento, a metamorfose seria
saber trabalhar diferentes qualidades corporais e sociais. O conhecimento revelaria a
noção de conhecer o próprio corpo e saber o melhor caminho para se chegar ao
resultado dançante de acordo com cada especificidade corporal. E a vertigem nos passa
a idéia de tentar o equilíbrio do social, espiritual, econômico, religioso, enfim, tudo o
que compreende o contexto do ser envolvido juntamente com o corpo. (ROSA, 2008, p
119)
Esta abordagem nos revela a possibilidade de soma do ensinar dança com todo o
arcabouço empírico que cada alun@ trás. Pois compreende que dentro da ótica da
contemporaneidade o corpo preparado para dançar não precisa de padrões e formas prédefinidas, necessita apenas da percepção de si próprio, de significação do que o cerca e
colocação de intenção seja educacional ou cênica.
Merleau-Ponty em seu estudo sobre percepção ressalta “que o corpo é uma forma de
expressão, pleno de intencionalidade e poder de significação”. Portanto, pensar o corpo
deficiente na dança como um corpo apto como qualquer outro é de vital importância
para um mergulho profundo em processos que constroem uma educação capaz de gerar
novos conhecimentos e instigar outras visões de mundo, pois o corpo que dança
constrói cultura sem focalizar padrões e é construído por esta cultura, como um fluxo,
formando assim uma essência de corpo dentro da educação da dança.
Essência, esta, que é um fluxo, um fluxo novo que nos faz diferenciar
de certos padrões, ou seja, na subversão dos padrões podemos lidar
com o novo e surpreender quem nos cerca e a nós mesmos. Através
dos estudos sobre o corpo do individuo, forma-se um pensamento
crítico sobre as questões do corpo na contemporaneidade e reúne
diferentes possibilidades expressivas do corpo e suas relações (...).
Uma dança como linguagem não verbal, uma dança que busca na
essência toda a vivência do individuo, o que o cerca e as suas
experiências. Uma dança que se assemelha com a visão de Platão e
também à do autor Fritjof Capra, ou seja, uma dança que não se fecha
para um único mundo, nem para uma única platéia, que não tranca
ninguém em cavernas. Uma dança que busque, na essência, a
verdadeira corporeidade do homem. Que descubra, junto do homem, a
sua linguagem. (LEMOS, 2008, p 40)
Da teoria a prática: Relatos de sala de aula, a busca por um ensino da Dança
através de LIBRAS.
Quando fui convidada para fazer parte da grade de professores de dança do Projeto
Aluno Bailarino Cidadão, projeto este desenvolvido pela “Companhia Moderno de
Dança”, que compete em atender jovens na faixa etária de 12 a 18 anos, cursando o
ensino fundamental e médio da rede pública. Recebi o convite com satisfação e
imaginando colocar em prática as teorias aprendidas na Universidade, dentro do curso
de Licenciatura Plena em Dança da UFPA.
Ao sentarmos para execução do planejamento do semestre que se iniciava, uma
notícia fez com que a certeza da eficácia das aulas que ministraria fosse comprometida.
Fui informada que teria uma aluna Surda, na hora não parei para pensar nas implicações
que resultam em se ter um alun@ surd@ numa sala de aula onde a maioria dos alun@s
é ouvinte e onde boa parte do corpo docente e organizacional não compreende a Língua
de Sinais Brasileira. Mas depois me atentei para o grande desafio que estava assumindo.
Fui levada a buscar novos caminhos que complementassem minha área de atuação
no ensino da dança juntamente com o da surdez, através do Curso básico de Libras,
ofertado pelo Estado do Pará, pela Secretária de Educação (SEDUC), no Centro de
Atendimento e SERVIÇO AO SURDO (CASS). No CASS conheci realidades de
professores igualmente a minha que buscavam um aperfeiçoamento de sua docência.
Compartilhava dúvidas e cada vez mais compreendia a comunidade surda, sua cultura e
especificidade, além da importância de LIBRAS como a língua de referência do surdo.
Tudo para que o ensino da dança fosse inclusivo, para traçar uma forma de diálogo
com esta aluna, na tentativa de aproximação do contexto da mesma com a sala de aula
de dança.
Pois o ambiente em que a pessoa com surdez está inserida,
principalmente o do âmbito de aprendizagem, na medida em que não
lhe oferece condições para que se estabeleçam trocas simbólicas com
o meio físico e social, não exercita ou provoca a capacidade
representativa dessas pessoas, conseqüentemente, compromete o
desenvolvimento do pensamento e atividade física. (POKER, 2000, p
300).
O uso da língua de sinais pôde modificar minha abordagem nas aulas de dança
fazendo com que as técnicas e execuções fossem entendidas por todos os alunos.
Utilizando também de LIBRAS nos processos de criação, como forma de
reconhecimento de uma identidade e inclusão.
Estudar a educação das pessoas com surdez nos reporta não só a questões
referentes aos seus limites e possibilidades, como também aos preconceitos existentes
nas atitudes da sociedade para com elas. Os Surd@s enfrentam inúmeros entraves para
participar da educação, decorrentes da perda da audição e da forma como se estruturam
as práticas das propostas educacionais das políticas de ensino. Muitos alun@s com
surdez podem ser prejudicados pela falta de estímulos adequados ao seu potencial
cognitivo, sócio-afetivo, lingüístico e político-cultural e ter perdas consideráveis no
desenvolvimento da aprendizagem. Essa falta de estímulos muito se deve ao não
preparo do corpo docente que integra as instituições de ensino.
Precisa-se acima de tudo ter a consciência que o professor só pode ensinar quando
está disposto a aprender, nunca imaginar que seu papel é o de repassar somente,
acreditando ficar imune a todos os caminhos que o cruzam. “O professor é um livro
sendo escrito a lápis, constantemente apagado e renovado a cada encontro, a cada aluno,
a cada experiência”. (FREIRE, 1996: p173). Afinal em nossa carreira docente, muitos
desafios irão surgir ligados a deficiências, outros a questões sociais, religiosas ou
econômicas. Precisamos estar abertos, sem preconceitos, sem falsas visões de padrões,
precisamos acreditar no potencial de cada alun@. Indiferente de seu credo, etnia, opção
sexual, se é deficiente ou não, o importante é enxergamos que ele é humano, capaz de
tudo igual a nós, e isso já basta.
“Que a dança faça nascer, pela sutileza dos traços, pela divindade dos
ímpetos, pela delicadeza das pontas paradas, essa criatura universal
que não tem corpo nem rosto, mas que tem dons, e dias, e destinos".
(Paul Valéry.)
Bibliografias Consultadas
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BIASOLI- Carmen Lucia Abadie, A formação do professor de arte: do ensaio... À
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FREIRE- Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1996:
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