MÍDIA, JOVENS E MEIO AMBIENTE: AS DIMENSÕES DO AQUECIMENTO GLOBAL FERREIRA, Arnaldo Telles1 - UNOESC –[email protected] TREVISOL, Joviles Vitório2 – UNOESC – [email protected] RESUMO O aquecimento global é uma das dimensões mais preocupantes da crise ecológica atual, tendo despertado, nos últimos anos, vários estudos e debates, envolvendo cientistas, professores, governos, ONGs, meios de comunicação social e universidades. Observando a relevância desse tema, a presente pesquisa desenvolveu um estudo sobre as representações sociais que os estudantes universitários têm sobre o aquecimento global. Buscou-se, assim, em primeiro lugar, servir-se dos conceitos propostos por Beck (2006), Giddens (2000), Morin (2001), e outros, para compreender a mudança de paradigma nos campos científico, político, social e econômico do pensamento ambiental. Em segundo lugar, o tencionamento entre educação, comunicação e representações se deu por meio dos conceitos da teoria das representações sociais de Moscovici (2003). A investigação foi desenvolvida com estudantes do Curso de Comunicação Social da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) Campus de Joaçaba. Os dados foram coletados mediante a aplicação de dois instrumentos de pesquisa: um questionário semitabulado e entrevistas realizadas através da técnica de grupo focal. Entre os resultados do estudo, cabe destacar: (i) que os estudantes, em sua grande maioria, têm dificuldades para interpretar e correlacionar os conceitos científicos sobre as causas e conseqüências das mudanças climáticas; (ii) no que diz respeito à avaliação dos agentes de informação, os estudantes confirmam a tese de que as representações sociais do aquecimento global são geradas pela transposição dos conhecimentos pela mídia e a escola; (iii) e, em sua grande maioria, os estudantes expressam a consciência da incerteza partilhada sobre os impactos ambientais na sociedade de risco. Palavras-chave: Educação Ambiental. Aquecimento global. Representações Sociais. 1 - Mestre em Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. Professor do Magistério Superior. Comunicação Social da UNOESC – Campus Joaçaba. Endereço eletrônico: [email protected] 2 - Doutor em Sociologia pela USP e Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra (CES/UC). Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Federal da Fronteira Sul. Endereço eletrônico: [email protected] 326 1- Introdução El cambio global y el cambio climático son problemas que han transcendido el ámbito de la investigación científica para percollar el tejido de la sociedad. (Carlos Duarte). À medida que a humanidade aumenta sua capacidade de intervir na natureza para satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos quanto ao uso dos territórios e dos recursos em virtude da tecnologia disponível. Nos últimos séculos, um modelo de civilização se impôs, trazendo a industrialização, com sua forma de produção e organização do trabalho. A perspectiva ambiental consiste em um modo de ver o mundo em que se evidenciam as inter-relações e a interdependência dos diversos elementos na constituição e na manutenção da vida. Atualmente, o aquecimento global é um dos fenômenos climatológicos que despertam a atenção da comunidade científica e da sociedade em razão do perigo representado pelas alterações climáticas para a sobrevivência e manutenção da vida na terra. (GORE 2006; RIBAS, 2008). A despeito de sua dimensão física, o aquecimento global é uma representação social, ou seja, os indivíduos e os grupos sociais constroem concepções/entendimentos do tema a partir dos contextos onde vivem e do conjunto de conhecimentos que possuem. Como partes integrantes e dinamizadoras da sociedade, a educação, as instituições de ensino, os educadores e os próprios estudantes são influenciados pela mídia. A compreensão que os estudantes possuem da problemática ambiental e, particularmente, do aquecimento global, está em parte relacionada ao tratamento que a mídia oferece a esses temas. Estudar as representações sociais dos estudantes universitários em relação ao aquecimento global é compreender como esses indivíduos concebem a si próprios e a relação que estabelecem com o meio ambiente que os cerca; é compreender como a informação e o conhecimento é internalizado e reinterpretado pelos estudantes. Acredita-se que a presente investigação descreve como se constituem em um determinado grupo social as imagens, os conceitos, as afirmações, as indagações e os discursos sobre uma das temáticas mais emergentes na atualidade. Além disso, parte-se 327 do pressuposto de que os meios de comunicação revelam um campo semântico permeado de sentidos e significações de uma dada realidade, de um tempo histórico que é interpretado de diferentes formas pelos sujeitos, e que a Universidade representa um espaço importante para a transformação social, intelectual e analítica dos estudantes sobre as reais consequências do aquecimento global para o planeta. A partir disso, o artigo foi organizado em três partes: na primeira, desenvolvemos um quadro geral sobre as principais discussões da atual crise ambiental. Na segunda, será apresenta a teoria das representações sociais como suporte teóricometodológico para compreender as dimensões socioculturais presentes nas formas como os indivíduos e as sociedades concebem o meio ambiente e se relacionam com ele. A terceira parte traz a análise dos indicadores quantitativos e qualitativos sobre as representações sociais do aquecimento global dos universitários. Concluímos essa discussão sobre o conjunto de práticas e comportamentos que permitem aos jovens ressignificar seu pensamento e sua relação cultural e histórica com o ambiente social e individual. 2- As dimensões da crise ecológica O aumento populacional, a pobreza, a desigualdade social, a dívida externa, a perda da biodiversidade, a escassez de água potável, a poluição do ar, do solo e das águas, apesar de serem problemas aparentemente diferentes, têm núcleos de causalidade em comum: o modelo insustentável de desenvolvimento em curso. Recorrendo a Guimarães (2000), a crise ecológica vai além da dimensão biofísica; ela reflete a crise do modelo de sociedade tecnocientífica e industrial que potencializa, dentro de sua lógica, valores individualistas, consumistas, antropocêntricos, e ainda como componente dessa lógica, as relações de poder que provocam dominação e exclusão, não somente nas relações sociais, como também nas relações sociedade-natureza. De acordo com o autor (GUIMARÃES, 2000, p. 27) “[...] o reflexo da crise ambiental é o reflexo de uma crise do projeto civilizacional, crise da modernidade, de um modelo desenvolvimentista.” Assim compreendida, a problemática ambiental é um indicador claro dos impasses do atual modelo de civilização. Como vários autores têm defendido (CAPRA, 328 1982; MORIN, 1995; BOFF, 1995; LEFF, 2000, 2001) está-se diante de uma crise civilizatória. Mais do que soluções tecnológicas, como muitos esperançosamente acreditam, necessitam-se mudanças profundas na forma de conceber e relacionar-se com o mundo, exigindo novos valores e práticas individuais e coletivas. O antropocentrismo, a racionalidade econômica e a cultura do consumo colocaram a civilização diante de uma encruzilhada. É necessário um novo contrato entre homem e natureza, entre meio ambiente e sociedade (BRASIL, 1997). Apesar de não ser recente, a problemática ambiental tornou-se mais intensa e global nas últimas décadas. Para Yu (2004), o caráter contemporâneo da crise ecológica se diferencia das crises ocorridas em outros períodos da historia da humanidade pelo ritmo, amplitude e profundidade, resultantes da expansão da produção e do consumo capitalista. A crise ecológica converteu-se em um processo social global à medida que os impactos das agressões ao meio ambiente repercutem de forma interdependente em escala planetária. A consciência ambiental se amplia; com isso cresce a percepção dos riscos e o entendimento de que as transformações em curso estão se convertendo em ameaças cada vez mais preocupantes. O risco ecológico não respeita as fronteiras das nações; ele é um risco partilhado (GIDDENS, 2000; BECK, 1998; TREVISOL, 2003). Nas palavras de Beck (1998, p. 66), pode-se afirmar que pela primeira vez na história: [...] el choque ecológico produce una experiencia que los teóricos de la política creyeron reservar a las guerras en cuanto experiencia de la violencia. [...] La comunidad de la historia nacional ha estado siempre subsumida en la dialéctica de las imágenes enemigas. Impulsada por el pánico y la histeria, la conciencia de crisis ecológica puede sin duda resolverse en violencia contra determinados grupos y cosas. Pero, al mismo tiempo, podemos afirmar que en nuestros días es por primera vez posible experimentar la comunidad de un destino que – por paradójico que pueda parecer –, al no reconocer fronteras en la amenaza percibida, despierta una conciencia común cosmopolita capaz de suprimir hasta las fronteras existentes entre el hombre, la bestia y las plantas. Si los peligros fundan una sociedad, los peligros globales fundan la sociedad global. Em uma perspectiva similar de análise, Capra (1982) afirma que a pobreza, a desigualdade social, o desemprego, a crise energética, a crise de assistência à saúde, a poluição e os desastres naturais, etc., são diferentes facetas de uma única crise, a de percepção. Para ele (CAPRA, 1982, p. 14): 329 Estamos tentando aplicar os conceitos de uma visão de mundo obsoleta – a visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana newtoniana – a uma realidade que já não pode ser entendida em função desses conceitos. Vivemos hoje, num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes. Para descrever esse mundo apropriadamente, necessitamos de uma perspectiva ecológica que a visão de mundo cartesiana não nos oferece. Precisamos, pois, de um novo “paradigma” – uma nova visão da realidade, uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores. Os problemas ambientais da atualidade são, em sua grande maioria, resultado de uma organização social, política e econômica, que tem no seu centro a mercantilização da natureza e dos seres humanos. O consumo é amplamente estimulado, impondo-se como o sentido e o fim último da vida para muitas pessoas. As consequências da cultura do consumo e da mercantilização da vida sobre a natureza são raramente consideradas (MORIN, 2001). O aquecimento global, assim como todas as causas e consequências a ele diretamente ligadas, são indicadores claros da insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento. As causas do aquecimento global, não podem ser problematizadas apenas pelo constante aumento dos gases de efeito estufa, mas compreendido dentro de uma complexa trama de processos históricos, sociais, biológicos, das múltiplas interrelações de todos os fenômenos com a realidade global e local. As mudanças climáticas estão associadas ao aumento da poluição, queimadas, desmatamento e a formação de ilhas de calor nas grandes cidades. A partir da segunda metade do século XX houve uma expansão da produção industrial e um aumento de poluentes na atmosfera que intensificaram o efeito estufa. Com o aumento do efeito estufa há, também, um crescente aumento da temperatura média da Terra. O principal agente é o dióxido de carbono ou CO2. As evidências científicas que indicam as alterações do clima são cada vez mais abundantes. A título de exemplo, as precipitações nos EUA aumentaram de 5% para 10% na última década; chuva e neve têm caído menos, porém com maior intensidade. Na Europa, as ondas de calor no verão já são mais comuns. Por volta de 2030, grande parte da Austrália atingirá temperaturas acima de 35ºC com uma frequência entre 10% e 50% maior (DOW; DOWNING, 2007, p. 12). 330 Como sugere Al Gore (2006, p. 10): A crise climática é extremamente perigosa. Trata-se, na verdade, de uma emergência planetária. Dois mil cientistas em uma centena de países, trabalhando por mais de vinte anos na colaboração científica mais elaborada e mais bem organizada que já houve na história da humanidade, chegaram a um consenso excepcionalmente forte de que todos os países do mundo precisam cooperar para resolver a crise do aquecimento global. As pesquisas científicas e o debate público sobre o aquecimento global são relativamente recentes. Apesar disso, o tema é considerado o mais sério entre os problemas ambientais. Há um consenso de que o efeito estufa, pela sua possibilidade de modificar o clima global e causar alterações profundas nas dinâmicas ecológicas, econômicas, sociais, políticas, etc., é o componente mais dramático (DIAS, 2002; PENNA, 1999). A despeito das polêmicas e divergências que desperta, o tema está cada vez mais presente nas comunidades científicas, governos, organizações da sociedade civil, meios de comunicação social, universidades e escolas. O fato de que os 10 últimos anos foram os mais quentes dos últimos 1.000 anos (sendo 2005, 1998, 2002 e 2003 os mais quentes) levou pesquisadores, tomadores de decisão em políticas públicas e conservacionistas, de maneira consensual, à opinião de que a mudança de clima não é um mito e sim uma realidade. Neste sentido, o aquecimento global é uma representação social, que se modifica ao longo da história e que atualmente representa individualmente e coletivamente a atual crise ambiental. 3- Meio ambiente como representação social As representações sociais equivalem a um conjunto de princípios construídos interativamente e compartilhados por diferentes grupos que, por intermédio delas, compreendem e transformam sua realidade. É essa dinamicidade e multiplicidade de funções das representações sociais que fazem desse conceito uma ferramenta importante na análise das sociedades em permanente transformação, garantindo sua aplicabilidade em áreas tão diversas, como a saúde, a educação, o meio ambiente, a ciência política, o marketing e a administração, entre outras (CORDEIRO, 2006; REIGOTA, 1998). De acordo com os PCNs (BRASIL, 1997) trabalhar com o meio ambiente é contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos para decidirem a atuarem na 331 realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade, local e global. Para isso, é necessário que, mais do que informações e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com formação de valores, com o ensino e a aprendizagem de habilidade e procedimentos. E esse é um grande desafio para a educação. Desse modo, esses conhecimentos e informações configuram as representações sociais socialmente difundidas na sociedade. Nesse sentido, o termo meio ambiente não pode ser estabelecido de forma rígida e estática. De acordo com a orientação expressa pelos PCNs (BRASIL, 1997), é mais apropriado definir meio ambiente como representação social: É mais relevante estabelecer o meio ambiente como uma representação social, isto é, uma visão que evolui no tempo e depende do grupo social em que é utilizada. São essas representações, bem como suas modificações ao longo do tempo, que importam: é nelas que se busca intervir quando se trabalha com o tema meio ambiente. (BRASIL, 1997, p. 31). Outros autores, entre os quais Beck (2006, 1997, 1998), Moscovici (2003), Cartea (2003), Reigota (1998), Gonçalves (1989), Morin e Kern (1995) também têm chamado a atenção para as dimensões socioculturais presentes nas formas como os indivíduos e as sociedades concebem o meio ambiente e relacionam-se com ele. Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada ideia do que seja a natureza. Neste sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim a sua cultura. (GONÇALVES, 1989, p. 54). Reigota (1998) propõe que o meio ambiente é um espaço determinado no tempo, no sentido de se procurar delimitar as fronteiras e os momentos específicos que permitem um conhecimento mais aprofundado. Para ele: O meio ambiente é definido como o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído [...] ele é também percebido, já que cada pessoa o delimita em função de suas representações, conhecimento específico e experiências cotidianas nesse mesmo tempo e espaço (REIGOTA, 1998, p. 14). 332 A despeito de sua dimensão biofísica, o aquecimento global também é uma representação social. Para Cartea (2003), toda a cultura local e regional tem elaborado com maior ou menor sofisticação e extensão sistemas de conhecimento para interpretar as variações climáticas com que convive. Para ele: La controversia publica que se ha generado en torno al cambio climático, a su explicación científica y a sus derivaciones sociales, políticas y económicas, reúne todos los elementos para estimar que resulta especialmente perteneciente su abordaje desde la teoría de las representaciones sociales […] En ellos se entremezclan la experiencia acumulada a través de la tradición y otros elementos que pueden ser de carácter mítico-religioso o mágico, lo que no impide que, en general, ofrezcan representaciones socialmente compartidas y aceptadas para comprender y predecir el comportamiento y la evolución del tiempo atmosférico. Que dichas representaciones sean acientíficas o se construyan a partir de lecturas erradas de la realidad no evita que sean útiles y permitan satisfacer, al menos en parte, las necesidades prácticas (organizar las labores agrícolas) o simbólicas (dominar los elementos) de la comunidad que las genera. (CARTEA, 2003, p. 440- 443). Em virtude da enorme expansão das mídias em todo o mundo nas últimas décadas, as informações circulam com maior rapidez e estão cada vez mais integradas ao cotidiano das pessoas. É inegável o papel exercido pelos meios de comunicação social no entendimento que as pessoas têm do aquecimento global e de outros tantos temas ambientais. Poucos assuntos ganharam tanto destaque nos últimos anos quanto o aquecimento global. A mídia tem priorizado esse tema. Como destacam os PCNs: O rádio, a TV e a imprensa, por outro lado, constituem a grande fonte de informações que a maioria das crianças e das famílias possui sobre o meio ambiente. Embora muitas vezes aborde o assunto de forma superficial ou equivocada, a mídia vem tratando de questões ambientais. Notícias de TV e de rádio, de jornais e revistas, programas especiais tratando de questões relacionadas ao meio ambiente tem sido cada vez mais frequentes. Paralelamente, existe o discurso veiculado pelos mesmos meios de comunicação que propõe uma ideia de desenvolvimento que não raro conflita com a ideia de respeito ao meio ambiente. São propostos e estimulados valores insustentáveis de consumismo, desperdício, violência, egoísmo, desrespeito, preconceito, irresponsabilidade e tantos outros. (BRASIL, 1997, p. 30). O reconhecimento de que os meios de comunicação de massa influenciam diretamente na elaboração das representações sociais dos estudantes, em seu comportamento, seus hábitos e valores, indica que cada parcela da sociedade cria uma visão de mundo, em um tempo e espaço particular, que pode ser socializada com um 333 grupo e que as representações sociais são dinâmicas, evoluindo rapidamente e os meios de comunicação de massa tencionam conceitos e valores mediante um discurso que ora promove a chamada consciência ecológica, ora incentiva o consumo. Nesse sentido, é importante destacar que os conhecimentos, imagens, representações e valores que os indivíduos têm sobre o aquecimento global são bastante dinâmicos, movediços e vivos. É necessário considerar o modo como as pessoas representam a realidade socioambiental na qual vivem, porque todo o trabalho educativo é, no fundo, uma tentativa de dialogar criticamente com esse reservatório de conhecimentos ancorado na cultura e no senso comum. 4- Os estudantes universitários e o aquecimento global Com o propósito de conhecer as representações sociais dos estudantes universitários pesquisados a respeito do aquecimento global foi realizada um pesquisa na cidade de Joaçaba, estado de Santa Catarina, na Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de Joaçaba, localizada no Meio-Oeste catarinense, no Vale do Rio do Peixe, a 450 km de Florianópolis. Os dados quantitativos foram obtidos por meio da aplicação de um questionário a 176 alunos do Curso de Comunicação Social: habilitações em Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Radialismo. A pesquisa qualitativa, realizada por meio da técnica do grupo focal, foi realizada com 15 acadêmicos do referido curso, entre os meses de março a julho de 2009. Os dados quantitativos oriundos da aplicação do questionário foram organizados em tabelas, quadros e gráficos. As entrevistas foram transcritas na íntegra e analisadas de acordo com as categorias de análise do trabalho. Aproximaram-se, na medida do possível, os dados quanti e quali, no intuito de obter a melhor compreensão possível sobre as representações sociais dos universitários pesquisados quanto ao aquecimento global. Os depoimentos obtidos por meio do grupo focal serão apresentados de forma a garantir a sua impessoalidade. Os informantes serão denominados de S (sujeito), acrescido do número correspondente ao sujeito pesquisado (de 1 a 15). Por meio dessa classificação, será utilizada a técnica de análise de avaliação ou representacional3 para 3 A análise de avaliação ou representacional é uma técnica de análise de conteúdo que visa a medir as atitudes do locutor quanto aos objetos de que ele fala (pessoas, coisas, acontecimentos) e fundamenta-se 334 compreender os enunciados do conteúdo do discurso de cada indivíduo pertencente ao grupo focal. Com o objetivo de compreender as representações sociais dos estudantes universitários pesquisados a respeito do aquecimento global inseriu-se no instrumento de pesquisa a questão de número quatro, propondo uma série de afirmações, com o intuito de conhecer a opinião dos estudantes sobre alguns aspectos chaves que envolvem o tema aquecimento global. As afirmações propostas na Tabela 1 são polêmicas e despertam posicionamentos muito diferentes. Por meio dos critérios propostos (concordo muito, concordo pouco e não concordo), buscou-se compreender como os jovens se posicionam em relação a cada uma das afirmações. Tabela 1: Compreensão da crise ecológica e do aquecimento global Concordo AFIRMAÇÕES muito (%) O aquecimento global é um tema da moda, que veio 3 e que passará. O aquecimento global é um assunto preocupante, 96 que deve ser levado a sério pelos governos e pelos cidadãos. O aquecimento global é um fenômeno natural que 3 ocorre de tempos em tempos. O aquecimento global é um fenômeno natural e que 46 a ação antrópica contribui para o agravamento do efeito estufa. Os principais causadores do aquecimento global são 36 os países ricos, pois são responsáveis pela emissão dos gases poluentes. Tantos os países ricos quanto os países pobres são 82 responsáveis pelo aquecimento global. Apesar do grande espaço que o tema ocupa na 20 mídia, ainda há poucas pesquisas que comprovam o aquecimento global. O aquecimento global é tão grave que coloca a 74 humanidade em perigo. Concordo pouco (%) 15 Não concordo (%) 83 3 1 100 22 75 100 32 22 100 48 15 100 16 2 100 49 32 100 19 7 100 Total (%) 100 Fonte: o autor. Alguns aspectos merecem ser destacados. O primeiro deles é que os jovens universitários manifestam preocupação com a problemática do aquecimento global, elegendo-a como um assunto sério e merecedor de atenção, tanto pelos governos quanto no fato de que a linguagem representa e reflete diretamente aquele que a utiliza. Nesse caso, os indicadores utilizados para se fazer inferências acerca da fonte de emissão estão explicitamente contidos na comunicação. A análise de avaliação atém-se à direção e à intensidade dos juízos, atendo-se, basicamente, à atitude, ou predisposição do emissor da mensagem para reagir sob a forma de opiniões (nível verbal), ou de atos (nível comportamental), em presença de objetos, de uma maneira determinada (BARDIN, 1979; MINAYO, 2000). 335 pelos cidadãos. Dos jovens, 74% disseram que o tema é grave a ponto de colocar a própria vida humana em perigo, assim como outras tantas formas de vida em perigo. Na mesma perspectiva, 83% disseram que o tema não é uma simples moda. Afirmam que há evidências e indicadores suficientes para colocá-lo entre os assuntos de grande prioridade. O segundo aspecto importante a ser observado, é que os jovens, a despeito de reconhecerem a importância e a gravidade do tema, destacam a carência e/ou insuficiência de dados científicos que asseveram a concretude e as consequências do aquecimento global. De forma implícita, os jovens parecem dizer que os dados disponíveis ainda despertam dúvidas, polêmicas e disputas no interior da comunidade científica e no conjunto da sociedade. Em outras palavras, a compreensão do tema depende de compreensão científica do tema. Os jovens, em terceiro lugar, associam o aquecimento global aos fatores antrópicos. Para eles não se trata de um fenômeno cíclico, de origem estritamente físiconatural, mas sim de uma reação da natureza em razão dos processos de degradação ambiental produzidos pela lógica desenvolvimentista em curso. Deles, 75% disseram não concordar com a afirmação de que o aquecimento global é um fenômeno natural que ocorre de tempos em tempos, 46% afirmam concordar muito com a afirmação de que a ação antrópica contribui para o agravamento do desequilíbrio ambiental. O quarto aspecto a ser observado é que os jovens tendem a diluir as responsabilidades pelo aquecimento global de forma democrática, ou seja, para eles a distinção entre países do Norte (ricos) e do Sul (pobres) faz pouco sentido quando o que está em análise é a problemática ambiental. 48% dizem concordar pouco com a afirmação de que os principais causadores do aquecimento global são os países ricos, e 82% afirmam concordar muito com a sentença de que tantos os países ricos quanto os países pobres são responsáveis pelo aquecimento global. A tomar por essas respostas, os jovens parecem desconhecer ou negligenciar algumas importantes variáveis geopolíticas da crise ambiental, particularmente no que se refere à emissão de CO2. No questionário respondido pelos sujeitos da pesquisa solicitou-se aos estudantes uma avaliação do seu meio ambiente vivido. Sugeriram-se várias problemáticas ambientais e uma avaliação de cada uma delas. 336 Tabela 2: Avaliação da problemática ambiental local Problemas Ambientais Bastante Grave grave (%) (%) Poluição dos Rios Poluição do Ar Aumento da Pobreza Extinção de espécies de animais e vegetais (biodiversidade) Poluição das águas subterrâneas (lençol freático) Aquecimento global do planeta Lixo doméstico, industrial, químico e tecnológico Desmatamento e queimadas Poluição Visual Aumento do Consumo Crescimento demográfico Criação de Animais em grande escala Uso de agrotóxicos Redução da camada de ozônio Aumento do nível do mar Pouco grave (%) Nada grave (%) 85 87 50 79 5 6 31 10 1 1 10 3 0 0 3 0 Desejo obter mais informações (%) 10 6 7 8 Total (%) 84 6 1 0 9 100 86 5 2 0 6 100 78 15 2 0 5 100 87 23 31 25 20 7 45 42 49 42 2 21 15 14 23 0 6 4 6 9 3 5 7 7 6 100 100 100 100 100 63 80 70 28 8 10 4 6 8 0 2 4 5 4 7 100 100 100 100 100 100 100 Fonte: o autor. Como observado, os problemas ambientais locais considerados bastante graves pelos estudantes são o desmatamento e as queimadas (87%), a poluição do ar (87%), o aquecimento global (86%) e a poluição dos rios (85%). Atentam-se, para os itens que os estudantes consideram nada graves. Os problemas ambientais que pouco ou nada preocupam são: criação de animais em grande escala (9%), crescimento demográfico (6%), poluição visual (6%), aumento do consumo (4%), aumento do nível do mar (4%) e aumento da pobreza (3%). Ao analisar os dados da Tabela 2, fica evidente a dificuldade dos jovens pesquisados em reconhecer as relações existentes entre um problema e outro. Um exemplo ilustrativo desse aspecto é a avaliação que os sujeitos fizeram dos itens crescimento demográfico e aumento do consumo. Em relação ao crescimento populacional, 25% o consideram bastante grave, e 6% nada grave. No que diz respeito ao aumento do consumo, 31% o consideram bastante grave, e 4% nada grave. Ao considerarem o consumo um dos problemas menos preocupantes, os estudantes deixam de perceber que a cultura do consumo está na raiz da quase totalidade dos problemas ambientais sugeridos. Comentário cabível pode ser feito em relação ao crescimento 337 demográfico. De acordo com Hayden (2007, p. 65), “[...] o crescimento populacional para 2030, está estimado em mais 1,5 bilhões de pessoas, e a maioria dessas pessoas irá viver nas cidades, tornando o problema do consumo ainda maior.” O crescimento populacional, aliado à cultura consumista, acarreta, por conseguinte, pressão sobre os recursos naturais, maior produção de bens e serviços, geração de lixo, aumento das áreas destinadas à produção agrícola e geração de energia, etc. Pode-se afirmar que a percepção do problema fica no plano empírico e não no plano analítico/crítico. As relações de causalidade entre os fenômenos são percebidas de forma superficial, quando não negligenciadas inteiramente. Causas e efeitos não são percebidos de forma sistêmica. 6-Considerações Finais A respeito da primeira categoria de análise, que teve o intuito de conhecer quais são as representações sociais que os estudantes têm da crise ecológica e do aquecimento global, pode-se notar que os jovens estão conscientes e preocupados com a problemática das mudanças climáticas globais. Os dados indicam que eles tendem a reforçar que a dimensão antrópica do fenômeno contribui para o agravamento do aquecimento global. A essa concepção, observa-se que os estudantes relacionam diretamente o aquecimento global a um conjunto de representações das causas e consequências das mudanças climáticas inscritas em seus campos de significação. Para argumentar que o aquecimento global é real e se faz presente em seu cotidiano, os jovens relacionam acontecimentos vividos e mediatizados para procurar explicações sobre as causas e conseqüências das mudanças climáticas em curso. As respostas sugeridas pelos estudantes permitem deduzir que as representações sociais dos jovens pesquisados em relação à crise ambiental e ao aquecimento global inscrevem-se em uma dimensão de caráter simbólico, socialmente partilhada e individualmente internalizada sob o discurso ideológico de que cada um deve fazer sua parte. Desta forma, as partes atuam na maioria das vezes isoladas do todo, e esse distanciamento entre as partes e o todo amplia o abismo entre o individuo, a sociedade e o ambiente. Os sujeitos de nossa pesquisa explicitamente reproduzem um discurso que ratifica a tese de que a culpa pelos desastres ambientais recai sobre os indivíduos que isoladamente devem compensar suas ações para amenizar o impacto ambiental. No 338 entanto, toda ação é benéfica e compensatória para os sujeitos e na maioria das vezes induz os indivíduos a agirem isoladamente. Enquanto algumas partes continuam a agirem isoladamente para amenizar suas ações, o impacto das mudanças climáticas sobre o todo aumenta gradativamente a cada dia. Os jovens conservam fortes traços de uma concepção naturalista do meio ambiente. A ausência de uma concepção socioambiental, por vezes, limita a compreensão da crise ambiental e do aquecimento global em seu meio ambiente vivido. Em virtude das características geopolíticas da região Meio-Oeste catarinense, os jovens pesquisados parecem dizer que a representação social de um ambiente rural com algumas cidades de baixa densidade demográfica tem peso menor em relação aos problemas ambientais globais. Há um distanciamento entre as pessoas que vivem no campo e as que vivem no espaço urbano. Parecem dizer que os problemas das pequenas cidades têm menor peso diante do impacto ambiental gerado pelas grandes cidades. A carência de reconhecimento dos jovens pesquisados em relação à globalização dos problemas ambientais reforça cada vez mais a articulação entre as informações enunciadas pela mídia e os saberes mediados pelas instituições de ensino. Nessa direção, a educação deve se orientar de forma decisiva a fim de formar as gerações não somente para aceitar a incerteza e o futuro, mas para gerar um pensamento complexo sobre as relações entre o local e o global. Nesse cenário de incertezas, as instituições de ensino formal, como as universidades, têm um papel social fundamental na mediação e ressignificação do pensamento e do comportamento desses jovens e no modo como eles se relacionam com o ambiente social e individual. A título de finalização deste texto, mas não do debate sobre as mudanças climáticas, o que acreditamos alcançar com essa pesquisa é o desvelamento das representações sociais de um tempo histórico, de uma realidade que não é tratada como algo dado, mas construído socialmente. Essa realidade não pode ser captada de uma só vez, tampouco, em todas as suas variáveis. As representações sociais dos estudantes universitários sobre o aquecimento global explicitam as relações de poder e os mecanismos ideológicos estruturantes da realidade desses jovens. Nesse processo, a concepção de uma educação socioambiental deve se mediada a partir das interfaces entre os saberes dos sujeitos sociais e a ambientalização do currículo das universidades, 339 por meio da politização dos sujeitos e da problematização dos problemas ambientais locais e regionais, possibilitando a sociedade civil organizada e aos acadêmicos romperem com o amorfo intelectual e agir coletividade com vistas à sustentabilidade. Referências ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Em Aberto, Brasília, DF, v. 14, n. 61, p. 60-77, jan./mar. 1994. ARRUDA, Ângela. Ecologia e desenvolvimento: representações de especialistas em formação. In: SPINK, Mari Jane. 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