Cidades de dinâmica cultural decorrente da actividade universitária: análise comparativa dos casos de Salamanca e Coimbra* EUGÉNIA PIÃO** 1. INTRODUÇÃO E OBJECTIVO O principal objectivo deste estudo é a análise do grau de influência da actividade universitária nos contextos social e cultural das cidades de Salamanca e Coimbra, aos níveis da produção e consumo de actividades culturais, enquanto marcos geográficos dos seus desenvolvimentos e funções dominantes nos seus espaços. Trata-se de uma análise comparativa cujo resultado final deverá focar as disparidades que sobressaem da aparente similaridade entre as partes observadas e, as coincidências mais vincadas que se destacam dos dois universos, no âmbito dos quadros de produção e consumo nos planos social e cultural. Adicionalmente, e porque estreitamente implicadas no tema fulcral desta investigação, surgem referências constantes a outras características de ambas as cidades (ou de cada uma delas distintamente) decorrentes da presença e protagonismo da função universitária, tais como a influência directa sobre a economia ou sobre a própria morfologia urbana, entre outros temas que convocam estudos paralelos para enquadrar, complementar e fundamentar devidamente as informações avançadas. 2. A NATUREZA CULTURAL DAS CIDADES EM ESTUDO Em muitas cidades europeias, a presença de uma universidade traduz-se, sobretudo, no âmbito da economia urbana. Em alguns dos casos nem será mesmo possível considerar destacadamente as repercussões urbanísticas ou demográficas da função universitária, uma vez que esta se dilui na grandeza mobilizadora dos demais factores que transformam e arrastam multidões para a sua cidade. Em termos culturais, muito embora se avancem iniciativas que convocam ou partem da natureza do público universitário, estas coexistem, sem grande impacte, com as demais produções culturais totalmente alheadas da consideração deste universo de potenciais consumidores. Este cenário poderá ser observado em grandes centros urbanos como Barcelona, Lisboa ou Roma, onde os elevados contingentes universitários não produzem um especial efeito na imagem externa das suas cidades, para as quais ‘valores mais altos se levantam’. Salamanca Relativo periferismo no contexto espanhol. 160 mil habitantes + 38 mil universitários + 4 mil Sócrates- Erasmus1. Dupla dimensão: cidade turístico-monumental e pólo cultural. 76,5% da população activa empregue nos sectores ensino e turismo. Coimbra Posição geográfica central 120 mil habitantes + 21 mil universitários + 900 Sócrates-Erasmus.2 Cariz terciário da economia urbana: ensino, comércio, saúde, serviços especializados. Presença de elevado contingente populacional com formação de nível superior. Salamanca e Coimbra constituem, para todos os factores mencionados e sobretudo no que concerne à esfera da dinamização cultural, excepções como já há poucas no âmbito das cidades universitárias europeias. Efectivamente, tratando-se de cidades de média dimensão, desenvolvidas por via – e em função – da instalação pioneira de uma universidade, Salamanca e Coimbra estruturam todas as suas acções e políticas considerando o * Trabalho realizado no âmbito do Seminário com Relatório de Investigação em Geografia Social e Cultural, 1999/2000. Licenciada pela Universidade do Minho em Geografia e Planeamento – Ramo de Desenvolvimento Urbano e Regional. Técnica do Programa de Iniciativa Comunitária LEADER da Sol-do-Ave (Associação para o Desenvolvimento Integrado do Vale do Ave) 1 Programa Internacional de Intercâmbio de Estudantes Universitários, ao abrigo do qual efectuei um período de estudos na Universidade de Salamanca, de Outubro de 1999 a Fevereiro de 2000. 2 Valores relativos ao ano lectivo 1999/2000, para os universos das cidades consideradas. ** irrevogável protagonismo da sua actividade universitária. Ora, a dimensão do espírito universitário, do ensino, da investigação, da inovação e da difusão de conhecimentos, incita e promove com especial vocação estratégias culturais e impele à produção e ao consumo de práticas consonantes com a condição intelectual cultivada. Cumulativamente, o atractivo turístico que a categoria de Salamanca enquanto Cidade Património da Humanidade exerce, e a herança histórica e arquitectónica não menos significativa que Coimbra ostenta, requerem a envolvência de todo um ambiente cultural que complemente e se coadune com a riqueza patrimonial destas cidades. Assim sendo, o dinamismo cultural destas cidades pressupõe a orquestração de uma lógica cultural economicista, a qual envolve as esferas da produção e do consumo num dos mais significativos mercados urbanos. Prospecção no terreno: -Observação -Interpretação -Vivência Pesquisa bibliográfica Sensibilidade do investigador: - experiência pessoal - interiorização das realidades em estudo Carácter dialogante: - questionários - entrevistas semi- estruturadas Metodologia da investigação Dificuldades da investigação e problemática da análise comparativa Desequilíbrio cognitivo da realidade salmantina à priori. Modos de aproximação e interiorização distintos. Condições desiguais de estudo Salamanca Coimbra Vantagem para a investigação Residência no local (5 meses) Familiaridade com a cultura nacional Desvantagem para a investigação Estrangeira no país (período de Investigadora assimilação e aprendizagem: (deslocações língua, costumes,...) descontínuas) 3. não residente propositadas e ALGUMAS CONSIDERAÇÕES COMPARATIVAS DOS CASOS DE SALAMANCA E COIMBRA Dentro da esfera da produção e do consumo culturais destacam-se, para ambas as cidades, as actividades que, directa ou indirectamente, se interrelacionam com a função universitária, esta que representa a coluna vertebral dos mercados culturais em análise. Sem ela, a dinâmica cultural destas cidades não teria o nível que apresenta, pelo que esta se constitui, para ambos os casos, numa interdependência irrefutável. Porém, não obstante este denominador comum, entendo ser reconhecer algumas características que diferenciam contextualmente estes dois mercados culturais de forte enraizamento universitário. Assim, apresento uma interpretação comparativa: Salamanca Coimbra Cultura: estratégia de desenvolvimento urbano lógica economicista Cultura: especialização de mercado lógica promocional Produção cultural vocacionada para consumidores estrangeiros (universitários e turistas) Produção cultural para públicos indiferenciados Homogeneidade de consumos culturais Heterogeneidade de públicos e consumos Sazonalidade de públicos. Manutenção dos níveis de mercado. Sazonalidade de mercado. Férias lectivas reflectem quebra de produções e ausência de públicos. Interdependência cidade/universidade expressa sobretudo nos níveis de consumo Interdependência cidade/universidade expressa essencialmente nos níveis produtivos Irrelevância das acções das associações de alunos. Protagonismo da Associação Académica Visibilidade de acções de animação de rua Maior dotação de infraestruturas e equipamentos. m Algumas 4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS A natureza da interdependência cultural Coimbra/Universidade é mais expressiva do que a mesma dialéctica para o caso de Salamanca, onde existe uma parceria de quatro grandes entidades produtoras, entre as quais a universidade. A fundamentação e dependência económica da cidade de Salamanca com relação ao mercado cultural é bem mais significativa do que para o caso de Coimbra. A presença de capitais escolar e profissional elevados permite entretecer uma relação causal /explicativa da coexistência da função universitária e do dinamismo cultural que estas cidades registam. A coexistência de públicos ‘culturalmente sensibilizados’ e de infraestruturas e equipamentos ‘ideais’, incita à selecção destas cidades para a promoção de iniciativas e eventos culturais de nível nacional/internacional. Estas cidades deram lugar à construção de autênticas ‘indústrias culturais’ permitindo a contaminação pela globalização e a instalação de uma cultura de massas, mediante a cedência parcial de práticas tradicionais (esta realidade é bem mais visível para o caso de Salamanca, sendo que, Coimbra mantém as tradições académicas como um dos expoentes máximos das manifestações culturais da cidade). Em suma... Tratam-se de mercados culturais estruturados em função das especificidades históricas, das dinâmicas sociais e identitárias locais, o que remete irrevogavelmente para a velha presença e incisiva influência da actividade universitária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - BOUREILLE,B; COMMERÇON, N (1997); “ Villes moyennes et stratégies de développement universitaire”; Villes moyennes: espace, societé, patrimoine; Presses Universitaires de Lyon; Lyon; pp.247-257. - BURGESS, J (1989); “The production and consumption of environmental meanings in the mass media: a research agenda of the 1990s”; Trans. Inst. Br. Geogr.; Londres; pp.139-161. - CACHINHO, H (1998); “O consumo nos anos noventa: entre a globalização e a localização”; Inforgeo; 11; III Congresso da Geografia Portuguesa; Edições Colibri e Associação Portuguesa de Geógrafos; Lisboa (1999); pp.153-162. - CASTRO, J, V; SANTOS, J, L, A (1996); “La planificación en una ciudad cultural: el ejemplo de Salamanca”; Cadernos de Geografia, Nº especial, Actas do I Colóquio de Geografia de Coimbra; Coimbra (1996); pp. 89-101. - COSTA, E, S, M; HENRIQUES, E, B; MALHEIROS, J, M [et al.]; (1997); “A universidade e a rede urbana europeia”; Inforgeo; 11; III Congresso da Geografia Portuguesa; Edições Colibri e Associação Portuguesa de Geógrafos; Lisboa (1999); pp.79-95. - CRANE, D (1992); The production of culture: media and the urban arts; Publications, Califórnia. - FORTUNA, C (1995); “Turismo, autenticidade e cultura urbana: percurso teórico, com paragens breves em Évora e Coimbra”; Revista Crítica de Ciências Sociais, 43; pp.11-43. - MORENO, L; MORENO, M, R (1997); “Orientações recentes de uma geografia social: o desenvolvimento local em questão”; Inforgeo; 11; III Congresso da Geografia Portuguesa; Edições Colibri e Associação Portuguesa de Geógrafos; Lisboa (1999); pp.141-152. - SANTOS, H; ABREU, P; SILVA, A,S; [et. al.]; (1999); “Consumos culturais em cinco cidades: Aveiro, Braga, Coimbra, Guimarães e Porto.”; Comissão de Coordenação da Região Norte, Novembro, nº146. - SARMENTO, J (1999); “Geografia cultural e geografia do turismo: configurações para o final da década de 90”; Inforgeo; 11; III Congresso da Geografia Portuguesa -1997; Edições Colibri e Associação Portuguesa de Geógrafos; Lisboa; pp.163-172. - VÁSQUEZ, L, C (1989); La vida estudiantil en la salamanca clásica; Ediciones Universidad de Salamanca, Salamanca. - ZARZA, E, G (1986); La actividad universitaria salmantina: su influencia geografica en la ciudad; Ediciones Universidad de Salamanca, Salamanca. - ZUKIN, S (1995); The culture of cities; Blakwell; Cambridge. Foundations of Popular Culture Vol.1; Sage