À comissão julgadora dos Trabalhos de Conclusão de Curso concorrentes ao Prêmio Silvia Lane. Recomendação Os transtornos alimentares são doenças psiquiátricas caracterizadas por perturbações no comportamento alimentar que afetam particularmente crianças, adolescentes e mulheres jovens. Segundo estudos recentes, o número de pessoas com esses transtornos tem crescido em várias partes do mundo, e chamado a atenção dos profissionais de saúde. Um desses transtornos, a Anorexia Nervosa, é considerada uma das mais dramáticas síndromes psiquiátricas por ter complicações sérias e estar associada com alto risco de morbidade e mortalidade. A maioria dos estudiosos concorda que a psicoterapia familiar abriu novas perspectivas nos tratamentos de pacientes com esse transtorno, e temos observado que cada vez mais essas famílias têm sido encaminhadas a consultórios ou instituições de atendimento comunitário. Porém, trata-se de um tema ainda pouco estudado, principalmente no campo da psicologia, daí a importância de se realizar estudos que incluam a família de pacientes com transtornos alimentares para que possamos ter um melhor entendimento dos aspectos da dinâmica familiar que estão relacionados direta e/ou indiretamente com o aparecimento e manutenção dos mesmos. Nesse sentido, recomendo o TCC “Anorexia Nervosa: um problema de família?”, realizado pela graduada em Psicologia da Universidade Católica de Brasília – UCB, Aldenira Barbosa Cavalcante, sob a minha orientação. O trabalho em foco trata de tema pouco estudado não só em nosso país como internacionalmente, como mostraram as revisões de literatura feitas pela aluna. Além disso, foi realizado seguindo todo o rigor ético e metodológico. Os resultados trouxeram importantes contribuições para a Psicologia, Medicina Terapia Conjugal e Familiar e outras ciências afins, uma vez que os Transtornos Alimentares são tratados por equipes multidisciplinares. Os dados já foram apresentados em evento de Psicologia e Medicina sendo muito bem aceitos e elogiados. MARIA ALEXINA RIBEIRO Psicóloga – CRP 01-1349 Professora Orientadora RELATO DO TRABALHO Cavalcante, A. B. Anorexia nervosa: um problema de família? A anorexia nervosa é considerada uma das mais dramáticas síndromes psiquiátricas, uma doença complexa que está associada com alto risco de morbidade e mortalidade. Trata-se da redução de peso e sua manutenção abaixo do normal pelo uso de métodos inadequados de controle de peso que pode levar à desnutrição grave. O objetivo do presente estudo foi conhecer a dinâmica familiar de uma adolescente diagnosticada com anorexia nervosa, enfocando questões relacionadas à fase do ciclo de vida familiar; os tipos de fronteiras e regras familiares e o padrão de comunicação da família. O caminho metodológico trilhado compreendeu um estudo de caso com uma família de classe média, residente em uma cidade satélite do Distrito Federal, composta por cinco pessoas. Foram realizados cinco encontros no CEFPA - Centro de Formação em Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Brasília, com duração de duas horas, em sala com espelho e equipamento de gravação em vídeo. Foram utilizados os seguintes instrumentos: roteiro de entrevista semiestruturada, confecção do genograma, colagem, fitas VHS e filmadora. Os dados foram submetidos a uma análise de conteúdo e interpretados de acordo com a abordagem sistêmica da família. Os dados demonstraram dificuldades múltiplas no sistema familiar, tais como: padrão de comunicação pouco claro; presença de forte conflito conjugal com a adolescente anoréxica se posicionando triangulada com os pais; estrutura familiar rígida com a figura paterna exercendo o papel de autoridade; depressão da genitora; sintomas de transtorno alimentar que começam a ser apresentados por outro membro da família. Esses dados mostram a complexidade da doença, cujo conhecimento exige uma leitura que inclua várias dimensões do contexto onde está inserida e reforçam a importância da terapia familiar no tratamento dos transtornos alimentares. Palavras-chave: anorexia nervosa, dinâmica familiar, dinâmica conjugal. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA - UCB PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO - PRG CURSO DE PSICOLOGIA / HABILITAÇÃO PSICOLOGO TRABALHO DE FINAL DE CURSO ANOREXIA NERVOSA: UM PROBLEMA DE FAMÍLIA? Aldenira Barbosa Cavalcante Orientadora: Profª Drª Maria Alexina Ribeiro Aprovada por: Profª. Drª Maria Alexina Ribeiro Orientadora Profª. Drª Marilia Marques dos Santos Membro da Banca Brasília, Junho/2007. SUMÁRIO RESUMO ..........................................................................................................................2 I – INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 3 II . REFERENCIAL TEORICO ...................................................................................... 4 1. Anorexia Nervosa....................................................................................................4 1.a. Histórico da Anorexia Nervosa.........................................................................8 1.b. Tratamentos da Anorexia Nervosa ..................................................................11 2. A família como Sistema .......................................................................................... 12 2.a. Identidade familiar ......................................................................................... 14 2.b. Ciclo de vida familiar ..................................................................................... 15 2.c. Comunicação Familiar ................................................................................... 16 2.d. Terapia Familiar ............................................................................................. 18 2.e. A Terapia Familiar no Tratamento da Anorexia Nervosa .............................. 20 III. OBJETIVOS .............................................................................................................. 24 1. Objetivo Geral ....................................................................................................... 24 2. Objetivos Específicos ............................................................................................ 24 IV. MÉTODO .................................................................................................................. 24 1. Participantes .......................................................................................................... 25 2. Procedimentos........................................................................................................ 26 3. Instrumentos .......................................................................................................... 26 4. Análise dos dados .................................................................................................. 27 V. ESTUDO DE CASO .................................................................................................. 27 1.1 História familiar ................................................................................................... 27 1.2 Relação conjugal ................................................................................................. 27 1.3 A doença ............................................................................................................. 30 1.4 Colagem .............................................................................................................. 32 1.5 Relação pais/filhos .............................................................................................. 33 VI. DISCUSSÃO .......................................................................................................... 35 VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 42 VIII. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................ 45 Anexo I - Genograma .......................................................................................... 51 RESUMO Segundo estudos recentes, o número de pessoas com transtornos alimentares tem crescido em várias partes do mundo e chamado a atenção dos profissionais de saúde. Um desses transtornos, a anorexia nervosa é considerada uma das mais dramáticas síndromes psiquiátricas, uma doença complexa que está associada com alto risco de morbidade e mortalidade. Trata-se da redução de peso e sua manutenção abaixo do normal pelo uso de métodos inadequados de controle de peso que pode levar à desnutrição grave. Pesquisas epidemiológicas têm demonstrado uma taxa de prevalência pontual de anorexia nervosa de 0,5% em mulheres jovens. Embora vários autores tenham se referido à importância da família tanto no desenvolvimento quanto no tratamento da doença, poucos estudos enfocando essa questão foram encontrados. O objetivo do presente estudo foi conhecer a dinâmica familiar de uma adolescente diagnosticada com anorexia nervosa, enfocando questões relacionadas à fase do ciclo de vida familiar; os tipos de fronteiras e regras familiares e o padrão de comunicação da família. O caminho metodológico trilhado compreendeu um estudo de caso com uma família de classe média, residente em uma cidade satélite do Distrito Federal, composta por cinco pessoas: o par parental e três filhas de 9, 11 e 19 anos. Foram realizados cinco encontros no CEFPA - Centro de Formação em Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Brasília, com duração de duas horas, em sala com espelho e equipamento de gravação em vídeo. Foram utilizados os seguintes instrumentos: roteiro de entrevista semi-estruturada, confecção do genograma, colagem, fitas VHS e filmadora. Os dados foram submetidos a uma análise de conteúdo e interpretados de acordo com a abordagem sistêmica da família. Os dados demonstraram dificuldades múltiplas no sistema familiar, tais como: padrão de comunicação pouco claro; presença de forte conflito conjugal com a adolescente anoréxica se posicionando triangulada com os pais; estrutura familiar rígida com a figura paterna exercendo o papel de autoridade; depressão da genitora; sintomas de transtorno alimentar que começam a ser apresentados por outro membro da família. Esses dados mostram a complexidade da doença, cujo conhecimento exige uma leitura que inclua várias dimensões do contexto onde está inserida e reforçam a importância da terapia familiar no tratamento dos transtornos alimentares. Palavras-chave: anorexia nervosa, dinâmica familiar, dinâmica conjugal. I - INTRODUÇÃO A anorexia nervosa é a redução de peso e sua manutenção abaixo do normal pelo uso de métodos inadequados de controle de peso. Bruch (1973) se refere à anorexia como uma busca incansável pela magreza, levando à desnutrição grave. Segundo Holmes (2001), o principal sintoma da anorexia nervosa é a recusa de manter o peso corporal acima de um peso normal mínimo para a idade e altura, seguido da autopercepção distorcida e ausência de, pelo menos, três ciclos menstruais consecutivos. Entre os séculos V e XIII, o jejum voluntário ou inanição auto-imposta era interpretado como possessão demoníaca ou milagre divino, aparecendo, basicamente, na literatura teológica, segundo Skrabanek (1983 apud NUNES, APPOLINARIO, GALVÃO, COLTINHO, 2006). Pierre Janet (apud NUNES e cols.,2006) no inicio do século XX, estudou várias pacientes anoréxicas, e distinguiu duas formas da doença: a obsessiva e a histérica. Ainda no século XX houve uma grande mudança na compreensão do seu diagnóstico. A anorexia nervosa passou de uma forma de doença pituitária a sintoma ou variante de outros diagnósticos psiquiátricos, até chegar a uma síndrome específica com a característica psicopatológica central de medo mórbido de gordura motivando a perda de peso. Nas últimas décadas, o transtorno de comportamento alimentar, anorexia nervosa, está sendo um tópico de crescente interesse para vários profissionais da área de saúde. Pesquisas epidemiológicas têm demonstrado uma taxa de prevalência pontual de 0,5% em mulheres jovens. Psiquiatras e Psicólogos que trabalham com crianças e adolescentes, há muito enfatizam a importância dos fatores familiares na anorexia nervosa, segundo Nunes e cols. (2006). O interesse por este tema surgiu durante nossa experiência no estágio voluntário, realizado no ambulatório de Nutrição do Hospital da Universidade Católica de Brasília, durante o 1º semestre do ano de 2006, onde pudemos, juntamente com a equipe, atender algumas famílias e pacientes com transtornos alimentares – Anorexia, Bulimia e Obesidade, quando constatamos a importância do envolvimento da família no tratamento da paciente com anorexia. Embora alguns estudos mostrem que é importante trabalhar com a família da paciente anoréxica, poucos estudos relacionados à doença foram encontrados. A partir destas considerações, nos propomos investigar o fenômeno da anorexia e buscar compreender alguns aspectos da dinâmica da família com um membro que apresente este tipo de transtorno alimentar, visando conhecer o impacto da doença na organização familiar, bem como conhecer as construções presentes na literatura especializada. Dessa forma, não nos preocupamos em investigar e discutir questões individuais, mas o contexto familiar onde se desenvolve a anorexia nervosa. II. REFERENCIAL TEÓRICO 1. Anorexia Nervosa O termo anorexia deriva do grego orexis (apetite), acrescido do prefixo an (privação, ausência), significando perda do apetite de origem nervosa. Não é a denominação mais adequada, considerando-se que, pelo menos no inicio do quadro, há uma luta ativa contra a fome de acordo com Galvão, Claudino, Borges (2006 apud NUNES e cols., 2006 p. 31-32). A anorexia caracteriza-se por uma perda de peso acentuada, resultante de uma restrição calórica voluntária do paciente devido a um temor exacerbado de engordar e a uma busca implacável da magreza. Alguns pacientes apresentam quadro de anorexia com sintomas bulimicos ou alternância entre episódios de anorexia e bulimia ao longo dos anos (GALVÃO, PINHEIRO, NUNES, 2006). Segundo Holmes (2001), o principal sintoma da anorexia nervosa é a recusa de manter o peso corporal acima de um peso normal mínimo para a idade e altura. A manutenção de um peso 15% abaixo do esperado é sugerida como diagnóstica de anorexia. Devido à sua autopercepção distorcida, as pessoas com anorexia não vêem a si mesmas como magras demais ou sofrendo de um transtorno grave e, portanto, não buscam ajuda. Outro sintoma importante citado pelo autor é a ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos, conhecida como amenorréia, que se estabelece antes que ocorra a perda significativa de peso. Brunch (1962 apud HOLMES, 2001), nos anos 1960 e 1970, foi a primeira autora a mencionar a distorção da imagem corporal vista como um distúrbio da paciente com anorexia nervosa na percepção de seu corpo. Os indivíduos com anorexia têm alguns sintomas secundários que se originam de suas dietas inapropriadas e perda de peso. Estes incluem freqüência cardíaca lenta (braquicardia), baixa pressão sanguínea (hipotensão), baixa temperatura corporal (hipotermia) e outros problemas associados a distúrbios no metabolismo. As pessoas com anorexia sofrem de depressão, de fato bem acima de 50% preenchem os critérios para um transtorno depressivo maior, segundo Eckert e cols. (1982 apud HOLMES, 2001). Atualmente, o diagnóstico de um transtorno alimentar depende da presença de auto-inanição, inanição e purgação auto-induzida. É chamada de anorexia nervosa a simples auto-inanição que envolve severa restrição à ingesta de alimentos, e este diagnóstico também se aplica àqueles que jejuam e que podem purgar sempre que ingerem alimentos, por medo de engordar. A inanição é diagnosticada com 15% abaixo do peso corporal esperado, com uso de tabelas de peso/altura, de crianças e adultos, de acordo com a Amerycan Psychiatric Association (1980 apud ROBERTO, 1994, c. 9, p. 182). Partindo de suas observações clínicas, Bruch (1973) diferencia a anorexia primária da chamada anorexia atípica. A anorexia primária não traz o medo de engordar como fonte de preocupações, e o ganho de peso é bem aceito pelo paciente. A perda de peso possui características subjetivas e pode, por exemplo, ser conseqüência de uma depressão expressa. A anorexia atípica baseia-se numa verdadeira perda do apetite, isto é, a perda de peso é secundária. Não há, nestes casos, a negação delirante de sua imagem corporal, hiperatividade, busca da perfeição e a preocupação constante com a comida, nem episódios de bulimia. A anorexia primária, por outro lado, é caracterizada por um medo aterrador de engordar. A queixa principal manifesta é a busca de controle do peso e o desejo de dominar o próprio corpo, problema que encobre outros subjacentes: a busca da capacidade de controle em geral, de um sentido de identidade pessoal e de autonomia. Segundo esta autora, a anorexia primária consiste no distúrbio de três áreas do funcionamento psíquico: A primeira área é “um distúrbio de proporções delirantes da imagem corporal e do conceito do corpo”. A segunda área é “um distúrbio no modo de distinguir a percepção ou a interpretação cognitiva dos estímulos provenientes do corpo”. Percebe-se que não há perda do apetite, como na recusa a alimentar-se da melancolia. Há, na verdade, uma imensa dificuldade em reconhecer a fome e as sensações corporais dela decorrentes. A terceira área é um “forte sentimento de ineficácia paralisante”Bruch (1973). Para Diniz (1997) a anorexia nervosa pode ser descrita, ao mesmo tempo, como uma doença clínica em que há risco de vida, como um transtorno psicológico grave, e como um fenômeno interpessoal de famílias disfuncionais. A autora enfatiza que uma das características da anorexia nervosa é a impossibilidade que a paciente demonstra de se ver magra e a conseqüente recusa de procurar por ajuda profissional. Segundo Abreu & Cangelli (2004), a anorexia nervosa caracteriza-se por perda de peso intensa à custa de dietas rígidas auto-impostas em busca desenfreada da magreza, distorção da imagem corporal e amenorréia. Os transtornos alimentares são decorrentes de uma desorganização na maneira como as pacientes constroem a realidade, porém, uma desorganização necessária para manter o equilíbrio, enfim, manter coerentes a maneira de pensar, sentir e agir. Como descrições das características psicológicas mais freqüentes, são citadas: baixa auto-estima; sentimento de desesperança; desenvolvimento insatisfatório da identidade; tendência a buscar aprovação externa e extrema sensibilidade a críticas. De acordo com Abreu & Shinohara (1998 apud ABREU & CANGELLI, 2004) esta doença gera limitações físicas, emocionais e sociais. Este autor é adepto ao modelo cognitivo-construtivista de psicoterapia, entende que há, entre o mundo e o indivíduo, uma intermediação da atividade do pensamento, ou seja, o modo como as pessoas se sentem e conseqüentemente se comportam é fruto de uma atividade cognitiva contínua, atribuidora de significados aos eventos do mundo externo. Assim, o modelo cognitivo-construtivista questiona a superioridade do pensar sobre o sentir e agir e propõe um sentido inverso, segundo o qual nossas construções cognitivas são fruto de uma organização emocional, desenvolvida de uma forma tácita sobre a realidade. Culturalmente, os transtornos alimentares representam uma comunicação “secreta” quanto ao descontentamento das mulheres com suas opções sociais para a autoexpressão e trabalho significativo. Esta insatisfação contribui para a anorexia, cuja taxa de prevalência é de 0,1% na população. Os comportamentos alimentares fisicamente expressados, autocontidos, não-verbais e internamente nocivos são mecanismos poderosos para a alteração no estado de consciência de uma pessoa e para impulsionar sua família para certas áreas de conscientização, de acordo com Roberto (1987 apud IMBER-BLACK, 1994). O número de pacientes com transtornos alimentares vem aumentando consideravelmente nos últimos 40 anos, especialmente nesta última década. Os dados revelam que aproximadamente 90% dos casos ocorrem no sexo feminino, com uma freqüência maior em profissionais de dança, de moda e de atletas em geral (BUCARETCHI & CORDAS, 2003). O DSM-IV (1995, p. 511), Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais considera a anorexia um transtorno alimentar caracterizado “por uma recusa a manter o peso corporal em uma faixa normal mínima”. Os critérios diagnósticos da Anorexia Nervosa utilizados pelo DSM-IV (1995) são: A. Recusa a manter o peso corporal em um nível igual ou acima do mínimo normal adequado à idade e à altura, por ex.: perda de peso levando à manutenção do peso corporal abaixo de 85% do esperado; ou fracasso em ter o ganho de peso esperado durante o período de crescimento, levando a um peso corporal menor que 85% do esperado. B. Medo intenso de ganhar peso ou de se tornar gordo, mesmo estando com peso abaixo do normal. C. Perturbação no modo de vivenciar o peso ou a forma do corpo, influência indevida do peso ou da forma do corpo sobre a auto-avaliação, ou negação do baixo peso corporal atual. D. Nas mulheres pós-menarca, amenorréia, isto é, ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos, considera-se que uma mulher tem amenorréia se seus períodos ocorrem apenas após a administração de hormônio, ex.: estrógeno. Ainda de acordo com o manual, dois subtipos podem ser usados para a especificação da presença ou ausência de compulsões periódicas ou purgações regulares durante o episódio atual de Anorexia Nervosa: Tipo Restritivo: durante o episódio atual de Anorexia Nervosa, o indivíduo não se envolveu regularmente em um comportamento de comer compulsivamente ou de purgação, isto é, auto-indução de vômito ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas. Tipo Compulsão Periódica/Purgativo: este subtipo é usado quando o indivíduo se envolveu regularmente em compulsões periódicas ou purgações (ou ambas) durante o episódio atual. Alguns indivíduos incluídos neste subtipo não comem de forma compulsiva, mas fazem purgações regularmente após o consumo de pequenas quantidades de alimentos. Critérios diagnósticos da Anorexia Nervosa segundo o CID-10 (OMS, 1993). Anorexia nervosa é um transtorno caracterizado por perda de peso intencional, induzida e mantida pelo paciente. O transtorno ocorre comumente numa mulher adolescente ou jovem, mas pode igualmente ocorrer num homem adolescente ou jovem, como numa criança próxima à puberdade ou numa mulher de mais idade até na menopausa. A doença está associada a uma psicopatologia específica, compreendendo um medo de engordar e de ter uma silhueta arredondada, intrusão persistente de uma idéia supervalorizada. Os pacientes se impõem a si mesmos um baixo peso. Existe comumente desnutrição de grau variável que se acompanha de modificações endócrinas e metabólicas secundárias e de perturbações das funções fisiológicas. Os sintomas compreendem uma restrição das escolhas alimentares, a prática excessiva de exercícios físicos, vômitos provocados e a utilização de laxantes, anorexígeros e de diuréticos, OMS-CID-10 (1993). Quando as pessoas desenvolvem anorexia nervosa, ficam apavoradas com o ganho de peso e a gordura e, diante dessa obsessão de magreza e o medo de ganhar um grama sequer, acabam engajadas em diversos comportamentos compulsivos para não engordar – como fazer exercícios físicos de maneira excessiva, restringir a ingestão de alimentos e calorias ou usar mecanismos de eliminação com uso de laxantes ou diuréticos, ou forçando o vômito relata Jonhson (2003 apud LINDA & TARA, 2004, p.204). 1.a. Histórico da Anorexia Nervosa As primeiras referências à condição de aversão à comida, enjôo do estômago ou inapetência surgem com o termo fastidium em fontes latinas da época de Cícero ( 106-43 aC.) e em vários textos do século XVI. Já a denominação mais específica "anorexia nervosa" surgiu com William Gull a partir de 1873, referindo-se à "forma peculiar de doença que afeta principalmente mulheres jovens e caracteriza-se por emagrecimento extremo[...]" cuja "falta de apetite é [...]decorrente de um estado mental mórbido e não a qualquer disfunção gástrica[...]". Atualmente o termo "anorexia" não é utilizado em seu sentido etimológico para a "anorexia nervosa", visto que tais pacientes não apresentam real perda de apetite até estágios mais avançados da doença, mas sim uma recusa alimentar deliberada, com intuito de emagrecer ou por medo de engordar (CORDAS & CLAUDINO, 2002). Os relatos de anorexia e bulimia nervosa têm estado presentes na literatura médica desde o século XV. Psiquiatras analíticos produziram estudos de caso em indivíduos com transtornos alimentares nos anos 50, envolvendo clientes, principalmente mulheres, que pareciam ansiosas, realizavam jejuns, comilanças, vomitavam ou usavam laxantes, bem como se preocupavam com tensões em suas famílias de origem (ROBERTO, 1994). Casos de transtornos alimentares podem ser encontrados nos registros dos gregos antigos e a história moderna de “meninas em jejum” começou com publicações em 1873 Vandereycken & Lowenkopf (1990 apud HOLMES, 2001). Mesmo assim, os casos, descritos como comuns, foram incluídos nos diagnósticos de histeria, neurastenia (“nervos fracos”) e sitofobia (“medo de comer”), de modo que não atraíram atenção individual. Um estudo da incidência da anorexia em um período de 50 anos (1935-1984) em Rochester, Minnesota, revelou uma taxa estável para as mulheres na faixa etária entre 20 e 59 anos Lucas e cols. (1991 apud HOLMES, 2001). Para mulheres entre 10 e 19 anos houve uma leve queda na incidência na década de 50, e então um pequeno aumento em estudos recentes. De acordo com o autor parte do aumento que estamos observando agora pode simplesmente ser uma maior disposição para admitir os transtornos, pois estes são agora reconhecidos, segundo Holmes (2001). Embora as questões contemporâneas da anorexia impliquem o biológico, o genético, e os aspectos psicológicos e familiares, ganham relevo as idéias sobre o papel da moda e sua influência na determinação da imagem corporal. Weinberg, Cordas & Albornoz (2005), afirmam que a importância do papel da moda é discutível quando são analisados os registros de anorexia nervosa em outras épocas e culturas. As santas e beatas da Idade Média, com seus jejuns auto-impostos, perseguiam um ideal não de beleza, mas de ascese (práticas em diversas religiões, incluindo o celibato, o jejum e a mortificação do corpo por diversos meios) e de comunhão com Deus. Ou, ainda, faziam da recusa em alimentar-se uma forma de conservar a virgindade e opor-se a casamentos arranjados. Além disso, a literatura especializada tem mostrado que é significativa a dificuldade em estabelecer com nitidez quais aspectos são culturais e quais são associados a uma característica mórbida invariável que definiriam o quadro clínico da anorexia nervosa. Apesar de considerada por muitos uma patologia contemporânea, há evidências de que a anorexia atual seria um contínuo de um tipo de comportamento inalterado através da história do Ocidente. Durante a idade média, as práticas de jejum foram compreendidas como estados de possessão demoníaca ou milagres divinos. Em seu livro "Holy Anorexia", Bell (1985 apud CORDAS & CLAUDINO, 2006) relata o comportamento anoréxico de 260 santas italianas (que teriam vivido entre 1200 e 1600) aparentemente em resposta à estrutura social patriarcal à qual estavam submetidas, e conhecido como "anorexia sagrada". Pela supressão de necessidades físicas e sensações básicas (como cansaço, impulso sexual, fome e dor) elas pareciam liberar o corpo e alcançar metas espirituais superiores, porém as crenças religiosas pareciam se misturar a outras intenções das jovens, como a perda dos atrativos femininos. Bastante conhecido é o caso de Santa Catarina de Siena que aos 15 anos, após a morte de sua irmã (parturiente) e diante de projetos futuros de casamento, iniciou restrição alimentar, preces e práticas de auto-flagelamento, chegando a induzir vômito através de ervas e galhos na garganta quando forçada a alimentar-se. Catarina havia feito um voto de castidade quando ainda era criança. A inanição haveria gerado um estado psicológico de constante vigília e experiências místicas, vindo a falecer de desnutrição aos 32 anos. Embora não se possa afirmar que a atual concepção de anorexia nervosa esteja relacionada aos casos de "anorexia sagrada", em virtude de documentação falha e incerteza quanto às reais motivações, sentimentos e crenças das santas, alguns paralelos são evidentes: ambas não toleram as conseqüências do "comer", ambas representam "estados ideais" (beatitude na Itália medieval e magreza no ocidente atual) e evitação da sexualidade, do egoísmo e do alimento. Em ambos os quadros se descrevem excesso de atividades, perfeccionismo, constante vigilância, desinteresse por relacionamentos comuns, auto-suficiência e preferência por cuidar dos outros ao invés de serem cuidadas (CORDAS & CLAUDINO, 2002). A partir de 1940, ressurgem as teorias de causa psicológica para a anorexia nervosa, influenciadas pelas formulações psicanalíticas que focavam as motivações subjacentes à sintomatologia. Segundo Bruch (1973 apud NUNES e cols., 2006) a partir desta época desenvolveram-se, basicamente, duas tendências: uma lidava principalmente com o sintoma central, o componente oral do distúrbio e seu significado simbólico; a outra voltava-se para a personalidade dos pacientes e seus estilos de vida, com ênfase nos transtornos da função do ego e das relações interpessoais. Foi a partir de 1970 que os critérios operacionais para a anorexia nervosa começaram a ser desenvolvidos, e até hoje o conceito segue a evolução Gerald Russel (2004 apud NUNES e cols., 2006, p.47), considerado uma autoridade neste campo, sugeriu em 1970, três critérios diagnósticos para a anorexia nervosa validos até hoje, embora com algumas modificações ao longo das classificações diagnósticas: comportamento dirigido a produzir perda de peso; medo mórbido de engordar, como característica psicopatológica central; e distúrbio endocrinológico – amenorréia em mulheres e perda de potencia sexual em homens. De acordo com a autora, no século XX houve considerável mudança na compreensão da psicopatologia dos transtornos alimentares, refletindo-se sobre seu diagnóstico, sua classificação e seu tratamento. A anorexia nervosa passou de uma forma de doença pituitária a sintoma ou variante de outros diagnósticos psiquiátricos (quadro inespecifico), até chegar a uma síndrome especifica com a característica psicopatológica central medo mórbido de gordura motivando a perda de peso. 1. b. Tratamentos da Anorexia Nervosa Os conceitos atuais e concordantes da literatura relacionam a manutenção dos transtornos alimentares a um modelo multifatorial, em que aspectos socioculturais, psicológicos, familiares e biológicos interagem entre si. Desse modo, explicita a importância de uma equipe multidisciplinar no tratamento da anorexia nervosa, para abarcar as multifaces do problema. Com abordagem psicodinâmica esta equipe funciona apoiada nas diferenças, e as múltiplas transferências que ocorrem permitem ao paciente reconstituir o outro e a si mesmo (BUCARETCHI & CORDAS, 2003). Segundo os autores para as pacientes que emergem de sistemas familiares perturbados conseguirem uma recuperação duradoura, é vital incluir no tratamento os fatores patogênicos do complexo familiar. A escuta psicoterapêutica caminha na direção de que a paciente e seus familiares possam reconhecer e aceitar seus próprios desejos e opiniões, expandindo assim suas experiências, é uma escuta não silenciosa que visa a independência psíquica da paciente. Há muitos fatores que podem contribuir para o desenvolvimento de um transtorno alimentar. É tarefa do psicoterapeuta avaliar fatores psicológicos que estão incomodando o cliente e desenvolver um curso de tratamento para aliviá-los. Pesquisas demonstram que a maioria dos psicoterapeutas utilizam uma variedade de técnicas, inclusive a terapia cognitivo-comportamental, terapia psicodinâmica, terapia familiar, arte-terapia, terapia do movimento, terapia da imagem corporal, treinamento preventivo de recaída, meditação, retrocontrole, treinamento de assertividade e o modelo de 12 passos. A terapia cognitivocomportamental e terapia de família têm sido comprovadamente efetivas nos transtornos alimentares, e devem ser parte da rotina do plano de tratamento. A terapia medicamentosa é de fundamental apoio ao tratamento, pois, pesquisas mostram de maneira clara que a combinação de medicamentos e da psicoterapia produz melhores resultados Jonhson (2003 apud LINDA & TARA , 2004). Para Bucaretchi & Cordas (2003), a abordagem psicodinâmica enfatiza os aspectos transferenciais, onde são expressos sentimentos e desejos. A paciente é auxiliada a refletir sobre seu funcionamento psíquico, proporcionando assim a passagem gradativa da ação para a reflexão. O modelo cognitivo-comportamental entende que os sintomas são mantidos por um conjunto de crenças sobre o peso e a alimentação, nesse sentido o psicoterapeuta enfoca seu trabalho nas crenças idiossincráticas relacionadas à alimentação e ao peso, e nas questões de auto-estima. Cobelo, Saikali & Schomer (2004) relatam outro estudo relevante, a partir de um projeto piloto ocorrido na década de 90. Um modelo de atendimento do hospital-dia pelo AMBULIM-Ipq-HCFMUSP (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), as pacientes são atendidas no mesmo espaço no qual se realiza a internação completa para os casos de transtorno alimentar da enfermaria feminina do Instituto de Psiquiatria. Tal programa tem a duração de doze semanas e pode contar com até quatro participantes. O atendimento é multidisciplinar, com participação de psiquiatras, psicólogos, nutricionistas, acompanhantes terapêuticos, arteterapeutas, enfermeiros e educadores físicos. Estudos têm sido realizados com o objetivo de melhor entender o fenômeno da anorexia e, a partir daí, desenvolver métodos mais eficazes de tratamento. Algumas iniciativas no campo da Terapia Familiar têm mostrado que as investigações que levam em consideração o contexto das relações familiares do paciente com distúrbio alimentar possibilitam uma leitura mais abrangente do problema e suas variáveis. 2. A Família como Sistema Bertallanfy (1972 apud NICHOLS & SCHWARTZ, 1998), foi o pioneiro da idéia de que um sistema era mais que a soma de suas partes. Com base em sua teoria, a família pode ser considerada como um sistema aberto, devido ao movimento de seus integrantes dentro e fora da relação familiar, e tende a funcionar, também, como um sistema total. Os feitos e comportamentos de um dos membros influenciam e são influenciados pelos comportamentos de todos os outros. Para Minuchin (1982) a família é o contexto natural para crescimento e cura. A estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem. O sistema familiar diferencia suas funções através de subsistemas, que são representados pelos indivíduos da família, díades tais como esposo-esposa e mãe-filho, podem ser subsistemas. Os subsistemas podem ser formados por geração, sexo, interesse ou por função. As fronteiras de um subsistema são as regras que definem quem participa e como participa, e sua função é a de proteger a diferenciação do sistema. Segundo o autor, o sistema familiar é formado pelos subsistemas conjugal, parental e fraterno. O subsistema conjugal é formado por dois adultos do sexo oposto que se unem com o propósito de formar uma família. Este subsistema tem tarefas ou funções específicas e vitais para o funcionamento familiar, sendo as habilidades necessárias para implementar estas tarefas a acomodação e a complementariedade. Pode ser um refúgio para os estresses externos e a matriz para o contato com outros sistemas sociais, além de favorecer o crescimento, a criatividade e a aprendizagem, mas pode também estimular os aspectos negativos de cada um dos seus membros. Este subsistema deve ter uma fronteira que o proteja da interferência das exigências e necessidades de outros subsistemas, como um abrigo no qual possam dar apoio emocional um ao outro. No subsistema parental, o novo nível de formação familiar em que o subsistema conjugal precisa se diferenciar para desempenhar as tarefas de socialização de uma criança, sem perder o apoio mútuo. Deve ser delineada uma fronteira que permita o acesso da criança a ambos os pais, mas excluindo-a das funções conjugais. Alguns casais que procedem bem como um grupo de dois não conseguem passar para um grupo de três. O processo da parentalidade, segundo o autor é um processo difícil que ninguém desempenha 100%, mas ninguém passa por ele impune. Requer a capacidade de nutrir, guiar e controlar em medidas diferentes de acordo com as idades das crianças. No entanto, este processo sempre vai requerer o uso da autoridade. O subsistema fraterno é o primeiro laboratório social no qual as crianças podem experimentar as relações com iguais. No mundo dos irmãos as crianças aprendem a negociar, cooperar e competir. As fronteiras do subsistema fraterno devem proteger as crianças da interferência adulta, permitindo o exercício da privacidade e a existência de áreas próprias de interesse. O funcionamento eficiente da família requer que pais e filhos aceitem o fato de que o uso diferenciado da autoridade é um ingrediente necessário para o subsistema parental. As fronteiras, para Minuchin (1982) são divididas em rígidas, nítidas e difusas. Na fronteira rígida a comunicação é considerada difícil nos subsistemas, as funções protetoras da família são prejudicadas e geralmente são famílias desligadas. Já na fronteira nítida os membros do subsistema desempenham suas funções sem interferência indevida e ao mesmo tempo admite contato entre os membros dos subsistemas e outros. E na fronteira difusa a família gira em torno de si mesma, existe a excessiva comunicação e preocupação entre seus membros e não há demarcação clara dos subsistemas. Segundo o autor, para o funcionamento apropriado da família, as fronteiras dos subsistemas devem ser nítidas, isto é, devem ser definidas suficientemente bem para permitir que os membros do subsistema empenhem suas funções, sem interferência indevida, mas devem permitir o contato entre os membros do subsistema e outros. A nitidez das fronteiras dentro de uma família é um parâmetro útil para a avaliação do funcionamento familiar. 2. a. Identidade Familiar A família é denominada por Minuchin (1982) de matriz de identidade, onde a experiência humana de identidade tem dois elementos: um sentido de pertencimento e um sentido de ser separado. O sentido de pertencimento de cada membro é influenciado por seu sentido de pertencer a uma família especifica. O sentido de separação e de individuação ocorre através da participação em diferentes subsistemas familiares em diferentes contextos familiares, tanto quanto através da participação em grupos extra familiares. Como a criança e a família crescem juntas, a acomodação da família às necessidades da criança delimita áreas de autonomia, que esta experiência como separação. Embora a família seja a matriz do desenvolvimento psicossocial de seus membros, também deve se acomodar a uma sociedade e assegurar alguma continuidade para a sua cultura. Para compreender melhor a família como um sistema Minuchin (1982), idealizou a família como um sistema aberto em transformação, quanto mais flexibilidade e adaptabilidade exige dos seus membros, melhor a família se desenvolverá operando dentro de contextos sociais específicos. Para promover este sistema o autor enfatiza três construtos essenciais: a estrutura familiar como um sistema sócio-cultural aberto, em transformação; estágios que requerem reestruturação - ciclos de vida familiar; adaptação da família de forma a manter a continuidade e intensificar o crescimento psicossocial de seus membros. 2. b. Ciclo de Vida Familiar O ciclo de vida da família caracteriza-se pela divisão do desenvolvimento da família em estágios, com tarefas diferentes a serem realizadas em cada um. É um fenômeno complexo, idealizado como um espiral da evolução familiar, na medida em que as gerações avançam no tempo em seu desenvolvimento do nascimento até a morte. A idéia de que as famílias se desenvolvem com o passar do tempo, à medida que entram e saem de diferentes estágios do ciclo de vida, acrescentou profundidade as formulações sistêmicas Duvall; Hill(1940 apud CARTER & MCGOLDRICK, 1995). Carter e McGoldrick (1995) utilizam o termo ciclo de vida familiar para definir as etapas evolutivas pelas quais as famílias e os indivíduos passam, baseando-se no tempo e nas novas condutas necessárias a cada período de desenvolvimento atingido. As autoras propõem seis estágios de ciclo de vida familiar a partir de estudos que desenvolveram com famílias americanas. A cada nova etapa, há a necessidade de novas aprendizagens comportamentais para todos os membros da família. De acordo com as autoras, o primeiro estágio é caracterizado pela “saída do jovem da casa dos pais”, passando a aceitar maior responsabilidade emocional sobre si, podendo vir a desenvolver relacionamentos mais íntimos com adultos iguais, além de buscar sua independência financeira através de estabilidade com relação ao trabalho. O segundo estágio é descrito pela “união de famílias no casamento”, pelo momento em que há a formação do novo casal, onde aparece o comprometimento com um novo sistema familiar gerando o novo sistema marital, e o realinhamento dos relacionamentos com as famílias ampliadas e os amigos para incluir o cônjuge. No terceiro estágio “o casal com filhos pequenos”, nasce à necessidade de ajustar o sistema conjugal para criar espaço para novos membros no sistema. Surge também a união para várias tarefas, de educação dos filhos, financeiras e domésticas. Também aparece o realinhamento dos relacionamentos com a família ampliada para incluir os papéis de pais e avós. No quarto estágio “de filhos adolescentes”, é preciso aumentar a flexibilidade das fronteiras familiares para incluir a independência dos filhos e a fragilidade dos avós. É necessário modificar os relacionamentos progenitor-filho para permitir que o adolescente possa movimentar-se para dentro e para fora do sistema. Aparece um novo foco nas questões conjugais e profissionais do meio de vida. A escolha profissional está presente neste ciclo, em que os jovens almejam mais liberdade e experiências fora do lar, com questionamentos da ordem e regras estabelecidas. No quinto estágio, “lançando os filhos e seguindo em frente”, é preciso aceitar várias saídas e entradas no sistema familiar. Renegociar o sistema conjugal como díade, realinhar os relacionamentos para incluir parentes por afinidade e netos, e lidar com incapacidades e morte dos pais (avós). No sexto estágio proposto, as “famílias no estágio tardio da vida”, o processo emocional de transição é preciso aceitar a mudança dos papéis geracionais, em que o casal passa pelas transformações e declínio fisiológico inerente ao avanço da idade, lidar com a perda do cônjuge, irmãos e outros, e preparar-se para a própria morte. Revisão e integração da própria vida. Estes autores enriqueceram a estrutura do ciclo de vida familiar, acrescentando um ponto de vista multigeracional e considerando os estágios do divórcio e do novo casamento. 2.c. Comunicação Familiar Este item será desenvolvido com base no capítulo – “Os teóricos da Comunicação” de Foley (1990). De acordo com Foley (1990), Jackson, Haley e Satir, são considerados teóricos da comunicação, primeiramente porque estiveram associados com o Centro de Pesquisa Mental em Palo Alto na Califórnia, partilhando semelhanças de conceitos teóricos e segundo porque a principal preocupação deles foi melhorar as maneira pela qual um sistema familiar se comunica. Todos partilham do mesmo ponto de vista que a comunicação na família não deve se limitar apenas a verbal. A comunicação é o elemento comum que une estes três pensadores, mas, apesar disso enfatizam aspectos diferentes da interação familiar. Jackson foi influenciado pela abordagem de Von Bertalanffy à teoria dos sistemas, e dá forte ênfase aos aspectos cognitivos da comunicação, de modo que o que se pensa influência o que se faz. Haley foi influenciado pela hipnose, e vê o relacionamento entre o terapeuta e seu cliente como semelhante ao que ocorre entre o hipnotizador e hipnotizado, em seus trabalhos um enfoque central é a maneira pela qual se conquista poder e o modo por que se o usa. Satir acha-se interessada na emoção ou sentimento num sistema familiar e sua terapia enfoca os sentimentos de aceitação ou rejeição. A pedra fundamental do sistema de Jackson é a noção de equilíbrio homeostático, ele conceitualiza a família como um sistema que é mantido por um equilíbrio interno, denominado por ele de homeostático. Jackson (1965 apud FOLLEY, 1990) desenvolveu o seu pensamento sobre a comunicação numa série de axiomas: 1) a impossibilidade de não se comunicar - mesmo o silêncio ou o retraimento constituem uma comunicação e dizem algo a respeito de um determinado relacionamento 2) toda comunicação implica um compromisso e por isso define um relacionamento – o aspecto do relacionamento não é, o de que se está ciente, e num relacionamento saudável, tende a permanecer no fundo, por outro lado as pessoas com problemas tendem a lutar constantemente a respeito da natureza do relacionamento; 3) a natureza de um relacionamento e contingente da pontuação da seqüência – geralmente pensamos numa seqüência de trocas (verbais ou não) como sendo do padrão estimuloreação; 4) os seres humanos têm dois tipos de comunicação: verbal (digital) e não-verbal (analógica) – o digital transmite adequadamente o conhecimento conceitual, mas é fraco no campo do relacionamento, o não-verbal torna-se extremamente importante na terapia familiar, porque o sistema é estudado em interação; 5) toda troca comunicacional é simétrica ou complementar - isto é, se baseiam na igualdade ou na diferença. O pensamento de Haley é composto por duas idéias centrais: o relacionamento se efetua através da comunicação e a comunicação existe em diferentes níveis de significado. Para este autor, qualquer relacionamento é uma luta pelo poder e as pessoas nele envolvidas acham-se constantemente lutando para definir ou redefinir o relacionamento. Num relacionamento a interação não é linear, mas circular. A descrição de relacionamento, se da através de níveis de comunicação, para o autor o importante não é o que é dito, mas a maneira por que é dito, esta maneira de como é dito é classificado por Haley de nível da metacomunicação – o tom de voz, a sua inflexão, a linguagem corporal e a intensidade de como é dito qualifica a comunicação. O autor sustenta que o esquizofrênico não pode fazer discriminação entre níveis de mensagens, e portanto, não pode se comunicar. Para Haley a família é um sistema que contém um processo diretor. Contudo, não existe apenas um único governador para o sistema; cada membro funciona como governador dos outros e assim o sistema é mantido. Satir identifica comunicação com comportamento interacional e postula que a doença familiar é derivada de métodos inadequados de comunicação entre os membros da família. Ela é uma terapeuta eficaz porque “toca nas pessoas onde lhes dói”, em seus sentimentos. Na terapia acredita que o conceito mais importante é o amadurecimento, os padrões de comportamento que assinalam essa pessoa madura são: a capacidade de estar em contato com os próprios sentimentos ; a capacidade de comunicar-se claramente com o outro; a aceitação dos outros como diferentes de si própria, e a disposição de ver essas diferenças como oportunidade de aprender e explorar. Em sua análise da interação conjugal, Satir (1972 apud FOLEY, 1990) liga a ela o conceito fundamental de auto-estima, básico ao seu sistema. Ela observou que a autoestima e não o sexo é o impulso básico do homem, operando em todos os níveis de interação e, portanto, constitui uma força na escolha do parceiro matrimonial. A família é o sistema no qual diversas necessidades em diferentes níveis, físico, emocional e cultural, são atendidas e gratificadas ou não. Segundo Foley (1990), uma das diferenças reais dentro da mesma escola de teóricos da comunicação é a abordagem à terapia. O sentimento não faz parte essencial do sistema de Haley, ele se preocupa com o poder. Satir utiliza de maneira diferente o padrão de comunicação que observa. Haley enfatiza que o terapeuta deve observar o padrão interacional no sistema, e então comentar o que ele lhe diz sobre as relações de poder. Satir afirma que o terapeuta observando a interação, comenta o que esta lhe diz sobre a maneira pela qual as pessoas se sentem a respeito das outras. Haley se concentra nas alianças de poder na família e nos aspectos metacomunicacionais dos relacionamentos, mas não trata geralmente de questões de dever ou convivência. 2. d. Terapia Familiar A psicoterapia familiar, além de ter um papel informativo e de apoio, tem o compromisso de desvendar junto com a família, o significado da demanda familiar, examinar sua natureza, sua origem emocional e suas conseqüências, segundo Bucaretchi & Cordás (2003). Segundo Martins & Diniz (2006 apud NUNES e cols., 2006), o campo conhecido hoje como terapia sistêmica da família, começou a se formar em 1952, com uma pesquisa sobre a comunicação de esquizofrênicos iniciada por Bateson, Haley, Jackson e Weakland. Esta pesquisa foi o ponto de partida para um trabalho com as famílias desses pacientes e o início da parceria entre a terapia familiar, a cibernética, a teoria geral dos sistemas e a teoria da comunicação, dando origem a terapia sistêmica da família. Somente na década de 1970, é que a psicoterapia familiar incorpora-se à abordagem multidisciplinar da anorexia nervosa e também da bulimia nervosa, a partir dos trabalhos de Salvador Minuchin nos EUA e Mara Palazzoli na Itália. A partir de 1980, Vanderlenden e Vanderycken (1989 apud COBELO, SAIKALI & SCHOMER, 2004) afirmam que a segunda geração de terapeutas de família surge com os transtornos alimentares e integram elementos de vários modelos, além de utilizar, de forma mais pragmática, conceitos e estratégias advindas de diferentes escolas de psicoterapia familiar (COBELO, SAIKALI & SCHOMER, 2004; ROBERTO, 1994, p.168). As famílias costumam chegar à terapia de família com muito mais desconfiança do que desejo de cooperação e procuram manter o foco do seu relato no caso clinico do paciente. É importante que o terapeuta familiar não só dê espaço para a expressão desses sentimentos, mas também forneça informações a respeito da doença e do estado do paciente. Ter informações deixa a família mais segura, e o fato de saber que não são responsáveis por determinados comportamentos do paciente faz com que sentimentos de culpa sejam minorados. A relação estabelecida entre cada família e cada terapeuta familiar dentro de contextos específicos é que irá nortear o uso dos diversos recursos disponíveis de trabalho Martins & Diniz (2006 apud NUNES, APPOLINARIO, GALVÃO & COUTINHO, 2006). Para os autores, os principais momentos que permeiam todo o processo da terapia de família são fornecimentos de informações, busca de cooperação da família, ativação de recursos do sistema terapêutico e asseguramento de vínculos. Os norteadores das intervenções são a etapa do ciclo vital e contexto socioeconômico-cultural da família, repertório de recursos desenvolvidos para resolver impasses ao longo da vida, tentativas anteriores de lidar com aquele problema específico, alianças e coalizões intrafamiliares, flexibilidade das relações e adequação da circulação de informação no sistema terapêutico. Não é fixado um prazo para o desenvolvimento da terapia de família. O encerramento do processo é decidido a partir da discussão conjunta entre a família, os terapeutas e todo o sistema terapêutico. 2. e. A Terapia Familiar no Tratamento da Anorexia Nervosa Salvador Minuchin (1982) estudou o fenômeno da anorexia no contexto dinâmico da terapia familiar. Postula que um certo tipo de funcionamento familiar conduz à organização e ao funcionamento da anorexia. De acordo com o autor, os membros da família estariam presos a um padrão de funcionamento familiar disfuncional, no qual as “fronteiras”, entre pais e filho se tornam inadequadamente rígidas: tríade rígida. O filho, e consequentemente os pais, fica preso ao sistema familiar, impossibilitado de perceber-se como pessoa livre e autônoma e de manter essa noção. Para Minunchin esta configuração familiar é característica de famílias que têm filhos com sintomas psicossomáticos severos, aos quais ele incluiu a anorexia. Spignesi (1992) refere que os pesquisadores definem a mãe da anoréxica como dominadora, limitadora, exigente, frustrada, ambiciosa, ansiosa e compulsiva. Para Meyer e Weinroth (1957 apud SPIGNESI, 1992), esta mãe está presa num conflito significativo com a filha resultando na fixação oral e sintomatologia geral da anoréxica. Nesse sentido, as características negativas da mãe são negadas através do consumo voraz que se opõe a um superego severo, constituindo-se numa tentativa de restabelecimento da fusão mãefilha. A união imaginária com uma mãe nutridora e provedora fazem com que a paciente dispense o suprimento do alimento real. Entretanto, esta nutrição é imprópria porque a mãe alimenta a filha com seus desejos, ambições e necessidades não realizadas. Segundo Bruch (1972 apud SPIGNESI, 1992), a filha se sente responsabilizada pela frustração da mãe e nesse processo simbiótico se vê compelida a uma proximidade exagerada. Por sua vez, a mãe protetora, rejeita todas as tentativas que a filha faz de se rebelar ou se tornar independente. Sendo assim, a filha não experimenta uma separação apropriada, tornando-se também incapaz de perceber sinais corporais individuais que traz uma diferenciação pessoal. "Esse laço simbiótico induz a filha a entrar, a inteirar-se secretamente do vazio materno e da amarga defesa contra isso. A filha fica enredada entre a profunda escuridão da mãe e suas tentativas conscientes de se defender desse abismo" (SPIGNESI,1992 p.49). A autora enfatiza, entretanto, que não se pode culpar ou acusar a mãe por sua proximidade ou defesa, mas ao observarmos as diferentes pesquisas é possível perceber que esta mãe é apenas um aspecto da constelação dessa síndrome. Recentemente, Roberto (2002) confirma a hipótese de que a disfuncionalidade de padrões familiares possa ser uma possível explicação no entendimento da anorexia nervosa. Dessa forma, a abordagem familiar tem mostrado sua eficácia quando se trata de anorexia nervosa em adolescentes, uma vez que as famílias com pacientes com transtorno alimentar apresentam dificuldades na sua organização, com evitação de conflitos, regulação na expressão de afeto entre seus membros e significativo prejuízo no grau de estímulo à autonomia individual, entre outras características. Freqüentemente, o paciente identificado envolve-se excessivamente nos conflitos entre os adultos. A terapia de família tem um lugar importante no tratamento clínico da anorexia nervosa, pelo fato de o paciente não se considerar doente, o que o leva a não procurar, por si mesmo, um tratamento. A participação da família garante, ou favorece, a continuidade do tratamento. É um instrumento importante na recuperação dos pacientes, dando suporte também ao espaço de resolução de problemas e de crescimento para suas famílias e para a própria equipe interdisciplinar envolvida no atendimento do caso, segundo Martins & Diniz (2006 apud NUNES e cols., 2006, p.152). Outros autores consideram a terapia de família uma forma de tratamento “poderosamente eficaz” para pacientes com anorexia nervosa com menos de três anos de evolução da doença que pertençam a uma faixa etária de no máximo 18 anos, sendo que a maioria dos especialistas considera a terapia de família indispensável tratando-se de crianças e adolescentes. Palazzoli, Cirillo, Selvini & Sorrentino (1998) estudaram os fatores socioculturais que influenciaram o comportamento anoréxico, e afirmam que este comportamento pode se desenvolver nos casos em que: a comida é abundante e oferecida em profusão; a magreza está na moda; o bem-estar dos filhos é um imperativo central na família; na dependência que os filhos têm dos pais, com isso a responsabilidade que estes assumem por eles é dilatada em relação ao ciclo vital. Diante deste estudo os autores criaram um modelo do processo anoréxico familiar em seis etapas, que se inicia no jogo do casal parental até o sintoma anoréxico da filha. Na etapa inicial, no jogo do casal parental, cada um dos genitores inflige um ao outro um certo tipo de provocação, sem chegar a obter uma resposta apropriada. Nas condições de impasse, estão envolvidos, quase sem exceção, membros das famílias extensas. O segundo estágio é o seguinte: a filha que vai ficar anoréxica parece estar precocemente envolvida no jogo dos pais. A partir deste envolvimento foram definidos dois grupos pelos autores. No grupo A, a filha que vai ficar anoréxica é muito ligada à mãe. A filha se compadece da mãe, ainda que raramente a estime, e é a única a ajudá-la nos trabalhos domésticos. Dessa forma, a filha se convence que tem uma superioridade moral em relação aos outros e um certo privilégio nas relações com a mãe, o que lhe dá forças para impor-se o dever de ser uma pessoa irrepreensível. No grupo B, a filha que vai ficar anoréxica sempre foi a predileta do pai, que a considera parecida com ele. Ela, por outro lado, admira o pai, o considera superior à mãe, e acha injustificáveis alguns tratamentos que esta lhe inflige. Neste estágio, a futura paciente identificada mantém uma posição eqüidistante. No terceiro estágio, com a adolescência, ocorrem fatos decisivos, que alteram a percepção que a filha tinha em relação ao pai ou, então, a impelem ainda mais para junto dele. No grupo A, a filha percebe que a mãe gosta mais de outro, como um irmão, por exemplo. Sentindo-se abandonada, ela volta suas atenções para seu pai e passa a vê-lo de forma diferente, só e abandonado como ela. Começa a tomar o partido do pai, e gostaria, em segredo, que este fosse mais firme e determinado diante de certos comportamentos da mãe. O pai mostra à filha a sua frustração em relação à esposa e que agüenta aquele tormento apenas porque não gosta de brigar, e assim, ocorre uma instigação recíproca contra a mãe. No grupo B, o vínculo entre pai e filha, às vezes, aumenta de forma embaraçosa e o processo de instigação aumenta. A filha gostaria, secretamente, que o pai não se submetesse à mãe e, sim, que reagisse e controlasse. Nesses dois grupos, a filha, em conseqüência de estar ao lado do pai, sente-se mancomunada com ele, como vítima, junto dele, de uma mulher que é mesquinha e pouco sincera. No quarto estágio ocorre um período de intenso mal-estar relacional e a dieta. No grupo A, a filha desprezada pela mãe e incentivada pelo pai, sente vontade para diferenciar-se da mãe, demonstrando uma aversão clara pela idéia de ficar parecida com ela. Ela toma a primeira decisão por si mesma, adequando-se ao modelo proposto pela moda dos jovens de sua idade, na tentativa de tornar-se autônoma. No grupo B, a dieta é decidida como um desafio à mãe. Assim que a redução alimentar começa, ela se desenvolve rapidamente num protesto mudo e numa negação da mãe. Nos dois grupos citados, Palazzoli afirma que as pacientes identificadas consideram a decisão que tomaram um sinal que desejam mudar. “Ao contrário de suas expectativas, a redução alimentar insere na tríade mãe-pai-filha, uma espiral interativa que reforça o jogo parental e, conseqüentemente, a sensação que a filha tem de estar enredada” (pp. 218). A mãe tenta controlar os hábitos alimentares da filha. O pai tenta, de forma fraca, convencê-la a não mais fazer isso, mas desiste, como sempre. E com isso a raiva da filha vai aumentando junto com a vontade de opor-se a eles, deixando, cada vez mais, de comer. A filha sente que o pai mentiu para ela, mas não entende que este não quer comprometer definitivamente a relação que tem com a esposa. O quinto estágio depende da reviravolta paterna. A filha sente-se traída pelo pai e reduz de forma extrema sua alimentação, pois só assim poderá pôr sua mãe de joelhos e mostrar ao fraco do pai do que ela é capaz. No sexto estágio, o jogo familiar continua. A filha descobre o poder que lhe é conferido através do sintoma, reconquistando o espaço ilusório que tinha na infância e préadolescência. Por outro lado, cada membro da família, possivelmente, use a doença da paciente para influenciar o comportamento dos outros membros da família. Bruch (1973) estudou a interação familiar relacionada com a anorexia nervosa, ela não só observou as famílias no presente, como tentou também reconstruir o relacionamento entre pais e filhos quando estes eram pequenos. Mais especificamente, rastreou as origens do desenvolvimento da anorexia nervosa até um relacionamento perturbado entre a criança e a mãe. A autora concluiu que as mães de mulheres que vieram a se tornar anoréxicas tinham sido “boas demais”, muito cuidadosas, corretas e talvez excessivamente ansiosas quanto ao bem-estar de seus filhos. A autora acredita que a dificuldade que a anoréxica tem de identificar sensações físicas e, em particular, a fome, está relacionada com um fracasso nesse processo anterior de aprendizado. Observou que a preocupação com comida e peso é uma ocorrência relativamente tardia, representando um distúrbio maior do autoconceito, e o corpo é vivenciado como separado do self, como se pertencesse aos pais. A presença de relacionamentos maritais conflituosos levando a atitudes familiares de falsa solidariedade é um achado referido por Gensicke (1979) acerca da relação da socialização familiar com a anorexia nervosa, corroborando outros estudos que sustentam que uma estrutura familiar complexa fomenta condições que propiciariam uma crise adolescente, que estaria subjacente ao desencadeamento da enfermidade. Castro (2000 apud SANTOS, OLIVEIRA & MOSCHETA, 2004) relata resultados de uma investigação sobre a influência dos fatores familiares sobre o transtorno alimentar. Considerando-se que a etiopatogenia desse transtorno é multifatorial, isto é, que existe uma interação de fatores psicológicos, sócio-culturais, familiares e biológicos em sua manifestação, o referido estudo focalizou o contexto familiar que envolve a anorexia na perspectiva do discurso materno, investigando como a mãe entende o transtorno alimentar. Além disso, como percebe o ambiente familiar antes e depois do aparecimento dos sintomas anoréxicos da filha e como a dinâmica familiar é influenciada por esse acometimento. Os resultados desse estudo indicam que, com o desenvolvimento da doença, as mães procuram conhecer melhor a anorexia, e apresentam um alto nível de informação sobre o transtorno, o que parece favorecer a aderência ao tratamento. Concluindo, as mães demonstraram ter uma percepção dos aspectos médicos da doença, mas desconheciam o papel dos fatores familiares envolvidos no quadro. III – OBJETIVOS 1 - Objetivo Geral: Conhecer alguns aspectos da dinâmica familiar de uma adolescente diagnosticada com anorexia nervosa. 2. Objetivos Específicos: Conhecer a estrutura familiar, identificando seus membros, idade, sexo e fase do ciclo de vida. Identificar os subsistemas, tipos de fronteiras e regras familiares. Conhecer o padrão de comunicação do sistema familiar. Identificar os sintomas da anorexia nervosa. IV – MÉTODO Este trabalho foi realizado seguindo a proposta da pesquisa qualitativa com estudo de caso. Gonzáles Rey (2005) mostra a dificuldade de a ciência psicológica encontrar bases epistemológicas para combater o positivismo na realização de pesquisas qualitativas. Surge daí a proposta da metodologia em questão, rompendo com as formas tradicionais de se fazer ciência, evitando transitar por princípios já estabelecidos por representações epistemológicas anteriores. Para este autor, o estudo de caso é um procedimento geral da investigação qualitativa, o qual se configura em uma fonte privilegiada de acesso a uma fonte diferenciada que, como nenhuma outra, nos permite entrar em contato ao mesmo tempo com a subjetividade individual e com a subjetivação da realidade social que o individuo viveu. Stake (1994 apud ANDRÉ, 2005 p.16) enfatiza que o que caracteriza o estudo de caso não é um método específico, mas um tipo de conhecimento: “Estudo de caso não é uma escolha metodológica, mas uma escolha do objeto a ser estudado”. Uma questão fundamental, segundo ele é o conhecimento derivado do caso, ou melhor, o que se aprende ao estudar o caso. Para este autor o conhecimento gerado a partir de um estudo de caso é diferente do conhecimento derivado de outras pesquisas, porque o conhecimento gerado pelo estudo de caso é: mais concreto, mais contextualizado, mais voltado para a interpretação do leitor, e baseado em populações de referência determinadas pelo leitor. André (2005) discute as vantagens do estudo de caso: fornecer uma visão profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada de uma unidade social complexa; e capacidade de retratar situações da vida real, sem prejuízo de sua complexidade e de sua dinâmica natural. Enfatiza que os estudos de caso são valorizados pela sua capacidade heurística, isto é, por jogarem luz sobre o fenômeno estudado, de modo que o leitor possa descobrir novos sentidos, expandir suas experiências ou confirmar o que já sabia. 1. Participantes Participou desta pesquisa uma família de classe média, residente em uma cidade satélite do Distrito Federal. A família participante é composta por cinco pessoas: o par parental e três filhas. O pai, José1, de 44 anos é bancário, a mãe, Maria, de 40 anos, dona de casa e artesã, as filhas, Sarah, 19, faz cursinho pré-vestibular, Eduarda, 11, cursa o 6º período do ensino fundamental e Telma, 9, cursa a 4ª série, ambas estudantes. Maria é a filha mais nova de Otávio (falecido aos 70 anos) e Ana, 70 anos, vendedora, e tem dois irmãos e uma irmã. José é o filho mais velho de Mauro, 70 anos, pensionista e de Laura, 65 anos, pensionista, e tem quatro irmãos (Genograma – Figura 1). 1 Todos os nomes utilizados no presente trabalho são fictícios. 2. Procedimentos A família participante foi contactada através de uma amiga da Sarah que se mostrou muito preocupada com o baixo peso e constantes internações de Sarah que mede 1,72 m e pesava, na época, 43 kg. O primeiro encontro aconteceu após contato telefônico e foi realizado na residência da família, com duração de cento e dez minutos. Foi definido que a duração da pesquisa seria de cinco encontros com a possibilidade da continuação dos atendimentos para a família até Junho do presente ano no CEFPA – Centro de Formação em Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Brasília. Os quatro encontros seguintes foram realizados por uma equipe com a participação da pesquisadora, sua orientadora e uma Nutricionista, aluna do curso de mestrado em Psicologia. Os encontros foram realizados no CEFPA, com duração média de uma hora e trinta minutos. No segundo encontro a família foi informada dos objetivos da pesquisa e assinou um Termo de Compromisso (Anexo II), no qual informa estar ciente dos procedimentos utilizados para a coleta de dados, concordando com o mesmo, também foi iniciado o levantamento dos dados sobre a estrutura familiar e os sintomas apresentados. No terceiro encontro foi confeccionado, com a participação de toda a família, o genograma. No quarto encontro foi realizada uma colagem com o titulo “a família que nós queremos”, e no quinto encontro foram trabalhados os papéis de cada membro da família. É importante ressaltar que essa família deu continuidade aos atendimentos terapêuticos após os cinco encontros destinados à coleta de dados. 3. Instrumentos Para o levantamento dos dados, foram utilizadas técnicas e instrumentos específicos da terapia familiar: roteiro de entrevista semi-estruturada elaborado para este fim (Anexo I), confecção do genograma (Figura 1), análise dos relatórios de atendimento, confecção de uma colagem (Figura 2) e transcrição de fitas em VHS das cinco primeiras sessões. O genograma (Figura 1), de acordo com McGoldrick & Gerson (1987), é um gráfico que registra informações sobre os membros da família e suas relações, de no mínimo três gerações. Este gráfico é muito útil para clarear os diferentes ritmos de trocas dos subsistemas familiares, o qual pode facilitar o levantamento de dados, bem como a formulação de intervenções terapêuticas necessárias. É um mapeamento em gráfico da história e relacionamentos da família, onde se demonstra como a família passou pelas fases do ciclo de vida. É uma visão inicial da família estudada e um marco para a investigação das alianças, fronteiras, contexto das redes e ciclo de vida familiar. A colagem (Figura 2) é uma técnica projetiva que possibilita ao sujeito expressar suas percepções, emoções e pensamentos sem estar consciente disso. A análise da colagem, no entanto, deve ser realizada levando-se em conta a narrativa do sujeito e o contexto sócio-historico no qual está inserida, para que não se torne um exercício abstrato, desligado das condições de sua produção (DAVIDOFF, 1983). Para realização da colagem foi disponibilizada uma folha de papel pardo, uma tesoura, cola, canetas coloridas e várias revistas. A família se posicionou em torno de uma mesa baixa onde se encontrava o material, e foi dada a seguinte orientação: “vocês irão fazer juntos uma colagem que terá o seguinte tema: “A família que nós queremos ter”. Vocês irão procurar nas revistas fotos, palavras, frases, que estão relacionadas com este tema e recortar e colar no papel pardo. Vocês terão 20 minutos para realizar esta tarefa”. 4. Análise dos Dados Os dados do estudo foram submetidos a uma análise de conteúdo (BARDIN, 1997) e interpretados de acordo com a abordagem sistêmica da família e demais autores citados no referencial teórico. V. ESTUDO DE CASO 1.1 História familiar Maria é filha caçula de Ana (70 anos) e Otávio (61 anos, falecido em 1994). Refere-se à sua família de origem como uma família unida, em que os pais sempre investiram nos estudos dos filhos. Sua mãe foi muito rígida em sua criação, e não costumava conversar com as filhas. Sua irmã, Marisa, foi criada pela avó materna recebendo assim muitos privilégios. Maria engravidou de sua filha Sarah quando estava cursando o 2º ano do ensino médio. Após o nascimento de Sarah, Maria não teve mais contato com o pai de Sarah, e por isso, parou de estudar, concluindo somente no ano de 2006. Quando Sarah tinha aproximadamente 2 anos, Maria se casa com José, após um namoro de 6 meses. Inicialmente, houve rejeição de Sarah por parte de José, porque Maria não admitia que José educasse sua filha. Maria teve dois abortos, o primeiro no terceiro mês de gestação e outro no quinto mês, em decorrência de ter adquirido Toxoplasmose (infecção causada por um parasita o Toxoplasma Gondii). Em seguida, teve duas filhas, Eduarda e Telma que estão com 11 e 9 anos respectivamente. José é filho de Laura, 65 anos e Mauro 70, que estão separados há 18 anos. José também foi criado com muita rigidez, relatou que apanhava muito de sua mãe e que seu pai, alcoólatra, fez a família sofrer muito “meu pai bebia muito, chegava em casa brigava com minha mãe, dava tiro dentro de casa, ameaçava-nos com um facão e não dava valor aos estudos”. Mas afirma que seus pais sempre ensinaram a honestidade, e a não mentir. Tem um bom relacionamento com seus familiares, mas prefere ficar mais afastado. Maria relata que a família de José se preocupa muito com a doença de Sarah e lhe dá um suporte maior do que sua própria família. José e Maria pertencem à religião evangélica. 1.2 Relação Conjugal O casal se conheceu através de uma prima de Maria, quando José morava em Brasília e ela em Anápolis. Como Maria já tinha uma filha, decidiram se casar rapidamente, e em seis meses ficaram noivos e se casaram na igreja Católica. Após o casamento o casal mudou-se para outra cidade, na intenção de organizar uma casa e buscar a filha Sarah que ficou sob os cuidados da avó materna na cidade de Anápolis. Após quatro meses morando em uma cidade diferente e com brigas constantes entre o casal, e em virtude de não ter se adaptado naquela cidade, o casal decide buscar Sarah e morar em Brasília, na casa da mãe de José, quando Maria torna-se evangélica para acompanhar o marido. Maria relata que as brigas acontecem desde o começo do casamento: “quando eu casei eu era mãe solteira, ela tinha 2 anos, e foi um problemão no meu casamento, as brigas”, “desde quando a gente namorava a gente brigava por causa da Sarah”. José não atribui a causa das brigas constantes a Sarah, e sim porque estão passando por uma fase financeira muito difícil , como relata: “ passa ano sai ano a gente não dá um passeio, não sai para arejar a cabeça e isso vai acumulando e tem que explodir né”. Pode-se perceber a dinâmica do casal parental com uma comunicação inadequada, como afirmam José e Maria: “não temos diálogo lá em casa”, “às vezes nós brigamos sem saber o motivo real”, “a Maria parece que está sempre com raiva de alguma coisa”, “a gente não conversa sobre nada, simplesmente vai deixando ...”, “o José não sabe nada da Sarah, chega à noite e não pergunta nada sobre as meninas, eu luto o dia inteirinho com essas meninas, e ele não sabe o que acontece”. Observamos que Sarah tem um papel importante na relação dos pais. Quando há discussão entre eles ela está sempre presente. Por causa da dificuldade de demonstrar a insatisfação com o relacionamento através do diálogo que não existe, entra o recurso da violência física e psicológica como recurso de comunicação como relata Sarah e Maria: “perto do meu pai eu não consigo nem comer, ele já me xingou muito e sempre disse que quem paga a comida é ele, então eu não me sinto bem já há muitos anos comendo na frente dele”, “meu pai chutou minhas costas, daí eu corri para o vizinho e ele chamou a policia” “ele já me bateu muito, deu até policia, ele bateu tanto aqui na minha cabeça que fez um galo enorme, eu coloquei a mão para proteger a minha cabeça ele bateu tanto que fiquei com a mão inchada quase um mês”. “Ele apronta muito e quando vamos à Igreja ou na casa dos parentes ele fica me abraçando e me beijando como se nada tivesse acontecido, chego a ter ânsia de vômito, e saio de perto dele”. “Lá em casa só existe proibições, lá em casa tem tanto medo, a Sarah tem medo, eu tenho medo quando ele chega, eu tô com medo do que vai acontecer quando a gente sair daqui, lá fora”. José afirma que não tinha conhecimento desse medo que causa em sua família: “eu não sabia que eu era tão ... um monstro, considerado por vocês, que é isso? Medo do que vai acontecer lá fora?” Em um dos encontros com a família, surge a discussão da mudança de Igreja, as meninas não concordam com a troca, relatam que não se sentem bem: “nós estávamos acostumadas na Igreja (...) desde pequenas, agora nesta nova é muito diferente”. José relata que mudou porque é uma Igreja com mais de 1.000 membros e a outra só congregavam 400, conforme relata: “achei melhor mudar para esta Igreja que estamos hoje porque é maior, tem mais de 1.000 membros, e eu tive uns problemas lá na outra”. Maria não sabe o porquê de José trocar de Igreja, ele nunca explicou os motivos, e relata que na época em que ela mais precisou de ajuda, foi acolhida pelos membros da Igreja: “ a Igreja que a gente congregava me deu muito apoio, naquela época que o José retornou dos EUA, sem salário e sumiu no mundo, além do conforto espiritual, eles levaram cesta básica durante 1 ano, biscoito e até danoninho para as meninas , mas o José nunca explicou qual foi o problema, o por que de mudar de Igreja”. 1.3 A doença Aos sete anos Sarah teve hepatite e, desde então, ela está “sempre doente”, vomitando muito e se alimentando pouco, “gripa com facilidade” diz a mãe. Há dois anos apresentou um problema na coluna - Cóccixcodina, sendo diagnosticada pelo médico Cirurgião-Neurologista como “Dor neurálgica sacral X Dor neuropática de deaferentação, Anorexia ou D. Somatoforme”, e prescrito os seguintes medicamentos: Tilex, Ziprex, Tileptol e Dormonid. Tem tido ausência dos ciclos menstruais (amenorréia), passou também recentemente por uma intervenção cirúrgica para retirada de um dos ovários em decorrência de micro-poli-cistose ovariana. Sua mãe relata que desde muito pequena Sarah recusa a se alimentar e quando forçada provocava vômito: “Na verdade, desde criança, ia pra escola, então eu pedia: Sarah leva alguma coisa pra comer, eu sempre dava um dinheirinho pra ela comprar e ela voltava pra casa sempre com aquele mesmo dinheirinho, quando chegava e às vezes almoçava ela vomitava”. Sarah relata que fica até três meses sem menstruar e atribui este sintoma à sua piora “acho que quando fico sem menstruar é que vou ficar ruim de novo, tenho tentado comer mas fico com medo de vomitar, quando fico nervosa ou chateada aí eu vomito mais”. Também relata que se lembra que começou a vomitar constantemente a partir dos onze anos e atribui às brigas dos pais: “sempre que eu vomitava eles estavam brigados, não sei se era meio de fuga, acho ainda que eles brigam por minha causa”. Sarah relata sua preocupação com o seu peso, e bastante emocionada afirma que, quando fica chateada e nervosa vomita com freqüência: “emagreci muito, uma hora fico pesando 40 kg e ai vem ...(choro), quando estou mais ou menos boa fico com 50 ”. “ daí eu fico com medo de vomitar, quando eu começo não consigo parar ...(choro)”. Percebe que o que causa mais sofrimento a ela são as dores que sente no Cóccix, relata: “minha dor é crônica, e 90% dela é da minha cabeça, quando eu tomo remédio ele me desliga e eu fico sem dor”, “quando estou com o nível 7, é muita dor, daí pode me levar pro hospital, começa a doer as pernas e dói tudo, do quadril para baixo, daí eu não consigo mexer as pernas”. Em sua ultima internação, que durou sete dias, chegou com nível 10 de dor, além de estar com baixo peso, sentia muitas dores no Cóccix. Dentre os procedimentos médicos que fora submetida foi colocado um dreno no Cóccix por três dias. Maria afirma muito emocionada, sem a presença de Sarah: “nos dois primeiros dias foi administrado morfina e no terceiro água, que fez o mesmo efeito da morfina, então os médicos me disseram que a dor dela era problema na cabeça, e que poderia ficar paralítica, eu me sinto muito culpada, tão culpada ...(choro) ”, “além das dores, ela sente dormência nas pernas e no bumbum, o médico me alertou que ela poderia ficar em cima de uma cama pro resto da vida”. Maria informou que tem depressão, e foi diagnosticada por seu Neurologista como portadora de Fibromialgia: “fui ao médico com muita dor, dormência no braço e o meu rosto estava repuxando, na consulta o médico me falou que os caroços que estão aparecendo no meu braço, nas costa e na minha perna, estão nos pontos estratégicos da fibromialgia ”. Começou a usar antiinflamatório e os medicamentos Miosan e Tilex para amenizar as dores causadas pela Fibromialgia. Observamos que Maria se nega constantemente a se cuidar, ultimamente se encontra depressiva e apresenta-se aos atendimentos com muitas dores, afirma que foi novamente ao médico mas não comprou a medicação: “fui lá, mas a receita continua lá em casa, José nem perguntou se era para comprar a medicação, e eu é quem não vou falar ”. Eduarda possui um leve problema de audição no ouvido direito, em conseqüência dos resquícios da toxoplasmose adquirida pela mãe. Eduarda, quando aborrecida com a família, se nega a comer e a conversar com a família, como afirma: “chego em casa depois da escola e não dá vontade de comer, depois a comida esfria, então eu prefiro ficar quieta”. Sarah passou por várias internações, a partir dos 11 anos, às vezes por uma gripe muito forte, outras vezes por não querer se alimentar. Sua mãe não sabe precisar quantas foram até o presente momento e se fixa nos dois últimos anos, pelo agravamento da desnutrição, pelo problema no ovário e pelas dores no cóccs. Nos últimos quinze meses Maria tem ocupado seu tempo quase que integralmente com os cuidados de Sarah e preocupada com o desdobramento do comportamento alimentar de Eduarda, como relata: “vivo correndo pro médico com a Sarah, de uns meses pra cá ela deu uma piorada, deu um problema na coluna, piorou muito né, o José não está muito a par disso porque ele nunca foi ao médico comigo levar ela”, “a Eduarda também não come quando está emburrada, tenho medo”. Todas essas situações vividas por Sarah e Maria podem ser vistas na colagem (Figura 2), em que a família deveria ilustrar as modificações que desejam fazer, onde aparecem a palavra Medicina, a alegria no rosto das fotos de mulheres e nos desenhos feitos por Telma e Eduarda representando o pedido de união e de alegria, Maria e Sarah se identificaram em suas falas quando Maria justifica que não participou porque sabe que isso tudo que está representado na colagem não irá acontecer. Sarah com o mesmo desânimo apresentado por sua mãe apesar de ter participado relatou que: “ essa alegria não irá acontecer”. COLAGEM 1.4 Relação pais/filhas Desde os primeiros dias de casada, Maria não permitiu que José educasse sua filha Sarah e nem que ele assumisse o papel de pai, mas mesmo não tendo este espaço José sempre opinou em sua educação, de acordo com a fala de Maria: “quando Sarah tinha apenas dois anos de idade José me obrigou a tirar o paninho e a mamadeira de Sarah”, sendo este o motivo de várias brigas naquela época. As duas filhas mais novas, Eduarda e Telma, têm comportamentos diferenciados quando estão com os pais e quando estão sozinhas com a mãe. Como o pai proíbe muitas coisas, quando estão sozinhas com a mãe aproveitam para fazer o que na presença dele é proibido, por exemplo: assistir novelas e dormir à tarde, como afirmam: “ fico confusa quando meu pai está em casa, fico mais perto da minha mãe”, “ele chama a gente o tempo todo”, “eu não sei se a minha mãe está com dor ou se está triste”, “a gente tenta deixar tudo arrumadinho que é pra quando ele chegar, ele não brigar ”, “meu pai podia ficar aqui em casa só no domingo”. Maria se queixa quando corrige as filhas, relata que José a critica na frente das meninas, e se sente desqualificada perante elas: “ se estou ensinando o dever, ele me chama de burra” , “ ele vive falando das amigas de trabalho dele que estão sempre muito arrumadas, mas não me permite nem passar perfume e nem batom, que elas fizeram este ou aquele curso, mas nunca me deixou estudar, só terminei o 2º grau por causa da Sarah no supletivo” , “até nos meus artesanatos, se ele estiver em casa eu me sinto inibida para trabalhar”, “ os móveis lá de casa têm que ficar no lugar que ele gosta, se ele chegar e o sofá estiver diferente ele manda voltar ou ele mesmo coloca no lugar que ele acha”. José afirma que Maria nunca entende o que ele fala, suas proibições são para proteger a família. Relata que Sarah é uma pessoa “de bem” até hoje por causa dessas proibições: “tudo que eu falo tá errado lá em casa, Maria nunca aceitou eu educar Sarah, as minhas proibições fez ela ficar descente, até hoje ela é virgem, é bem diferente das primas dela”, “toda a maneira que eu vou educar lá em casa ta errado” “eu não fico sabendo nem que ela tá doente”. José supõe um distanciamento, uma comunicação confusa entre eles quando afirma: “ eu falo uma coisa e Maria ouve outra, é como se ela não conseguisse entender o que eu falo, cada dia é diferente: eu nunca sei como ela está”. Por outro lado, Maria supõe que para José ela tem sempre que fazer o que ele quer, então relata que “faz o papel de mulher ”, e não o de esposa que é o que ela gostaria de exercer: “ele proíbe tudo, eu não posso dar minha opinião em nada, porque ele me ensinou a ser assim, então eu fico calada sempre fazendo o que ele quer, se eu estiver com dor eu não falo, se eu estiver com dividas eu não falo ...faço o papel de mulher” Maria relata que Sarah reclama da forma que ela a trata em relação às suas irmãs, como se justifica na afirmativa: “Sarah sempre alega que quando foi pra corrigi-la, foi diferente, eu não bato nelas porque com a Sarah eu bati demais, daí deu isso na coluna”. Sobre a relação de Maria com Sarah, observamos que Sarah se une à mãe em determinadas situações, como por exemplo: em algumas brigas ela chamou a polícia porque José estava agredindo sua mãe, “eu sei o que minha mãe está passando só de olhar pra ela, até pelo telefone eu percebo pelo tom da sua voz”. Nos nossos encontros no CEFPA, têm atitudes parecidas com a mãe, como o desânimo e o choro, até mesmo em sua fala: “minha mãe conversa tudo comigo, sabe tudo da minha vida, ela me conhece, eu não preciso falar pra ela entender o que eu estou sentindo, minhas amigas gostam de conversar com a minha mãe também”. Sarah se faz sempre presente entre os pais para proteger sua mãe. Desempenha diferentes papéis ao lado da mãe, no decorrer do Ciclo de Vida Familiar, na infância e adolescência, ocupando espaços vazios da relação conjugal, mantendo-se numa relação de rivalidade e/ou de afastamento de José. De acordo com a colagem (Figura 2) cujo tema foi: “A família que nós queremos ter”, Sarah retrataou praia, um violão, um carro, um casal de namorados e a palavra “medicina”. A família identifica essas figuras como uma representação do que Sarah quer conquistar. As figuras escolhidas por José retratam quatro mulheres muito felizes, um homem maduro e a palavra Deus bem no centro. A colagem de Eduarda tem um desenho feito por ela, representando ela e Sarah de mãos dadas, um casal com filhos e uma outra figura de mulher sorrindo que representa sua mãe. A colagem feita por Telma tem um desenho feito por ela representando toda a família de mãos dadas sorrindo, uma foto de um homem brincando com uma criança que representa seu pai brincando com ela, uma moça muito bonita de corpo inteiro representando Sarah, e um rosto de uma mulher sorrindo representando sua mãe. No centro da colagem José escreveu a frase: “um por todos e todos por um”. Maria não quis participar da colagem se justificando: “eu até achei umas figuras, mas isso ai não vai acontecer, então deixa só as meninas ”. Sarah também não se sentiu muito motivada e relata: “colei essas figuras aí mas sei que não vai acontecer, uma viagem, meu carro, a Medicina”. José relatou: “eu colei o que gostaria que acontecesse na minha casa, minha família alegre e com Deus no coração”. VI. DISCUSSÃO De acordo com a abordagem do ciclo de vida (CARTER & MCGOLDRICK, 1995) a família é um sistema em constante desenvolvimento, que vive suas diferentes fases, enfrentando mudanças e resolvendo conflitos, buscando ora equilíbrio, ora transformação. Para criar um ambiente propício ao desenvolvimento “saudável” de seus membros, a família precisa ter flexibilidade para lidar com tantas e diferentes demandas. A família estudada está vivendo um momento importante de seu ciclo de vida: o casal de meia idade, com uma filha criança, outra na pré-adolescência e a mais velha no final da adolescência. Portanto, é compreensível que esse sistema esteja “sobrecarregado de tarefas de desenvolvimento”. Para o casal é um momento de avaliação da relação, da vida profissional e também da vida pessoal. Segundo Carter e McGoldrick (1995) é um momento de renegociar o sistema conjugal como díade. Maria acaba de fazer 40 anos e traz questões sobre a saúde, a aparência física, a profissão e a qualidade da relação conjugal e familiar. José também está avaliando sua situação profissional, tentando se recuperar após uma tomada de decisão que levou a uma mudança radical que repercutiu em toda a família, e não teve bons resultados. Ao mesmo tempo, está avaliando seu casamento, a partir dos questionamentos de Maria. Quando os filhos entram na adolescência, a família precisa modificar seus relacionamentos internos, flexibilizar regras e fronteiras para permitir ao adolescente movimentar-se para dentro e fora do sistema e aceitar pessoas novas, como amigos e namorados (CARTER & MCGOLDRICK, 1995), que são condições importantes para o crescimento e diferenciação do jovem. Nesse sentido, nos pareceu que a família de José e Maria tem tido dificuldades, uma vez que têm regras um tanto rígidas (MINUCHIN, 1982), como por exemplo, não poder “usar perfume e bijuterias”, sair com amigos, ir a festas, hábitos comuns na adolescência e, hoje, mesmo antes dessa fase. As filhas mostram-se “indignadas” com relação a essa proibição do pai, que também vale para a mãe. Sair, passear, namorar também era, até há pouco tempo, atividades dificultadas por José. O aparecimento de sintomas em um ou mais membros da família pode mostrar essa falta de flexibilidade, ou seja, a família precisa fazer algumas mudanças em sua estrutura e, por algum motivo, não está conseguindo (MINUCHIN, 1982; CARTER & MCGOLDRICK, 1995). Ao discutir esse tema, Ackerman (1986, apud LOPES & RIBEIRO, 2004) estabelece níveis de adaptação familiar de acordo com a maneira como a família maneja os problemas: família com maior nível de adaptação – encontra solução realista para os problemas; família com nível de adaptação menos elevado – necessita de um período maior para encontrar a solução dos problemas, mas consegue conter os problemas e controlar seus efeitos nocivos; e a família que assume conduta inadequada e auto-destrutiva em função da incapacidade de conter os efeitos do conflito. O conflito interpessoal pode ser benigno ou maligno, na medida em que estimula o crescimento ou predispõe ao desequilíbrio emocional das relações familiares e à adaptação individual. Assim, para o autor, os sintomas são os produtos da internalização dos conflitos familiares persistentes, momento em que a organização familiar é alterada, podendo apresentar características não funcionais. Minuchin (1982) também acredita que o sintoma é produto de um sistema familiar disfuncional e que à medida que a família se torna mais funcional, o sintoma, perdendo a sua função, tende a desaparecer. O aparecimento do sintoma pode ter a função de desviar a atenção dos conflitos existentes na família, por chamar a atenção para o paciente identificado, ou seja, aquele que está apresentando problemas (MINUCHIN, 1982). Nessa família, inicialmente é Sarah que apresenta um sintoma, mas à medida que deixa de sentir dores, passa a se alimentar melhor e começa a sair com amigos, sua mãe começa a se queixar de problemas de saúde ou de sua relação com José. Assim, parece haver um “revezamento” entre os membros da família, permanecendo sempre um membro da família adoecido, o que foi observado pelo Grupo de Palo Alto, em suas pesquisas iniciais com famílias de psicóticos (NICHOLS & SCHWARTZ, 1998), o que Minuchin (1982) chama de ciclo. A filha do meio também apresenta dificuldades, deixando de comer quando está aborrecida. Acreditamos que este comportamento, se repetido, é preocupante, pois Eduarda, agora com 11 anos, está vivendo a fase da pré-adolescência, e, de acordo com alguns estudos (GENSICKE, 1979) uma crise adolescente estaria subjacente ao desencadeamento da enfermidade. Sarah apresenta os seguintes sintomas: a) Amenorréia, que relaciona com sua piora, pois credita que se passar mais de três meses sem menstruar começará a ficar muito magra e provavelmente retornará às internações; b) Vômitos: relata que provoca o vômito desde os onze anos de idade e atribui esta vontade de vomitar às brigas dos pais. Afirma que quando fica chateada e nervosa vomita com mais freqüência; c) grande preocupação com o seu peso; d) problemas na coluna que, segundo seu médico, é em decorrência da anorexia; e) dormência nas pernas e muitas dores no cóccix. Em sua última internação foi constatado pela equipe médica que Sarah já não possui nenhum problema no cóccix. Seu médico informou à sua mãe que “seu problema é psicológico” após receitar água em vez de morfina para sanar sua dor (efeito placebo) e esta desapareceu. O médico indicou tratamento psicoterápico com urgência, por acreditar que as fortes dores que sente são de origem psicológica; f) problemas de memória e atenção, que dificultam os estudos, pois diz que não consegue entender nem memorizar o que lê, o que a família atribui aos remédios que está tomando. O diagnóstico de Sarah foi feito por um médico Cirurgião-Neurologista como “Dor neurálgica sacral X Dor neuropática de deaferentação, Anorexia ou D. Somatoforme”, em decorrência do tratamento para aliviar dores na coluna – Cóccixcodina. Foi prescrita a seguinte medicação: Tilex, Ziprex, Tileptol e Dormonid. Passou também recentemente por uma intervenção cirúrgica para retirada de um dos ovários em decorrência de micro-poli-cistose ovariana. Palazzoli et al. (1998) discutem o jogo familiar no processo anoréxico em estratégias baseadas no sintoma, a paciente descobre o poder que lhe confere o sintoma, então, frequentemente amarra a mãe a si mediante um vínculo pseudo-simbiótico que mascara a hostilidade e o controle. Com o passar do tempo, cada membro da família pode elaborar estratégias baseadas no pressuposto de que o sintoma persistirá. Essa relação de dependência com a mãe impossibilitaria que a filha fizesse uso de seu corpo como um objeto de prazer e criaria um tipo de vínculo que dificultaria qualquer possibilidade de autonomia, seja de pensamento ou de ação. Assim, o reconhecimento das necessidades do corpo e sinais físicos estaria comprometido por esta falta de autonomia. Se a vida da anoréxica é controlada pela mãe, lhe resta manter seu corpo sob o seu próprio domínio, enfatiza a autora. Sarah, estando tão ligada e dependente emocionalmente da mãe, fica impedida de crescer e tornar-se independente, ao mesmo tempo que chama a atenção dos pais sobre si mesma. O corpo magro e infantilizado mostra essa dificuldade de se tornar autônoma. Para Minuchin (1982) o apoio à responsabilidade e obrigação dos pais de determinar regras familiares assegura o direito e a obrigação do filho de crescer e de desenvolver autonomia. Nos primeiros encontros com a família as questões apresentadas foram relativas aos problemas de Sarah, mas com o tempo, o conflito conjugal foi surgindo. O casal está enfrentando uma crise conjugal há muitos anos, em vários momentos. Maria verbalizou sua insatisfação com a relação, indicando a possibilidade de separação. Eles quase não conversam sobre a relação conjugal e as questões do dia-a-dia da família, ela voltada para as tarefas domésticas e o cuidado com as filhas e ele envolvido com o trabalho, alheio ao que acontece com as filhas. Sexualmente também o casal parece estar distanciado. A família reside em uma casa que não existe paredes internas, a não ser a do banheiro, o que separa a cozinha do quarto do casal é o guarda roupa, as camas das filhas ficam lado a lado com a cama do casal, dificultando a intimidade do casal. A formação do casal, de acordo com Carter e McGoldrick (1995) é uma das fases mais complexas do ciclo de vida familiar, pela quantidade de tarefas que impõe aos cônjuges. Compete ao casal o realinhamento dos relacionamentos com as famílias ampliadas e os amigos para incluir o cônjuge e a delimitação das fronteiras do sistema (Minuchin, 1982) que vão protegê-lo dos demais subsistemas sociais e permitir a construção diádica da realidade, a formação da díade conjugal – pensar, agir, funcionar como um casal. Quando há a presença de um filho nesse contexto, o casal fica ainda mais sobrecarregado, pois, de certa forma, acumula tarefas da fase seguinte que seriam: “ajustar o sistema conjugal para criar espaço para os filhos; unir-se nas tarefas de educação dos filhos; realinhamento dos relacionamentos para incluir os papéis de pai e mãe” (CARTER & MCGOLDRICK, 1995). Essa fase do casamento de José e Maria foi um tanto atribulada, pois em um período de 6 meses eles se conheceram, noivaram e casaram, mudando, em seguida, de cidade e deixando Sarah com a família de Maria. Quatro meses depois a menina voltou para a companhia do casal. Maria relata que teria dito a José que “não gostaria que ele se intrometesse na educação de Sarah”. Esse fato pode ser compreendido como a colocação de uma fronteira (Minuchin, 1982) que distanciou o casal e uniu mãe e filha, dividindo a família em dois subsistemas: José, de um lado e Maria e Sarah, de outro. Minuchin (1982) diria que essa não é uma estrutura funcional, pois o casal deve ser o eixo das relações familiares, ocupando uma hierarquia superior no sistema familiar. Dessa forma, Maria estaria fazendo uma aliança com Sarah, em oposição a José, que não tem autoridade e não é respeitado por Sarah. Maria afirma que “desde o começo do casamento José nunca aceitou Sarah, e eu nunca permiti que ele a educasse”. Por outro lado, ela se queixa de estar sobrecarregada com os afazeres de casa e a educação das filhas. A forma como o casal e a filha se posicionaram nos remete ao conceito de triangulação de Bowen (1978 apud NICHOLS & SCHWARTZ, 1998), que teria a função de desviar o conflito conjugal, para a filha que apresenta os sintomas. Ficando doente, Sarah chama para si todas as atenções da família, não dando oportunidade para que os conflitos do casal venham à tona, ficando assim o casal “protegido”, pois não entraria em confronto. Observamos que quando Sarah está doente, é a mãe que cuida dela, e quando está hospitalizada, novamente é Maria que fica com ela todo o tempo, ausentando-se da casa, enquanto o pai fica em casa com as outras filhas. Dessa forma, ficando doente, Sarah estaria mediando os conflitos dos pais, o que a impediria de viver suas próprias tarefas de desenvolvimento, como adolescente. A menina está muito ligada e dependente da mãe, o que podemos observar em sua postura, durante os encontros, o fato de confirmar o que a mãe diz, chorar quando a mãe chora, e ficar apática como a genitora, em alguns momentos. A mãe se mostra depressiva, desmotivada e sem energia, pessimista quanto ao futuro da família. Isso nos remete à afirmação de Spignesi (1992, p. 49): “a filha fica enredada entre a profunda escuridão da mãe e suas tentativas conscientes de se defender desse abismo”. O casal relatou várias vezes que a razão de permanecerem juntos é o amor que sentem um pelo outro, inclusive Maria enfatiza que “filho não segura casamento”, e que ainda está tentando permanecer no casamento “por amor”. Entretanto, o casal se sente angustiado com os conflitos. José acredita que tudo pode mudar, e que Maria precisa esquecer o passado. Contudo, há descontentamentos em relação às atitudes de José, as brigas com violência física e psicológica, as proibições excessivas freqüentes, que são motivos de estresse emocional na família. Observamos nessa família situações de violência em dois níveis: a física2 e psicológica3. Episódios de violência entre o casal e entre mãe e filha. Maria diz ser agredida fisicamente por José e sofre ofensas e desqualificação. Maria se culpa pela doença 2 O termo violência física foi utilizado para padrões de conduta que incluem agressão física, ou seja, quando uma pessoa causa ou tenta causar mal ao outro, de forma não acidental, por meio de uso de força física, ou de algum tipo de arma que pode provocar ou não lesões externas, internas ou ambas. Pode-se manifestar de várias formas: tapas, empurrões, socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por armas ou objetos, tirar de casa à força, amarrar, arrastar, arrancar a roupa, Brasil (2002). 3 O termo violência psicológica foi utilizado para a ação ou a omissão que causa ou visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento das pessoas, incluindo: insultos constantes, humilhação, desvalorização, chantagem, isolamento de amigos e familiares, ridicularização, rechaço, manipulação afetiva, exploração, ameaças, privação arbitrária da liberdade, Brasil ( 2002). de Sarah, justificando que agrediu fisicamente durante toda a sua infância e parte de sua adolescência em conseqüência das brigas com José. José apresenta-se ameaçado em sua autoridade, é influenciado pelos padrões transgeracionais da família de origem, com pai autoritário que usava de punição severa com a esposa e os filhos como meio de alcançar respeito. José reage com Maria de forma violenta, agredindo-a fisicamente quando a esposa o enfrenta verbalmente. Por meio da colagem (Figura 2) foi possível perceber que Sarah, está preocupada com seu futuro. José, Telma e Eduarda estão preocupados com a alegria de Maria (isto ficou explicito porque os três escolheram figuras de mulheres sorrindo representando Maria) e com a união da família. De acordo com a narrativa dos membros participantes, todos almejam a estabilidade emocional da família e o movimento de alegria. Enquanto o movimento das filhas e de José é no sentido de mudanças, Maria se mantém resistente, conforme afirma: “eu até encontrei figuras, mas pra quê fazer isso, se não vai mudar mesmo! ”. Segundo Satir (1988) a família possui regras e modelos de relacionamentos que estão explícita ou implicitamente delimitados por seus membros, passando de geração para geração. O modelo internalizado dos pais como um casal, tem uma profunda influência sobre a qualidade dos relacionamentos conjugais dos filhos. Os filhos poderão repetir ou assumir uma posição oposta ao relacionamento que viam de seus pais. Na tentativa de compreendermos o que leva uma mulher a relacionar-se de forma dependente e passiva com seu companheiro, fomos em busca de histórias e experiências relacionadas à família de origem de Maria. Maria teve uma convivência conflituosa com sua mãe e irmãos, refere-se à sua mãe como uma mulher forte e “despachada”, cresceu marcada por lembranças e mágoas, pois se sentia usada nos afazeres domésticos, e constantemente desqualificada por seus irmãos, permanecendo sempre muito fechada. Sente-se diminuída em relação aos seus irmãos em decorrência de todos terem conseguido trabalhar e estudar, e sua irmã por ter sido criada pela avó materna e ter concluído curso superior. Maria cresceu sentindo-se negligenciada e se culpa por não ter concluído os estudos, se tornado dependente financeiramente do marido. No casamento relata que sua vida não mudou, continua muito fechada e sempre calada, pois os conflitos envolvendo desqualificações continuam: “ na casa da minha mãe, eu era como a empregada, agora no meu casamento acontece a mesma coisa, funciono como uma empregada, nunca importou a minha opinião em nada, me sinto burra, por isso é que fico calada e faço o meu papel de mulher”. Observamos na história da família de origem de Maria uma inversão nos papéis familiares, permeada emocionalmente de dependência e baixa auto-estima. Satir (1988) enfatizou as capacidades de auto-estima e diferenciação como fatores importantes para se entender a qualidade de interação entre os cônjuges. Para esta autora, um individuo que não foi capaz de desenvolver auto-estima e senso de individualidade não é capaz de checar suas percepções para verificar se elas correspondem à realidade e quando duas pessoas não são capazes de checar mutuamente suas percepções em relação ao outro, o resultado pode ser desastroso. Satir (1988) identifica comunicação com comportamento interacional e postula que a doença familiar é derivada de métodos inadequados de comunicação entre os membros da família. A comunicação transmite informação e impõe um comportamento, e estes dois níveis são definidos como relato e ordem de uma comunicação. Na comunicação funcional – maior nível de entendimento entre os comunicantes – os dois níveis são congruentes e se reforçam mutuamente. Quando estes níveis são incongruentes, a comunicação é desqualificada e paradoxal, tornando-se disfuncional. A comunicação é uma condição essencial da vida humana e da ordem social. A comunicação disfuncional tem inicio a partir do momento em que os significados passam a apresentar-se de modo obscuro, incongruente ou distorcido; e solidifica-se a partir do instante em que deixa de existir espaço suficiente para que os que dela participam possam esclarecer seu significado Satir (1983 apud ELKAIM, 1998). Nesta família observamos uma comunicação desqualificadora, que não reconhece o outro como tendo valores e qualidade. Há ameaças explicitas e veladas, falta de atenção no que o outro está expressando. Maria não se comunica com José e espera que ele entenda tudo que está acontecendo com ela e suas filhas, o acusa de não se importar com a doença de Sarah, de não ser um pai presente nos assuntos escolares de Telma e Eduarda. Sente-se desqualificada através de seu discurso em relação à educação das meninas e por esses motivos prefere permanecer calada e não compartilhar com José suas angústias diárias. Por outro lado José relata que nunca sabe o que Maria está sentindo, e muitas vezes não sabe como agir, pois não sabe se ela está de bom humor, ou sentindo dores, e que permanece calado quando ela relata algum problema por que pensa que ela está somente desabafando. As relações no subsistema fraterno é de companheirismo e carinho. Na colagem, Eduarda a representa de mãos dadas com Sarah. Telma escolhe uma figura de uma moça bonita para representar a irmã. Durante os encontros Telma e Eduarda mostraram-se tristes e preocupadas quando Sarah se emociona e fala sobre seus problemas. As irmãs não apresentam queixas dessa relação que, pareceu-nos ser um apoio importante para as três, e esta de acordo com a afirmação de Minuchin (1982), segundo o qual o subsistema fraterno é o primeiro laboratório social no qual as crianças podem experimentar as relações com iguais, aprendem a negociar, cooperar e competir. VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS A anorexia nervosa é uma doença complexa que está associada com alto risco de morbidade e mortalidade. O curso da doença é freqüentemente marcado por períodos de recaídas, remissão ou transição para a bulimia nervosa. O papel da família no desenvolvimento da anorexia nervosa tem sido objeto de estudo e especulação. A disfunção familiar tem sido citada, por vários autores, como um fator que contribui para o desenvolvimento e a progressão dos transtornos alimentares. Daí a importância de estudos que visem conhecer a dinâmica de famílias com um membro que apresenta anorexia nervosa. O estudo que realizamos possibilitou a identificação de alguns aspectos da família estudada, tais como: a família está vivendo problemas financeiros com conseqüentes mudanças no padrão de vida; presença de forte conflito conjugal, com violência física e psicológica entre os cônjuges; aliança mãe/filha com a figura parental excluída; falta de diálogo; sintomas de anorexia nervosa, como peso abaixo da média, dificuldades de alimentação normal, ausência de menstruação por mais de 3 meses, vômitos após ingestão de alimentos, imaturidade emocional da adolescente anoréxica; presença de outros sintomas familiares como violência, falta de autoridade dos pais sobre as filhas menores, comunicação desqualificadora, presença de conflitos relacionados à adolescência da filha de 11 anos. De acordo com a abordagem sistêmica, os sintomas familiares são multicausais, e não podemos dizer que “uma coisa causa outra”, o que seria uma simplificação da realidade. Acreditamos que vários fatores juntos facilitam e surgimento de um sintoma e a forma como a família se organiza em torno desse sintoma pode ajudar a mantê-lo ou contribuir para sua resolução. A função que o sintoma passa a ter no sistema familiar também pode influenciar na sua duração e desenvolvimento. Por isso, é comum encontrar em famílias com problemas vários sintomas, ou seja, várias pessoas apresentando dificuldades e não só aquela que é considerada o “doente”. Também de acordo com a abordagem sistêmica, não é possível entrevistar uma família sem fazer intervenções, por isso acreditamos que esse estudo provocou mudanças na dinâmica familiar. Pudemos observar no decorrer dos encontros, que os membros da família contavam fatos que mostravam que alguns padrões de relacionamento sofreram mudanças, como por exemplo: maior autonomia de Sarah; maior participação do pai em relação à educação das meninas e principalmente de Sarah; diminuição dos sintomas físicos de Sarah, em relação ao problema de dor “crônica” no Cóccxis; aumento do ciclo de amizades de Sarah; participação de encontros de jovens na Igreja; relatos de José concordando com a possibilidade de Sarah começar a namorar; e maior envolvimento de Sarah com os estudos. Sarah relatou que nunca se sentiu filha de José, e que agora que está melhorando e tendo a possibilidade de sair, a autorização dele a deixa feliz por que tem a sensação de pertencimento. As mudanças observadas mostraram a eficácia da abordagem familiar quando se trata de anorexia nervosa em adolescentes. Consideramos que os objetivos desta pesquisa foram atingidos, uma vez que foi possível conhecer a dinâmica familiar, identificando a fase do ciclo de vida, as relações entre os subsistemas, alguns sintomas da anorexia nervosa e os padrões de comunicação desta família. Entendemos que a abordagem sistêmica foi fundamental para a realização do estudo, possibilitando uma leitura mais ampliada das relações familiares e do sintoma. Através do estudo de caso pudemos realizar uma avaliação e identificação dos conceitos sistêmicos. Embora alguns estudos demonstrem que é importante trabalhar com a família da paciente anoréxica, poucos estudos relacionando dinâmica familiar à doença foram encontrados. Mas acreditamos que, é de extrema importância que outros estudos continuem a serem realizados, a fim de se obter uma compreensão mais elaborada desse contexto e recursos mais efetivos para lidar com essas situações. Constatamos também a importância do trabalho multidisciplinar, em função da complexa interação de problemas emocionais e fisiológicos deste transtorno. O trabalho em equipe trouxe complementos importantes às sessões, abordando vários aspectos e considerando o caráter multifatorial do transtorno, com inúmeras potencialidades de construção de um conhecimento dinâmico na perspectiva sistêmica. Apesar das limitações de nosso estudo, esperamos ter contribuído para uma melhor compreensão da anorexia nervosa no contexto familiar, bem como ampliar o campo de abrangência da abordagem sistêmica da família. VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C. N. de; CANGELLI F. R. Anorexia nervosa and bulimia nervosa: a psychotherapeutic cognitive-constructivist approach. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 31, n. 4, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 01 Out. 2006. ANDRÉ, M.E.D.A. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília: Liber Livro Editora.2005. 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