Cultura e Poder: um estudo das percepções de atores de diferentes unidades de um mesmo Grupo Industrial Autoria: Francisco Coutinho Dornelas, João Gabriel Pires Baptista, Robson Malacarne, Tatiana Vieira de Freitas Resumo: O objetivo deste trabalho é compreender o processo pelo qual os atores organizacionais desenvolvem construções sociais distintas ou compartilhadas sobre aspectos da cultura e do poder nas organizações, ao atuarem em uma mesma função, em unidades diferentes de uma mesma organização. A discussão teórica parte do tema cultura na organização com foco na abordagem das três perspectivas de Meyerson e Martin (1987), em seguida aborda as relações de poder com base nas contribuições de Pagès et al., (1987) e o processo pelo qual, aspectos relacionados a essas duas temáticas são interpretados de maneiras distintas ou compartilhadas em unidades diferentes de uma mesma organização. Por fim, para legitimar empiricamente as contribuições teóricas oferecidas, realizou-se um estudo de caso em duas unidades de uma organização do setor siderúrgico. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, sendo posteriormente tratados por meio da análise de conteúdo. O estudo de caso indica que há uma tendência da cultura na organização ser afetada pelas políticas de recursos humanos adotadas. E ainda, que estas políticas apresentam-se como instrumentos de poder, que direta ou indiretamente se relacionam com a cultura na organização na medida em que contribuem para reforçar os valores defendidos pelos atores organizacionais em posições gerenciais, com destaque para os níveis diretivos mais altos. 1 Introdução O objetivo deste artigo é compreender o processo pelo qual os atores organizacionais constroem percepções distintas ou compartilhadas sobre aspectos da cultura e do poder, ao atuarem em uma mesma função, em unidades diferentes de uma organização. Este estudo se enquadra na abordagem interpretativa, na medida em que busca entender as diferentes construções sociais dos empregados sobre a cultura na organização, ao utilizar de maneira complementar as três perspectivas de análise da cultura organizacional como proposto por autores como Meyerson e Martin (1987), Silva et al. (2006) entre outros: integração, diferenciação e fragmentação. Em conjunto essas três perspectivas permitiram a compreensão de diversos aspectos da cultura nas duas unidades deste grupo industrial. As políticas de recursos humanos são entendidas neste estudo como práticas de poder, em diversos níveis, seja ele econômico, político, ideológico, ou psicológico (Pagès et al., 1987). O embasamento empírico desta discussão foi realizado por meio de um estudo de caso em duas unidades de um grupo industrial do setor siderúrgico. A escolha se justifica por ser um grupo industrial que passou por inúmeras modificações, como privatização, fusões e aquisições por pelo menos três oportunidades e por grupos diferentes, o que permitiu incluir na discussão empírica diversas questões relacionadas a esses processos (como o medo do desemprego após uma fusão ou o aumento de investimento em treinamento após a privatização) e que estão associados ao objetivo deste artigo. Os dados foram coletados por meio de doze entrevistas semi-estruturadas. A forma utilizada para registro e tratamento dos mesmos foi o “tema” que, segundo Bardin (1977), refere-se a parte de um texto que expressa determinados significados em recortes obtidos a partir de critérios relacionados com o referencial teórico que orienta a análise. 1 Para desenvolver essa abordagem, nos próximos tópicos o artigo discute cultura organizacional e as relações de poder nas organizações. Em seguida, apresenta o estudo de caso para confrontar as proposições teóricas com evidências empíricas. Por fim, são feitas as considerações finais do estudo. 2 Cultura nas organizações Existem diversas abordagens sobre a cultura nas organizações. Isto se deve ao fato delas terem sofrido influências de diferentes correntes de várias áreas do conhecimento. Segundo Silva et al., 2006 estas influências que se relacionam com a cultura nos estudos das organizações, possuem sua origem, na década de 1930, com Mayo (1960) que por meio da experiência de Hawthorne abordou temas como o fator social, os “sistemas ideológicos simbólicos” e o “sistema social irracional”. No início da década de 50, Elliot Jaques foi um dos primeiros a utilizar o termo cultura no contexto das organizações, com o uso da expressão “cultura da empresa” como sendo um conjunto de idéias e ações mais ou menos compartilhadas a serem aprendidas e assumidas pelos novos membros da empresa, para que sejam aceitos. Com o desenvolvimento tecnológico e a crescente preocupação com a competitividade dos países nos mercados internacionais ocorrido no final da década de 1970, as organizações e indivíduos aumentaram sua mobilidade, superando os limites locais e nacionais de forma a iinfluenciar a sociedade como um todo (FREITAS, 1999). É nesse cenário, e com o crescimento da participação do Japão nos mercados ocidentais, que as pesquisas sobre a cultura nas organizações passaram a focar a cultura como uma variável dependente da ação organizacional, e os estudos dos aspectos culturais e organizacionais japoneses passaram a se destacar (AKTOUF, 1994). Em função da infinidade de perspectivas dos estudos sobre cultura voltados para organizações, neste artigo optou-se por discutirmos com maior profundidade duas formas de classificações. A primeira classifica os estudos em três perspectivas (MEYERSON; MARTIN, 1987): integração, diferenciação e fragmentação. A segunda divide os estudos em dois grupos (ALVESSON, 1993): estudos sobre cultura organizacional (CO) e estudos sobre cultura na organização (CNO). 2.1 As abordagens dos estudos sobre a cultura organizacional Meyerson e Martin (1987) mostram que as opções teórico-metodológicas adotadas por cada pesquisador podem ser sintetizadas dentro de três dimensões, conforme afirma Silva, Junquilho, Carrieri e Melo (2006, p.362) • • • Relação entre as manifestações culturais: foco na consistência organizacional, consistência grupal ou inconsistência; Grau de consenso (homogeneidade) organizacional: foco no consenso organizacional, consenso grupal ou dissenso; Orientação em relação à ambigüidade: foco na transparência organizacional, transparência grupal ou ambigüidade. De acordo com as autoras, dependendo da posição dentro destas dimensões, os estudos sobre a cultura organizacional se enquadram nas seguintes perspectivas, assim como foi sintetizado por Silva, Junquilho, Carrieri e Melo (2006, p. 362): • Perspectiva da integração: os estudos desta perspectiva focam apenas na consistência das manifestações culturais (valores, interpretações...) e tratam a 2 • • • organização como voltada para o consenso (homogeneidade) e a transparência. A ambigüidade é apenas um problema a ser resolvido para se alcançar a integração de todos; Perspectiva da diferenciação: os estudos inseridos nesta perspectiva focam a consistência das manifestações culturais dentro de determinados grupos, nas quais existiria o consenso (homogeneidade) e a transparência. As subculturas se originam nas variáveis ambientais, ao atuarem por meio de mecanismos demográficos, sociais, de gênero, profissionais, entre outros. Entre grupos e subculturas existem diferenças e contradições que remetem as ambigüidades; Perspectiva da fragmentação: os estudos aqui inseridos focam na inconsistência entre as manifestações culturais, o dissenso e a ambigüidade na organização, pois estão inseridos num mundo de diversidade cultural, permeado por relações de interesse e consensos transitórios; “As três perspectivas”: compreende estudos que utilizam as três perspectivas anteriores de maneira conjunta e complementar, cada uma das três possibilitando a explicação da composição de diferentes aspectos do contexto cultural de uma organização. Com cada uma destas perspectivas descritas, existe um conjunto distinto de implicações sobre a natureza e as conseqüências das mudanças culturais, com isso, cada perspectiva também sugere alternativas para aqueles que querem gerenciar as mudanças culturais nas organizações. Os critérios determinados para se diferenciar o que foi chamado de cultura organizacional (CO) de culturas na organização (CNO) são destacados por Carrieri e Leiteda-Silva (2006, p. 67), em quatro graus ou níveis em que: • • • • uma organização é considerada única produtora de padrões culturais; uma organização é tida como coerentemente homogênea; uma organização é considerada independente de fatores culturais externos (sociedade, profissão e classe); o estudo do fenômeno cultural é apropriado (indivíduo, grupo, organização, sociedade). Segundo Carrieri e Leite-da-Silva (2006), das combinações, a integração remete aos estudos de cultura organizacional (homogênea), já a diferenciação, a fragmentação ou as três perspectivas se referem a estudos sobre as culturas na organização (heterogêneas). Embora a abordagem deste artigo seja interpretativista, é importante salientar as colocações de Schein (1985) no que tange as diferenças culturais de indivíduos e grupos existentes dentro das organizações, salientando que “ao se levar a cultura para o nível organizacional e até para o nível de grupos dentro da organização, pode-se ver mais claramente como a cultura é criada, embutida, desenvolvida e invariavelmente alterada.” Aqui o termo grupo é utilizado para se referir a unidades sociais de qualquer tamanho, incluindo organizações e subunidades de organizações, exceto quando se é necessário distinguir o tipo de unidade social, por causa de subgrupos que existam dentro de grupos maiores. Segundo Schein (1985) os lideres de uma organização devem se tornar conscientes das culturas na qual eles estão inseridos, senão estas culturas os controlarão. Ou seja, o entendimento cultural é desejável a todos, mas é essencial aos líderes para que estes possam liderar. Dessa forma, podemos argumentar que essa relação entre os líderes de uma organização e seus subordinados nos remete aos estudos das relações de poder nas organizações, assim como abordamos com maior profundidade no próximo tópico. 3 3 As relações de poder nas organizações Vários teóricos discutem poder nas organizações. Weber apud (HARDY e CLEGG, 2001, p. 261) define o poder como a “habilidade de fazer outros fazerem o que você quer que seja feito, se necessário contra a própria vontade deles”, Marx apud (HARDY e CLEGG, 2001, p. 261) destaca as “relações concretas econômicas de propriedade e do controle dos meios de produção”. Weber concorda com Marx neste aspecto, entretanto, inclui o conhecimento das operações como uma forma de poder e resistência da força de trabalho. Pagès et al., (1987, p. 98), por sua vez, afirma que as “ políticas de recursos humanos são práticas de poder” na medida em que possuem três características essenciais: são práticas ideológicas, são processos de mediação pluridimensionais, e desenvolvem outros processos. O autor explica que as políticas de recursos humanos não são apenas procedimentos descritivos de como a organização deve funcionar, são práticas ideológicas. Pagès et al., (1987, p. 98) afirma que, não podemos dissociar os procedimentos, os dispositivos e o discurso destes dispositivos, de maneira como funciona, como são vividos pelos indivíduos. Os dispositivos operacionais e a ideologia estão indissoluvelmente ligados: eles têm como função fazer interiorizar certas condutas e, ao mesmo tempo, os princípios que os legitimam. Ou seja, a ideologia não está isolada, ela se articula com outros níveis, assim como as políticas de recursos humanos, que são processos de mediação pluridimensionais, conforme Pages et al. (1987, p. 99) - no nível econômico, elas gerenciam as vantagens concedidas ao pessoal, em contraposição ao seu trabalho; - no nível político, elas asseguram o controle da conformidade às regras e aos princípios, a divisão dos indivíduos e dos grupos, o comando de suas relações; - no nível ideológico, como vimos, elas encarnam concretamente os valores de consideração pela pessoa, do serviço e da eficácia, que legitimam todas essas práticas e ocultam os objetivos do lucro e da dominação; - no nível psicológico, elas praticam uma política de gestão dos afetos que favorece o investimento inconsciente massivo da organização e a dominação desta sobre o aparelho psíquico[...] Desta forma, a subordinação do indivíduo a organização é estimulada por meio de vantagens em diversos níveis, conforme visto no item anterior, entretanto, Pagès et al., (1987, p. 99) afirma que as políticas de recursos humanos desenvolvem outros processos que colaboram para o alcance deste objetivo, são eles: - a abstração, que reduz o conjunto das relações sociais à lógica abstrata do dinheiro; - a objetivação que confronta cada um na medida de sua utilidade a partir de critérios que lhes escapam; -a desterritorialização que separa o indivíduo de suas raízes sociais e culturais, a fim de torná-lo mais receptivo ao código da organização; -a canalização que transforma o máximo de energia individual em força de trabalho, através da carreira. Ou seja, as políticas de recursos humanos são instrumentos que buscam o fortalecimento dos códigos da organização, e se relacionam diretamente ou indiretamente com a cultura organizacional, na medida em que reforçam os valores desejados pela instituição. 4 A fim de compreender o processo no qual os atores organizacionais constroem percepções distintas ou compartilhadas sobre aspectos de cultura e poder, foi realizado um estudo de caso com empregados de duas unidades de um mesmo grupo industrial do setor siderúrgico. 4 Método de pesquisa Nesta investigação adotou-se a abordagem qualitativa, portanto, a legitimidade das proposições inferidas não está, necessariamente, no número de casos ou respondentes, mas na maneira de lidar com o essencial na explicação de regularidades descobertas (FERNANDES, 1973). Optou-se pelo estudo de caso de um grupo industrial do setor siderúrgico como lócus da pesquisa, do qual se escolheu duas unidades fabris, doravante denominadas Unidade A e Unidade B . A escolha se justifica por ser um setor que passou por inúmeras modificações, em especial no Brasil, como privatização, fusões e aquisições, sendo que uma das unidades esclhidas passou por pelo menos três oportunidades de mudanças de controle por grupos diferentes, o que permitiu incluir na discussão empírica diversas questões relacionadas a esses processos (como o medo do desemprego após uma fusão ou o aumento de investimento em treinamento após a privatização) e que estão associados ao objetivo deste artigo. A pesquisa foi realizada em Janeiro de 2009 e iniciou-se a partir do contato com os Gerentes das unidades fabris de ambas as unidades industriais. A partir daí determinou-se a escolha aleatória dos empregados que participaram das entrevistas Para facilitar a comparação entre as duas unidades, optou-se pelo nível operacional do setor de Aciaria (setor responsável em transformar ferro gusa ou sucata de aço em produto semi-acabado de aço), pois este possui processos comuns, embora com algumas tecnologias diferentes. A definição do grupo dos sujeitos de pesquisa teve como critérios básicos: 1. Acessibilidade e disponibilidade, restringindo-se àqueles funcionários do nível operacional presentes nas Unidades A e B; 2. Tempo mínimo de dois anos de exercício na função. A coleta de dados envolveu múltiplas fontes de evidências, conforme Triviños (1987); Minayo (2001), Yin (2001) ampliando a abrangência da pesquisa. Ela iniciou-se pelo levantamento bibliográfico, seguido pela entrevista semi-estruturada realizada com doze empregados do grupo industrial, no período de 5 a 9 de janeiro de 20091. Esta postura empiricista é como uma fotografia da realidade social e, conforme discutido por Fleury (1989, p.4), possui limitações, por compreender a cultura como “somatória de opiniões e comportamentos individuais”, entretanto, tal método possibilita certa capacidade de lidar com as possíveis tentativas dos entrevistados em ocultar o que não os interessa revelar. Para a análise de dados utilizou-se da Análise do Conteúdo que, segundo Bardin (1977, p. 42) é Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, porprocedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. 5 O tratamento de dados também baseou-se em “proposições teóricas” (YIN, 2001) provenientes da revisão bibliográfica e de interpretações que surgiram durante a pesquisa. Para essa codificação, a forma utilizada para registro e tratamento dos mesmos foi o “tema”, que segundo Bardin (1977), refere-se a parte de um texto que expressa certos significados em fragmentos obtidos a partir de critérios que se relacionam com o referencial teórico que orienta a análise. 5 Breve histórico das unidades estudadas As unidades estudadas pertencem a um mesmo grupo industrial, multinacional com presença em mais de sessenta países. A Unidade A, possui como característica a produção de produtos longos de aço como barras redondas, barras chatas, perfis leves, cantoneiras, vergalhão, destinados para a construção civil e indústria metal mecânica. O seu setor de Aciaria dedica-se a produção de aço a partir de sucata, gusa sólido e gusa líquido, processado em forno elétrico e refinado em forno panela, sendo posteriormente lingotados em máquina de lingotamento contínuo, produzindo tarugos de face quadrada de dimensões 100 a 160mm, que são posteriormente reaquecidos em fornos de reaquecimento e laminados a quente para se produzir os produtos supracitados. A Unidade B, por sua vez, possui como foco a produção de produtos planos de aço, como placas e bobinas laminadas a quente, destinados à relaminação, indústria automobilística, construção civil, indústria metal mecânica. No seu caso a Aciaria destaca-se por produzir aço à partir de gusa líquido e sucata, processados em convertedores a oxigênio e refinados em estações de tratamento a vácuo sendo posteriormente lingotados em máquinas de lingotamento contínuo, produzindo-se placas de aço de espessura de 200 a 250mm e largura até 2325mm. Parte desta produção de placas é exportada e parte é processada internamente no setor de laminação de tiras a quente, produzindo-se bobinas laminadas a quente. 6 Análise de dados Buscando aprofundar a compreensão do processo no qual os atores organizacionais constroem percepções distintas ou compartilhadas sobre aspectos da cultura e poder , foram reproduzidos diferentes partes das falas dos empregados. Estas partes são os fragmentos extraídos das entrevistas e refletem os “temas” desenvolvidos na categorização, conforme descrito a seguir. 6.1 Processo de Aprendizagem / preparação profissional Durante as entrevistas realizadas nas duas Unidades “A” e “B”, pode-se observar a existência de práticas que contribuem para o processo de aprendizagem / preparação profissional, o que pode ser verificado na fala de alguns empregados entrevistados: (1) Quando entrei na usina fui direto para o forno e fui apadrinhado. Meu padrinho ficou encarregado para me ensinar todas as minhas funções. Além disso, tive treinamento de integração, segurança O padrinho fica do seu lado até você ficar preparado para ficar sozinho. A parte de treinamento dos padrões é bem rigorosa mesmo. Aqui na área tudo tem padrão. Recebemos treinamentos constantes para isso. (Unidade A - OP 1) (2) A empresa ministra muitos treinamentos a nível operacional, eu estou liberado para fazer e é até uma exigência da empresa. (Unidade B - OP 1) 6 Quando o operador 1 da Unidade A afirma “fui apadrinhado”, “tive treinamento de integração”, e “aqui na área tudo tem padrão”, bem como quando o operador 2 da Unidade B afirma “a empresa ministra muitos treinamentos”, percebe-se a existência de práticas que refletem integração e que “focam na consistência das manifestações culturais (valores, interpretações...) e tratam a organização voltada para o consenso e a transparência” (MEYERSON e MARTIN, 1987). Baseado nos fragmentos apresentados e no processo de entrevista é possível observar percepções compartilhadas no que se refere à cultura das duas unidades estudadas. Percebe-se nas duas organizações, a preocupação em integrar os novos empregados por meio de ferramentas específicas, o que também pode ser identificado no processo de contratação de novos membros. 6.2 Contratação de novos membros organizacionais Ficou evidenciado que as duas empresas possuem processos de contratação estabelecidos formalmente. Durante as entrevistas foi relatado pelos entrevistados algumas interpretações sobre os mesmos, bem como suas próprias experiências no tema abordado, quando citam algumas ferramentas utilizadas no processo de contratação: programa de estágio, divulgação em quadro de avisos, transparência, etc. (3) Quando eu entrei aqui eu vi transparência… Eram 8 candidatos para uma vaga… O supervisor deixou claro as regras e exigências para o cargo. Fiquei com receio por existir empregados indicados por outros supervisores (eram terceiros, já conheciam a área…). Mas os critérios foram bem definidos: entrevista técnica, entrevista com analista de RH, exames psicológicos... (Unidade A - OP 4) (4) [...] Abre-se um edital interno informando sobre uma vaga para os funcionários daquela área primeiramente. Não preenchendo, abre-se para todos os funcionários. (Unidade B - OP 6) Pagès et al., (1987, p.99) afirma que as políticas de recursos humanos desenvolvem outros processos que colaboram para o alcance dos objetivos organizacionais. Entre eles, “a objetivação que confronta cada um na medida de sua utilidade a partir de critérios que lhes escapam”. Nos fragmentos, percebe-se a existência de práticas de poder quando se afirma “o supervisor deixou claro as regras e exigências para o cargo... mas os critérios foram bem definidos”. Observa-se que, de uma forma geral os processos são semelhantes nas duas organizações, e a percepção dos atores, conforme os fragmentos citados, é de clareza e transparência quanto as regra em vigor. No tópico a seguir, analisaremos como é feita a socialização dos “novos membros organizacionais”, bem como a existência de processos formais e informais de integração destes. 6.3 Socialização de novos “membros organizacionais” Em ambas as unidades fabris existe um processo de integração dos novos empregados. Essas práticas podem ser observadas nos fragmentos abaixo relacionados. (5) [...] O primeiro contato do dia é na RDS, a reunião de segurança, a onde a gente fica se conhecendo. [...] Então a gente tem passar bastante calma pra pessoa, tem gente que chega mais excitada então tem que controlar o cara. (Unidade B - OP 3) (6) [...] o pessoal é todo mundo envolvido. Todo mundo te ajuda a aprender. Lembro de uma situação que estava na frente do forno e a pessoa se preocupa, sabe que é 7 uma questão de segurança, me disse: rapaz sai daí, isso é perigoso [...]. Me pegaram pelo braço e me tiraram de lá. Interessante, o pessoal está envolvido com a segurança [...]. Tomam conta... Quanto mais novato, dizem: Aquele lá é novato... tem que tomar conta dele. (Unidade A - OP 1) Como se percebe, nas entrevistas, segurança é uma prioridade para as unidades A e B. Observa-se a existência de ferramentas, como Reunião Diária de Segurança “RDS” que é um instrumento para reproduzir os valores do grupo industrial, ou seja, a RDS “tem como função interiorizar certas condutas” (PAGÈS et al., 1987, p.98). Da mesma forma, quando o operador 1 da Unidade A afirma “Quanto mais novato, dizem: Aquele lá é novato... tem que tomar conta dele” consegue-se perceber neste costume do apadrinhamento um reflexo da cultura enquanto integração, ao enxergar as diferenças de opiniões e comportamentos como problemas a serem resolvidos (MEYERSON e MARTIN, 1987). Baseado nas entrevistas realizadas e nos fragmentos destacados neste tópico observase a construção de percepções compartilhadas entre os atores das unidades A e B no que se refere à socialização de novos membros na organização. No próximo tópico, analisaremos o processo de planejamento, onde poderemos observar como as unidades estudadas planejam questões de mudanças sob diversos aspectos. 6.4 Processo de planejamento Observou-se que nas duas unidades da organização investigada ocorreram diversas mudanças nos últimos anos, relacionadas a vários temas: desenvolvimento tecnológico, perfil das lideranças, mudanças nos processos produtivos, fusões, entre outras, conforme ilustram os relatos dos operadores: (7) [...] Quando se refere a mudanças, por exemplo a fusão, houve comentários entre empregados e reunião com todos os empregados e liderança para falar das mudanças. Todo mundo adorou a notícia; já fazemos parte de uma empresa reconhecida e vamos para um grupo melhor ainda. (Unidade A - OP 2) (8) [...] Quando há mudanças, a gerência passa as informações para o supervisor que passa pra gente[...] (Unidade B - OP 6) Por meio dos fragmentos 7 e 8, observa-se uma articulação entre os níveis operacional e supervisão, um reflexo do poder uma vez que “a ideologia não está isolada, ela se articula com outros níveis” (PAGÈS et al., 1987, p.98), como demonstrado na fala do operador 2 da unidade B, “Quando há mudanças, a gerência passa as informações para o supervisor que passa pra gente”. Quando o operador 2 da Unidade A afirma “Quando se refere a mudanças como por exemplo a fusão, houve comentários entre os empregados e reunião no centro de treinamento com todos os empregados e liderança para falar das mudanças” e “Todo mundo adorou a notícia; já fazemos parte de uma empresa reconhecida e vamos para um grupo melhor ainda”, observa-se a subordinação e o exercício do poder no nível psicológico ao praticar “gestão dos afetos que favorece o investimento inconsciente massivo da organização e dominação desta sobre o aparelho psíquico” (PAGÈS et al., 1987, p.99). Observa-se a construção de percepções compartilhadas entre os atores das duas unidades. A seguir analisaremos como é feito formalmente o processo de implantação e monitoramento de mudanças por parte da organização, como por exemplo: treinamento, promoção, demissão, transferências, etc. E ainda, como as pessoas reagem diante destes processos. 8 6.5 Implantação e monitoramento de mudanças por parte da organização Durante as entrevistas foi observado que as duas unidades da organização investigada possuem processos formais de desenvolvimento / treinamento, critérios para promoção e desligamento dos empregados. As duas unidades adotam como prática a avaliação de desempenho como uma das ferramentas para promover os empregados. O operador 6 da unidade B relata “A promoção se dá através do plano de carreira ou indicação, mas neste caso, há uma prova de eliminação e atendimento aos requisitos para exercer a função a ser ocupada”, observa-se que o plano de carreira pode ser visto como um instrumento de poder sob a ótica do nível ideológico “eles encarnam concretamente os valores de consideração pela pessoa, do serviço e da eficácia, que legitimam todas essas práticas e ocultam os objetivos do lucro e da dominação” (PAGÈS et al., 1987, p.99), e econômico “eles gerenciam as vantagens concedidas ao pessoal, em contraposição ao trabalho” (PAGÈS et al., 1987, p.99), e ainda no nível político, quando relatado pelo operador 10 da unidade B “Se quiser fazer alguma coisa errada você faz, mas você tem que saber que é a sua vida que está ali”, onde é possível enxergar “o controle da conformidade às regras e aos princípios, a divisão dos indivíduos e dos grupos, o comando das relações” (PAGÈS et al., 1987, p.99). No que se refere ao processo de desligamento, observou-se transparência e comunicação direta com o líder imediato, conforme apresentado nos fragmentos abaixo. Entretanto, a empresa “A” apresentou uma prática diferenciada em relação à empresa “B” – “Entrevista de Desligamento”, conforme fragmento (9). (9) Quanto ao processo de demissão, eu tive a experiência de passar por ele aqui. Na minha experiência, o processo foi bem transparente, esclarecido. O supervisor me chamou e explicou os motivos. [...] Tive uma entrevista no momento com a analista de RH, ela me fez perguntas e respondi tudo que eu achava. [...]. Falei tudo que achava que era correto aqui na empresa, o que eu achava que não era correto, e o que eu achava que deixava muito a desejar. Ela me falou que eu poderia falar, a gente está aqui para te escutar, isso não vai te atrapalhar em nada a trabalhar aqui dentro. Tanto que não atrapalhou que eu pude voltar a trabalhar aqui. (Unidade A - OP 4) (10) As demissões ocorrem somente quando o funcionário erra mesmo e não tem mais jeito, desde que estou aqui já vi alguns pedirem conta, mas ser demitido mesmo, só porque já estavam demais mesmo. (Unidade B - OP 5) Observa-se a construção de percepções compartilhadas entre os atores das duas unidades, no que se refere a processos formais de desenvolvimento / treinamento e critérios para promoção. No tópico a seguir, analisaremos as relações informais das pessoas com as mudanças, bem como estas reagem perante este aspecto. 6.6 Relações informais das pessoas com as mudanças A maneira com que as pessoas lidam com as mudanças dentro da organização variam de acordo com as circunstâncias. No caso estudado revela-se uma resistência inicial a mudança, que tende a ser aceita com o tempo: (11) Toda mudança nunca é bem vinda, a gente só começa a se abrir pra mudança quando você começa a vestir a camisa e ver os resultados. o grupo não teve muita resistência a estas mudanças. (Unidade A - OP 6) (12) [...] bem, quando você muda sempre há uma rejeição, é comum nas pessoas, 9 uma resistência das pessoas, daí você tem que trabalhar isso [...] pode ser o presidente da república que não gosta de mudança. Se o negócio ta andando bom ...o mundo está em constante mudança, e as pessoas tem que se adequar, senão fica pra trás. [...]. (Unidade B - OP 2) A perspectiva da integração com relação à cultura, defendida por Meyerson e Martin (1987), fica evidenciada quando o operador 2 da unidade B relata, “Bem, quando você muda sempre há uma rejeição, é comum nas pessoas, uma resistência das pessoas, daí você tem que trabalhar isso”, e ainda quando o operador 6 da unidade A relata “Toda mudança nunca é bem vinda”. Observa-se que atores das unidades A e B, constroem percepções compartilhadas no que se refere a este tópico. No tópico a seguir, serão analisados os valores desejados pela empresa e por seus membros, tanto no que tange às questões pessoais, quanto as que são associadas ao interesse organizacional. 6.7 Valores desejados pela empresa e por seus empregados Ao observar os valores da organização na visão dos entrevistados bem como os seus próprios valores, alguns deles aparecem com mais ênfase. Entre eles, a segurança e saúde, relacionamento com colegas e superiores, a família, equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Isso pode ser observado quando o operador 3 da unidade B relata “Os valores que hoje a gente escuta muito é o comprometimento, a transparência, é a honestidade dos seus funcionários para com ela, a boa convivência dentro da usina”, bem como quando o operador 6 da unidade A relata “Eu valorizo muito a minha família, e boa convivência”, “isto aqui e praticamente uma casa pra mim. Hoje a empresa fala em treinamentos, o que a empresa valoriza é a saúde e a segurança”. Nesses relatos confirma-se a busca pela integração da cultura, conforme conceito de Meyerson e Martin (1987). Conforme fragmentos apresentados observa-se que atores das unidades A e B, constroem percepções compartilhadas. No tópico a seguir, analisaremos as formas de controles formais e informais da empresa sobre os empregados, bem como estes se sentem perante estes controles. 6.8 Controles da empresa sobre o funcionário A utilização dos controles, para efeitos monitoramento das atividades, cumprimento de metas e para avaliação de desempenho é prática comum na maioria das empresas. Os fragmentos abaixo confirmam Pagès et al., (1987), no tocante ao poder ideológico dos recursos humanos, que utilizam diversos métodos para alcançar as suas metas ocultando os objetivos organizacionais de lucro e dominação. (13) [...] os líderes de área fazem o monitoramento das metas pra gente cumprir, se a meta não for cumprida nós temos que preparar um relatório justificando porquê a meta não foi cumprida. (Unidade A - OP 7) (14) Para controlar as nossas metas temos os quadros de Gestão à Vista, onde são expostos os resultados. Quanto ao cumprimento dos padrões, o supervisor vai na área e avisa se estiver diferente do padrão. Nós temos a liberdade de sugerir a mudança nos padrões.(Unidade A - OP 1) (15) [...] Não existe isso do supervisor cobrar, de ficar em cima o tempo todo ... a gente sabe que é subordinado a alguém, mas não precisa dessa pessoa chegar o tempo todo pra gente. [...] Somos todos adultos. Se ficar em cima demais, gera até uma insatisfação. (Unidade B - OP 1) 10 Os fragmentos acima apresentam ferramentas utilizadas pelas organizações para exercer atividade de controle, por meio das quais se caracteriza o exercício do poder no nível político, conforme Pagès et al., (1987). Em ambas as unidades, há flexibilidade para sugestão de mudanças e melhorias nos padrões. Em seguida, discutir-se-á a questão da qualidade de vida, em especial no ambiente de trabalho. 6.9 Qualidade de vida no trabalho Relativo à qualidade de vida, especialmente no trabalho, as percepções dos entrevistados são praticamente as mesmas, conforme os fragmentos abaixo: (16) Qualidade de vida para mim é acordar, não se estressar, por saber que tem que vir trabalhar, ter condução pra trabalhar, dentro das possibilidades, ter um salário para dar conforto pra minha família, e poder curtir isso tudo lá fora. A empresa me ajuda, tenho oportunidade de fazer cursos, conhecer outras empresas, ter um plano de saúde que ajuda a mim minha família. Me dando condição para trabalhar, qualidade de vida é isso. (Unidade B - OP 1) (17) Qualidade de vida é a pessoa estar bem com a vida, ter o prazer de acordar de manhã satisfeito, sair daqui com segurança e saúde, praticar esporte, lazer com família. A empresa colocou um centro clínico aqui pra acompanhar nossa saúde. Sempre no periódico eles dão uma sugestão pra gente melhorar nossa qualidade de vida. (Unidade A - OP 7) Foi reconhecido pelos entrevistados o apoio das empresas na conquista e melhoria da qualidade de vida. Segundo Pagès et al., (1987) este apoio é uma forma de concessão de vantagens pessoais aos empregados, com o intuito de concretizar a consideração da empresa pela pessoa, de forma a ocultar os objetivos de lucro e dominação. Tais concessões podem influenciar no relacionamento da empresa com os empregados. 6.10 União dos funcionários com a empresa e entre si Por passarem a maior parte do dia no mesmo ambiente de trabalho, as relações sociais entre os empregados são inevitáveis e são importantes no sentido de aumentar a sinergia entre eles, podendo também provocar afastamentos por desentendimentos e discussões mal resolvidas. As iniciativas das empresas e dos próprios empregados em promover esta união podem ser observadas nos depoimentos abaixo: (18) A empresa promove atividades como: jogos de integração, festa de final de ano, exames periódicos (as vezes você acha que está bem, mas pode não estar, plano de benefícios, plano de saúde… Existem outras atividades que nós empregados também promovemos como jogar bola... Geralmente o pessoal do RH que promove os eventos e a liderança incentiva a participação dos empregados...Procura o envolvimento...(Unidade A - OP 2) (19) A empresa sempre dá uma festinha, um churrasco para a letra, sempre renovando. Ajuda na integração, podia ter dado dinheiro, mas dinheiro vai pro bolso dele. Estes eventos ajudam aos empregados a bater um papo, sentar na mesa, tomar um refrigerante, isto ajuda entrosar. Isso une mais as pessoas, com certeza. [...] A empresa alcança o objetivo de unir as pessoas. (Unidade B - OP 2) 11 Os fragmentos acima confirmam as observações de Meyerson e Martin (1987), já que revelam ações da empresa que buscam criar momentos de satisfações pessoais aos empregados que interferem na cultura organizacional. De todo modo, estas ações, quer seja por iniciativa dos próprios empregados ou da empresa são reconhecidas pelos empregados como importantes na integração entre os colegas de trabalho, e esta percepção é compartilhada entre as duas unidades fabris. Veremos no próximo item, como é a percepção dos atores no que diz respeito à autonomia dos mesmos no seu trabalho. 6.11 Relações hierárquicas e de liderança As relações cotidianas entre os diferentes níveis hierárquicos nas unidades pesquisadas ocorrem de maneira respeitosa e tranqüila. (24) A empresa te dá liberdade de falar, pra eu falar com o supervisor e o gerente não tem burocracia, a porta tá sempre aberta pra gente (Unidade A - OP 4) (25) Temos o canal aberto para conversarmos com o nosso supervisor. Acho que estamos todos num mesmo nível, só mudando mesmo as atividades de cada um. ( Unidade B - OP 6) Esta relação amistosa demonstra o poder, no seu nível psicológico, onde a consideração pela pessoa legitima sua prática e oculta os objetivos do lucro e da dominação, conforme Pagès et al., (1987). Este aspecto é igualmente percebido em ambas as unidades, caracterizando-se como compartilhados, e tende a influenciar os aspectos organizacionais mais valorizados pelos empregados. Por se tratar de empresas com atividades de grau de risco 42, as atividades são padronizadas e o rigor no cumprimento destes padrões se faz presente em ambas as unidades. Nota-se um elevado nível de autonomia por parte dos empregados, o que pode contribuir para um ambiente de trabalho menos tenso e mais cooperativo, conforme podemos observar nos fragmentos (20) e (21). (20) Meu supervisor me dá autonomia para que eu faça o meu trabalho. Ele diz: eu confio em você… Agora se você fizer algo errado, nós conversamos… (Unidade A OP 4) (21)[...] as pessoas tem autonomia, cada uma define a melhor maneira para ela sem comprometer o todo (Unidade B - OP 1) Este tipo de autonomia é reconhecido pelos entrevistados como importante para o ambiente de trabalho, e confirmam Pagès et al., (1987), já que é dada autonomia aos empregados para agirem conforme as regras, mas qualquer ação fora das mesmas, é reprimida através de diversas maneiras, de acordo com a gravidade. Tal autonomia tende a influenciar na resolução dos conflitos organizacionais, conforme será discutido a seguir. 6.12 Conflitos organizacionais Como em todos os relacionamentos, no ambiente de trabalho ocorrem conflitos que podem influenciar os resultados e mesmo o clima organizacional, dependendo da forma que são tratados. De modo geral, em ambas as unidades, os conflitos são resolvidos entre os próprios empregados envolvendo, por vezes, até o nível de supervisão. (22) Na minha função, eu não tenho muitos conflitos com as pessoas eu trabalho aqui dentro da sala [...]; [...] tem conflitos, mas é coisa de minutos, não repercute [...] (Unidade B – OP 1) (23) Eu já tive um desentendimento que me deixou chateado, eu fiz uma coisa no 12 meu trabalho que era prá eu não ter feito, e essa pessoa usou o e-mail pra resolver, o que acabou ficando uma coisa chata, e no churrasco de final de ano nós resolvemos na conversa. [...] (Unidade A - OP 4) Com base nos fragmentos supracitados e nas entrevistas, observa-se uma demonstração de poder no nível psicológico onde é percebida uma política de gestão de afetos, já que o conflito não é estimulado, e é visto como um problema a ser resolvido. Este último fragmento mostra que, por vezes, os conflitos não são resolvidos tão fácil e imediatamente, já que as reações ao conflito variam de pessoa para pessoa. A figura do supervisor é muito importante para se detectar conflitos mal resolvidos no ambiente de trabalho, pois estes podem influenciar negativamente o clima. Neste aspecto, as percepções em ambas as unidades são similares e se refletirá nas relações hierárquicas, conforme se verá a seguir. 6.13 Aspectos organizacionais valorizados pelas pessoas O orgulho de trabalhar nas empresas pesquisadas é uma tônica no discurso dos atores. Por serem empresas instaladas e em atividades na região há mais de 15 anos, a imagem de boas empregadoras, de bom ambiente, de proporcionar bons salários é percebida e demonstrada, conforme pode ser visto abaixo: (26) Eu criei um amor por esta empresa, pois eu trabalho aqui desde 1987, e gostaria de aposentar aqui, mesmo sendo uma área de trabalho agressiva [...] (Unidade A OP 4) (27) O que mais se valoriza, o que ajuda muito é o clima de trabalho da empresa e a gente, acho que todo funcionário valoriza a empresa que valoriza o funcionário [...] (Unidade B - OP 3) Estes fragmentos demonstram a importância da percepção do poder em nível psicológico, conforme Pagès et al., (1987), onde as práticas da gestão dos afetos buscam o envolvimento dos empregados com a organização. Observa-se também uma perspectiva de integração conforme Meyerson e Martin (1987), na cultura da organização, onde o consenso e a homogeneidade desta percepção são a tônica. 7 Considerações finais Como proposto na discussão teórica, o estudo de caso apresentado buscou compreender o processo no qual os atores organizacionais constroem percepções distintas ou compartilhadas sobre aspectos da cultura e do poder na organização ao atuarem em uma mesma função de unidades diferentes em uma organização. Baseado nos fragmentos destacados e analisados com base nos referenciais teóricos, conclui-se que as políticas de recursos humanos são instrumentos de poder que buscam o fortalecimento dos códigos da organização, e se relacionam diretamente ou indiretamente com a cultura organizacional, na medida em que reforçam os valores desejados pela instituição. Ao analisar as categorizações, levando em consideração as fundamentações teóricas adotadas neste artigo, no que se refere à cultura Meyerson e Martin (1987), e às relações de Poder Pagès et al., (1987), é possível observar que existe uma tendência de compartilhamento na maioria das manifestações dos atores sobre os aspectos analisados. A própria característica do processo produtivo siderúrgico, que se baseia em larga escala na padronização de atividades, pessoas com qualificações padronizadas e submetidas a treinamentos constantes, por exemplo, para lidar com os riscos inerentes às suas atividades explica os 13 compartilhamentos observados. Além disso, nas entrevistas foram identificadas o uso extenso das ferramentas e práticas de recursos humanos que corroboram com a proposição de Pagès et al., (1987, p.98) sobre o fato de que “os dispositivos operacionais e a ideologia estão indissoluvelmente ligados: eles têm como função fazer interiorizar certas condutas e, ao mesmo tempo, os princípios que os legitimam”. Na pesquisa realizada esse processo foi identificado associado a várias ferramentas, tais como: treinamento de integração, gestão da segurança, gestão da saúde, forte sistema de padronização, gestão dos resultados, interação liderança-empregado; envolvimento das pessoas, treinamentos contínuos, regras, transparência, valorização do empregado, eventos de integração, entre outros. Na atualidade, este artigo pode contribuir para orientar empresas que possuam diversas unidades produtivas no sentido de identificar os gaps existentes e tomá-los como base para melhorias. Como contribuição para trabalhos futuros, fica como sugestão o desenvolvimento de uma investigação mais aprofundada sobre os temas, a fim de identificar percepções distintas entre as unidades fabris e suas possíveis implicações na cultura e no poder das organizações. REFERÊNCIAS ALVESSON, M.; BERG, P. O. Corporate culture and organizational symbolism. New York: Walter de Gruyter, 1992. AKTOUF, O. O simbolismo e a cultura de empresa. In: CHANLAT, J. F. (Org.). O indivíduo nas organizações: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1994. v. 2, p. 39-79. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977 CARRIERI, Alexandre de Pádua; SILVA, Alfredo Rodrigues Leite; PIMENTEL Thiago Duarte. O Tema da Proteção Ambiental Incorporado nos Discursos da Responsabilidade Social Corporativa. RAC, Curitiba, v. 13, n. 1, art. 1, p. 1-16, Jan./Mar. 2009 CARRIERI, Alexandre de Pádua; Leite-da-Silva, Alfredo Rodrigues. 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Porto Alegre: Bookman, 2001. 1 As entrevistas foram realizadas no período de 5 a 9 de Janeiro de 2009. As empresas pesquisadas estavam com seu ritmo de produção reduzido em cerca de 50%, devido ao forte impacto da crise econômica mundial, que se iniciou em Setembro de 2008 com a quebra do banco americano “Lehmann Brothers”, que parece ter sido o estopim para o estouro da “bolha” que desencadeou todo o processo. 2 Norma do Ministério do Trabalho que regulamenta que todas as empresas, privadas ou públicas, que possuam empregados regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), devem manter serviços especializados em engenharia de segurança, medicina do trabalho, e os mesmos devem ser dimensionados em função do número de empregados e da gradação de risco da atividade principal. Esta gradação varia de 1 (menor risco) a 4 (maior risco). 16