Resumo expandido ANPOCS 2012 GT37 - Universidade, ciência, inovação e sociedade Coordenadoras: Sônia Guimarães (UFRGS), Elizabeth Balbachevsky (USP) Florestas, satélites e política: A emergência do monitoramento do desmate pelo INPE no Brasil Marko Monteiro Política Científica e Tecnológica/Instituto de Geociências, UNICAMP Esse artigo reflete sobre as origens do sistema de monitoramento do desmate construído pelo INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – no Brasil. A partir de entrevistas com pesquisadores do instituto, análise de documentos e de material de imprensa, busca-se aqui investigar como esse sistema emerge num determinado momento histórico (fim dos anos 1970), relacionado a percepções a respeito da Amazônia e seu desenvolvimento. Essa percepção (científica, social, midiática) de que as mudanças de uso da terra levariam à destruição descontrolada da floresta gerou pressões de governo que influenciaram a criação do sistema. A existência de capacidade científico-tecnológica relacionada ao sensoriamento remoto torna assim possível um investimento na mensuração do desmate, que passa a se consolidar como fundamento para uma ampla gama de ações voltadas à conservação. O artigo faz parte de uma pesquisa maior, financiada pela FAPESP, a respeito do sensoriamento remoto no Brasil, na qual busca-se investigar as práticas de produção de conhecimento nessa área de pesquisa, tanto no interior de "laboratórios" quanto abarcando a circulação desse conhecimento na sociedade mais ampla. A discussão em torno do INPE compõe a segunda etapa dessa pesquisa, na qual buscou-se focar o sistema de monitoramento do desmate, dada a sua importância nas discussões públicas no país (avaliada pela pesquisa com material midiático online feita ao longo desse processo). As entrevistas com pesquisadores do INPE revelam a história ímpar da emergência desse sistema de monitoramento, que começa ao final dos anos 1970. Nessa época, ainda durante o regime militar, iniciam-se tanto as políticas de ocupação da Amazônia, quanto algumas ações de monitoramento da região utilizando-se a tecnologia de sensoriamento remoto. As políticas de colonização da Amazônia, que contavam com financiamentos do Banco Mundial, dão início ao que autores denominam a moderna era do desmate da Amazônia, cujos drivers principais são a construção de estradas (como a Transamazônica) e atividades de agropecuária. A construção e pavimentação de estradas possibilita a vinda de um número cada vez maior de pessoas, o que dá início também ao "caos fundiário" na Amazônia, origem tanto do desmate quanto de conflitos sociais importantes. As ações de monitoramento via sensoriamento remoto se iniciam no país sob a égide de doutrinas de segurança nacional e integração do território nacional, valores importantes aos regimes militares. A integração do norte ao centro-sul tinha como fundamento a ocupação do território, a garantia da posse do mesmo e a sua segurança. O uso do sensoriamento remoto se deu primeiramente sob o pretexto de ações de ensino à distancia, mas logo deu origem a iniciativas de monitoramento do vasto vazio populacional amazônico. Essas primeiras tentativas de monitoramento mostram o desmate relevante que ocorria na região, que se torna ao longo dos anos 1980 um escândalo internacional. O Banco Mundial, que financiou boa parte dos projetos de desenvolvimento na Amazônia, começa a ser pressionado por estar "financiando a destruição da Amazônia". Estudos sobre o desmate geram uma ampla controvérsia a respeito das taxas e velocidade da destruição da mata, que opõe cientistas, políticos e a imprensa nacional e internacional. O INPE é então chamado a produzir dados confiáveis sobre o desmatamento, a fim de auxiliar o governo a responder às pressões externas a respeito da destruição da mata. O sistema tem início efetivamente em 1988, com a criação do PRODES – Monitoramento da Floresta Amazônica brasileira por Satélite. O PRODES gerou, desde então, dados anuais sobre o desmate na Amazônia Legal, se consolidando como a principal referência sobre essa questão no mundo. Esse sistema vêm se desenvolvendo continuamente desde então, atravessando diversos governos e se consolidando como política pública fundamental. Desde 2002 o sistema é feito de forma digital; e desde 2004 o INPE gera também dados em "tempo-real" através do DETER – Detecção de Desmatamento em Tempo Real. Esses dois desenvolvimentos possibilitam ao INPE participar, em colaboração com o IBAMA e o Ministério do Meio Ambiente, de políticas de policiamento de desmates ilegais na Amazônia. Além disso, a existência de um sistema robusto de mensuração de desmate vêm se mostrando fundamental na implementação de ações de mitigação do aquecimento global, ao possibilitar ao Brasil mensurar tanto o desmate quanto a dinâmica dos gases de efeito estufa gerados por mudanças no uso da terra. O INPE se consolida assim como detentor de um sistema de monitoramento sem igual no mundo, que vem gerando contínuos desenvolvimentos em termos de ciência e policy. Tais desenvolvimentos fortalecem políticas públicas ambientais e colocam o Brasil numa posição privilegiada em fóruns internacionais de discussão, como aqueles relacionados a mudanças climáticas. Conclui-se assim que esse sistema de monitoramento possui origens sócio-políticas particulares, especialmente ligadas a pressões ambientais externas, mas que possibilitaram ao Brasil um desenvolvimento técnico-científico autóctone ímpar. A produção de conhecimento científico nessa área coloca o Brasil como grande player internacional na área ambiental e na discussão sobre mudanças climáticas.