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Resumo
Trata-se de um ensaio reflexivo sobre a necessidade e importância da inserção da
sociologia nos currículos dos cursos de Educação Física. Percebe-se que exerce
grande importância como fator que muda a formação dos profissionais e professores
de Educação Física de uma visão tecnicista e objetiva da profissão para um perfil
mais reflexivo e crítico diante das pluralidades que permeiam os contextos
contemporâneos com que esses profissionais se deparam na atualidade.
Palavras-Chave: Reflexividade. Currículo. Educação Física.
Por muito tempo baniu-se disciplinas como Filosofia, Antropologia e
Sociologia dos currículos dos cursos de formação em Educação Física. A partir da
década de 90, reviu-se os currículos e essas disciplinas retornam. Assim sendo, em
primeiro lugar, é preciso compreender o que estudam essas disciplinas e aqui
especificamente a disciplina de Sociologia.
A Sociologia é uma disciplina que procura compreender as interações sociais
e para isso estuda, por exemplo, a ação social, os processos de dominação,
subordinação, os círculos sociais, os conflitos, ou seja, compreende as formas de
sociação entre os homens, como chama Simmel.
Portanto o objeto da sociologia são os processos sociais, num constante
fazer, desfazer e refazer, e assim incessantemente.
O detalhe é que estes processos sociais acontecem em um determinado
tempo e espaço (história). E assim a Sociologia ajuda a fazer a leitura mapeando as
transformações sociais que ocorrem no mundo desde o passado até o caminho que
se desenha hoje.
Pondera-se então que há inúmeras possibilidades de estudo para a
sociologia. Há então as chamadas questões ou categorias sociais como, por
exemplo, a demografia, a cultura, o trabalho, a religião, a família, a urbanização, o
mundo rural, a vida quotidiana, a juventude, a velhice, a morte, a violência, o
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esporte, a mídia, as famílias, o gênero, a política, o poder, a educação, a pobreza e
a exclusão social. Estes assuntos tornam-se públicos e pertinentes à sociologia
quando atingem e deixam milhões de pessoas na mesma situação, suscitando
assim como emergências sociais.
De fato, se a sociologia analisa desde os encontros ocasionais entre
indivíduos na rua até os processos sociais globais, isto quer dizer que se estuda o
próprio comportamento como seres sociais. Neste sentido, ajuda a responder por
que se é como se é e por que se age como se age. E cabe então questionar: neste
processo, se é indivíduo, sujeito ou ator social?
Aprender a pensar sociologicamente ensina a ver com estranheza aquilo que
parece natural a todos. Então, através da sociologia tornam-se capazes de entender
que as coisas não são tão “naturais” como se parecem, mas, ao contrário, são
fortemente influenciadas por forças históricas e sociais.
Deste ponto portanto, já se responde que estudar Sociologia nos cursos que
formam professores em Educação Física possibilita avaliar contextos políticos e
ideológicos em que foram construídos estes currículos e suas intenções históricas,
culturais e sociais; compreender a relatividade cultural
respeito à diversidade cultural e, também possibilita
e
consequentemente o
a autocompreensão, o
autoesclarecimento, já que se estuda em sociologia as próprias ações e
comportamentos nas interações sociais.
Em relação ao primeiro ponto – avaliar contextos políticos e ideológicos em
que foram construídos estes currículos e suas intenções históricas, culturais e
sociais – permite ver que a Educação Física vivenciou dois momentos bastante
distintos: antes e após os anos de 1980. Ou seja, antes e após o regime da ditadura
militar.
A sociedade brasileira na década de 60 vivia um período de ditadura militar e
repressão política. A Educação Física foi uma das disciplinas que contribuiu com a
manutenção do status quo da época, mantendo corpos saudáveis, mas mentes
vazias e acríticas. Por isso se trabalhou a Educação Física por muito tempo como
algo mecânico e objetivo, sem atrelá-la aos contextos subjetivos (reflexividade /
pensamento crítico) do desenvolvimento humano. Essa visão objetiva do movimento
relacionava-se apenas aos aspectos quantitativos. Algo relacionado somente ao
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físico, à parte técnica do movimento, visando desempenho e força, reflexo da ordem
positivista da sociedade vigente.
Assim, a sociologia, a antropologia e a filosofia, disciplinas que poderiam
desenvolver o pensamento crítico e a leitura desta situação não faziam parte do
currículo referente a formação. Muitos erros e preconceitos se sucederam pelos
professores de Educação Física neste período, como consequência da formação
que tiveram e infelizmente se arrastaram por um longo período.
Com as mudanças na sociedade, na década de 80, mais precisamente no
ano de 1985, quando se passa de uma ditadura para uma democracia
representativa,
modifica-se
o
pensamento
em
relação aos conhecimentos
necessários para a formação de professores de Educação Física. Reviu-se então os
currículos dos cursos de formação de professores, dentre eles a Educação Física.
Assim e em suas bases começam a aparecer disciplinas que possibilitaram a
reflexão sobre a relação da disciplina com a sociedade e com as diferentes
situações sociais, como a Sociologia, a Antropologia e a Filosofia. Inicia então o
movimento das teorias críticas da Educação Física, mas que erroneamente foi um
movimento lento de mudança de pensamento e ação entre os professores de
Educação Física. Estas teorias se voltam para a análise histórica da educação física
compreendendo os acontecimentos do passado e desenvolvendo um pensamento
crítico em relação à disciplina e à subjetividade do movimento e do corpo.
Este pensamento então, que reflete a subjetividade do corpo, destaca a
importância do sentir, pensar e agir nos diferentes contextos sociais e culturais onde
os atores sociais que fazem parte da comunidade escolar se encontram. É um novo
imaginário sobre o corpo e o movimento, que se acena nas Ciências Sociais.
Juntamente com a Filosofia e a Antropologia, a Sociologia demonstra que as
questões culturais são múltiplas, diversas e por isso relativas. Isso fará com que
haja uma mudança de um pensamento etnocêntrico (analisar as outras culturas a
partir dos parâmetros da sua cultura) para outro de alteridade, de respeito às
diversidades e diferentes possibilidades, de respeito ao multiculturalismo e aos
direitos humanos (dignidade humana).
Na prática, a Educação Física então passa a respeitar os alunos não só em
sua singularidade, mas também em sua pluralidade e diversidade cultural. É a
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Educação Física respeitando as práticas sociais que constituem cultura corporal
vivenciadas pelos diferentes atores sociais em determinado contexto sociocultural. É
o respeito que o professor demonstra pelo conhecimento que o aluno traz consigo e
as condições de participação que este aluno demonstra. É o incentivo que o
professor oferece para que o aluno busque saber junto a sua família e comunidade,
os jogos populares, a cultura de lazer que faz parte do cotidiano da coletividade que
vivencia, bem como sua história.
Quanto à autocompreensão e ao autoesclarecimento, a sociologia faz
referência à autoavaliação do professor, da sua formação e da sua práxis. Como
dito anteriormente, ajudará a responder: por que sou como sou e por que minha
ação é desta forma e não de outra. Analisará também o questionamento se: - o
professor consegue encaminhar seus alunos para ser um coadjuvante ou um
protagonista, um ator social; - dá sentido e significado também político e social ao
que se ensina aos seus alunos em aulas de Educação Física; - demonstra aos seus
alunos que a sociedade vigente (capitalista) tem como objetivo o lucro, a
competitividade, o consumismo e que para se perpetuar transfere esses valores a
todas as instâncias da vida social; inclusive às aulas de Educação Física através da
aceitação da competitividade a qualquer preço, do recorde, do suborno, da falta de
ética, da violência, que se espelham na dimensão social e oficial do movimento que
é o esporte performance; - demonstra aos seus alunos as relações de poder que se
perpetuam nas instituições e dentre elas no esporte e consequentemente se
difundem na mídia.
Se todas estas transformações sociais ainda são os resquícios de um projeto
de Modernidade, de um período em que a sociedade se reconhece como sociedade
do conhecimento e da tecnologia, onde o paradigma racional, ou seja, a metafísica,
é o mote central da sociedade capitalista, outros paradigmas aparecem nas arenas
sociais como o projeto da Pós-Modernidade, que analisa a sociedade pelo viés da
tecnociência, da arte, da estética, do hibridismo, das relações de gênero, da
multiculturalidade e da sua liquidez (como analisa Baumann) que trazem novas
características sociais a essa sociedade complexa e em constante transformação
como o individualismo, o presentismo e a hiperdiversidade (como analisa
Lipovetsky).
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Várias perguntas podem e devem ser feitas quando se busca dar sentido e
significado social ao trabalho de professor e eis aí a grande contribuição da
Sociologia e o porquê de sua inserção nos currículos dos cursos de Educação
Física.
Cabe destacar que o olhar e a análise que se fará das diferentes questões
sociais sempre estarão presas a um pano de fundo que é a teoria escolhida para tal,
conforme os teóricos preferidos, como Marx, Weber, Simmel, Foucault, Goffman,
Hall, Baumann, Bordieu, Elias...
Imagina-se então comparar a sociologia como um carretel de linha que ajuda
a tecer fios para construir uma rede de conhecimentos que é possível a partir da
análise sociológica e histórica, ainda mais que a especialização do conhecimento
nesta área é grande e o aprofundamento desse conteúdo pode ser oportunizado
pela Sociologia Desportiva e a Sociologia do Corpo e complementado pela história,
filosofia e antropologia...
Eis então, a lição que fica para os professores de Educação Física: uma outra
Educação Física nas escolas é possível, além do “rola bola”.
Referências
BAUMANN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
__________. Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005.
__________. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
__________. Modernidade e Ambivalência. Tradução de Marcus Penchel. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
CHARLES, Sébastien. O individualismo paradoxal: introdução ao pensamento de
Gilles Lipovetsky. In: LIPOVETSKY, Gilles. Os Tempos Hipermodernos. Tradução
de Mário Vilela. 4.ed. São Paulo: Barcarolla, 2011.p.11-48
LIPOVETSKY, G. Tempo contra Tempo, ou a sociedade hipermoderna. In:_____.
Os Tempos Hipermodernos. Tradução de Mário Vilela. 4.ed. São Paulo: Barcarolla,
2011. p.49-103
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SIMMEL, Georg. O Problema da Sociologia. In: MORAES FILHO, Evaristo (org.).
Simmel: sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p. 59-78.
________. Questões Fundamentais da Sociologia.Tradução de Pedro Caldas Rio
de Janeiro: Zahar, 2006.
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