confiança, capital social e desenvolvimento territorial

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CUNHA, L. A. G. Confiança, capital social e...
CONFIANÇA, CAPITAL SOCIAL E
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
Self reliance, social capital and territorial development
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha1
RESUMO
O objetivo deste artigo é discutir algumas questões relacionadas aos
conceitos de confiança e capital social e à concepção renovada de desenvolvimento denominada de desenvolvimento territorial. O interesse
em relacionar aqueles conceitos com esta nova concepção surgiu a partir da análise de uma nova proposta de política pública voltada para a
agricultura familiar que o atual governo brasileiro pretende implantar. Essa
nova política indica que há um “sopro” renovador nas questões relacionadas ao desenvolvimento, que muito lentamente, transfere-se da universidade para os órgãos gestores das políticas públicas governamentais. No entanto, algumas questões teórico-metodológicas, que fundamentam estas novas políticas, precisam ser melhor discutidas.
Palavras-chave: confiança, capital social, território, desenvolvimento,
desenvolvimento territorial.
ABSTRACT
The aim of this article is to discuss some issues related to the concepts
of self reliance and social capital and the new concept of development
known as territorial development. The interest in relating these concepts
to the new concept arose from the analysis of a new proposal for a national
policy directed towards family agriculture, wich the present government
intends to implement. This new policy suggests that there is a change
affecting issues related to development, wich is gradually filtering through
from universities to the organs responsible for government policy. However,
some of the theoretical and methodological issues underlying these new
policies need to be discussed more thoroughly.
Key-words: self reliance, social capital, development, territorial
development.
1
Mestre em História Econômica (UFPR) e doutorando em Desenvolvimento e
Agricultura (CPDA/UFRJ). Professor Assistente da Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR – Geografia Econômica.
R. RA’EGA, Curitiba, n. 4, p. 49-60. 2000. Editora da UFPR
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INTRODUÇÃO
O objetivo principal do artigo é discutir os conceitos de confiança
e capital social, integrando-os numa concepção renovada de
desenvolvimento que vem se firmando como bastante influente, a ponto
de se tornar o fundamento de uma nova proposta de política pública
voltada para a agricultura familiar. Trata-se da concepção de
desenvolvimento territorial.
Essa nova proposta aborda a questão específica do
desenvolvimento rural mais num quadro territorial do que setorial, a
partir do argumento que o rural não se confunde com o agrícola. Assim,
o meio rural é percebido e valorizado em quatro dimensões centrais:
como espaço produtivo; espaço de residência; espaço de serviços e
espaço patrimonial.
A proposta foi divulgada no documento “Agricultura familiar,
reforma agrária e desenvolvimento local para um novo mundo rural:
política de desenvolvimento rural com base na expansão da agricultura
familiar e sua inserção no mercado”. O documento é de 16/03/99 e
institucionalmente emana do INCRA que se vincula ao Ministério da
Política Fundiária e da Secretaria de Desenvolvimento Rural-SDR do
Ministério da Agricultura.
Não é um dos objetivos deste artigo analisar esta proposta de
política pública, mas sim utilizá-la como fonte de inspiração na tentativa
que se faz neste artigo de integrar os conceitos e a concepção já citados.
CONFIANÇA E CAPITAL SOCIAL
O conceito de confiança está sendo amplamente considerado
nas discussões sobre o desenvolvimento, muito embora ele esteja
presente em abordagens que têm outras preocupações. É o que se
pode constatar na obra de Anthony GIDDENS (1991), na qual o conceito
de confiança aparece como um dos fundamentos da sua formulação
teórica que visa “...tentar obter uma nova caracterização tanto da
natureza da modernidade quanto da ordem pós-moderna que deve
emergir do outro lado da era atual” (GIDDENS, 1991, p. 13). Nesses
termos, Giddens trabalha na formatação de uma teoria social crítica
que dê conta da sociedade contemporânea.
Numa visão derivada de Giddens, mas bem menos abrangente,
o conceito de confiança é, geralmente, definido a partir de suas relações
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estreitas com o conceito de capital social. Dessa forma, Francis
FUKUYAMA (1996), inspirado em James COLEMAN (1990), o pioneiro
na utilização do conceito de capital social, define este tipo de capital,
como sendo “... a capacidade de as pessoas trabalharem em conjunto,
em grupos e organizações que constituem a sociedade civil, para a
prossecução de causas comuns” (FUKUYAMA, 1996, p. 21-22). A
questão central é a capacidade de associação dos membros das
diversas sociedades e comunidades, algo que “... depende do grau de
partilha de normas e valores no seio de comunidades e da capacidade
destas para subordinarem os interesses individuais aos interesses mais
latos dos grupos” (FUKUYAMA, 1996, p. 22). Ou seja, depende
fundamentalmente do grau de confiança dos membros de uma
comunidade entre si. Nesses termos, pode-se afirmar que “a confiança
nasce desta partilha de valores e tem, como veremos, um vasto e
mensurável valor econômico” (FUKUYAMA, 1996, p. 22).
Robert D. PUTNAM (1996) considera que confiança é um
componente básico do capital social-CS. Básico, mas não único, tendo
em vista que identifica também “...outras formas de capital social, como
as normas e as cadeias de relações sociais” (PUTNAM, 1996, p. 179180). Mas é inegável que para Putnam a confiança é o ponto
fundamental. É, sem dúvida, na análise das fontes de confiança que
gira seu estudo sobre a Itália, no qual Putnam procurou analisar como
uma mudança institucional (implantação dos governos regionais)
influenciou as duas grandes regiões italianas, em termos de
desenvolvimento: o norte “desenvolvido” e o sul “subdesenvolvido”. A
conclusão é que os efeitos foram muito mais positivos no norte do que
no sul, indicando que a herança cultural é o fator fundamental na
determinação dos níveis de desenvolvimento de uma região ou de um
país. Em outras palavras, o norte da Itália apresenta um nível de capital
social herdado mais elevado do que o sul e isso são suficientes para
explicar as diferenças de desenvolvimento e, mais especificamente, o
impacto que as políticas, projetos e reformas possam vir a ter numa
determinada região.
Da mesma forma, a perspectiva histórica não está ausente em
Giddens, que se preocupa com a evolução dos “ambientes de confiança
e risco nas culturas pré-modernas e modernas”, mostrando a
historicidade presente nestes ambientes. Para ele, nas culturas prémodernas a confiança é excessivamente localizada e nos ambientes
de confiança, as questões fundamentais são as relações de parentesco,
a comunidade local, as cosmologias religiosas e a tradição. Enquanto
que, na cultura moderna, os ambientes de confiança têm como contexto
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geral os sistemas abstratos desencaixados. Destacam-se,
especificamente, as relações pessoais, estes sistemas abstratos e o
pensamento contrafactual orientado para o futuro (GIDDENS, 1991,
p. 104).
A análise de Giddens centra-se nos “ambientes de confiança e
risco” característicos da sociedade contemporânea, o que o leva a
concluir que “a confiança pode ser definida como crença na credibilidade
de uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de
resultados ou eventos em que essa crença expressa uma fé na
probidade ou amor de um outro, ou na correção de princípios abstratos
(conhecimento técnico)” (GIDDENS, 1991, p. 41).
A análise de Giddens não prioriza as relações entre confiança e
desenvolvimento. Neste artigo é esta relação que importa. Para abordála é indispensável recorrer-se ao conceito de capital social. Dessa forma,
no trabalho de Putnam a relação entre confiança e desenvolvimento é
apenas aventada, na medida em que ele não faz referência a esta
relação, mas utiliza o conceito de CS. Ao contrário, em Francis
FUKUYAMA (1996) a relação entre confiança e desenvolvimento é
central, tendo em vista que ele procura mostrar que “uma das lições
mais importantes que podemos extrair de uma observação da vida
econômica é a de que bem-estar de uma nação, bem como a sua
capacidade de competir, são condicionados por uma única e subtil
característica cultural: o nível de confiança inerente à sociedade em
causa” (FUKUYAMA, 1996, p. 19).
Essa conclusão fundamenta-se na tese de que a confiança é o
componente mais importante do CS, assim como em Putnam. É o que
fica evidente na afirmação que “o capital social, por seu turno, é uma
capacidade social cuja emergência se deve à prevalência do factor
confiança numa dada sociedade ou em parte dela. Pode corporizar-se
no grupo social mais pequeno e mais básico, como a nação, bem como
em todos os grupos intermediários” (FUKUYAMA, 1996, p. 37). A partir
desta conclusão Fukuyama empreende, no livro citado, um estudo
comparativo envolvendo diversos países, vistos como diferentes
culturas, procurando caracterizá-las pelos níveis de capital social e
destarte de confiança. Fukuyama propõe algumas generalizações como
a que classifica os países considerados na análise em dois tipos básicos:
as sociedades familiaristas (China e Itália); e as não-familiaristas
(Alemanha e Japão). Nos primeiros haveria um baixo índice de CS,
enquanto que nos últimos o mesmo índice é bem maior, tudo isto com
reflexos na economia, respectivamente, negativos e positivos
(FUKUYAMA, 1996, p. 28). Ou seja, para Fukuyama o desempenho
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econômico é um problema que “...reside no déficit [ou não] de algo a
que o sociólogo James Coleman chamou de capital social” (FUKUYAMA,
1996, p. 21-22).
Para esclarecer ainda mais esta questão recorre-se a Jawdat
ABU-EL-HAJ (1999) quando ela afirma que, segundo o pensamento de
James COLEMAN (1990), “...existe uma complementação entre capital
físico-econômico (insumos, infra-estrutura e financiamento), capital
humano (educação e preparação técnica) e capital social (relações de
confiança)” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 68).
Procurando comentar a relação entre estes diferentes tipos de
capital Abu-el-Haj afirma ainda que:
A otimização do capital físico-econômico e do capital humano é alcançada na medida em que as relações de confiança e reciprocidade aumentam na comunidade. Em
outras palavras, em duas ou mais comunidades em que
o nível educacional das pessoas e os recursos materiais
oferecidos são constantes, o que distingue o desempenho de seus membros é a confiança estabelecida, que
permite mobilização coletiva e maximização dos recursos individuais existentes. A capacidade de ação é ampliada em situações em que a confiança permeia uma coletividade (ou associação), facilitando a otimização do uso
de recursos sócio-econômicos e humanos disponíveis
(ABU-EL-HAJ, 1999, p. 68).
Nesses termos, a relação entre confiança e CS com a questão
do desenvolvimento territorial parece bastante evidente, pelo menos
no que se refere às possibilidades de uma dimensão territorial do
desenvolvimento fazer-se presente. Isso porque, considerando os
diferentes índices de CS encontrados em distintos territórios, as
possibilidades de desenvolvimento também seriam diversas. Em outras
palavras, um território com baixo índice de CS é um “ator” primevo e
seminal sofrível, não sendo capaz de induzir o processo de
desenvolvimento com a mesma eficiência de um território no qual o
índice de CS seja elevado. No entanto, a questão não é tão simples
assim. São, justamente, as complexidades envolvidas nesta relação
que se procura abordar na próxima parte deste artigo.
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CAPITAL SOCIAL E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
Para destacar as complexidades envolvidas na relação em tela é
preciso chamar atenção para uma primeira questão que pode ser
resumida da seguinte forma: como se pode criar CS nos territórios ou
regiões nas quais o índice de CS é baixo? Na verdade, essa questão
depende de uma outra que significa desvelar as formas de como se
adquire, forma-se e se transmite CS no tempo e no espaço. As
complexidades, em parte, relacionam-se com estas questões, e é sobre
elas também que parecem residir as principais divergências e
controvérsias, sendo identificável “...uma polarização teórica entre duas
abordagens interpretativas do capital social: o culturalismo e o neoinstitucionalismo” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 72).
O que se defende é que a análise destas divergências e
controvérsias permite levantar novas questões relacionadas à
concepção de desenvolvimento territorial, concepção essa que não é
considerada pelos autores envolvidos na discussão analisada a seguir.
É esse argumento que se tenta comprovar após a análise, que se baseia
no trabalho de Jawdat Abu-el-Haj, o qual defende que na vertente
culturalista destaca-se o trabalho de Robert Putnam, enquanto que, na
neo-institucionalista, os destaques ficam por conta dos trabalhos de
Peter EVANS (1996, 1992) e Jonathan FOX (1996).
Para Abu-el-Haj as grandes conclusões de Putnam que
corroboram o seu culturalismo são que a especificidade cultural é a
chave para se explicar o nível de CS e o “predomínio do elemento cultural
no grau de avanço do associativismo horizontal e a complementação
de ações junto às instituições públicas” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 70). É
importante lembrar que são conclusões que se referem ao seu estudo
sobre a Itália. Segundo ainda Abu-el-Haj, no pólo neo-institucional,
liderado por Evans e Fox, rejeita-se as conclusões culturalistas,
defendendo-se “...que a ausência de horizontalidade social [ou CS], na
grande maioria dos países em desenvolvimento [ou regiões/territórios
subdesenvolvidos], é fruto de ações políticas preteridas pelos regimes
autoritários” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 71).
Dessa forma, “Evans e Fox assumem o pressuposto básico de
que as instituições públicas têm, além do monopólio da coerção, a
exclusividade da mobilização dos recursos sociais” (ABU-EL-HAJ, 1999,
p. 71). Pode-se concluir, a partir desta argumentação, que a criação ou
elevação do índice de CS em determinados territórios dependeria da
intervenção do Estado, já que o “Estado na sociedade moderna é a
arena principal da convergência das demandas sociais, determinando,
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em última instância, o sucesso das iniciativas voluntárias. [...] O poder
de intervenção social determina o sentido do espaço público. As
instituições, nessa visão, forjam os rumos da ação coletiva aniquilando
sua capacidade de ação” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 71-72). Ainda segundo
Abu-el-Haj, os neo-institucionalistas, com destaque para Evans,
passaram a defender o Estado como tendo uma função de “...ação
reguladora da interação social para um ativismo político mobilizador do
capital social [...] o ativismo institucional incentiva às redes cívicas
adormecidas ou historicamente reprimidas a ganharem uma vida
autônoma” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 72). Trata-se de um não categórico
a qualquer determinismo cultural em matéria de mudança social, ou no
que interessa neste artigo, em termos de processos de desenvolvimento.
Numa posição aparentemente intermediária ou contraditória entre
os dois pólos analisados parece estar Francis Fukuyama. Isso porque,
num determinado momento, afirma que “o capital social difere dos outros
tipos de capital humano até hoje conhecidos porque é habitualmente
criado e transmitido através de mecanismos culturais, como a religião,
a tradição ou o hábito historicamente transmitido” (FUKUYAMA, 1999,
p. 37), colocação que o remete ao culturalismo de Putnam. Porém, em
outro momento, Fukuyama afirma que “nos casos em que existe um
défice em capital social, essa carência pode ser suprida através da
intervenção estatal, tal como o Estado pode rectificar um défice em
capital humano através da construção de mais escolas e universidades”
(FUKUYAMA, 1996, p. 28), revelando uma “veia” neo-institucionalista
de grosso calibre. Na verdade, é a diversidade socioterritorial que o
leva a relativizar suas conclusões, assim como parece ter ocorrido com
Putnam, conforme notou Abu-el-Haj, ao afirmar que Putnam, na sua
última pesquisa sobre o declínio do capital social americano, teria
recuado de seu “excessivo determinismo cultural” (ABU-EL-HAJ, 1999,
p. 70).
Algum recuo dos neo-institucionalistas parece que também é
necessário, ao se tomar conhecimento da crítica feita a eles por Abuel-Haj, quando afirma que “assim como o culturalismo, as críticas neoinstitucionais sucumbem ao excessivo determinismo”. E arremata
defendendo que:
...a imoderada obsessão dos neo-institucionalistas pelo
desempenho institucional obscurece as condições políticas subjacentes à institucionalização [...]. A abordagem
neo-institucional omite um fator fundamental subjacente
ao ativismo institucional: a natureza das elites políticas e
seu projeto de poder [...] as burocracias governamentais,
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por mais efetivas e preparadas que sejam, autonomamente não teriam o poder político necessário para conduzir
isoladamente as políticas públicas. (ABU-EL-HAJ, 1999,
p. 77)
Partindo-se da premissa de que o “ativismo institucional”, tal qual
é defendido pelos neo-institucionalistas, só pode ser desencadeado por
um poder central de caráter estatal, necessariamente trabalha-se com
a perspectiva territorial seja numa escala local, regional ou nacional,
conforme a definição de Marcelo Lopes de SOUZA (1995) quando afirma
que território “é fundamentalmente um espaço definido e delimitado
por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 1995, p. 78).
Essa definição baseia-se num conceito de território que mantém
aspectos da abordagem clássica deste conceito, como espaço
delimitado política e juridicamente por uma estrutura de poder, que
determina as relações de domínio, controle e gestão que caracterizam
o território. No entanto, o conceito de território não se aplica apenas
aos seus respectivos Estados nacionais e sua divisões administrativas
(estados e municípios). Ou seja, não se trata, exclusivamente, de regiões
controladas por um determinado nível de poder estatal, mas também
aquelas frações do espaço geográfico que são fortemente influenciadas
por grandes empresas, as quais, em alguns casos, são as instituições
decisivas na gestão de um determinado território. Manuel Correia de
ANDRADE (1994) resumiu esta questão da seguinte forma: “deve-se
ligar sempre a idéia de território à idéia de poder, quer se faça referência
ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que
estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando
as fronteiras políticas” (ANDRADE, 1994, p. 213).
Na verdade, esta é apenas uma das vertentes básicas das
“abordagens conceituais de território”, segundo Rogério HAESBAERT
e Éster LIMONAD(1999), os quais a denominam de vertente jurídicopolítica. Além dessa, há também as vertentes culturalista e econômica
(HAESBAERT; LIMONAD, 1999, p. 12).
No âmbito deste artigo, o que importa perceber é que a vertente
jurídico-política permite fundamentar a concepção de desenvolvimento
territorial de uma forma que não se desconsidere “as condições políticas
subjacentes à institucionalização”, e também “a natureza das elites
políticas e seus projetos de poder [...]”, conforme a crítica de Abu-elHaj os neo-instucionalistas. Em outras palavras, um conceito de território
centrado na questão do poder permite dar consistência a concepção
de desenvolvimento territorial, a partir da conclusão de que políticas
públicas de caráter territorial não podem ser formuladas e
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implementadas sem a participação dos atores públicos e privados
vinculados ao maior número possível de segmentos econômicos,
sociais, políticos e culturais, os quais estão presentes em diferentes
configurações regionais ou territoriais. Dessa forma, modelos e projetos
de desenvolvimento territorial dependem basicamente de uma
“engenharia política” que promova um “governança” ou um “pacto” que
envolva a maior diversidade possível de atores. Ricardo ABRAMOVAY
(1998) afirma que “projetos de desenvolvimento terão tanto mais
chances de sucesso quanto mais forem capazes de extrapolar um único
setor profissional”. Isso porque, o desenvolvimento territorial “apóia-se,
antes de tudo, na formação de uma rede de atores trabalhando para a
valorização dos atributos de uma certa região” (ABRAMOVAY, 1998,
p. 13).
Dessa forma, é preciso mudar as formas de encaminhamento
das questões institucionais, regulacionais e propriamente políticas. O
fundamental é perceber que uma consideração com o “político” pode
ser decisiva para superar os determinismos culturais e institucionais
presentes nas abordagens desenvolvimentistas fundamentadas nos
conceitos de confiança e capital social, facilitando a integração destes
conceitos com a concepção de desenvolvimento territorial. E não se
pode perder de vista, como afirma FUKUYAMA (1996, p. 48), que,
“freqüentemente, o que começa como um acto político termina
corporizado num atributo cultural”.
Trabalhar com um conceito de território definido e considerado
pela via das relações de poder e, destarte, políticas, não significa uma
falta de reconhecimento da importância das outras vertentes que
também consideram este conceito. Na verdade, a opção política devese a um preocupação com a questão do desenvolvimento, que, por sua
vez, pressupõe a formulação e implementação de projetos, planos e
políticas públicas, que tenham como objetivos transformar ou dinamizar
comunidades específicas. Principalmente quando se tratam de
propostas abertas, nas quais estejam presentes um certo grau de
descentralização, numa tentativa de integrar participativamente a
comunidade local. Nesses termos é que se acredita que ganha
relevância a questão das relações de poder, as quais passam pela
atuação de grupos, classes e instituições, enfim, atores individuais e
coletivos, públicos e privados, que atuam a partir de heranças culturais,
políticas e econômicas relativas a uma determinada região, vista, no
caso, como um território.
No entanto, não se deve deixar de considerar uma certa
preocupação de John WILKINSON (1997) com uma excessiva
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“politização da economia”, presentes nas pesquisas e trabalhos sobre
a agricultura familiar centrados nas questões de poder e “relações de
força”, abordagens estas que se recusam “em considerar temas
relacionados com a eficiência produtiva” (WILKINSON, 1997, p. 26).
Para ele, “a atividade econômica se integra aos processos sociais,
embora as opções estejam longe de serem ilimitadas” (WILKINSON,
1997, p. 48). Ou seja, como as opções econômicas não são “ilimitadas”,
há um espaço para análises especificamente técnico-produtivas, assim
como há também para análises que priorizem questões culturais. Por
isso, é que se vem fazendo a defesa de concepções de desenvolvimento
que contemplam a dimensão espacial (CUNHA, 1998), pois se acredita
que estas dimensão pode permitir uma consideração especial com as
diversidades e a simultaneidade dos processos socioespaciais.
CONCLUSÃO
A relação entre os conceitos de confiança e capital social e a
concepção de desenvolvimento territorial é imediata a partir da
constatação de que os níveis de confiança e capital social variam em
termos espaciais, conforme a diversidade regional e territorial existente.
Assim como, é fácil constatar também, que a diversidade regional e
territorial, por outro lado, influenciam nos níveis e criação de confiança
e capital social nas diferentes comunidades. Isso é importante mas não
é suficiente, se o propósito do pesquisador ou planejador é o
desenvolvimento de uma comunidade e de seu território. Nesse caso,
a questão torna-se mais complexa, tendo em vista que nos processos
de desenvolvimento afloram interesses divergentes entre os diferentes
atores individuais e coletivos que atuam num determinado território, os
quais têm diversas e conflitantes percepções da realidade.
Assim, procurou-se abordar a complexidade da relação analisada,
indicando que o conceito de território definido a partir das relações de
poder, domínio, controle e gestão próprias de territórios específicos,
pode ser importante para dar consistência teórico-metodológica à
relação entre os conceitos de confiança e capital social e a concepção
de desenvolvimento territorial, quando a preocupação é com a
formulação e implementação de projetos, planos e políticas públicas
que visam transformar e dinamizar determinadas comunidades.
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