A atuação do professor Sociólogo no Ensino Médio Adriana Borges* Resumo Mesmo diante das dificuldades enfrentadas pelo professor no sistema de educação, é possível que ele atue como um intelectual da Sociologia, a fim de que os alunos passem a ter uma postura mais questionadora frente ao seu cotidiano. Por meio do estudo das temáticas abordadas pela disciplina de Sociologia, o professor sociólogo pode levar os alunos a aplicar a teoria a sua prática, de tal forma que ocorra o estranhamento e a desnaturalização da realidade social. Palavras-chave: desnaturalização. educação, sociologia, professor, estranhamento, The role of the teacher in school sociologist Abstract Even with the difficulties faced by teachers in the education system, it is possible that it acts as a scholar of sociology, so that students will take a more questioning attitude in front of your everyday life. Through the study of the subjects addressed by sociology, the sociologist teacher can lead students to apply theory to practice, so it occurs strangeness and denaturalization of social reality. Key words: education, sociology, professor, estrangement, denaturalization. * ADRIANA BORGES é formada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e Especialista em Ensino de Sociologia pela mesma instituição. 1 Introdução A Sociologia está em uma constante luta para sua institucionalização como disciplina escolar no Ensino Médio. O professor de sociologia imerso nesta realidade se encontra frente a diversas dificuldades, como a luta pela valorização da sua disciplina, bem como todas as outras problemáticas inerentes à profissão de professor, como baixos salários, pouco tempo de hora-atividade para preparar as aulas e toda a estrutura precária das escolas. Todavia, o professor de sociologia ainda pode desenvolver um trabalho com seus alunos, que o propicie um contato diferente com o seu cotidiano, de tal forma que estes assumam uma postura mais questionadora frente aos fatos presentes na sua realidade social. Para o desenvolvimento deste artigo, que é um fragmento de um trabalho de conclusão do curso de Ciências Sociais, foram aplicados questionários de pesquisa aos alunos e professores do Ensino Médio da disciplina de Sociologia, da rede pública de educação. O propósito desta pesquisa foi o de verificar os possíveis limites e alcances no relacionamento dos alunos e professores com a disciplina de Sociologia, no que diz respeito a uma formação mais crítica, especialmente quando o conteúdo estruturante a ser trabalho é a Indústria Cultural e os meios de comunicação de massa. A disciplina de Sociologia conforme relatos de professores e alunos do ensino médio Nise Jinkings (2007), em Ensino de Sociologia: Particularidade e Desafios Contemporâneos, comenta que a Sociologia sofre as influências de seu objeto de estudo: a realidade social. Isso ocorre devido a esta realidade estar em constante movimento em decorrência das mudanças velozes da sociedade capitalista. Desta forma, a Sociologia tem que assumir uma posição de repensar e recriar seus conceitos e interpretações das relações sociais. Em meio a toda esta modificação e influência sofrida pelas transformações da sociedade capitalista, a disciplina de Sociologia permite: Desobstruir o horizonte intelectual e libertá-lo das concepções tradicionais e religiosas do mundo, assim como dos ‘efeitos sedativos da propaganda’, que manipula a opinião pública para determinados fins e se ‘infiltra em nossa mente de fora para dentro’. Nesta perspectiva, as ciências sociais potencializam uma compreensão ampla do mundo social e a formação do ‘novo tipo de homem‘ exigido pela sociedade da época (JINKINGS, 2007, p. 116) Este trecho retrata a importância da disciplina de Sociologia no que diz respeito a modificar as formas de pensamento dos indivíduos, criada e manipulada pelos meios de comunicação de massa. Influência esta que constroe na mente dos telespectadores visões de mundo que se pautam apenas nas aparências dos fatos mostrados. Sendo assim, a Sociologia pode abordar este tema de forma a levar os seres humanos a construir pensamentos mais questionadores em relação a sua vivência cotidiana. Ainda segundo as OCN’s (2006) de Sociologia, esta disciplina é importante para a formação da juventude em decorrência das grandes modificações da sociedade capitalista, pois: As estruturas sociais estão ainda mais complexas, as relações de trabalho atritam-se com as novas tecnologias de produção, o mundo está cada vez mais ‘desencantado’, isto é, cada vez mais racionalizado, 2 coisas ocultas; ao fazê-lo, ela pode contribuir para minimizar a violência simbólica que se exerce nas relações sociais e, em particular, nas relações de comunicação pela mídia (BOURDIEU, 1997, p. 22). administrativo, dominado pelo conhecimento científico e tecnológico (OCN’S, 2006, p. 111). Por estas razões, a disciplina de Sociologia no Ensino Médio tem um papel importante na formação da juventude. Bourdieu (1998) expressa a importância do trabalho do sociólogo quando disse em uma entrevista que em relação ao campo jornalístico: Os Sociólogos podem fornecer aos jornalistas lúcidos e críticos – eles são muitos, mas não estão necessariamente nos postos de comando das televisões, das rádios e dos jornais – os instrumentos de conhecimento e de compreensão, eventualmente até de ação, que lhes permitiriam trabalhar com alguma eficácia para controlar as forças econômicas e sociais que pesam sobre eles próprios (BOURDIEU, 1998, p. 109). Em relação a esta problemática e aos efeitos negativos exercidos pelos meios de comunicação de massa sobre os telespectadores, Bourdieu (1998) cita que a educação pode exercer um importante papel: Produzir pessoas capazes de resistir ou, ao menos, de se apoderar das armas produzidas pelos produtores culturais, escritores, artistas e acadêmicos ainda aptos a resistir às formas comerciais, ou seja, dispostos a produzir obras que não sejam ditadas pelas exigências do mercado (como os filmes nos quais o final é escolhido pela consulta a um grupo de espectadores convidados, entre duas ou três soluções possíveis [...] e também consiga fazê-los ler, olhar, inventando circuitos de distribuição independentes (BOURDIEU, 1998, p. 113). Ainda segundo o autor: A sociologia, como todas as ciências, tem por função desvelar Na entrevista realizada com os alunos do Ensino Médio, dos vinte e sete questionários aplicados 1 , treze jovens concordam com esta posição de Bourdieu (1997). Desta forma, nota-se o importante papel do professor da disciplina de Sociologia como um intelectual. Isto se faz necessário, pois, segundo Bourdieu (1999), as primeiras opiniões que os indivíduos possuem em relação a determinados assuntos, são dotadas de pré-noções. Estas noções comuns são bem marcantes no pensamento dos homens, e em decorrência desta forte influência os professores de Sociologia devem realizar uma ruptura com estas noções de senso comum, de tal forma que contribua com a formação de uma mente reflexiva para com os jovens. Para que esta ruptura ocorra com sucesso, é necessário que o professor/sociólogo parta do princípio da não-consciência: Se o princípio da não-consciência não passa do avesso do princípio do clima das relações, este último deve por si levar a recusar todas as tentativas para definir a verdade de um fenômeno cultural independentemente do sistema das relações históricas e sociais nas quais ele está inserido (BOURDIEU, 1999, p. 30). Foi perguntado aos jovens do Ensino Médio qual a importância da disciplina de Sociologia. Dentre os vinte e sete 1 Nessa questão das contribuições da disciplina de Sociologia no Ensino Médio, três alunos não responderam a pergunta. 3 pesquisados, vinte e três disseram que a disciplina contribui para uma compreensão mais crítica acerca das contradições da sociedade, três responderam que é apenas mais uma disciplina do Ensino Médio e para duas pessoas a Sociologia tem pouca importância para a sua formação. Assuntos como os meios de comunicação devem ser discutidos nas aulas, de tal forma que os alunos consigam analisar os fatos fugindo das explicações do senso comum e ousando chegar a uma visão mais crítica e desnaturalizada em relação à realidade social. É assim que a pergunta que se faz em relação à finalidade da disciplina de Sociologia no Ensino Médio é retomada. Dos vinte e sete alunos que participaram da pesquisa, onze concordam com a posição de Giddens (apud SANTOS, 2009), quando diz que a Sociologia pode contribuir para uma crítica social, e em conseqüência aprimorar os conhecimentos relativos à própria realidade social do indivíduo, como também um aumento da sensibilidade cultural e de suas próprias condições de vida. Isto ocorre quando o indivíduo obtém um conhecimento do seu mundo social, ele adquire instrumentos para mantê-lo como está ou mudá-lo, transformá-lo. A Sociologia, então, se faz importante no Ensino Médio, pois é uma disciplina que propicia aos jovens uma análise de seus projetos de construção de suas identidades, como também fundamenta as discussões de mudança de suas próprias práticas sociais. Continuando a discussão sobre a função da Sociologia no Ensino Médio, as OCN’s (2006) dizem que o pensamento sociológico possue dois papéis quando está em discussão as explicações dos fenômenos sociais, são eles: desnaturalização e o estranhamento. a Referente ao primeiro papel, a desnaturalização, esta se faz fundamental já que existe uma tendência em analisar a estrutura social com argumentos naturalizadores, não sendo levado em consideração à historicidade dos fenômenos sociais. Em relação ao segundo papel, este se faz importante devido aos fenômenos sociais não se apresentarem à primeira vista como realmente são constituídos, eles se apresentam como corriqueiros e normais, não havendo necessidade de explicação. Para que este duplo papel desta ciência seja trabalhado em sala de aula como disciplina, e também para não ocorrer a simples transposição de conteúdos, é preciso haver uma adequação das linguagens e conceitos utilizados nas Ciências Sociais, de tal forma que os assuntos abordados fiquem mais próximos da realidade dos alunos, e possam ser compreendidos por estes (OCNs, 2006). Os professores do Ensino Médio que foram entrevistados para a elaboração deste trabalho, também foram indagados sobre as contribuições do ensino de Sociologia na formação da juventude. Para o professor A este ensino pode: Aumentar o conhecimento que o jovem tem de si mesmo e da sua sociedade contribuindo para a solução dos problemas que ele enfrenta, na busca de construir uma postura mais reflexiva e crítica diante da complexidade do mundo moderno (Relatos de entrevista, 1º. Sem/2009). Ainda segundo o professor E: O ensino de sociologia pode contribuir para que, aos poucos, a juventude passe a perceber os 4 processos sociais com a dinâmica que lhes é inerente. Ou seja, a desnaturalização que tu tratas no seu trabalho. Porém esse trabalho não será desenvolvido da noite para o dia. É necessário que haja uma maior consolidação da disciplina para que ela possa cumprir esse papel. Não como redentora de todos os problemas da humanidade, como pensam alguns, mas como um meio para que os jovens possam compreender a gênese das relações sociais e a partir daí pensar alternativas e maneiras de intervir nessa realidade (Relatos de entrevista, 1º. Sem/2009). A resposta da professora F também reforça esta posição: Acho que possibilitar mesmo que inicialmente o contato com uma realidade para além do aparente. Se um aluno já indaga, discute, se “revolta” com o instituído já vale a pena, compensa todos os percalços existentes na função do professor no ensino básico (Relatos de entrevista, 1º. Sem/2009). Nesta perspectiva se encontra a estratégia de partir do conhecimento que o aluno já possui em relação a sua própria realidade social, para chegar ao conhecimento científico. Desta forma, partir da vivência dos jovens, para que esses compreendam e discutam estes fatos sociais por meio da teoria sociológica, e assim possibilitar que ocorra uma mudança no tipo de reflexão das problemáticas encontradas na sociedade. Ou seja, os alunos passam a ter um olhar mais crítico do seu próprio cotidiano. Nas palavras do professor D, as juventudes podem ter mais: Criticidade e liberdade de escolher o caminho que ser quer seguir, não totalmente, porém com mais discernimento, responsabilidade social e ética (Relatos de entrevista, 1º. Sem/2009). Já para o professor B: O ensino de Sociologia em muito contribui para a formação da juventude, porém uma coisa é certa, o professor convive com o aluno, cerca de duas horas por semana, o restante do tempo ele, aluno, encontra-se ocupado com outras coisas. Sendo que muitas vezes o que o professor construiu em sala de aula, sofre uma desconstrução dentro do próprio lar do aluno (Relatos de entrevista, 1º. Sem/2009). O professor problemática: C levanta outra A sociologia obrigatória nas escolas de Ensino Médio não pode carregar o peso exclusivo de formar o aluno crítico para o exercício da cidadania. Embora concorra para isso também. A Sociologia com seus conteúdos específicos pode instrumentalizar a juventude no sentido de desnaturalizar o mundo (Relatos de entrevista, 1º. Sem/2009). Conforme os comentários desses professores, existem fatores externos que irão continuar “moldando” os pensamentos e os comportamentos das juventudes quando elas se encontram fora da sala de aula. Um desses fatores são os meios de comunicação de massa presentes quase que todo o tempo no cotidiano do aluno. A disciplina de Sociologia, como as outras disciplinas, tem como propósito formar os alunos para exercer a sua cidadania ativa com criticidade. Mesmo diante dessas problemáticas levantadas, a Sociologia deve se esforçar ao máximo para criar entre estes jovens, mesmo imersos nos valores capitalistas e influenciados pelos meios de comunicação de massa, uma postura 5 mais crítica perante a realidade que os rodeiam. Em relação às contribuições que a disciplina de Sociologia pode trazer na formação dos alunos, dez dos vinte e sete entrevistados disseram que a disciplina trabalha com o objetivo da formação da pessoa humana, e treze disseram que a Sociologia pode ensinar os estudantes a entenderem o seu cotidiano. Dentre 2 as diversas disciplinas do Ensino Médio, a Sociologia possui uma função distinta. Sua intervenção se dá de forma que os alunos tenham um contato diferente com sua própria realidade social. Ela é capaz de dar a estes alunos uma formação e compreensão mais crítica desta realidade. Quando estudam as temáticas abordadas pela Sociologia, os alunos desenvolvem a capacidade de raciocínio. De acordo com os escritos de Flávio Marcos Silva Sarandy (2007), a disciplina de Sociologia contribui para a formação da pessoa humana por meio da negação do individualismo. As mudanças trazidas pela LDB de 1996 contemplam os seguintes conceitos: “flexibilidade, autonomia, identidade, diversidade, interdisciplinaridade e contextualização” (SARANDY, 2007, p. 4). Com estas propostas o Ensino Médio volta-se para a “preparação para o mercado de trabalho” e para o “exercício da cidadania”. A função da Sociologia não pode se prender a esta formação para o mercado de trabalho. A partir deste ponto, a Sociologia precisa ter um olhar diferente no que diz respeito à formação 2 Este texto, como outros trechos que constam no TCC foram apresentados no GT Escola e Juventude do I Simpósio Estadual Sobre Formação de Professores de Sociologia. destes jovens e adolescentes. A forma como essa disciplina trata seus temas, produzirá nos alunos um jeito diferente de analisar a realidade, com uma compreensão e raciocínio distintos do que as outras disciplinas possam produzir. Segundo Florestan Fernandes (1977), a Sociologia pode formar os alunos para uma melhor compreensão racional das relações entre os meios e os fins. Dessa forma, os jovens e adolescentes passam a ser capazes de olhar para além da superficialidade de como a realidade se mostra. Retomando novamente a pesquisa com os alunos do Ensino Médio, treze dos vinte e sete jovens que participaram da entrevista concordam com esta discussão de Fernandes (1977). O autor cita algumas funções da Sociologia que diz ter como referência alguns trabalhos agrupados no Symposium sobre o Ensino da Sociologia e Etnologia. Algumas dessas funções são: “munir o estudante de instrumentos de análise objetiva da realidade social”; em segundo “estimular o espírito crítico e a vigilância intelectual”; por último “suavizar os conflitos entre os indivíduos” (FERNANDES, 1977, p.108). Muito mais que formar para o mercado de trabalho, a Sociologia tem como função preparar o aluno para ser capaz de analisar criticamente e racionalmente sua própria realidade social. É assim que a abordagem do tema “Meios de comunicação de massa” pela disciplina de Sociologia pode ser uma alternativa para desmistificar a realidade social que é transmitida. Este é o progresso social que leva os alunos a uma participação política mais ativa e a um olhar mais questionador voltado para o estranhamento da estrutura social. 6 Considerações finais Referências De acordo com os dados da entrevista aplicada aos alunos e professores da disciplina de Sociologia do Ensino Médio, bem como as referências bibliográficas citadas no corpo do texto, mesmo diante das diversas dificuldades já apontadas anteriormente, a sociologia pode contribuir para uma formação mais questionadora da realidade social por parte dos alunos. Para isso, se faz necessário que o professor/sociólogo busque alternativas didáticas de ensino, que leve os alunos a fazer uma ponte entre a teoria sociológica e o seu cotidiano. BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: Táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. _______________. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. BOURDIEU, Pierre. CHAMBOREDON, Jean Claude. e PASSERON, Jean-Claude. A Profissão de Sociólogo. Petrópolis: Vozes, 1999. BRASIL. OCNS. Orientações Curriculares Nacionais> Sociologia. MORAES, Amaury César; GUIMARAES, Elisabeth da Fonseca; TOMAZI, Nelson Dácio. 2006 (Leitores críticos: Pedro Contewratto, Ileizi Luciana F. Silva, Pedro Tomaz de Oliveira Neto). FERNANDES, Florestan. O ensino da Sociologia na escola secundária brasileira. In: A Sociologia no Brasil. Petrópoles, RJ: Vozes, 1977. JINKINGS, Nise. Ensino de Sociologia: Particularidades e Desafios Contemporâneos. In: Mediações - Revista de Ciências Sociais / publicação do Departamento de Ciências sociais, Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de Londrina. Londrina: Midiograf, vol. 12, nº 1, Jan/Jun de 2007. SANTOS, Mário Bispo dos. A Sociologia no Ensino Médio: Condições e perspectivas epistemológicas. Disponível em <http://www.sociologos.org.br/textos/sociol/ens inme1.htm> Acesso em: 03/07/2009. SARANDY, Flávio Marcos Silva. O ensino de ciências sociais no ensino médio no Brasil. 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