1. A Teoria por trás da Frenologia

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Sumário
Introdução ................................................................................................................... 1
1. A Teoria por trás da Frenologia ............................................................................... 2
2. O Destino da Frenologia.......................................................................................... 3
3. O Mapa Frenológico ................................................................................................ 4
4. Frenologia e Charlatanismo .................................................................................... 5
5. A Máquina Frenológica ........................................................................................... 6
6. Frenologia em Tempos Modernos ........................................................................... 7
7. Por que Gall Estava Certo e Errado ...................................................................... 10
8. O Estudo da Função Cerebral no Século XIX ....................................................... 10
Fonte ......................................................................................................................... 15
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FRENOLOGIA: A HISTÓRIA DA LOCALIZAÇÃO CEREBRAL
Introdução
Atualmente, até mesmo um estudante de escola secundária menos informado
sabe que muitas funções do cérebro são desempenhadas por determinadas
estruturas e não por outras. Por exemplo, a parte externa do cérebro, chamada
córtex, tem regiões que são responsáveis por diferentes funções, tais como a
percepção da visão, o controle do movimento e da fala, assim como as faculdades
mentais superiores (cognição, visão, planejamento, raciocínio, etc). Esta doutrina,
que tem sido comprovada muitas vezes na era moderna por equipamentos,
apoiados por computadores, que possibilitam a visualização precisa de uma
determinada função quando ela está sendo realizada pelo cérebro, é chamada de
localizacionismo cerebral. Mas isto não era assim nos anos finais do século XVIII, o
século do iluminismo. O conhecimento a respeito do cérebro era pequeno e
dominado por especulações não científicas. A experimentação objetiva com animais
ainda era rara e um dos mais poderosos métodos para inferir a função cerebral que
é a observação de pessoas com danos neurológicos devido a lesões localizadas do
cérebro, tais como tumores, ainda estava em seus estágios iniciais.
A fonte principal de conhecimento sobre o cérebro eram as dissecções feitas
em cadáveres de animais e seres humanos. A localização da função no cérebro
podia somente ser imaginada a partir do fato de que existiam muitas estruturas
anatômicas de formato diferente, de modo que talvez elas pudessem ser
responsáveis por diferentes faculdades mentais. Em meio a este cenário
desencorajador, surge o médico austríaco Franz Joseph Gall (1758-1828), que foi o
pioneiro da noção de que diferentes funções mentais são realmente localizadas em
diferentes partes do cérebro. Isto aconteceu há exatamente 200 anos atrás, em
1796 ! Como nós veremos, ele estava certo nesta noção, mas totalmente errado na
maneira como isso é conseguido pelo cérebro. Como resultado, ele produziu a
frenologia (de phrenos= mente e logos= estudo), a primeira teoria completa de
localizacionismo cerebral. Esta foi certamente uma grande vitória. Entretanto a
frenologia mais tarde foi descartada e punida pelo estabelecimento científico como
uma forma crua de charlatanismo e pseudociência, mas a sua importância histórica
permanece.
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1. A Teoria por trás da Frenologia
Gall, em seu notável trabalho "A anatomia e Fisiologia do Sistema Nervoso em
Geral e do Cérebro em Particular", colocou os princípios no qual ele baseava a sua
doutrina de frenologia.
Primeiro, ele acreditava que as faculdades morais e intelectuais do homem são
inatas e que sua manifestação depende da organização do cérebro, o qual ele
considerava ser o órgão responsável por todas as propensões, sentimento e
faculdades. Segundo, Gall propôs que o cérebro é composto de muitos sub-órgãos
particulares, cada um deles relacionado ou responsável por uma determinada
faculdade mental. Ele propôs também que o desenvolvimento relativo das
faculdades mentais em um indivíduo levaria a um crescimento ou desenvolvimento
maior de sub-órgãos responsáveis por eles. Finalmente, Gall propôs que a forma
externa do crânio reflete a forma interna do cérebro e que o desenvolvimento relativo
de seus órgãos causam mudanças na forma do crânio, que então poderiam ser
usadas para diagnosticar faculdades mentais particulares de um dado indivíduo, ao
se fazer a análise adequada.
De fato, a teoria de Gall foi construída ao revés do que afirmamos acima. Ele
primeiro realizou observações numerosas e cuidadosas e fez muitas medidas
experimentais em crânios de seus parentes, amigos e estudantes. Posteriormente,
com a ajuda de seus associados, ele fez a mesma coisa com muitas pessoas com
diferentes características de personalidade. Gall pensava que ele conseguia
correlacionar certas faculdades mentais particulares a elevações e depressões na
superfície do crânio, suas formas exteriores e dimensões relativas. Ele ponderou
então, sobre a possibilidade de que essas marcas externas poderiam ser causadas
pelo crescimento de estruturas cerebrais internas e que este crescimento estaria
relacionado ao desenvolvimento de faculdades mentais associadas. Assim, ele
conseguiu produzir uma teoria completa e extensa para apoiar o seu trabalho e para
usá-lo para aplicações práticas nas ciências mentais, por meio de mapas topológicos
detalhados.
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O colaborador mais importante de Gall foi Johann Spurzheim (1776-1832), que
mais tarde o ajudou a ampliar o assim chamado modelo frenológico e disseminá-lo
na Europa e EUA.
2. O Destino da Frenologia
A estrutura lógica e fácil de aprender da teoria frenológica rapidamente
capturou a imaginação de milhares de seguidores. A precisão e grau de segurança
científica destes termos e mapas fizeram grande progresso no tempo em que os
principais inimigos do racionalismo eram a religião, a subjetividade e a autocracia.
Devido a isto, Gall ganhou o apoio, assim como as mentes, de muitas figuras
científicas e políticas importantes em muitas partes do mundo. Ele era o seu
campeão, em um terreno dominado pelos ensinamentos de filósofos religiosos.
Eventualmente, a frenologia foi atacada pela ciência oficial, que não pôde
corroborar a teoria de Gall com achados concretos. Já em 1808, o Instituto da
França reuniu um comitê de sábios liderado por Cuvier, que declarou que a
frenologia não era confiável (alguns historiadores suspeitam que eles também não
tinham evidências científicas para apoiar esta informação, e que a conclusão foi
forçada por Napoleão Bonaparte, que estava furioso porque a interpretação de Gall
sobre seu crânio tinha "esquecido" algumas qualidades nobres que ele pensava que
tinha...).
A frenologia foi comparada a outras formas de charlatanismo, principalmente
devido aos abusos nas mãos de empresários comerciais suspeitos. Sua morte
aconteceu nos últimos 25 anos do século IXX. Entretanto, ela deu origem a muitos
outros ramos científicos e pseudocientíficos baseados na análise quantitativa de
características faciais e craniais, tais como a craniologia, antropometria e
psicognomia, muitos dos quais sobreviveram bem até em eras modernas.
Surpreendentemente, ainda existem seguidores e crentes da frenologia entre nós.
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3. O Mapa Frenológico
Gall e seus seguidores identificaram 37 faculdades mentais e morais as quais
eles pensavam que eram representadas na superfície exterior do crânio. A lista
inicial de Gall compreendia 27 faculdades, para as quais, seu principal colaborador,
Spurzheim, adicionou mais dez. Estas faculdades foram divididas em várias esferas:
intelectualidade, percepção, energia mental, faculdades morais, amor, etc. A maioria
das faculdades tratavam de personalidades abstratas, tais como firmeza, aprovação,
cautela, eventualidade, espiritualidade, veneração, amabilidade, etc. Outros traços
frenológicos tinham contrapartidas científicas modernas as quais podiam ser
avaliadas com testes psicológicos específicos, tais como construção, destruição,
individualidade, auto-estima, idealismo, afeto, etc.
O principal resultado da teoria de Gall foi o tipo de gráfico do crânio, o qual
mapeava as regiões onde as protusões e depressões relacionadas a 37 faculdades
poderiam ser palpadas, medidas e diagnosticadas. Este era um excelente dispositivo
para praticantes, e foi amplamente usado.
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4. Frenologia e Charlatanismo
A frenologia foi introduzida como uma disciplina supostamente científica pelo
médico austríaco Franz Joseph Gall, mas sua fácil aplicação por especialistas
autodidatas rapidamente conduziu ao uso por charlatões para exploração comercial
de pessoas crédulas, tais como a astrologia, leitura das mãos, tarot e propostas
esotéricas similares.
"Consultórios frenológicos" germinaram rapidamente na Europa e EUA, no
ápice deste movimento, entre 1820 e 1842. Pessoas usavam a frenologia para tudo,
incluindo para contratar empregados, para escolher um parceiro para casamento, ou
para diagnosticar doença mental ou a origem de problemas psicológicos.
Frenologistas itinerantes também eram comuns naqueles dias. Eles
perambulavam pelo interior, carregando um tabuleiro portátil ou um busto com os
mapas inventados por Gall e seus seguidores, e falavam sobre as maravilhas da
frenologia a grupos de crédulos curiosos. Além disso, eles diagnosticavam e
aconselhavam quem se voluntariasse, em troca de modestos honorários.
Os caracterologistas mais orientados cientificamente, craniologistas e
fisionomistas ficavam, é claro, exasperados com a picaretagem e descrença
associadas à frenologia. Por exemplo, um dos pais da psicologia americana, Herbert
Spencer (1820-1903), foi um adepto da frenologia na juventude, tendo chegado a
inventar um aparelho para dar maior precisão às medidas do crânio, ao qual ele
denominou de cefalômetro. Mas nada pôde ser feito contra isso, e eventualmente a
frenologia encontrou seu caminho para a lixeira da história médica.
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5. A Máquina Frenológica
A máquina frenológica é um bom exemplo de como a tecnologia pode ser
insensível ao valor científico verdadeiro de alguns procedimentos diagnósticos,
dando a eles uma aura de respeitabilidade.
Esta máquina foi desenvolvida com a finalidade de automatizar os passos de
um diagnóstico frenológico. O paciente sentava-se em uma cadeira, e um capacete
de metal era abaixado sobre o topo de sua cabeça. Dentro do capacete, haviam
vários sensores conectados a pequenos circuitos, os quais sentiam as saliências do
crânio e as mediam. A informação liberada pelos circuitos eram então traduzidas em
comandos para um impressora que tinha 160 declarações gravadas em uma tira de
borracha. Elas eram usadas para compor um registro impresso sobre a
personalidade do paciente.
A máquina de frenologia está bem preservada no Museum of Questionable
Medical Devices (Museu de Dispositivos Médicos Questionáveis), em Minneapolis,
EUA, o qual foi fundando por Robert McCoy, um cético profissional, que colecionou
150 exemplos de dispositivos médicos que não faziam absolutamente nada (ou um
dia acreditou-se que faziam!)
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6. Frenologia em Tempos Modernos
Pode parecer inacreditável, mas nos dias de hoje ainda existem especialistas
auto-intitulados que trabalham, falam, ensinam e escrevem sobre os aspectos
"científicos" da frenologia, e parece que existem muitas pessoas que acreditam
nestes dogmas e até fazem dinheiro com isso.
Existe um site muito curioso na Internet, Phrenology Resources, que trata da
evolução moderna da frenologia, com informações úteis sobre estes temas.
Segundo seu criador, no século XX a frenologia foi beneficiada pelo evolucionismo e
pela antropologia criminal. É bom lembrar que este site é aparentemente prófrenologia (seu tema de abertura é "Phrenology is a true science, which is there to
benefit humanity" "Frenologia é uma ciência verdadeira, que existe para beneficiar a
humanidade")
Bernard Hollander
Paul Bouts
Dois dos seguidores modernos da frenologia são bem conhecidos. Eles são o
psiquiatra britânico Bernard Hollander (1864-1934), que escreveu "The Mental
Function of the Brain" (1901) e "Scientific Phrenology"(1902) e Paul Bouts (1900-),
um educador belga e free-lancer que misturou frenologia com tipologia e grafologia
para criar uma nova proposta "objetiva" a qual ele chamou psicognomia.
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Seu trabalho mais importante teve o impressionante título "Les Grandioses
Destinées Individuelle et Humaine dans la Lumiére de la Caracterologie et de
l'Evolution Cerebro-cranienne" (Os Grandiosos Destinos Individuais no Iluminismo da
Caracterologia e da Evolução Cérebro-craniana).
Houve também uma Sociedade Frenológica Britânica, que foi ativa de 1886 a
1967, e uma Companhia Frenológica de Londres, ainda hoje fazendo bons negócios
com geringonças frenológicas e recursos de informação deste tipo.
Existem poucos livros recentes sobre frenologia. São eles: "Phrenology, A
Study of Mind", por Frances Hedderly (L.N. Fowler & Co Ltd, London, 1970. 8524
3169 4), e "Heads, or the Art of Phrenology", por Helen e Peter Cooper (The London
Phrenology Company Ltd, London,1983. ISBN 0-9508539-0-9).
Um recurso muito utilizado pelos adeptos modernos da frenologia é executar
análises a posteriori de figuras históricas, tais como o infame padre russo Gregory
Rasputin (1869-1917), com a finalidade de mostrar como a técnica "funciona". Como
os especialistas da frenologia que fizeram isso não tiveram oportunidade para palpar
as depressões cranianas de Rasputin, tendo-o analisado através de fotografias, e
como seus principais traços de personalidade eram bem conhecidos através de
numerosos registros históricos existentes, não é surpreendente que eles tenham
conseguido um grau razoável de acerto com tal análise frenológica! No entanto,
mesmo o mais ferrenho frenologista é capaz de admitir que existem muitos erros em
sua marcante ciência interpretativa (tais como quando o observador "é enganado
pelo estilo do cabelo do sujeito"), realizando então um procedimento inteiramente
subjetivo, influenciado pelos preconceitos do interpretador, conhecimento prévio
sobre o examinado, etc.
Um das muitas ciências sucessoras da frenologia foi a craniologia, que
advogou o uso de medidas quantitativas precisas de características cranianas a fim
de classificar pessoas de acordo com a raça, temperamento criminal, inteligência,
etc. A craniologia se tornou influente durante a era Vitoriana, e foi usada pelos
britânicos para justificar o racismo, a colonização e a dominância de "raças
inferiores", tais como os irlandeses e tribos negras da África. Tipos raciais foram
classificados de acordo com o grau de prognatismo (um avanço relativo anterior do
maxilar em relação a mandíbula) ou ortognatismo. Raças "inferiores" eram ditas
prognáticas, tal como os chimpanzés e macacos, de modo que eles eram
considerados como sendo mais próximos a estes animais do que aos demais
europeus (tais como o anglo-saxão, claro...)
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John Beddoe, fundador e presidente do Instituto Antropológico Britânico, em
seu livro "The Races of Man" (Raças do Homem) (1862) desenvolveu o "Índice de
Negressência", baseado no qual ele declarou que os irlandeses tinham um crânio
similar ao do homem pré-histórico Cro-Magnon e que seria então um tipo de raça
branca africanóide.
A antropometria é também um parente próximo da frenologia. No século XIX,
um membro da Sureté (policia criminal francesa), chamado Eugene Vidocq, instituiu
a documentação das características de criminosos para propósitos de identificação,
a qual está em uso até hoje. Um de seus colaboradores, Alphonse Bertillion,
expandiu o sistema de modo a tomar várias medidas dos corpos de criminosos, com
o objetivo de identificá-los de forma inequívoca (lembrem-se que as impressões
digitais eram desconhecidas naquele tempo). Entretanto, elas não foram usadas
para a avaliação psicológica de criminosos
Esse tipo de avaliação não tardou a ser iniciado, graças a um italiano
ambicioso e controvertido chamado Cesare Lombroso, que publicou um livro
chamado "Antropologia Criminal" em 1895, e no qual ele associava determinadas
características craniofaciais ao tipo de criminoso. Por exemplo, Lombroso achava
que os assassinos tinham maxilas proeminentes, e que os batedores de carteira
tinham mãos longilíneas e barbas ralas... Lombroso foi uma personalidade altamente
influente nos sistemas judicial e policial da Itália e em muitos outros países. Ainda na
década dos 30, muitos juízes ordenavam a realização de análises antropométricas
"lombrosianas" dos réus em processos criminais, que posteriormente eram usados
pela acusação em julgamentos !
Outro "parente" da frenologia foi a tipologia inventada no século 20 pelo
psiquiatra alemão Ernst Kretschmer. Seu esquema para a classificação da
personalidade era baseado no tipo físico (que era classificado em atlético, astênico e
pícnico), e como eles eram correlacionados com características psicológicas
básicas. Em seu livro, "Físico e Carácter" (1921), ele declarou que uma pessoa com
um físico delicado com maior probabilidade era um introvertido, enquanto que
pessoas com baixa estatura e corpo arredondado tenderiam a ser temperamentais.
No entanto, estas e outras teorias constitucionais da personalidade não foram
validadas com o tempo.
Um uso infamante e bem conhecido da antropometria foi feito pelos
antropólogos e médicos nazistas, os quais, no Departamento de Higiene Racial do
Ministério do Interior e no Burô para o Esclarecimento da Política Populacional e
Bem-Estar Racial, propuseram a classificação "científica" de arianos e não-arianos
com base nas medidas quantitativas do crânio. A certificação craniométrica oficial
tornou-se obrigatória por lei e era realizada por centenas de institutos e especialistas
na Alemanha. Muitas pessoas foram condenadas aos campos de concentração ou
tiveram negado o casamento ou o trabalho, em função desta "má medida do ser
humano", como denominou o eminente biólogo e evolucionista americano Stephen
Jay Gould a esse uso maciço e infeliz do conhecimento pseudocientífico para
prejudicar pessoas (ele escreveu um livro muito interessante a respeito do assunto).
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7. Por que Gall Estava Certo e Errado
Gall estava certo em dois pontos e absolutamente errado em outros dois.
Quando ele propôs que o cérebro era o órgão da mente, ele se baseava em um
campo bem conhecido, com conceitos que foram amplamente aceitos por filósofos e
médicos, em seu tempo.
Além disso, o conceito de localização da função no cérebro, por Gall, foi uma
nova proposição altamente influente em seu tempo, chamando a atenção para esta
possibilidade. Isto não foi baseado em experimentação ou observação clínica, mas
em considerações teóricas. A proposta de Gall não foi cientificamente aceita, mas de
certa forma ela foi um marco para estas questões.
O terceiro ensinamento da teoria de Gall, que foi o conceito de que os subórgãos do cérebro cresciam de acordo com o desenvolvimento da faculdade mental
correspondente, poderia ser possível, mas ele também não foi baseado em
evidências científicas e não pôde ser testado empiricamente a tempo.
Eventualmente, isto causou grande interesse sobre a relação entre anatomia
cerebral, tamanho e peso das propriedades mentais, tais como a inteligência. Nada
de valor foi provado em muitos experimentos objetivos, mesmo a nível de anatomia
macroscópica.
O quarto e último ensinamento foi totalmente incoerente. As formas e
dimensões externas do crânio não têm nada a ver com a conformação do cérebro.
Isto pode ser facilmente provado, nos tempos de tomografia computadorizada, a
qual torna possível visualizar as relações anatômicas entre essas duas estruturas
com maravilhoso detalhe.
8. O Estudo da Função Cerebral no Século XIX
Os primeiros 25 anos do século XIX testemunharam um crescente interesse
pela localização das funções cerebrais. Sem dúvida, a teoria da frenologia de Franz
Joseph Gall foi influente em chamar a atenção do establishment científico para esta
possibilidade, mas sua teoria frenológica foi baseada em inferências falhas, e não no
método científico. Este interesse começou com um episódio curioso: a Academia
Francesa de Ciências foi pressionada por Napoleão Bonaparte, que aparentemente
ficou furioso com Gall (que tinha se mudado e fazia sucesso em Paris, depois de ter
sido expulso de Viena pelas autoridades políticas e religiosas), para estabelecer
uma comissão científica para estudar o pedido de Gall para entrar na Academia.
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Sabiamente, Gall havia submetido seu estupendo trabalho e anatomia sobre o
cérebro, que era de classe internacional, ao invés de seu trabalho mais polêmico
sobre os "órgãos da mente". A Academia pediu, então, ao principal neurofisiologista
da época, Pierre Flourens, que realizasse experimentos em animais, de modo a
certificar se as afirmativas de Gall quanto à frenologia eram verdadeiras, em
despeito ao fato de que Gall mesmo não tinha solicitado esse teste. Foi negada a
sua entrada na Academia, é lógico, mas Flourens gostou da idéia e começou uma
linha de pesquisa própria nessa área. Portanto, começando com os experimentos
pioneiros de Flourens, por volta de 1825, as primeiras descobertas relacionadas a
esta questão vieram somente quando anatomistas e fisiologistas desenvolveram
novos métodos experimentais para intervir diretamente no cérebro e para ver os
resultados destas intervenções sobre o comportamento de animais. Estes métodos
eram:
- A ablação cirúrgica seletiva de partes do cérebro de animais;
- A estimulação farádica ou galvânica (elétrica) do cérebro de animais e seres
humanos;
- Os estudos clínicos, ou seja, pacientes com déficits neurológicos ou mentais
tiveram seus cérebros estudados após a sua morte, em uma tentativa de
correlacioná-los com alterações detectáveis no tecido cerebral.
Pierre Flourens
Flourens começou por utilizar lesões localizadas do cérebro em coelhos e
pombos. Ele foi capaz de demonstrar convincentemente pela primeira vez que as
principais divisões do cérebro eram responsáveis por funções muito diferentes. Ao
remover os hemisférios cerebrais, por exemplo, todas as percepções, motricidade
voluntária e julgamento eram abolidas. A remoção do cerebelo afetava o equilíbrio
dos animais, bem como sua coordenação motora, e a destruição do tronco cerebral
(medulla oblongata), levava à morte.
Um pombo que teve seu cérebro lesado em um experimento por Flourens
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Estes experimentos levaram à conclusão que os hemisférios cerebrais seriam
os responsáveis pelas funções superiores cognitivas, que o cerebelo regularia e
integraria os movimentos, e que o tronco cerebral controlaria funções vitais, como a
circulação, a respiração e a estabilidade geral do organismo. Por outro lado, ele não
foi capaz de achar (provavelmente porque as espécies de animais que usou têm
córtex relativamente primitivo), regiões mais específicas para memória e cognição, o
que o levou a acreditar que elas estariam representadas de uma forma difusa por
todo o cérebro. Deste modo, Flourens deduziu que diferentes funções realmente
podiam ser atribuídas a regiões particulares do cérebro, mas faltava ainda uma
localização mais precisa. Esta foi a visão dominante pelos próximos 30 anos, até
que uma série de descobertas clinicas na França e na Alemanha, relacionadas às
patologias da linguagem, deram uma pista que as funções mentais superiores
poderiam ter, afinal de contas, uma localização específica no córtex. Além disso,
novos experimentos com estimulação elétrica mais precisa da superfície do córtex
em primatas e cães, realizadas na Inglaterra e na Alemanha, forneceram uma prova
mais forte de que havia localização estrita da função no cérebro.
Pierre Paul Broca
A abordagem clínica foi utilizada de forma pioneira pelo médico francês Pierre
Paul Broca. Em um trabalho clássico, realizado por volta de 1860-70, ele estudou o
cérebro de vários pacientes afásicos (isto é, eles não conseguiam falar; e de fato,
um deles, que ficou mais famoso, era capaz de pronunciar uma única palavra: tan).
Após sua morte, Broca descobriu que o cérebro de Tan tinha uma zona
destruída por neurosífilis, a qual foi delimitada a um lado dos hemisférios cerebrais
anteriores (córtex). Esta parte do cérebro se tornou conhecida como área de Broca e
é responsável pelo controle da expressão motora da fala.
O cérebro autopsiado de "Tan",
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Seus estudos foram confirmados por muitos neurologistas, incluindo John
Hughlings Jackson, o prodígio dos neurologistas ingleses, que foi capaz de confirmar
a localização da afasia e sua lateralidade, e proporcionar uma integração conceitual
impressionante da localização funcional do cérebro, através de sua teoria das
hierarquias nervosas, que era baseada na observação que o pensamento e a
memória eram menos afetadas por lesões do que as funções mais inferiores, como o
controle da respiração e da circulação.
Carl von Wernicke
Mais ou menos na mesma época, um neurologista alemão, Carl Wernicke,
descobriu uma área similar no lobo temporal, que, quando lesada, levava a um
déficit sensorial da linguagem, ou seja, o paciente era incapaz de reconhecer
palavras faladas, mesmo quando tivesse sua audição intacta. Wernicke postulou que
esta área (que foi nomeada em sua honra). era conectada por sistemas de fibras
nervosas à área de Broca, formando assim um sistema complexo, responsável pela
compreensão e expressão da linguagem falada.
Posteriormente, por volta de 1870, ou seja, na mesma época que os estudos
de Broca e Wernicke, dois fisiologistas alemães, Gustav Fritsch e Eduard Hitzig,
aprimoraram nosso conhecimento sobre a localização cerebral da função,
estimulando pequenas regiões com eletricidade, na superfície do cérebro de cães
acordados.
Gustav Fritsch and Eduard Hitzig
Eles descobriram que a estimulação de algumas áreas causavam contrações
musculares na cabeça e pescoço, enquanto que a estimulação de áreas cerebrais
distintas causavam contrações das pernas anteriores ou posteriores.
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F. Krause
Um neurocirurgião chamado F. Krause chegou ao extremo de estimular
eletricamente as circunvoluções motoras de pacientes anestesiados, que estavam
sendo operados para a remoção de tumores. Seu mapeamento das áreas
corticomotoras foram notavelmente precisas, e deram um apoio às pesquisas mais
modernas, usando anestesia local, tais como nos experimentos
O trabalho de Fritsch e Hitzig foi consideravelmente ampliado, causando um
tremendo impacto em nosso conhecimento sobre o cérebro, por uma série de
elegantes experimentos realizados por Sir David Ferrier, um neurologista inglês.
Entre 1870 e 1875 ele estimulou eletricamente os giros corticais expostos de
macacos e de cães, tendo sido capaz de mapear 15 áreas relacionadas ao controle
preciso do movimento. Posteriormente ele removeu cirurgicamente alguns desses
pontos, demonstrando a abolição da função motora correspondente.
Ferrier fez uma previsão ousada, ao transferir, com boa acurácia, como esses
pontos poderiam ser representados no córtex humano, e usou este conhecimento
com sucesso, pela primeira vez, para orientar diagnósticos neurológicos e cirurgias
de pacientes com lesões ou tumores corticais. Por exemplo, ele previu corretamente
a localização de uma lesão cortical em um paciente que tinha paralisia dos dedos e
do antebraço de um lado, e deu a indicação para que o cirurgião, Macewen,
operasse o paciente e removesse o tumor com maior precisão e certeza de sucesso.
Sir David Ferrier
Friedrich Goltz
As idéias de Ferrier se contrastavam fortemente com as de Flourens com
relação à localização cortical de funções superiores, assim como de outros
pesquisadores de sua época, tais como Friedrich Goltz, o qual não foi capaz de
abolir inteiramente as funções comportamentais e motoras localizadas em cães,
mesmo quando realizava extensas lesões dos hemisférios cerebrais.
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Isso levou a uma famosa disputa pública entre Goltz e Ferrier, a qual foi
vencida por Ferrier, principalmente porque ele conseguiu demonstrar que as lesões
cirúrgicas nos animais de Goltz tinham poupado algumas áreas motoras e
sensoriais. Além disso, era aparente que cães são menos dependentes das funções
corticais dos que os primatas.
Córtex de macaco com o mapeamento de pontos de estimulação por Ferrier
No final do século XIX, o conceito de localização cerebral foi firmemente
estabelecido nas neurociências. O próximo século testemunharia o uso aumentado
de técnicas sofisticadas em animais e humanos, as quais seriam capazes de
construir mapas detalhados das funções cerebrais, tais como o método
estereotáxico, desenvolvido pelo fisiologista britânico Victor Horsley.
Sir Victor A.H. Horsley
O aparelho original de Horsley-Clarke
Fonte
http://www.cerebromente.org.br/n01/frenolog/frenologia_port.htm
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