VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 RITMO CLIMÁTICO E RISCO SOCIOAMBIENTAL URBANO: CHUVAS E DESLIZAMENTOS DE TERRA EM UBATUBA-SP (BR) ENTRE 1991 E 2009 RENATO TAVARES Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia/UFPR – Curitiba (Brasil); Pesquisador do Instituto Geológico - São Paulo (Brasil) – [email protected] FRANCISCO MENDONÇA Professor titular do Programa de Pós-graduação em Geografia/UFPR – Curitiba (Brasil)) – [email protected] Introdução O Brasil possui um extenso litoral, com belas paisagens, expressiva riqueza natural e marcado por espaços de concentração urbano-industrial. É também nesta porção do território que uma expressiva parcela da população desenvolve atividades ligadas ao turismo. O litoral da região sudeste do país é aquele que registra os maiores impactos das atividades humanas sobre a natureza. O quadro natural foi, ali, fortemente alterado por processos sociais diversos e resultou em ambientes intensamente degradados, nos quais se ressaltam a poluição do ar, das águas continentais, oceânicas e do solo, que conjugadas a episódios de chuvas prolongadas ou concentradas, deflagram erosão, assoreamento de canais e eventos mais severos, como as inundações e os deslizamentos de terra. Esses desastres são responsáveis pelas maiores perdas econômicas e muitas vezes resultam em graves e irreparáveis consequências – a perda de vidas humanas. Na perspectiva de evidenciar a interação entre a dinâmica da natureza e a dinâmica da sociedade em ambiente litorâneo brasileiro, o presente texto adota a abordagem rítmica às análises climáticas, aos processos sociais e a formação de riscos socioambientais a desastres do tipo deslizamentos de terra na cidade balneária de Ubatuba, localizada no litoral norte do Estado de São Paulo. 1. Teorias do ritmo e riscos socioambientais A investigação parte de teorias elaboradas por Monteiro (1971), sobre a análise rítmica em climatologia, e Lefebvre (1992), sobre a rythmanalyse, convergentes na idéia de ritmo enquanto forma de análise e entendimento de processos tão dinâmicos quanto o clima e as práticas sociais. Monteiro (1971) elabora a Análise Rítmica em Climatologia a partir do conceito de clima preconizado por Max Sorre na metade do 1 Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios século passado, lançando um novo paradigma para o estudo do clima a partir do ritmo. Considerando-se o clima como um fenômeno geográfico, a análise rítmica climatológica contrapõe-se a concepção abstrata e irreal do clima como um estado médio da atmosfera e busca investigar o mecanismo sequencial dos diferentes tipos de tempo e explicar o principal fato proposto pela teoria: o ritmo climático atual, ou seja, o clima na atualidade. Destacam-se as peculiares irregularidades, agressividades e os extremos do clima, que longe de serem exceções, se constituem em eventos de imensa importância aos processos de interação geográfica, uma vez que são esses que repercutem mais sensivelmente nas atividades humanas (MONTEIRO, 1971; 1991). A análise temporal da série histórica de dados é feita pela escolha de “anos-padrão” que representam os diferentes graus de proximidade do ritmo habitual, ao lado daqueles afetados por irregularidades na circulação atmosférica decorrente dos diferentes graus de distorções gerados pelas variações e desvios do ritmo climático, considerados extremos climáticos, que promovem desastres e impactos no território. O autor considera que uma primeira aproximação válida para o conceito de ritmo climático seria aquele das variações anuais percebidas através das variações mensais dos elementos climáticos, ponto de partida deste estudo aplicado ao fenômeno pluvial. Lefebvre (1992) considera a análise dos ritmos mais que uma teoria, um novo domínio do saber. O autor sugere que o estudo do ritmo (dos ritmos) pode ser realizado com a adoção de conceitos e categorias definidas, partindo conscientemente do abstrato para entender o concreto. No domínio do ritmo, certos conceitos muito vastos têm, contudo, uma especificidade: citam imediatamente a repetição. Não existe ritmo sem repetição no tempo e no espaço, sem reprises, sem retornos, resumidamente, sem cadências. Mas não há repetição absoluta, que a identifique, indefinidamente. Donde a relação entre a repetição e a diferença. Que trata do cotidiano, dos ritos, das cerimônias e das festas, das regras e das leis, há sempre o imprevisto, do novo que se introduz no repetitivo: a diferença. Não somente a repetição não exclui as diferenças, mas ela as gera; ela as produz. Ela encontra cedo ou tarde o acontecimento que vem ou veio ocorrer em relação à seqüência ou série produzida repetitivamente, em outros termos, a diferença. A análise enquanto método compreende assim um caráter triádico na abordagem, melodia-harmonia-ritmo, que não conduz a uma síntese. A ritmanálise consiste, portanto, essencialmente, na aplicação dos seguintes conceitos: isorritmia (igualdade de ritmos) e polirritmia (diversidade de ritmos); eurritmia (harmonia de ritmos); e arritmia (perturbação dos ritmos). 2 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Na tentativa de integração dessas abordagens rítmicas, a presente investigação encontra sustentação nos princípios da geografia socioambiental apresentados por Mendonça (2002), uma vez que este estudo parte de uma problemática em que situações conflituosas, decorrentes da interação entre a sociedade e a natureza, explicitam degradação de uma ou de ambas, como é o caso dos deslizamentos de terra. Com isso, ressalta-se a análise da imbricada relação entre a dinâmica da natureza e a dinâmica dos processos sociais envolvidos em sua apropriação, alteração e, consequentemente, na formação e identificação dos riscos. Os riscos são compreendidos enquanto objeto social, definido como a percepção do perigo, da catástrofe possível, conforme discute Veyret (2007). Ele existe apenas em relação a um indivíduo e a um grupo social ou profissional, uma comunidade, uma sociedade que o apreende por meio de representações mentais e com ele convive por meio de práticas específicas. Não há risco sem uma população ou indivíduo que o perceba e que poderia sofrer seus efeitos. Correm-se riscos, que são assumidos, recusados, estimados, avaliados, calculados. O risco é a tradução de uma ameaça, de um perigo para aquele que está sujeito a ele e o percebe como tal. As zonas ou áreas de risco podem ser definidas, de formas e superfícies variáveis, mapeáveis em diferentes escalas espaciais e temporais. O espaço sobre o qual pairam as ameaças não é neutro, ele constitui a ‘componente extrínseca’ do risco (VEYRET, 2007). Embasado nas teorias, conceitos e abordagens descritas acima, o estudo proposto busca verificar em quais condições e escalas temporais pode haver igualdade ou diversidade, harmonia e perturbações entre os ritmos da natureza e da sociedade na formação de riscos socioambientais e na ocorrência de desastres naturais do tipo deslizamento de terra. 1.1. Procedimentos metodológicos A estratégia metodológica proposta consiste na caracterização socioambiental da área e análise dos ritmos a partir dos seguintes tópicos: análise evolutiva de dados populacionais, expansão urbana, ocupação e outros que indiquem o ritmo das práticas sociais no período de 1950 a 2007; análise evolutiva do clima a partir do elemento de maior impacto na superfície e deflagrador dos deslizamentos de terra – a chuva, analisada aplicando técnicas de tendência central e dispersão nas escalas anual, sazonal, mensal e diária (24h e acumulada em 72h) utilizando-se de dados de quatro postos pluviométricos (Picinguaba – localizado no extremo setentrional; Mato Dentro, na Serra do Mar, cota 220m; Ubatuba, no centro da cidade; Maranduba, praia localizada na porção sul), para o período homogêneo de 1971-1999, tratados em 3 Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios agrupamentos por décadas, retroagindo a análise a 1951 para dois postos; análise das ocorrências de deslizamento de terra entre 1989 (com a criação do Plano Preventivo de Defesa Civil) e 2000, subsidiada pelo mapeamento de risco a deslizamentos e inundações em Ubatuba (SP), realizado pelo Instituto Geológico (2006). Em decorrência da desativação dos postos pluviométricos no ano 2000, a análise detalhada da relação entre ritmo pluvial e os deslizamentos se restringiu ao período das séries de dados de chuva para a década de 1990. Entre 2001 e 2009 foram levantados apenas os eventos de deslizamentos mais graves, aqueles que registraram óbitos. A partir do detalhamento sazonal da distribuição temporal e espacial da chuva foi possível identificar algumas situações de arritmias, de extremos e de habitualidade do fenômeno pluvial em as relações com as ocorrências de deslizamentos registrados pela Defesa Civil no município. 2. Aspectos dos ritmos da natureza e da sociedade em Ubatuba (SP) A área de estudo (Figura 1) - o município de Ubatuba (SP) - é uma estância balneária de clima tropical úmido do litoral norte do Estado de São Paulo, unidade da federação que concentra atualmente 31% do PIB do país e 42 milhões de habitantes (21% da população brasileira). Situada na altura do Trópico de Capricórnio, com 682km² distribuídos no sentido SW-NE entre a linha de costa e Serra do Mar, que atinge altitudes superiores a 900m e declividade superior a 20%. Possui formas de dissecação muito intensas e elevado grau de fragilidade potencial, características que tornam essas áreas naturalmente suscetíveis a processos de instabilização, como os deslizamentos de terra. Entremeada pela Serra do Mar e maciços costeiros, com altitudes que variam até 20m e declividade menor que 2%, a estreita planície costeira assenta boa parte da população de 75.008 habitantes, 98% urbana, com taxa de crescimento de 4,82%/ano, sendo que apenas 30% são atendidos por sistema de esgotamento. A densidade populacional passou de 29,62 habitantes por Km 2 , em 1975, para 114,28 habitantes/Km2, em 2005 (IBGE, 2007). Desde o período colonial Ubatuba viveu fases de prosperidade e estagnação, à mercê dos ciclos do ouro e do café, mercadorias de alto valor que serviam a Europa e dinamizavam a cidade com a atividade portuária. Com o escoamento da produção do planalto para outras cidades, como o Rio de Janeiro (RJ) e Santos (SP), a cidade atravessa novo período de isolamento, só rompido com a abertura de novas rodovias na década de 1950. A partir daí o turismo se definiu na região, sobretudo na forma residencial, com a construção de residências secundárias. Com isso, a atividade 4 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 turística daria o ensejo a um intenso processo de urbanização (SILVA, 1975) que se estende até hoje. A cidade, comparada as demais das porções norte e central do litoral, está entre as mais restritivas à pressão do mercado imobiliário, limitando a verticalização e proibindo a expansão de ocupação em núcleos ‘congelados’, além de tentar conter o avanço da mancha urbana sobre áreas do Parque Estadual Serra do Mar, que ocupa 82% da área do município. Porém, é nas escarpas da Serra do Mar onde a população de baixa renda consegue se instalar e assim formar os assentamentos precários, altamente suscetíveis aos processos de deslizamento de terra. O centro da cidade e as praias próximas são mais adensados, porém a ocupação se estende pelas demais praias, conforme demonstra a Figura 1, elaborada no INPE por Caridade (2009) a partir do processamento digital de imagens do satélite Landsat-5 pelo software SPRING e criação de mapa temático. Com ilhas, cachoeiras e mais de 70 praias, o município fortalece cada vez mais a vocação turística, que hoje responde por 80% da atividade econômica do município. Mais de 50% dos domicílios é para uso ocasional (Tabela 1), ocupados na alta temporada durante o verão (em especial dezembro, janeiro e fevereiro), o que atesta o elevado número de população flutuante, que pode atingir 300.000/dia e 800.000 nos feriados de réveillon e carnaval segundo a Prefeitura, justamente o período mais chuvoso, quando ocorrem chuvas intensas com frequência. Figura 1. Localização da área de estudo e expansão da mancha urbana (1960 e 2007) de Ubatuba (SP) – Brasil (Fonte: Caridade, 2009) 5 Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios Nota-se o expressivo aumento populacional nas décadas de 1970 e 1980 (mais de 40% por década) que segue a tendência do país, mas mantém um crescimento elevado no período seguinte. Ressalta-se também o significativo aumento da mancha urbana na década de 1990, marcada pelo adensamento e ocupação de áreas restantes ao longo da orla. No entanto, apesar da desaceleração notada na década de 2000 (comparada às anteriores), a mancha urbana se expandiu, em grande parte, nas áreas de encostas da Serra do Mar (Figura 1). Tabela 1. Indicadores de crescimento populacional, da mancha urbana e dos domicílios em Ubatuba (SP) - Brasil (Fonte: IBGE, 2007; Caridade, 2009) Anos/Décadas 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2007 População (total) 7941 10.182 15.478 26.927 46.942 66.861 75.008 22 34,2 42,5 42,6 29,8 Área total da mancha urbana 2 (km ) 0,81 3,76 - 11,57 Crescimento da mancha urbana 2 (km /década) 2.95 Crescimento (%/década) populacional 7,81 10,9 25,29 13,71 26,27 0,98 Domicílios (total) - - 5.417 13.135 30.614 46.251 - Domicílios desocupados (%) - - 32,6 41,6 49,4 51,9 - A atuação dos diferentes sistemas atmosféricos, conjugada as condições geográficas de Ubatuba, como a disposição da serra, a brusca variação altimétrica - que reforça o efeito orográfico - e a presença de vales encaixados favorecem a ocorrência de chuvas intensas na primavera-verão, principalmente ao longo do período mais chuvoso, de novembro a março. Com exceção de alguns anos extremos, não se identifica períodos secos em Ubatuba, mas menos chuvosos. A Tabela 2 apresenta a classificação dos padrões de distribuição das chuvas anuais nos postos analisados. Os anos considerados chuvosos ou extremos foram 1973, 1976, 1986, 1996 e 1998, com desvios positivos de precipitação superiores a 20% na maioria dos postos e com a identificação de episódios de anomalias no Pacífico Sul, positivas (El Niño) ou negativas (La Niña). Dentre os anos que apresentaram totais pluviais reduzidos, ou seja, aqueles considerados extremos negativos, destacaram-se 1978, 1984, 1989 e 1990. Observamse os efeitos da orografia na distribuição da chuva, com valores os quais, mesmo sendo considerados abaixo da média do período, apresentaram-se superiores nos postos 6 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Picinguaba e Mato Dentro, na Serra do Mar, quando comparados àqueles localizados na planície urbanizada. Tabela 2. Variabilidade anual dos padrões pluviais em Ubatuba (SP) - Brasil A Tabela 3 apresenta a variabilidade sazonal da chuva, detalhando a distribuição pluvial em Ubatuba (SP) e indicando a participação das estações na definição das situações extremas e diferentes do ritmo. Tabela 3. Variabilidade sazonal dos padrões pluviais em Ubatuba (SP) - Brasil A análise dos padrões pluviais de distribuição temporal e espacial no município de Ubatuba-SP para o período de 1971-1999 aponta para diferenças significativas entre as três décadas analisadas. Na década de 90 houve uma tendência de concentração pluvial em períodos homogêneos entre as localidades, com destaque para a definição clara dos meses de fevereiro e março como em geral mais chuvosos, com o maior número de episódios de chuvas acima de 80mm/dia, de dias com chuva e de intensidade pluvial. As análises trimestrais e semestrais também apontaram para uma concentração temporal das chuvas na década de 90, configurando-se nitidamente os meses de janeiro a março como os de maior frequência e intensidade pluvial no ano. Nota-se uma migração do período mais chuvoso, de novembro a janeiro na década de 70, para janeiro a março na década de 90. O trimestre menos chuvoso também se 7 Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios destaca por concentrar a menor intensidade de totais pluviais entre junho e agosto para todas as décadas, sendo que nos anos 90 passa a predominar também a maior freqüência de totais pluviais reduzidos. A distribuição semestral da chuva na década de 90 tem a maior intensidade no período de outubro a março. No período menos chuvoso, destaca-se o semestre de abril a outubro, de menor freqüência e intensidade da chuva em todos os postos. A Tabela 04 apresenta a classificação da área analisada quanto à variabilidade mensal pluvial, o tempo de retorno de precipitação máxima acumulada em 24 horas e o tempo de retorno de precipitação máxima acumulada em 3 dias com base nos totais pluviais considerados pela Defesa Civil como limites potenciais de deflagração de desastres. Destaca-se a elevada variabilidade pluvial em fevereiro, justamente aquele que teve o maior número de deslizamentos registrados, como será visto adiante, o que indica uma relação entre alta variabilidade pluvial e agravamento na vulnerabilidade socioambiental. O tempo de retorno revela que a chuva acumulada de 120mm em 3 dias é anual, ou seja, em todos os anos a operação verão da Defesa Civil pode entrar em estado de atenção, o que significa uma alta probabilidade de ocorrer deslizamento, sobretudo se o período precedente foi chuvoso. Tabela 04 - Variabilidade pluvial mensal e períodos de retorno de chuva intensa em Ubatuba (SP) -Brasil 8 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 2.1. Ritmos e riscos socioambientais em Ubatuba (SP) Ubatuba é o município do litoral norte paulista com maior número de ocorrências de desastres naturais relacionados a processos de movimentos gravitacionais de massa, além de registrar totais pluviométricos anuais e mensais mais elevados em comparação aos demais municípios do litoral norte (TAVARES et al, 2004). Apesar de a chuva ser considerada o elemento deflagrador dos processos de deslizamentos de terra, provocando a saturação do solo pela infiltração das águas, nem sempre é a responsável pelos processos, pois depende de outros condicionantes naturais e dinâmicos da superfície terrestre (como a presença de solos rasos, rocha alterada e exposta e matacões, existentes em Ubatuba); bem como de fatores representados pelo ritmo das práticas sociais, na evolução do modo de uso e ocupação da terra que podem induzir e/ou potencializar os desastres, com a realização de cortes, aterros mal executados, fossas mal construídas, lançamentos inadequados das águas servidas e de lixo, vazamentos de água das tubulações que captam e transportam essas águas, e sistemas de drenagem de águas pluviais e fluviais precários. De acordo com os dados registrados pelo Plano Preventivo de Defesa Civil e Instituto Geológico do Estado de São Paulo, existem 149 setores de risco a escorregamentos e inundações distribuídos em 54 áreas mapeadas no município, sendo que 63 deles de risco muito alto e alto (IG, 2006). Entre 1989 e 2000 foram registradas 69 ocorrências de deslizamentos e outros processos de movimentos gravitacionais de massa (Tabela 5). Tabela 5. Distribuição anual dos deslizamentos de terra ocorridos em Ubatuba-SP Deslizamentos ocorridos 20 15 10 5 0 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Anos O evento mais grave registrado na década ocorreu em 12/02/1996, quando 359,4mm de chuva em 24h (487,4mm acumulados em 72h) deflagraram vários deslizamentos de terra e outros processos, como o que atingiu a habitação de uma 9 Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios família de 7 pessoas em Picinguaba, provocando a morte de todos. A passagem de um intenso sistema frontal foi responsável por deslizamentos que se estenderam do dia 12 ao 26/02/1996, período que ocorreu todos os eventos registrados no ano. Foi o primeiro ano com ocorrência de deslizamento em Picinguaba, porção mais preservada do município, o que reflete a expansão da mancha urbana verificada na Figura 1 e Tabela 1 e seu impacto na degradação. Foi exatamente na década de 1990 (retratada na imagem do ano 2000) que a ocupação subiu as encostas da Serra do Mar, após adensar a planície e construir nas áreas que restavam da década anterior. Conforme a análise do ritmo pluvial, este também foi o ano de maior destaque na década de 1990, quanto à chuva extrema concentrada no verão, agravada por dar sequência à primavera chuvosa do ano anterior. Por outro lado, os anos que não houve registros de deslizamento também corresponderam àqueles menos chuvosos. Ou seja, há uma relação direta entre os ritmos pluvial e das ocorrências de deslizamentos, que se repetem na maioria dos anos e podem ser considerados, em certa medida, eventos habituais. Em termos de distribuição mensal, os meses de fevereiro, março e janeiro, nessa ordem, registraram o maior número de ocorrências (Tabela 6). Deslizamentos ocorridos Tabela 6. Distribuição mensal dos deslizamentos de terra ocorridos em Ubatuba-SP entre 1989 e 2000. 35 30 25 20 15 10 5 0 NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI Anos Observa-se também que essas ocorrências não estão restritas apenas aos meses de verão, destacando-se registros consideráveis no mês de novembro, quando o Plano Preventivo de Defesa Civil ainda não iniciou a operação verão, e em maio, quando já encerrou as atividades e não realiza vistorias preventivas nas áreas de risco mapeadas. A análise do período de 2001 e 2009 ficou comprometida pela ausência de dados pluviométricos devido à desativação de todos os postos utilizados neste estudo, de 10 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 forma que não seria possível manter a mesma abordagem. Porém, destacam-se alguns aspectos dos anos 2000. De maneira geral, continuou havendo deslizamentos em Ubatuba (SP), o que atesta a habitualidade do fenômeno na área. Houve registros em dezembro de 2002, janeiro e março de 2003. Mas foi em 29/11/2003, um sábado, que mais uma vítima perdeu a vida soterrada por um deslizamento que atingiu sua casa por volta das 2 horas da manhã, em Picinguaba. Desta vez, uma casa de veraneio, de um senhor de 78 anos, delegado aposentado, que não conseguiu escapar a tempo. Nota-se que não são apenas nos assentamentos precários que ocorrem de deslizamento de terra, mas pessoas de outros padrões sociais também estão expostos ao risco. Em 2005 os deslizamentos voltaram a ocorrer em janeiro, abril e novembro, quando 9 dias seguidos de chuva, que acumulou mais de 200mm, provocou a queda de dois matacões que interditaram a Rodovia Rio-Santos (BR-101), principal da região. No ano seguinte, 2006, em fevereiro, março e novamente novembro houve episódios de chuvas intensas e deslizamentos, com a configuração de ZCAS – Zona de Convergência do Atlântico Sul, assim como 2008 (fevereiro, maio e novembro), quando novos registros marcaram o período seguinte, após o ameno ano de 2007. Na manhã do dia 04/12/2009, numa sexta-feira, uma criança de 8 anos morreu vítima de um deslizamento que invadiu a casa onde morava, uma área de encosta próxima a BR-101. A chegada de uma frente fria associada a áreas de instabilidade provocaram chuvas torrenciais desde a 1h30 da manhã, sem parar, até a tarde, acumulando 216mm. Conclusão As características geográficas da área atestam, pelas condições naturais e também decorrentes do processo de ocupação do território, a formação permanente de riscos ambientais que, conjugados à complexidade das condições sociais – riqueza, pobreza e miséria - acentuam a vulnerabilidade socioambiental de grande parte da população que vive ou freqüenta Ubatuba (SP). A crescente formação de riscos socioambientais e a ocorrência de deslizamentos de terra nesta cidade são contínuas, amenizados nos poucos anos em que o ritmo climático apresenta redução nas chuvas - o não habitual e agravado naqueles extremamente chuvosos. Em condições habituais, ou seja, naqueles anos que seguem um padrão que se repete com frequência, os deslizamentos também ocorrem de maneira habitual. A expansão urbana ocorrida na década de 1990 avançou sobre áreas de encostas que, sem ocupação, já eram naturalmente suscetíveis a processos de instabilização, agravadas na atualidade com a instalação de assentamentos precários e a pobreza. Segundo Valencio (2009), os 11 Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios desastres relacionados aos fatores naturais, como as chuvas, vêm aumentando no Brasil. E a razão disso é que, nos meios urbano e rural, os processos de vulnerabilidade induzidos pela modernização conservadora são contínuos e crescentes. As estratégias de produção de riqueza perpetuam a desigualdade distributiva que se manifesta, dentre outras, na degradação da pessoa humana e na indiferença diante dos direitos de territorialização dos empobrecidos, tornando-se vítimas fáceis do impacto de fatores de ameaças naturais como as chuvas intensas. Baseado nas idéias de Veyret (2007), neste caso, pode-se afirmar que o homem é tanto vítima quanto agressor do ambiente, involuntário ou não, mas contribuinte no agravamento da degradação e dos riscos socioambientais. Contudo, o litoral continua atraindo um número cada vez maior de pessoas, moradores ou turistas. Como disse Lefebvre (1990), a nossa época encontrou um espaço para os festivais e para o lazer – a praia. Em detrimento à cidade, que perde esse caráter, sem espaços de liberdade e aventura. A combinação do ritmo climático atual e os habituais episódios de chuvas intensas durante o verão, com o acelerado ritmo das práticas sociais em Ubatuba (SP), podem gerar arritmias que se manifestam na ocorrência de deslizamentos e outros desastres. Tal fato imprime condições cada vez mais vulneráveis e perigosas à população que, em geral, não percebe o risco. 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