Evangelho segundo S. Mateus 9,1-8.

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Evangelho segundo S. Mateus 9,1-8. – cf.par. c 2,3-12; Lc 5,17-26
Depois disto, subiu para o barco, atravessou o mar e foi para a sua cidade. Apresentaram-lhe
um paralítico, deitado num catre. Vendo Jesus a fé deles, disse ao paralítico: «Filho, tem
confiança, os teus pecados estão perdoados.» Alguns doutores da Lei disseram consigo: «Este
homem blasfema.» Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse-lhes: «Porque alimentais
esses maus pensamentos nos vossos corações? Que é mais fácil dizer: 'Os teus pecados te são
perdoados’, ou: 'Levanta-te e anda’? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem,
na terra, poder para perdoar pecados disse Ele ao paralítico: 'Levanta-te, toma o teu catre e vai
para tua casa.» E ele, levantando-se, foi para sua casa. Ao ver isto, a multidão ficou dominada
pelo temor e glorificou a Deus, por ter dado tal poder aos homens.
Isaac de l’Étoile (? - c. 1171), monge cisterciense
Homilia 11
“Quem pode perdoar pecados, senão Deus?”
Há duas coisas que apenas provêem de Deus: a honra de receber a confissão e o poder de
perdoar. Devemos confessar-nos a Ele, e esperar o seu perdão. Com efeito, somente a Deus
pertence perdoar os pecados; só a Ele, pois, devem ser confessados. Mas o Omnipotente, o
Altíssimo, tendo tomado uma esposa fraca e insignificante, fez desta serva uma rainha,
colocando a Seu lado a que estava ajoelhada a Seus pés; pois foi do Seu lado que ela saiu, e
foi desse modo que Ele a tomou como esposa (Gen 2, 22; Jo 19, 34). E, da mesma maneira
que tudo aquilo que pertence ao Filho pertence ao Pai, e tudo aquilo que pertence ao Pai
pertence ao Filho pela unidade de natureza que há entre os dois (Jo 17, 10), assim também o
Esposo deu todos os seus bens à esposa, e se encarregou de tudo o que pertence à esposa, que
uniu a Si mesmo e também a seu Pai. […]
É por isso que o Esposo, que é um com o Pai e um com a esposa, retirou dela tudo quanto nela
encontrou de estranho, prendendo-lhe os pecados à madeira da cruz, e destruindo-os por meio
desse lenho. O que é natural e próprio da esposa, assumiu-o Ele, tomando-o para Si; aquilo
que Lhe é próprio e divino, deu-o Ele à esposa. […] Deste modo, partilha a fraqueza da
esposa, bem como os seus gemidos, sendo todas as coisas comuns ao Esposo e à esposa: a
honra de receber a confissão e o poder de perdoar. É essa a razão da ordem: “Vai mostrar-te
ao sacerdote” (Mc 1, 44).
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Sermão 256, para as festas de Páscoa
«Levanta-te e anda»
Se o Espírito daquele que ressuscita Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que
ressuscitou Cristo de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais» (Rm 8,
11). Agora, é um corpo humano natural; então será um corpo espiritual. «Assim está escrito: o
primeiro homem, Adão, foi um ser vivente, e o último Adão, um espírito que vivifica» (1 Cor
15,45). É por isso que «Ele dará vida aos vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito que
habita em vós».
Que feliz aleluia cantaremos então! Que segurança! Sem adversários, sem inimigos; sem
perdermos nenhum amigo. Aqui na terra cantamos os louvores de Deus no meio das nossas
preocupações; no céu, cantá-los-emos numa perfeita tranquilidade. Aqui, cantamos como
quem tem de morrer; no céu, numa vida que não acaba nunca. Aqui, na esperança; no céu, na
realidade. Aqui, estamos como peregrinos; então, estaremos na nossa pátria. Portanto, irmãos,
cantemos desde agora, não para gozar de repouso, mas para aliviar o trabalh o. Cantemos
como fazem os peregrinos. Canta, mas não deixes de caminhar; canta para te animares no
meio das fadigas. Canta e caminha!
Que quer dizer caminha? Vai em frente, progride no bem; Vai em frente caminhando para o
bem; avança na fé e na pureza dos costumes. Canta e caminha! Não te percas; não voltes
atrás; não fiques parado: Voltemo-nos para o Senhor.
S. Cirilo de Alexandria (380-444), bispo e doutor da Igreja
«A multidão glorificou a Deus por ter dado tal poder aos homens»
O paralítico, incurável, estava estendido sobre o leito. Depois de ter esgotado a ciência dos
médicos, transportado pelos seus, vem ao único e verdadeiro médico, o médico que vem do
céu. Mas quando foi colocado diante daquele que podia curá-lo, foi a sua fé que atraiu o olhar
do Senhor. Para mostrar melhor que esta fé destruía o pecado, Jesus declara imediatamente:
«Os teus pecados estão perdoados». Dir-me-ão, talvez: «Se este homem queria ser curado da
sua enfermidade, por que é que Cristo lhe fala da remissão dos pecados?» Era para que tu
aprendesses que Deus vê o coração do homem no silêncio, sem ruído, e contempla os
caminhos de todos os viventes. Com efeito, diz a Escritura: «O Senhor olha atentamente para
os caminhos do homem e observa todos os seus passos» (Pr 5, 21)…»
Portanto, quando Cristo dizia: «Os teus pecados estão perdoados», deixava campo livre à
incredulidade; o perdão dos pecados não se vê com os nossos olhos de carne. Quando o
paralítico se levanta e caminha , é então que manifesta com evidência que Cristo possui o
poder de Deus…
Quem possui este poder? Só Ele, ou também nós? Também nós, com Ele. Ele perdoa os
pecados porque é homem-Deus, o Senhor da Lei. Quanto a nós, d’Ele recebemos esta graça
admirável e maravilhosa, porque quis dar a cada homem este poder. Efectivamente disse aos
apóstolos: «Em verdade vos digo: tudo o que desligardes na terra será desligado no céu» (Mt
18,18). E ainda: «Todo aquele a quem retiverdes os pecados, ser-lhes-ão retidos» (Jo 20,23).
Evangelho segundo S. Mateus 8,28-34.
Chegado à outra margem, à região dos gadarenos, vieram ao seu encontro dois possessos, que
habitavam nos sepulcros. Eram tão ferozes que ninguém podia passar por aquele caminho.
Vendo-o, disseram em alta voz: «Que tens a ver connosco, Filho de Deus? Vieste aqui
atormentar-nos antes do tempo?» Ora, andava a pouca distância dali, a pastar, uma grande
vara de porcos. E os demónios pediram-lhe: «Se nos expulsas, manda-nos para a vara de
porcos.» Disse lhes Jesus: «Ide!» Então, eles, saindo, entraram nos porcos, que se
despenharam por um precipício, no mar, e morreram nas águas. Os guardas fugiram e, indo à
cidade, contaram tudo o que se tinha passado com os possessos. Toda a cidade saiu ao
encontro de Jesus e, vendo-o, rogaram-lhe que se retirasse daquela região.
Concílio Vaticano II
Constituição sobre a Igreja no mundo actual « Gaudium et spes », § 13
A liberdade humana: "as pessoas rogaram-lhe que se retirasse daquela região"
Estabelecido por Deus num estado de santidade, o homem, seduzido pelo maligno, logo no
começo da sua história abusou da própria liberdade, levantando-se contra Deus e desejando
alcançar o seu fim fora d'Ele. Tendo conhecido a Deus, não lhe prestou a glória a Ele devida,
mas o seu coração insensato obscureceu-se e ele serviu à criatura, preferindo-a ao Criador
(Rm 1,21-25). E isto que a revelação divina nos dá a conhecer, concorda com os dados da
experiência. Quando o homem olha para dentro do próprio coração, descobre-se inclinado
também para o mal, e imerso em muitos males, que não podem provir de seu Criador, que é
bom. Muitas vezes, recusando reconhecer Deus como seu princípio, perturbou também a
devida orientação para o fim último e, ao mesmo tempo, toda a sua ordenação quer para si
mesmo, quer para os demais homens e para toda a criação.
O homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E assim, toda a vida humana, quer
singular quer colectiva, apresenta-se como uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz
e as trevas. Mais: o homem descobre-se incapaz de repelir por si mesmo as arremetidas do
inimigo: cada um sente-se como que preso com cadeias. Mas o Senhor em pessoa veio para
libertar e fortalecer o homem, renovando-o interiormente e lançando fora o príncipe deste
mundo (cfr. Jo. 12,31), que o mantinha na servidão do pecado. Porque o pecado diminui o
homem, impedindo-o de atingir a sua plena realização.
A sublime vocação e a profunda miséria que os homens em si mesmos experimentam,
encontram a sua explicação última à luz desta revelação.
Concílio Vaticano II
Constituição sobre a Igreja no mundo actual (Gaudium et Spes), 9-10
"As pessoas suplicaram-lhe que partisse da sua região"
O mundo actual apresenta-se simultâneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior,
tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da
regressão, da fraternidade ou do ódio. E o homem torna-se consciente de que a ele compete
dirigir as forças que suscitou, e que tanto o podem esmagar como servir. Por isso se interroga
a si mesmo.
Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo actual estão ligados com aquele
desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem. Porque no íntimo do próprio
homem muitos elementos se com batem. Enquanto, por uma parte, ele se experimenta, como
criatura que é, mùltiplamente limitado, por outra sente-se ilimitado nos seus desejos, e
chamado a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, vê-se obrigado a escolher entre
elas e a renunciar a algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes aquilo que não
quer e não realiza o que desejaria fazer (Ro 7,14). Sofre assim em si mesmo a divisão, da qual
tantas e tão grandes discórdias se originam para a sociedade...
Todavia, perante a evolução actual do mundo, cada dia são mais numerosos os que põem ou
sentem com nova acuidade as questões fundamentais: Que é o homem? Qual o sentido da dor,
do mal, e da morte, que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a existir? Para que
servem essas vitórias, ganhas a tão grande preço? Que pode o homem dar à sociedade, e que
coisas pode dela receber? Que há para além desta vida terrena?
A Igreja, por sua parte, acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos, oferece aos
homens pelo seu Espírito a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação;
nem foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos (Act 4,12).
Acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu
Senhor e mestre. E afirma, além disso, que, subjacentes a todas as transformações, há muitas
coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje, e para sempre
(He 13,8).
Evangelho segundo S. Mateus 9,9-13. – cf.par. Mc 2,13-17; Lc 5,27-32
Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disselhe: «Segue-me!» E ele levantou se e seguiu-o. Encontrando-se Jesus à mesa em sua casa,
numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e seus
discípulos. Os fariseus, vendo isto, diziam aos discípulos: «Porque é que o vosso Mestre come
com os cobradores de impostos e os pecadores?» Jesus ouviu-os e respondeu-lhes: «Não são
os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide aprender o que significa:
Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.»
„Jesus viu, sentado no banco dos gabeleiros um homem chamado Mateus“ – Mt 9,9
[:Quando Jesus passar: (3x) eu quero estar no meu lugar.:]
1. No meu telônio ou jogando a rede / sob a figueira ou a caminhar / buscando água pra
minha sede / querendo ver meu Senhor passar.
2. No meu trabalho e na minha casa / no meu estudo e no meu lazer / no compromisso e
no meu descanso / no meu direito e no meu dever.
3. Nos meus pojetos, olhando em frente / no meu sucesso e na decepção / no sofrimento
que fere a gente / sonhando um sonho de um mundo irmão.
4. Com meus amigos, com minha gente / com quem da vida já se cansou / a semear e a
espalhar sementes / na terra onde meu Deus andou.
Cantemos ….. n° 827
Santo Efrém (c. 306-373), diácono na Síria, doutor da Igreja
Comentário ao Evangelho ou Diatessaron, 5, 17
«Porque é que o vosso Mestre come com os cobradores de impostos e os pecadores?»
Nosso Senhor escolheu Mateus, o cobrador de impostos, para encorajar os colegas deste a
virem com ele também. Ele viu pecadores, chamou-os e fez que se sentassem junto de si. Um
espectáculo admirável: os anjos ficam de pé, trémulos, enquanto os publicanos, sentados, se
divertem. Os anjos enchem-se de temor perante a grandeza do Senhor, enquanto os pecadores
comem e bebem com Ele. Os escribas sufocam de ódio e de despeito, e os publicanos exultam
perante a sua misericórdia. O céu viu este espectáculo, ficando em grande admiração; o
inferno também o viu e ficou louco. Satanás viu e enfureceu-se; a morte viu e enfraqueceu; os
escribas viram e ficaram muito perturbados com isso.
Havia alegria nos céus e júbilo entre os anjos porque os rebeldes tinham sido convencidos, os
recalcitrantes tinham ganho sensatez e os pecadores tinham sido corrigidos, e porque os
publicanos tinham sido justificados. Tal como Nosso Senhor não renunciou à ignomínia da
cruz apesar das exortações dos seus amigos (Mt 16,22), Ele não renunciou à companhia dos
publicanos apesar da zombaria dos seus inimigos. Desprezou a zombaria e desdenhou o
elogio, fazendo assim o que é o melhor para os homens.
São Nicolau Cabasilas (c. 1320-1363), teólogo leigo grego
A Vida em Jesus Cristo, Livro 6
Cristo, o médico, vem curar os doentes
Cristo desceu à terra, e começou por chamar aqueles que ainda não tinham chamado por Ele,
e que nunca tinham sequer pensado Nele: «Eu vim chamar os pecadores», diz. Se veio à
procura daqueles que não O desejavam, o que fará àqueles que Lhe rezam? Se amou aqueles
que O odiavam, como poderá afastar aqueles que O amam? Como dizia São Paulo: «Se, de
facto, sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte de Seu Filho, com
muito mais razão, depois de reconciliados, seremos salvos pela Sua vida» (Rom 5, 10).
Consideremos, pois, em que consiste a nossa oração. É certo que não somos dignos de obter
aquilo que convém aos amigos pedir e receber, mas antes aquilo que é dado a servos rebeldes,
a devedores faltosos. Não invocamos o nosso Mestre para que Ele nos dê uma recompensa, ou
um favor, mas para que Ele tenha misericórdia de nós. Pedir a Cristo, amigo dos homens, a
misericórdia, o perdão ou a remissão dos pecados, e não partir de mãos vazias após esta
oração – a quem convém tal coisa, senão a devedores, dado que «não são os que têm saúde
que precisam de médico»? Em suma, se convém aos homens elevarem a voz para Deus,
implorando a Sua piedade, só poderão fazê-lo os que têm necessidade de misericórdia, os
pecadores.
Invoquemos, pois, a Deus, não somente com a boca, mas também com os desejos e os
pensamentos, a fim de aplicarmos a tudo aquilo por meio do qual pecámos o único remédio
que pode salvar-nos, porque «não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens
que nos possa salvar» (Act 4, 12).
Papa Bento XVI
Audiência geral de 30/08/06 (trad. DC n° 2365, p. 826 © copyright Libreria Editrice
Vaticana)
São Mateus: convertido, apóstolo, evangelista
«Levantou-se e seguiu-O.» A concisão da frase põe claramente em evidência a prontidão de
Mateus a responder à chamada. Para ele isso significava tudo abandonar, sobretudo o que lhe
garantia uma fonte segura de recursos, que era no entanto desonrosa e muitas vezes injusta.
Mateus compreendeu pela evidência que a intimidade com Jesus o impedia de seguir uma
actividade desaprovada por Deus. Facilmente se tira daqui uma lição para o presente: também
hoje é inadmissível o apego a coisas incompatíveis com a caminhada de seguir a Jesus, como
é o caso das riquezas desonestas. Certa vez, Ele disse sem rodeios: «Se queres ser perfeito,
vai, vende tudo o que possuis, dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus. Depois vem e
segue-Me» (Mt,19,21). Foi o que fez Mateus: «Levantou-se e seguiu-O». Neste «levantou-se»
conseguimos ler um nítido repúdio pela situação de pecado e simultaneamente a adesão
consciente a uma nova existência, recta, na comunhão com Jesus.
Lembremos que a tradição antiga da Igreja é unânime em atribuir a Mateus a paternidade
do primeiro Evangelho. Já Papias, bispo de Hierápoles, na Frígia, o tinha dito, cerca do ano
130. Escreveu : «Mateus verteu as palavras (do Senhor) em língua hebraica, e cada um as
interpretou como podia» (in Eusébio de Cesareia, Hist. Ecl. III, 39, 16). O historiador Eusébio
acrescenta esta informação: «Mateus, que primeiro pregara entre os judeus, quando a certa
altura decidiu ir também evangelizar outros povos, escreveu na língua materna o Evangelho
que anunciava. Procurou deste modo recompensar aqueles de quem se separava, substituindo
pela escrita o que perdiam com a sua partida» (III, 24, 6). Já não possuímos o Evangelho
escrito por Mateus em hebreu ou em aramaico, mas no Evangelho grego que chegou até nós
continuamos a ouvir ainda, de alguma maneira, a voz persuasiva do publicano Mateus que,
tornado apóstolo, continua a anunciar-nos a misericórdia salvífica de Deus, e escutamos essa
mensagem de S. Mateus, nela meditando sempre, e de novo, sempre, para aprendermos,
também nós, a levantarmo-nos e a seguir Jesus com determinação.
S. Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, doutor da Igreja
Sermão 30: Pl 52, 285-286
«Ele come com os publicanos e os pecadores!»
Deus é acusado de se vergar para o homem, de se sentar perto do pecador, de ter fome da sua
conversão e sede do seu regresso, de tomar o alimento da misericórdia e o cálice da
benevolência. Mas Cristo, meus irmãos, veio a esta refeição; a Vida veio ao seio dos seus
convidados para que, condenados à morte, vivam com a Vida; a Ressurreição prostrou-se para
que aqueles que jaziam se levantem dos seus túmulos; a Bondade baixou-se para elevar os
pecadores até ao perdão; Deus veio ao homem para que o homem chegue até Deus; o juiz veio
à refeição dos culpados para desviar a humanidade da sentença de condenação; o médico veio
junto dos doentes para os restabelecer comendo com eles; o Bom Pastor inclinou o ombro
para trazer a ovelha perdida ao aprisco da salvação.
«Ele come com os publicanos e os pecadores!» Mas quem é pecador, senão aquele que recusa
ver-se como tal? Não será afundar-se no seu pecado e, a bem dizer, identificar-se com ele, o
deixar de se reconhecer pecador? E quem é injusto, senão aquele que se acha justo?... Vamos,
fariseu, confessa o teu pecado, e poderás vir à mesa de Cristo; Cristo, por ti, far-se-á pão, esse
pão que será partido para o perdão dos teus pecados; Cristo tornar-se-á, por ti, no cálice, esse
cálice que será derramado para a remissão das tuas faltas. Vamos, fariseu, compartilha a
refeição dos pecadores, e Cristo compartilhará a tua refeição; reconhece-te pecador, e Cristo
comerá contigo; entra com os pecadores no festim do teu Senhor, e poderás deixar de ser
pecador; entra com o perdão de Cristo na casa da misericórdia.
Santo Ireneu de Lyon (c. 130-c. 208), bispo, teólogo e mártir
Contra as heresias, III, 11, 8-9
São Mateus, um dos quatro evangelistas
Não pode haver um número superior nem um número inferior de evangelhos. Com efeito,
uma vez que são quatro as regiões do mundo no qual nos encontramos, e quatro os ventos
principais, e uma vez que, por outro lado, a Igreja está espalhada por toda a terra e tem por
“coluna e sustentáculo” (1 Tim 3, 15) o Evangelho e o Espírito da vida, é natural que haja
quatro colunas que sopram a imortalidade de todos os lados e dão vida aos homens. Quando o
Verbo, o artesão do universo, que tem o trono sobre os querubins e que sustenta todas as
coisas (Sl 79, 2; Heb 1, 3), se manifestou aos homens, deu-nos um evangelho com quatro
formas, embora mantido por um único Espírito. Implorando a sua vinda, David dizia:
“Manifestai-Vos, Vós que tendes o Vosso trono sobre os querubins” (Sl, 79, 2). Porque os
querubins têm quatro figuras (Ez 1, 6), que são as imagens da actividade do Filho de Deus.
“O primeiro [destes seres vivos] era semelhante a um leão” (Ap 4, 7), e caracteriza o poder, a
preeminênc ia e a realeza do Filho de Deus; “o segundo, a um touro”, manifestando a sua
função de sacrificador e de sacerdote; “o terceiro tinha um rosto como que de homem”,
evocando claramente a sua face humana; “o quarto era semelhante a uma águia em pleno
voo”, indicando o dom do Espírito que paira sobre a Igreja. Os evangelhos segundo João,
Lucas, Mateus e Marcos estarão pois, também eles, de acordo com estes seres vivos sobre os
quais Cristo Jesus tem o seu trono. […]
Encontramos estes mesmos traços no próprio Verbo de Deus; aos patriarcas que existiram
antes de Moisés, falava Ele segundo a sua divindade e a sua glória; aos homens que viveram
sob a Lei, atribuiu Ele uma função sacerdotal e ministerial; em seguida, fez-Se homem por
nós; por fim, enviou o dom do Espírito a toda a terra, escondendo-os à sombra das Suas asas
(Sl 16, 8). […] São, pois, fúteis, ignorantes e presunçosos os que rejeitam a forma sob a qual
se apresenta o evangelho, ou introduzem no evangelho um número de fig uras maior ou
menor do que as que referimos.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja
Comentário à 1ª carta de S. João
"Prefiro a misericórdia"
Amando o teu inimigo, tu desejas que ele seja para ti um irmão. O que nele amas não é o que
ele é, mas o que queres que ele seja. Imaginemos um pedaço de madeira de carvalho não
trabalhada. Um artesão que seja hábil vê aquela madeira, cortada no bosque; o pedaço de
madeira agrada-lhe; não sei o que vai fazer com ela, mas não é para que fique como está que o
artista gosta daquela madeira. A sua arte fá-lo ver o que aquele pedaço de madeira pode vir a
ser; o seu amor não se dirige para a madeira em bruto: ele ama o que vai fazer dela e não a
madeira em bruto.
Foi assim que Deus nos amou quando éramos pecadores. Com efeito, ele diz: "Não são os que
têm saúde que precisam de um médico, mas sim os doentes". Amou-nos pecadores para que
permanecêssemos pecadores? O Artesão viu-nos como um pedaço de madeira em bruto, vinda
do bosque, mas o que ele tinha em vista era a obra que extrairia dali e não a madeira, nem o
bosque.
Também tu: vês o teu inimigo opor-se a ti, irritar-te com palavras mordazes, tornar-se rude
com as suas afrontas, perseguir-te com a sua raiva. Mas estás atento ao facto de que se trata de
um homem. Vês tudo o que esse homem fez contra ti mas vês nele que foi feito por Deus.
Enquanto homem, ele é obra de Deus; a raiva que tem contra ti é obra dele. E que dizes, no
fundo do teu coração? "Senhor, sê benevolente para com ele, perdoa-lhe os seus pecados,
inspira-lhe o teu temor, converte-o." Neste homem, tu não amas o que ele é mas o que queres
que ele seja. Portanto, quando amas o teu inimigo, amas um irmão.
S. Beda Venerável (cerca de 673-735), monge, doutor da Igreja
Homilias sobre os evangelhos
“Segue-me”
"Jesus viu um homem sentado no balcão dos impostos ; o seu nome era Mateus. ‘Segue-me’,
disse-lhe ele”. Ele viu-o não tanto com os olhos do corpo como com o olhar interior da sua
misericórdia.... Viu o publicano e, como o viu com um olhar que tem piedade e que escolhe,
“disse-lhe: ‘Segue-me’”, quer dizer, imita-me. Pedindo-lhe que o seguisse, convidava-o
menos a caminhar atrás dele do que a viver como ele; porque “aquele que declara permanecer
em Cristo de caminhar pelo caminho por onde Jesus caminhou” (1 Jo 2,6)...
Mateus “levantou-se e seguiu-o”. Nada de espantoso que o publicano, ao primeiro apelo
imperioso do Senhor, tenha abandonado a sua procura de bens temporais, tenha aderido
àquele que lhe aparecia desprovido de toda a riqueza. É que o Senhor, que o chamava de fora
com a sua palavra, tocava-o no mais íntimo da alma, derramando nela a luz da graça
espiritual. Esta luz faria Mateus compreender que quem o chamava a deixar os bens materiais
na terra era capaz de lhe dar no cé u um tesouro incorruptível.
Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja
«Segue-me»
É misteriosa a vocação do publicano. Cristo diz-lhe que O siga, não por um interesse material,
mas por um impulso do coração. E aquele homem, que até então tirava avidamente proveito
dos negócios, que explorava duramente as canseiras e os perigos dos homens do mar, deixa
tudo à voz do chamamento. Ele, que tomava dos bens dos outros, abandona o que era seu; Ele,
que permanecia sentado atrás da sua triste banca, caminha com todo o entusiasmo atrás do
Senhor. E prepara-Lhe um grande banquete: o homem que recebe a Cristo na sua morada
interior sente-se saciado de delícias imensas, de alegrias inexcedíveis. Quanto ao Senhor,
entra de boa vontade e senta-Se à mesa preparada pelo amor daquele que acreditou.
Naquele mesmo instante, revela-se a diferença entre os detentores da Lei e os discípulos da
graça. Ater-se à Lei é sofrer, num coração vazio, uma fome sem remédio; acolher
interiormente a Palavra, recebê-la na alma, é encontrar a renovação na abundância do
alimento e da fonte im perecíveis, é nunca mais ter fome, nunca mais ter sede.
Se o Senhor come com os pecadores, será por ventura para nos proibir a nós de comermos e
vivermos em comum até com os pagãos? Ele diz-nos: «Não são os que gozam de saúde os que
precisam de médico, mas os doentes». É novo o remédio que o novo Mestre nos traz. Não é
um produto que nasça da terra. E toda a ciência não saberia prepará-lo.
S. João Crisóstomo (cerca de 345 - 407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla,
doutor da Igreja
Homilias sobre S. mateus
"Não vim chamar os justos mas os pecadores"
Porque é que Jesus não chamou Mateus ao mesmo tempo que Pedro, e João, e os outros? Tal
como veio à terra apenas quando sentiu que os homens estavam dispostos a obedecer-lhe,
também só chamou Mateus quando soube que ele o seguiria. Pela mesma razão, só agarrou
Paulo após a Ressurreição (Act 9). Porque, sondando os corações, penetrando no mais íntimo
da alma de cada um, ele sabia bem em que momento cada um estava disposto a segui-lo. Se
Mateus não foi chamado logo no princípio, é porque tnha ainda o coração demasiado duro;
mas depois de numerosos milagres, quando a fama de Jesus já tinha crescido, já ele estava
mais disposto a escutar o Mestre, e Jesus sabia-o.
Convém ainda admirar a virtude deste apóstolo, que não esconde a sua vida passada... O seu
ofício era vergonhoso, sem consciência; os lucros que dele tirava não tinham qualquer
desculpa. Apesar disso tudo, Jesus chamou-o. Não se envergonhou de chamar um publicano,
tal como não corou por falar a uma prostituta e permitiu-lhe mesmo que beijasse os seus pés e
os regasse com lágrimas (Lc 7,36 sg). Porque, se veio, não foi apenas para tratar dos corpos
mas para curar as almas. Era o que acabava de fazer com o paralítico; depois de tar mostrado
claramente que tem poder de perdoar os pecados, vem ter com Mateus, para que as pessoas
não fiquem espantadas por vê-lo escolher um publicano como discípolo.
O verdadeiro sacrifício, segundo o pregador do Papa
Padre Raniero Cantalamessa comenta as leituras do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 3 de junho de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa --pregador da Casa Pontifícia-- às leituras do próximo domingo (Os
6,3b-6; Sal 49,1-15; Rm 4, 18-25; Mt 9, 9-13).
***
Mateus (9, 9-13)
Naquele tempo, ao passar, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no despacho de
impostos, e disse-lhe: «Segue-me». Ele se levantou e o seguiu. E sucedeu que, estando ele à
mesa na casa de Mateus, vieram muitos publicanos e pecadores, e estavam à mesa com Jesus
e seus discípulos. Ao vê-los, os fariseus diziam aos discípulos: «Por que vosso mestre come
com os publicanos e pecadores?». Mas ele, ao ouvir, disse: «Não necessitam de médico os
que estão fortes, mas os que estão mal. Ide, pois, e aprendei o que significa: quero
Misericórdia e não sacrifício».
Deus quer misericórdia
Há algo comovedor no Evangelho do dia. Mateus não nos narra algo que Jesus disse ou fez
um dia a alguém, mas o que lhe disse e lhe fez pessoalmente a ele. É uma página
autobiográfica, a história do encontro com Cristo que mudou sua vida.
«Viu Jesus um homem chamado Mateus, sentado no despacho de impostos, e disse-lhe:
“Segue-me”. Ele se levantou e o seguiu». O episódio, contudo, não é citado nos Evangelhos
pela importância pessoal que revestia Mateus. O interesse se deve ao que segue ao momento
do chamado. Mateus quis oferecer um grande banquete em sua casa para despedir-se de seus
ex-companheiros de trabalho, «publicanos e pecadores».
À indefectível reação dos fariseus, Jesus responde: «Não necessitam de médico os que estão
fortes, mas os que estão mal. Ide, pois, a aprender o que significa: quero Misericórdia, não
sacrifício». Que significa tal frase na qual Jesus cita o profeta Oséias? Talvez que é inútil todo
sacrifício e mortificação e que basta amar para que tudo vá bem? Desta passagem pode-se
chegar a rejeitar a dimensão ascética do cristianismo, como resíduo por superar de uma
mentalidade aflitiva ou maniqueísta.
Antes de tudo há que observar uma profunda mudança de perspectiva. Em Oséias, a expressão
se refere ao homem, ao que Deus quer dele. Deus quer do homem amor e conhecimento, não
sacrifícios exteriores e holocaustos de animais. Na boca de Jesus, a expressão se refere em
contrapartida a Deus. O amor do que se fala não é o que Deus exige do homem, mas o que dá
ao homem. «Misericórdia quero, não sacrifício» quer dizer: quero usar misericórdia, não
condenar. Seu equivalente bíblico é a palavra que se lê em Ezequiel: «Não quero a morte do
pecador, mas que se converta e viva» (33,11).
Deus não quer «sacrificar» a sua criatura, mas salvá-la. Com esta pontualização, entende-se
melhor também a expressão de Oséias. Deus não quer o sacrifício a todo custo, como se
alegrasse vendo-nos sofrer; não quer tampouco o sacrifício feito para alegar direitos e méritos
ante ele, ou por um mal-entendido sentido de dever. Quer ao contrário o sacrifício que é
requerido por seu amor e pela observância dos mandamentos. «Não se vive em amor sem
dor», diz a Imitação de Cristo, e a mesma experiência diária confirma. Não há amor sem
sacrifício. Neste sentido, Paulo nos exorta a fazer de toda nossa vida «um sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus» (Rm 12, 1).
Sacrifício e misericórdia são coisas boas, mas podem converter-se em más se se distribuem
mal. São coisas boas se (como fez Cristo) se elege o sacrifício para si e a misericórdia para os
demais; se voltam más se se faz o contrário e se elege a misericórdia para si e o sacrifício para
os demais. Se se é indulgente consigo mesmo e rigoroso com os demais, dispostos sempre a
desculpar-nos e julgar os outros. Não temos nada que revisar ao respeito em nossa conduta?
Não podemos concluir o comentário do chamado de Mateus sem dedicar um pensamento
afetuoso e reconhecido a este evangelista que nos acompanha, com seu Evangelho, no curso
de todo este primeiro ano litúrgico.
Caravaggio, que pintou a «vocação de Mateus», também deixou um quadro do evangelista
enquanto escreve seu Evangelho. Uma primeira versão foi destruída em Berlim na última
guerra; em uma segunda versão, que chegou até nós, está ajoelhado sobre o escabelo, com a
pluma na mão, atento a escutar o anjo (seu símbolo) que lhe transmite a inspiração divina.
Obrigado, São Mateus. Sem ti, quanto mais pobre seria nosso conhecimento de Cristo!
[Original italiano publicado por «Famiglia Cristiana». Traduzido por Zenit]
ZP05060301
S. Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, doutor da Igreja
Sermão 30: Pl 52, 285-286
«Ele come com os publicanos e os pecadores!»
Deus é acusado de se vergar para o homem, de se sentar perto do pecador, de ter fome da sua
conversão e sede do seu regresso, de tomar o alimento da misericórdia e o cálice da
benevolência. Mas Cristo, meus irmãos, veio a esta refeição; a Vida veio ao seio dos seus
convidados para que, condenados à morte, vivam com a Vida; a Ressurreição prostrou-se para
que aqueles que jaziam se levantem dos seus túmulos; a Bondade baixou-se para elevar os
pecadores até ao perdão; Deus veio ao homem para que o homem chegue até Deus; o juiz veio
à refeição dos culpados para desviar a humanidade da sentença de condenação; o médico veio
junto dos doentes para os restabelecer comendo com eles; o Bom Pastor inclinou o ombro
para trazer a ovelha perdida ao aprisco da salvação.
«Ele come com os publicanos e os pecadores!» Mas quem é pecador, senão aquele que recusa
ver-se como tal? Não será afundar-se no seu pecado e, a bem dizer, identificar-se com ele, o
deixar de se reconhecer pecador? E quem é injusto, senão aquele que se acha justo?... Vamos,
fariseu, confessa o teu pecado, e poderás vir à mesa de Cristo; Cristo, por ti, far-se-á pão, esse
pão que será partido para o perdão dos teus pecados; Cristo tornar-se-á, por ti, no cálice, esse
cálice que será derramado para a remissão das tuas faltas. Vamos, fariseu, compartilha a
refeição dos pecadores, e Cristo compartilhará a tua refeição; reconhece-te pecador, e Cristo
comerá contigo; entra com os pecadores no festim do teu Senhor, e poderás deixar de ser
pecador; entra com o perdão de Cristo na casa da misericórdia.
Santo Ambrósio (c. 340 – 397), bispo de Milão e doutor da Igreja
«Segue-Me»
Foi assim a misteriosa vocação do publicano. Cristo diz-lhe que O siga, não por uma questão
material, mas pelo movimento do seu coração. E aquele homem, que até então tinha sido
ávido em tirar proveito dos negócios, que explorava duramente as labutas e os perigos dos
marinheiros, deixa tudo ao ouvir o chamamento. Ele, que ficava com os bens alheios,
abandona os seus próprios haveres. Ele, que permanecia sentado atrás da banca, corre com
toda a alma no seguimento do Senhor. Prepara um grande banquete. O homem que recebe
Cristo na sua morada interior fica saciado de delícias incomensuráveis, de alegrias
sobreabundantes. Quanto ao Senhor, entra de boa vontade, põe-Se à mesa preparada pelo
amor de aquele que acreditou.
Revela-se de repente a diferença entre os que se atêm à Lei e os discípulos da graça. Ater-se à
Lei é sofrer num coração em jejum uma fome sem remédio; acolher interiormente a Palavra, é
encontrar a renovação na abundância do alimento e da fonte eternos, é nunca mais ter fome,
nunca mais ter sede.
Se o Senhor come com os pecadores, será para nos proibir a nós de termos mesa e vida em
comum com os pagãos? É Ele quem nos diz: “Não são os sãos que precisam de médico, mas
os doentes”. É novo o remédio que o novo Mestre nos traz. Não se trata de um produto que
brota da terra, e toda a ciência da criação não seria capaz de prepará-lo.
Evangelho segundo S. Mateus 9,14-17. – cf.par. Mc 2,18-22; Lc 5,33-38
Depois, foram ter com Ele os discípulos de João, dizendo: «Porque é que nós e os fariseus
jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» Jesus respondeu-lhes: «Porventura podem os
convidados para as núpcias estar tristes, enquanto o esposo está com eles? Porém, hão-de vir
dias em que lhes será tirado o esposo e, então, hão-de jejuar.» «Ninguém põe um remendo de
pano novo em roupa velha, porque o remendo puxa parte do tecido e o rasgão torna-se maior.
Nem se deita vinho novo em odres velhos; de contrário, rompem-se os odres, derrama-se o
vinho e estragam-se os odres. Mas deita-se o vinho novo em odres novos; e, desta maneira,
ambas as coisas se conservam.»
São Paciano de Barcelona ( ? – c.390), bispo
Homilia sobre o baptismo
«O Esposo está com eles»
O pecado de Adão foi comunicado a todo o género humano, a todos os seus filhos [...]
Portanto, é necessário que a justiça de Cristo seja comunicada a todo o género humano; tal
como Adão, pelo pecado, fez perder a vida à sua descendência, também Cristo, pela justiça,
dará a vida aos seus filhos [cf Rm 5,19ss) [...].
No fim dos tempos, Cristo recebeu de Maria uma alma e a nossa carne. A esta carne, veio Ele
salvá-la; Ele não a entregou na morada dos mortos (Sl 15,10), mas uniu-a ao seu espírito e fêla sua. São as núpcias do Senhor, a sua união a uma só carne, a fim de que, segundo «o grande
mistério», sejam «dois uma só carne»: Cristo e a Igreja (Ef 5,31). O povo cristão nasceu
destas núpcias, sobre as quais desceu o Espírito do Senhor. Essas sementes vindas do céu
dispersaram-se na substância das nossas almas e aí se misturaram. Desenvolvemo-nos então
nas entranhas da nossa Mãe e, crescendo no seu seio, recebemos a vida em Cristo. É por isso
que o apóstolo Paulo diz: «o primeiro homem, Adão, foi feito um ser vivente e o último Adão,
um espírito que vivifica.»
É assim que Cristo gera filhos na Igreja através dos seus padres, como o diz o mesmo
apóstolo: «porque fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, pelo Evangelho» (1 Cor 4,15). E é
assim pelo Espírito de Deus: Cristo faz nascer o homem novo formado no seio da sua mãe e
posto no mundo na pia baptismal, pelas mãos do padre, com a fé por testemunho. [...] É pois
preciso acreditar que podemos nascer [...] e que é Cristo quem nos dá a vida. O apóstolo João
o diz: «A quantos O receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tirnarem filhos de
Deus». Ele deu o poder de serem filhos de Deus» (Jo 1,12).
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Sermão 210
«Então jejuarão»
«Dias virão em que o Esposo lhes será retirado; então jejuarão.» Pois que o Esposo nos foi
retirado, é, para nós, tempo de tristeza e de lágrimas.
Este Esposo «é mais belo que todos os filhos dos homens; a graça escorre nos seus lábios» (Sl
44,3) e contudo na mão dos seus carrascos, perdeu todo o brilho, toda a beleza, e foi
arrancado à terra dos vivos (Is 53, 2-8). Ora o nosso luto é justo se ardemos de desejo de o
ver. Felizes dos que, antes da Sua Paixão, puderam gozar da Sua presença, interrogá-Lo como
queriam e escutá-lo como se devia... Quanto a nós, assistimos agora ao cumprimento daquilo
que Ele disse: «dias virão em que desejareis apenas ver um dos dias do Filho do homem, mas
não o vereis» (Luc 17,22)...
Quem não diria com o rei profeta: «As minhas lágrimas tornaram-se o meu alimento, dia e
noite, enquanto me diziam sem cessar: “onde está o teu Deus?"» (Sl 41,4). Cremos nEle, sem
dúvida, sentado já à direita do Pai, mas enquanto estrivermos neste corpo, estamos longe dEle
(2 Cor 5,6), e não podemos mostrá-Lo àqueles que duvidam da sua existência e, mesmo quem
a nega dizendo: «Onde está o teu Deus?»...
«Um pouco mais de tempo ainda, dizia o Senhor aos Seus discípulos, e não me vereis mais»
(Jo 16,19). Agora é a hora acerca da qual Ele disse :«Vós estareis na tristeza, mas o mundo
estará na alegria»... Mas, acrescenta ele, «voltarei a ver-vos e o vosso coração alegrar-se-á, e
ninguém vos retirará a vossa alegria» (v. 20). A esperança que nos dá assim, Aquele que é fiel
nas suas promessas não nos deixa, desde agora, sem nenhuma alegria – até que venha a
alegria sobreabundante do dia em que nos tornaremos semelhantes a Ele, porque O veremos
tal como é (1Jo 3,2)... «Uma mulher que vai dar à luz, diz Nosso Senhor, sofre, porque
chegou a sua hora, mas quando o filho nasce, experimenta uma grande alegria, porque um ser
humano veio ao mundo» (Jo 16,21). É esta alegria que ninguém poderá tirar-nos, e da qual
estaremos cheios, logo que passemos da concepção presente da fé à luz eterna. Jejuemos,
pois, agora, e rezemos, porque estamos ainda no dia do parto.
São Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, Doutor da Igreja
Sermão 81
“Então hão-de jejuar.”
Há três actos, meus irmãos, em que a fé se sustenta, a piedade consiste e a virtude se mantém:
a oração, o jejum e a misericórdia. A oração bate à porta, o jejum obtém, a misericórdia
recebe. Oração, misericórdia e jejum são uma só coisa, dando-se mutuamente a vida. Com
efeito, o jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum. Que ninguém os divida,
pois não podem ser separados. Quem pratica apenas um ou dois deles, esse nada tem. Assim,
pois, aquele que reza tem de jejuar, e aquele que jejua tem de ter piedade. Ele que escute, o
homem que pede e que, ao pedir, deseja ser escutado; aquele que não se recusa a ouvir os
outros quando lhe pedem alguma coisa, esse faz-se ouvir por Deus.
Aquele que pratica o jejum tem de compreender o jejum; isto é, tem de ter compaixão do
homem que tem fome, se quer que Deus tenha compaixão da sua própria fome. Aquele que
espera obter misericórdia tem de ter misericórdia; aquele que quer beneficiar da bondade tem
de praticá-la; aquele que quer que lhe dêem tem de dar. […] Sê pois a norma da misericórdia
a teu respeito: se queres que tenham misericórdia de ti de certa maneira, em certa medida,
com tal prontidão, sê tu misericordioso com os outros com a mesma prontidão, a mesma
medida e da mesma maneira.
A oração, a misericórdia e o jejum devem, pois, constituir uma unidade, para nos
recomendarem diante de Deus, devem ser a nossa defesa, são uma oração a nosso favor com
este triplo formato.
S. Bernardo (1091-1153), monge de Cister e doutor da Igreja
Sermão 1 para o primeiro dia da Quaresma, 1, 3, 6
“Então jejuarão”
Porque é que o jejum de Cristo não é vulgar entre os cristãos? Porque é que os membros não
seguem a Cabeça? (Col 1,18). Se recebemos os bens desta Cabeça, não suportaremos os
males? Queremos nós rejeitar a sua tristeza e participar das suas alegrias? Se é assim,
mostramo-nos indignos de fazer corpo com esta Cabeça. Porque tudo o que ele sofreu, foi por
nós. Se nos repugna colaborar na obra da nossa salvação, em que é que mostraremos as suas
ajudas? Jejuar com Cristo é pouca coisa para aquele que deve sentar-se com ele à mesa do
Pai. Feliz o membro que tiver aderido em tudo a esta Cabeça e a tiver seguido por onde quer
que ela tenha ido (Ap 14,4). Por outro lado, se ele vier a ser cortado e separado, será
imediatamente privado do sopro da vida…
Para mim, aderir completamente a ti é um bem, ó Cabeça gloriosa e bendita por todos os
séculos, sobre a qual os anjos também se inclinam com cobiça (1 Ped 1,12). Eu seguir-te-ei
por onde quer que fores. Se passares pelo fogo, não me separarei de ti, e não temerei nenhum
mal, porque tu estás comigo (Sl 22,4). Tu carregas as minhas dores e sofres por mim. Tu, o
primeiro, tu passaste pela estreita passagem do sofrimento para abrires uma grande entrada
aos membros que te seguem. Quem nos separará do amor de Cristo? (Rom 8,35) … Este amor
é o perfume que desce da cabeça sobre a barba, que desce também sobre a gola da veste, para
a olear até ao mais pequeno fio (Sl 132,2). Na Cabeça encontra-se a plenitude das graças, e
dela recebemos tudo. Na Cabeça está toda a misericórdia, na Cabeça o excesso dos perfumes
espirituais, como está escrito: “Deus te ungiu com o óleo da alegria” (Sl 44,8) …
E nós, o que é que o evangelho nos pede no início desta Quaresma? “Tu, diz ele, quando
jejuares, perfuma a cabeça” (Mt 6,17). Admirável condescendência! O Espírito do Senhor está
sobre ele, ungiu-o (Lc 4,18), e contudo, para evangelizar os pobres, ele diz-lhes: “Perfuma a
tua cabeça”.
João Paulo II
Angelus de 10 de Março de 1996
"Então jejuarão"
Entre as práticas penitenciais que a Igreja nos propõe, sobretudo neste tempo de Quaresma,
encontra-se o jejum. Ele comporta uma sobriedade especial em relação ao alimento,
salvaguardando as necessidades do nosso organismo. Trata-se de uma forma tradicional de
penitência que não perdeu nada da sua sigificação e que talvez se deva mesmo redescobrir,
especialmente nesta parte do mundo e nestes meios em que não só o alimento abunda mas
onde se encontram por vezes doenças devidas à sobrealimentação.
O jejum penitencial é evidentemente muito diferente dos regimes alimentares terapêuticos.
Mas, à sua maneira, pode ver-se nele como que uma terapia da alma. Com efeito, praticado
em sinal de conversão, facilita o esforço interior para nos pormos à escuta de Deus. Jejuar é
reafirmar a si mesmo o que Jesus replicou a Satanás que o tentava após quarenta dias de jejum
no deserto: "O homem não vive apenas de pão, mas de toda a palavra que sai da boca de
Deus" (Mt 4,4). Hoje, especialmente nas sociedades de bem-estar, compreende-se
dificilmente o sentido desta palavra evangélica. A sociedade de consumo, em vez de
solucionar as nossas necessidades, cria sempre novas, gerando mesmo um activismo
desmesurado... Entre outras significações, o jejum penitencial tem precisamente por objectivo
ajudar-nos a reencontrar a interioridade.
O esforço de moderação no alimento estende-se também a outras coisas que não são
necessárias e traz um grande auxílio à vida do espírito. Sobriedade, recolhimento e oração
caminham lado a lado. Pode fazer-se uma oportuna aplicação deste princípio no que toca ao
uso dos meios de comunicação de massa. Eles têm uma utilidade indiscutível mas não devem
tornar-se os "senhores" da nossa vida. Em quantas famílias a televisão parece substituir, mais
do que facilitar, o diálogo entre as pessoas! Um certo "jejum", neste domínio também, pode
ser salutar, quer para consagrar mais tempo à reflexão e à oração, quer para cultivar as
relações humanas.
S. Pedro Crisólogo (cerca de 406-450), bispo de Ravena, doutor da Igreja
O jejum dos amigos do Esposo
“Porque é que nós e os fariseus jejuamos frequentemente e os teus discípulos não jejuam?”
Porquê? Porque, para vós, o jejum é uma questão de lei e não de dom espontâneo. Em si
mesmo, o jejum não tem valor, o que conta é o desejo daquele que jejua. Que proveito pensais
tirar, vós que jejuais constrangidos e forçados?
O jejum é uma charrua maravilhosa para lavrar o campo da santidade: revolve os corações,
desenraíza o mal, arranca o pecado, enterra o vício, semeia a caridade; alimenta a fecundidade
e prepara a colheita da inocência. Quanto aos discípulos de Cristo, eles estão postos mesmo
no coração do campo maduro da santidade; recolhem os feixes das virtudes; alimentam-se do
Pão da nova colheita; por isso, não podem praticar jejuns
que já não têm valor...
“Porque é que os teus discípulos não jejuam?” O Senhor responde-lhes: “Os amigos do
Esposo poderão jejuar, enquanto o Esposo está com eles?” Aquele que toma esposa deixa de
lado o jejum, abandona a austeridade; entrega-se inteiramente à alegria, participa nos
banquetes; mostra-se afável, amável e alegre; faz tudo o que lhe inspira a sua afeição pela
noiva. Cristo celebrava nessa altura as suas bodas com a Igreja: por isso, ele aceitava tomar
parte em refeições, não se recusava aos que o convidavam; cheio de benevolência e de amor,
mostrava-se humano, acessível, amável. É que ele queria unir o homem a Deus e fazer dos
seus companheiros membros da família divina.
S. Gregório o Grande, papa e doutor da Igreja
Comentário aos Evangelhos
O jejum que agrada a Deus
Foi comendo os frutos da árvore proibida que Adão transgrediu os preceitos da vida. Nós
outros, é restringindo o nosso comer, tanto quanto isso é possível, que nós nos reergueremos,
que reencontraremos a alegria original.
Que ninguém creia que esta abstinência possa ser suficiente. Com efeito, Deus diz-nos, pelo
seu profeta: “Não sabeis qual é o jejum que me agrada? Partilha o teu pão com o faminto,
hospeda os pobres sem abrigo, veste aquele que vês um, não abandones o teu irmão” (Is 58, 57). Eis o jejum que Deus aprova: aquele que apresenta a seus olhos as mãos repletas de
esmolas, um coração cheio de amor pelos outros – um jejum todo amassado de bondade.
Aquilo de que te privas pessoalmente, dá-o a outro. Assim, a tua penitência corporal
contribuirá para um outro ficar melhor. Compreende aliás a censura do Senhor na boca do
profeta: é comer e beber para si, absorvendo sem partilhar com os pobres os alimentos
destinados a alimentar o corpo; estes são dons feitos pelo Criador para a comunidade dos
homens. É ainda jejuar para si, privando-se por um tempo, mas guardar o fruto das suas
restrições para consumir mais tarde: “Santificai o vosso jejum” diz o profeta (Jl 1,14).
Que cesse a cólera; que abrandem as desavenças! A mortificação do corpo é vã se ao coração
não se impõe uma disciplina para refrear as suas paixões. “Jejuais na disputa e na cólera” diz
o profeta (Is 58,4). Com efeito, se não perdoamos, Deus remeter-nos-á à nossa injustiça.
Evangelho segundo S. Mateus 9,18-26. – cf.par. Mc 5,21-43; Lc 8,40-56
Enquanto Jesus lhes dizia estas coisas, aproximou-se um chefe que se prostrou diante dele e
disse: «Minha filha acaba de morrer, mas vem impor-lhe a tua mão e viverá.» Jesus,
levantando-se, seguiu o com os discípulos. Então, uma mulher, que padecia de uma
hemorragia há doze anos, aproximou se dele por trás e tocou-lhe na orla do manto, pois
pensava consigo: 'Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada.’ Jesus voltou-se e, ao
vê-la, disse-lhe: «Filha, tem confiança, a tua fé te salvou.» E, naquele mesmo instante, a
mulher ficou curada. Quando chegou a casa do chefe, vendo os flautistas e a multidão em
grande alarido, disse: «Retirai-vos, porque a menina não está morta: dorme.» Mas riam-se
dele. Retirada a multidão, Jesus entrou, tomou a mão da menina e ela ergueu-se. A notícia
espalhou-se logo por toda aquela terra.
S. Clemente de Roma, papa de 90 a 100 aproximadamente
Carta aos Coríntios, § 24-29
“A menina não está morta: ela dorme”
Reparemos, meus bem-amados, como o Senhor não cessa de nos mostrar a ressurreição futura
da qual ele nos deu as primícias ressuscitando dos mortos o senhor Jesus Cristo.
Consideremos, bem-amados, as ressurreições que se cumprem periodicamente. O dia e a noite
fazem-nos ver uma ressurreição. A noite deita-se, o dia levanta-se; o dia desaparece, a noite
surge. Olhemos os frutos: como se fazem as sementeiras, o que é que se passa? O semeador
sai, deita na terra as diferentes sementes. Estas caiem, secas e nuas, sobre a terra e
desagregam-se. Depois, a partir desta decomposição, a magnifica providência do Mestre as
faz reviver e um só grão multiplica-se e dá fruto… Acharemos pois estranho e extraordinário
que o criador do universo faça reviver aqueles que o serviram fielmente e com a confiança de
uma fé perfeita?...
É nesta esperança que os nossos corações se agarram àquele que é fiel às suas promessas e
justo nos seus juízos. Ele, que ordenou que não se mentisse, com mais forte razão não mente
ele próprio. Nada é impossível a Deus, excepto mentir. Reavivemos pois a nossa fé nele e
consideremos que tudo está ao seu alcance.
Com uma palavra do seu poder total, formou o universo, e com uma palavra ele pode
aniquilá-lo… Ele faz tudo quando e como quer. Nada se afastará jamais daquilo que ele
decidiu. Tudo está presente em frente dele e nada escapa à sua providência.
S. Cirilo de Alexandria (380-444), bispo, doutor da Igreja
Comentário ao evangelho de João, 4; pg 73, 560
«Ele entrou e pegou na mão da menina»
Assim que Cristo entrou em nós pela sua própria carne, nós revivemos inteiramente; é
inconcebível, ou mais ainda, impossível, que a vida não faça viver aqueles nos quais ela se
introduziu. Como se cobre um tição ardente com um montão de palha para guardar intacto o
germe do fogo, assim nosso Senhor Jesus Cristo esconde a vida em nós pela sua própria carne
e coloca aí como uma semente de imortalidade que afasta toda a corrupção que trazemos em
nós.
Não é pois apenas pela sua palavra que ele realiza a ressurreição dos mortos. Para mostrar que
o seu corpo dá a vida, como tínhamos dito, ele toca os cadáveres e pelo seu corpo dá a vida a
esses corpos já em vias de desintegração. Se o simples contacto da sua carne sagrada restitui a
vida a esses mortos, que beneficio não encontraremos nós na sua eucaristia vivificante quando
a recebemos!... Não será suficiente que apenas a nossa alma seja regenerada pelo Espírito para
uma vida nova. O nosso corpo denso e terrestre também deve ser santificado pela sua
participação num corpo também denso e da mesma origem que o nosso e deve ser chamado
também à incorruptibilidade.
São Romano Músico (?-c. 560), compositor de hinos
Hino 23, sobre a hemorroísa
“Se ao menos tocar nas Suas vestes, ficarei curada”
Tal como a hemorroísa, também eu me prostro diante de Ti, Senhor, para que me livres do
sofrimento e me concedas o perdão dos meus pecados, a fim de que eu clame a Ti, de coração
compungido: “Salvador, salva-me!” […]
Ela aproximou-se de Ti às escondidas, Salvador, porque Te tomava por um simples homem,
mas o facto de ter sido curada demonstrou-lhe que eras Deus e homem ao mesmo tempo. Em
segredo, tocou na orla do Teu manto, com o temor na alma […], dizendo para consigo: Como poderei deixar-me ver por Aquele que tudo observa, eu, que trago comigo a vergonha
das minhas faltas? Se vir o fluxo de sangue, Aquele que é Todo-puro afastar-Se-á de mim que
sou impura e, se Ele se afastar de mim apesar do meu grito – “Salvador, salva-me!” –, tal será
mais terrível do que a minha chaga.
Ao ver-me, todos me empurram: “Onde vais? Tem consciência da tua vergonha, mulher,
percebe quem és, e de quem pretendes aproximar-te! Tu, a impura, aproximares-te do Todopuro! Vai purificar-te e, quando tiveres limpado a mancha que trazes contigo, poderás
aproximar-te dele gritando: ‘Salvador, salva-me!’”
- Procurais causar-me maior dor que o próprio mal de que padeço? Bem sei que Ele é puro e é
precisamente por isso que me dirijo a Ele, para ser libertada do opróbrio e da infâmia. Não me
impeçais, pois […], de gritar: “Salvador, salva-me!”
A fonte derrama as suas vagas para todos: com que direito a cerrais? […] Sois testemunhas
das curas que Ele praticou. […] Todos os dias nos encoraja dizendo: - Vinde a Mim, todos os
que estais cansados e oprimidos e aliviar-vos-ei (Mt 11, 28). Ele gosta de conceder o dom da
saúde a todos. Por que me tratais com rudeza, impedindo-me de Lhe gritar: “Salvador, salvame!”? […]
Aquele que conhece todas as coisas […] volta-se e pergunta aos seus discípulos: “Quem tocou
nos meus vestidos?” (Mc 5, 30) […] Por que Me dizes, Pedro, que a multidão me empurra?
Eles não tocam a Minha divindade, mas esta mulher, ao tocar a Minha veste invisível, tocou a
Minha natureza divina e recupero u a saúde, gritando-Me: “Salvador, salva-me!”
“Tem coragem, mulher. […] Desde agora, ficarás curada. […] Isto não é obra das Minhas
mãos, mas da tua fé. Pois muitos tocaram a orla das Minhas vestes sem obter a força, porque
não vinham com fé. Tu tocaste-Me cheia de fé e recuperaste a saúde. Foi por isso que te expus
diante de todos, para que dissesses: ‘Salvador, salva-me!’”
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de Africa) e doutor da Igreja
49º Tratado sobre S. João
"Vem impor-lhe as mãos e ela viverá"
"Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e quem vive e crê em mim não morrerá
jamais" (Jo 11, 25-26). Que quer isto dizer? Viverá, porque Cristo "não é o Deus dos mortos
mas dos vivos" (Mt 22, 32)...
Crê, pois, e ainda que estejas morto, viverás! Mas, se não crês, ainda que estejas vivo, estás
realmente morto... Donde vem a morte da alma? De que a fé não esteja nela. Donde vem a
morte do corpo? De que a alma não esteja nele... Portanto, a alma da tua alma é a fé. "Aquele
que tem fé, diz o Senhor, ainda que esteja morto no seu corpo, terá a vida na sua alma até que
o próprio corpo ressuscite para não mais morrer. E todo aquele que vive no seu corpo e crê em
mim, ainda que deva morrer por um tempo no seu corpo, não morrerá para a eternidade, por
causa da vida do Espírito e da imortalidade que a Ressurreição lhe dará."
Evangelho segundo S. Mateus 9,27-31.
Ao sair dali, seguiram-no dois cegos, gritando: «Filho de David, tem misericórdia de nós!»
Ao chegar a casa, os cegos aproximaram-se dele, e Jesus disse-lhes: «Credes que tenho poder
para fazer isso?» Responderam-lhe: «Cremos, Senhor!» Então, tocou-lhes nos olhos, dizendo:
«Seja-vos feito segundo a vossa fé.» E os olhos abriram-se-lhes. Jesus advertiu-os em tom
severo: «Vede lá, que ninguém o saiba.» Mas eles, saindo, divulgaram a sua fama por toda
aquela terra.
S. Simeão o Jovem Teólogo (cerca de 949 - 1022), monge ortodoxo
"Então, tocou-lhes nos olhos"
Procuremos o único que nos pode dar a liberdade; persigamo-lo sem cessar com o nosso
desejo, a ele, cuja beleza fere os corações, que os atrai pelo amor e os une a si para sempre.
Sim, pelas nossas acções corramos todos para ele. Não nos deixemos ultrapassar por ninguém,
nem enganar-nos ou distrair-nos na nossa procura pelo que quer que seja.
Sobretudo..., não digamos que Deus nunca manifesta a sua presença aos homens. Não
digamos que é impossível aos homens verem um dia a luz de Deus - e até de a verem hoje.
Nunca, graças a Deus, isso foi impossível, desde que o desejemos. Compreendamos a beleza
do nosso Mestre! Não lhe fechemos os olhos do nosso coração deixando-nos absorver pelas
realidades deste mundo. Sim, que o cuidado com as coisas da terra não nos torne escravos da
glória humana, a ponto de nos fazer abandonar aquele que é a luz da vida eterna.
Vamos, pois, todos juntos até ele, com um mesmo coração, com um mesmo espírito, com toda
a nossa alma. Humildemente, lancemos o nosso grito até ele, nosso bom Mestre, nosso Senhor
misericordioso, até ele que é o "único amigo dos homens" (Sb 1,6). Procuremo-lo porque ele
vai revelar-se a nós, vai aparecer, vai manifestar-se, ele que é a nossa esperança.
Santo Anselmo (1033-1109), monge, bispo, Doutor da Igreja
Proslogion 1 (trad. Orval)
«O meu coração pressente os Teus dizeres: 'Procurai a Minha Face!' [...] Não escondais
de mim o Vosso Rosto» (Sl 26, 8)
Fala, coração, abre-te por completo e diz a Deus: «É a Tua face, Senhor, que eu procuro» (Sl
26, 8). E Tu, Senhor meu Deus, ensina ao meu coração onde e como há-de procurar-Te, onde
e como há-de encontrar-Te. Senhor, se não estás aqui, se estás ausente, onde Te hei-de
procurar? E, se estás presente em toda a parte, por que motivo não consigo ver-Te? É certo
que habitas uma luz inacessível. Mas onde está a luz inacessível e como atingirei essa luz
inacessível? Quem me conduzirá a ela, quem me mergulhará nela, para que nela Te veja? E
em seguida, com base em que sinais e de que lado Te procurarei? Nunca Te vi, Senhor meu
Deus, não conheço o Teu rosto. Que pode fazer, Senhor altíssimo, que pode fazer este exilado
longe de Ti? Que pode fazer o Teu servo, anseia pelo Teu amor e foi rejeitado para longe da
Tua face? Aspira a ver-Te e o Teu rosto esconde-se-lhe por completo. Deseja ir ter conTigo e
a Tua morada é-lhe inacessível. Gostaria de Te encontrar e não sabe onde estás. Empreende
procurar-Te e ignora o Teu rosto.
Senhor, Tu és o meu Deus, és o meu Senhor, e nunca Te vi. Tu criaste-me e recriaste-me, Tu
me proveste de todos os bens que possuo e ainda não Te conheço. Tu me fizeste a fim de que
Te visse e ainda não realizei o meu destino. Miserável sorte a do homem que perdeu aquilo
para o qual foi criado. [...] Buscar-Te-ei com o meu desejo e desejar-Te-ei na minha busca.
Encontrar-Te-ei amando-Te e amar-Te-ei quando Te encontrar.
Hildebrando (séc. XIII), monge cisterciense
Opúsculo sobre a contemplação
"Tem piedade de nós, Filho de David"
Jesus bendito, minha esperança, meu desejo, meu amor, tenho uma coisa para te dizer, uma
coisa a teu respeito, um assunto cheio de dor e de miséria. Tu que és o Verbo, unigénito do
Pai que não foi gerado, tornado carne por mim, Palavra saída do coração do Pai, Palavra que
Deus proferiu uma só vez (cf. He 9,26), Palavra pela qual «nos últimos dias» (He 1,2) o teu
Pai celeste me falou, digna-te escutar, Tu, ó Palavra de Deus, a palavra que desejos
abundantes fazem sair do meu coração. Escuta e vê: a minha alma fica triste e toda perturbada
quando me dizem cada dia: «Onde está o teu Deus?» (Sl 41,4). Não tenho nada a responder,
receio que não estejas aí, não sinto a tua presença.
O meu coração arde, desejo ver o meu Senhor. Onde estão, na verdade, a minha paciência e a
minha constância? És Tu o Senhor meu Deus e, eu, o que vou fazer? Procuro-te e não te
encontro; desejo-te e não te vejo; corro atrás de ti e não te agarro. Qual é a minha força, para
que possa aguentar? Até onde posso resistir? Há alguma coisa mais triste do que a minha
alma? Algo mais miserável? Algo mais provado? Acreditas, meu amor, que a minha tristeza
se mudará em alegria quando te vir (Jo 16,20)?... «Fala, Senhor, que o teu servo escuta» (1
Sm 3,9). Que eu possa escutar o que Tu dizes em mim, Senhor meu Deus. Diz à minha alma:
«Sou a tua salvação!» (Sl 84,9; 34,3) Diz mais, Senhor, e fala de forma a que eu te ouça:
«Meu filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu» (Lc 15,31). Ah! Verbo de Deus
Pai! é isso que eu queria ouvir.
Santo Anselmo (1033-1109), monge, bispo, doutor da Igreja
Proslogion, 1
«Meu coração diz a teu respeito: “ Procura a sua face” ; É a tua face, Senhor, que eu
procuro» (Sl 26, 8)
« Tu, Senhor, até quando?» (Sl 6,4). Até quando, Senhor, Te esquecerás de
nós? Por quanto tempo nos esconderás a Tua face? (Sl 12, 2). Quando nos
olharás e nos ouvirás? Quando iluminarás os nossos olhos e nos mostrarás a
tua face? Quando virás de novo até nós? Olha para nós, Senhor, ilumina-nos,
mostra-Te a nós. Concede-nos o bem da Tua presença, a nós que, sem Ti, vamos
tão mal. Tem piedade dos nossos esforços activos para chegarmos a Ti, nós
que nada podemos sem Ti. Se nos convidas, então ajuda-nos.
Suplico-Te, Senhor, não me deixes suspirar de desespero; faz-me antes
respirar a esperança... Que me seja, ao menos, permitido entrever a luz,
mesmo que de longe, mesmo que a partir do fundo. Ensina-me a procurar-Te, e
mostra-Te quando Te procuro. É que não posso procurar-Te, se não me guiares,
nem encontrar-Te, se não Te mostrares. Procurar-Te-ei pelo meu desejo e
desejar-Te-ei na minha procura. Encontrar-Te-ei amando-Te e amar-Te-ei
quando Te e ncontrar.
Evangelho segundo S. Mateus 9,32-38.
Mal eles se tinham retirado, apresentaram-lhe um mudo, possesso do demónio. Depois que o
demónio foi expulso, o mudo falou; e a multidão, admirada, dizia: «Nunca se viu tal coisa em
Israel.» Os fariseus, porém, diziam: «É pelo chefe dos demónios que Ele expulsa os
demónios.» Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o
Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças. Contemplando a multidão,
encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor.
Disse, então, aos seus discípulos: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai,
portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe.»
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hippone (África do Norte) e doutor da Igreja
A seara é grande
Cristo estava cheio de ardor pela sua obra e dispôs-se a convidar trabalhadores... Vai pois
enviar ceifeiros. “É bem verdadeiro o provérbio: um semeia, outro ceifa. Enviei-vos a ceifar o
que vós não trabalhastes; outros trabalharam e vós aproveitais-vos do seu trabalho” (Jo 4, 3738). Então porque é que ele enviou ceifeiros sem enviar semeadores? Para onde é que ele
enviou os ceifeiros? Para onde outros tinham já trabalhado... Para onde os profetas já tinham
pregado, porque eles próprios eram os semeadores... Quem são aqueles que trabalharam
assim? Abraão, Isaac, Jacob. Lede o relato dos seus trabalhos: em todos os seus trabalhos
encontra-se uma profecia do Cristo; eles foram pois semeadores. Quanto a Moisés, aos outros
patriarcas, a todos os profetas, o que não suportaram eles na indiferença, no tempo em que
semearam? Por conseguinte, na Judeia a ceifa já estava pronta. E compreende-se que a seara
estava madura quando tantos milhares de homens traziam o produto da venda dos seu s bens,
depositavam-no aos pés doa Apóstolos (Ac 4, 35) e, aliviando os seus ombros dos fardos
deste mundo (Sl 81, 7), punham-se a seguir Cristo Senhor. A seara tinha verdadeiramente
chegado à maturidade. O que resultou daqui? Desta seara foram retirados alguns grãos,
semearam-se no universo, e eis que se ergue uma outra seara destinada a ser colhida no fim
dos séculos... Para recolher esta seara não serão os apóstolos mas os anjos que serão enviados.
S. Vicente de Paulo (1581-1660), fundador de comunidades religiosas
Conversas Espirituais com os Missionários
«Pedi ao senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe»
Há muita gente que, por ter o exterior bem cuidado e o interior cheio de grandes
sentimentos de Deus, se fica por aí...; contenta-se com as doces conversas que mantém
com Deus na oração... Não nos enganemos: todo o nosso dever consiste em passar aos
actos. E isso é de tal modo verdade que o apóstolo S. João nos declara que nada, além das
nossas obras, nos acompanha para a outra vida (Ap 14,13). Tenhamos pois atenção a isto;
tanto mais que, neste século, há muitos que parecem virtuosos e que, na verdade, o são, e
que, no entanto, pendem mais para uma voz doce e mole do que para uma devoção
laboriosa e sólida.
A Igreja compara-se a uma grande ceifa que precisa de trabalhadores, mas de
trabalhadores que trabalhem. Não há nada de mais conforme com o Evangelho do que, por
um lado, amassar as luzes e as forças para a alma, na oração, na leitura e na solidão; e,
depois, ir partilhar com os homens esse alimento espiritual. É fazer como Nosso Senhor
fez, e, depois dEle, os apóstolos; é juntar a acção de Marta com a de Maria; é imitar a
pomba que digere até meio a comida que apanhou e, depois, mete o resto no bico das crias
para as alimentar. É assim que devemos fazer, é assim que devemos testemunhar a Deus,
pelas nossas obras, o quanto O amamos. Todo o nosso dever consiste em passar aos actos.
„A colheita é grande, mas poucos os operários! Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie
operarios para a sua colheita.“ – Mt 9,37-38
1. O Senhor me chamou a trabalhar / a messe é grande a ceifar. / A ceifar, o Senhor me
chamou / Senhor, aqui estou!
Vai trabalhar pelo mundo afora! / Eu estarei até o fim contigo. / Está na hora, o Senhor
me chamou / Senhor, aqui estou!
2. Dom de amor é a vida entregar / falou Jesus e assim o fez. / Dom de amor é a vida
entregar. / Chegou a minha vez.
3. Todo o bem que na terra alguem fizer / Jesus no céu vai premiar. / Cem por um já na
terra Ele vai dar. / No céu vai premiar.
4. Teu irmão à tua porta vem bater. / Não vais fechar teu coração! / Teu irmã o a teu lado
vem sofrer / vai logo socorrer!
Cantemos ….. n° 938
Lacordaire (1802-1861), dominicano
Sermão de 3/5/1850
«A seara é grande, e os operários poucos»
Terá sido a alguns homens escolhidos e raros que foi dirigida esta palavra: «Ide e ensinai»
(Mt 28, 19)? Será o apostolado uma particularidade na Igreja católica, ou uma generalidade?
Foi só aos seus discípulos que Cristo disse: «Ide e ensinai»? Não, toda a Igreja é solidária do
que se faz na Igreja. Nela há comunhão de tudo e em tudo, entre todos os membros da família
de Cristo. Dizer: «Isto é dever de determinados cristãos na Igreja e não um dever meu», é usar
uma maneira de falar anticristã. São Pedro, dirigindo-se aos primeiros fiéis, dizia-lhes: «Vós,
porém, sois linhagem escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido em
propriedade, a fim de proclamardes as maravilhas Daquele que vos chamou das trevas para a
sua luz admirável» (1 Pe 2, 9). Herdeiros da luz através dos nossos antepassados, somos os
dispensadores da luz aos nossos contemporâneos e à nossa posteridade.
Não é só para vós que «o sol de justiça» (Mal 4, 2) se acendeu em vós; é para iluminar à vossa
volta. Na ordem da natureza, os vossos olhos não receberam a luz para guardá-la; antes a
reflectem. Revelam a vossa alma no exterior, e quem quiser comunicar convosco, olha para os
vossos olhos para discernir neles a luz que os habita e, através dela, aquela luz mais
resplandecente, que é o vosso espírito. Vós irradiais tudo o que sois e, por conseguinte, se
tendes a irradiação natural das vossas faculdades, de todas as vossas potências, quanto mais
deveis tê-la na ordem sobrenatural!
João Paulo II
Mensagem para o 38º Dia de oração pelas vocações, 6 maio 2001 (trad. © copyright Libreria
Editrice Vaticana)
"Pedi ao Senhor da messe que mande operários"
Pai santo, fonte perene da existência e do amor,
que mostras, no homem vivente, o esplendor da tua glória,
e colocas no seu coração a semente do teu chamado,
faze com que nenhum deles ignore esse dom ou o perca,
por negligência de nossa parte,
mas que todos, com total generosidade, possam caminhar
rumo à realização do teu Amor.
Senhor Jesus, que no teu peregrinar pelas estradas da Palestina,
escolheste e chamaste os apóstolos e confiaste a eles a tarefa
de pregar o Evangelho, cuidar dos fiéis, celebrar o culto divino,
faze que também hoje não faltem na tua Igreja
numerosos e santos sacerdotes, que levem a todos
os frutos da tua morte e da tua ressurreição.
Espírito Santo, que santificas a Igreja
com a constante efusão de teus dons,
insere no coração dos chamados à vida consagrada
uma íntima e forte paixão pelo Reino,
a fim de que, com um "sim" generoso e incondicional,
coloquem a própria existência a serviço do Evangelho.
Virgem Santíssima que, sem hesitar,
ofereceste a ti mesma ao Onipotente,
para a realização do seu projeto de salvação,
infunde confiança no coração dos jovens
para que haja sempre pastores zelosos
que guiem o povo cristão pelo caminho da vida,
e almas consagradas que saibam testemunhar
na castidade, na pobreza e na obediência,
a presença libertadora de teu Filho Ressuscitado.
Amém.
Concílio Vaticano II
Constituição dogmática sobre a Igreja, «Lumen Gentium», 3-5
"Proclamai que o Reino dos céus está próximo"
Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos Céus e revelounos o seu mistério, realizando, com a própria obediência, a redenção. A Igreja, ou seja, o
Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus.
Tal começo e crescimento exprimem-nos o sangue e a água que manaram do lado aberto de
Jesus crucificado (cfr. Jo. 19,34), e preanunciam-nos as palavras do Senhor acerca da Sua
morte na cruz: «Quando Eu for elevado acima da terra, atrairei todos a mim» (Jo. 12,32 gr.)...
O mistério da santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua
Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas
Escrituras: «cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo» (Mc. 1,15; cfr. Mt. 4,17).
Este Reino manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo. A palavra do Senhor
compara-se à semente lançada ao campo (Mc. 4,14): aqueles que a ouvem com fé e entram a
fazer parte do pequeno rebanho de Cristo (Luc. 12,32), já receberam o Reino; depois, por
força própria, a semente germina e cresce até ao tempo da messe (cfr. Mc. 4, 26-29). Também
os milagres de Jesus comprovam que já chegou à terra o Reino: «Se lanço fora os demónios
com o poder de Deus, é que chegou a vós o Reino de Deus» (Luc. 11,20; cfr. Mt. 12,28). Mas
este Reino manifesta-se sobretudo na própria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do
homem, que veio «para servir e dar a sua vida em redenção por muitos» (Mt. 10,45).
E quando Jesus, tendo sofrido pelos homens a morte da cruz, ressuscitou, apareceu como
Senhor e Cristo e sacerdote eterno (cfr. Act. 2,36; Hebr. 5,6; 7, 17-21) e derramou sobre os
discípulos o Espírito prometido pelo Pai (cfr. Act. 2,33). Pelo que a Igreja, enriquecida com
os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e
de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos
os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai
crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória.
Pregador do Papa: Igreja existe para os cansados e oprimidos
O Pe. Raniero Cantalamessa comenta a liturgia dominical
ROMA, sexta-feira, 13 de junho de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, OFM Cap., pregador da Casa Pontifícia, à liturgia do próximo
domingo.
***
XI Domingo do tempo comum
Êxodo 19, 2-6a; Romanos 5, 6-11; Mateus 9, 36-10, 8
No Evangelho deste domingo nos encontramos com a apresentação oficial do colégio
apostólico: «Os nomes dos doze apóstolos são estes: primeiro Simão, chamado Pedro...».
Menciona-se claramente o primado de Pedro no colégio dos apóstolos. Não diz: «Primeiro
Pedro, segundo André, terceiro Tiago...», como se se tratasse simplesmente de uma série. Dizse que Pedro é o primeiro no sentido forte de que é cabeça dos demais, seu porta-voz, quem
os representa. Jesus especificará mais tarde, no mesmo Evangelho de Mateus, o sentido do ser
«primeiro», quando dirá «Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja...».
Mas não queria deter-me a analisar o primado de Pedro, mas o motivo que leva Jesus a
escolher os doze e enviá-los. Descreve-se assim: «Jesus, ao ver a multidão, sentiu compaixão
dela, porque estavam humilhados e abatidos como ovelhas sem pastor». Jesus viu a multidão
e sentiu compaixão: isto o levou a escolher os doze apóstolos e a enviá-los a pregar, a curar, a
libertar...
Trata-se de uma indicação preciosa. Quer dizer que a Igreja não existe para ela mesma, para
sua própria utilidade ou salvação; existe para os demais, para o mundo, para as pessoas,
sobretudo para os cansados e oprimidos. O Concílio Vaticano II dedicou um documento
inteiro, a Gaudium et spes, a mostrar como a Igreja existe «para o mundo». Começa com as
conhecidas palavras: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de
nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são por sua vez as alegrias e
esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo».
«Ao ver a multidão, sentiu compaixão dela, porque estavam humilhados e abatidos como
ovelhas sem pastor». Os pastores de hoje, desde o Papa até o último pároco do povoado,
apresentam-se, desde esta perspectiva, como os depositários e continuadores da compaixão de
Cristo. O falecido cardeal vietnamita Van Thuan, que havia passado treze anos nas prisões
comunistas de seu país, em uma meditação dirigida ao Papa e à Cúria Romana, disse: «Sonho
com uma Igreja que seja uma “porta santa” sempre aberta, que abrace a todos, cheia de
compaixão, que compreenda as penas e os sofrimentos da humanidade, uma Igreja que
proteja, console e guie toda a nação para o Pai que nos ama».
A Igreja deve continuar após sua ascensão, a missão do Mestre que dizia: «Vinde a mim todos
os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos darei descanso...». É o rosto mais humano
da Igreja, o que melhor a reconcilia com os espíritos, e que permite perdoar suas muitas
deficiências e misérias. O Pe. Pio de Pietrelcina chamou o hospital que fundou em São
Giovanni Rotondo, «Casa de alívio do sofrimento». Toda a Igreja deveria ser uma «casa de
alívio do sofrimento». Em parte, deve-se reconhecer que o é, a não ser que fechemos os olhos
à imensa obra de caridade e de assistência que a Igreja desempenha entre os mais deserdados
do mundo.
Aparentemente as multidões que vemos ao nosso redor, ao menos nos países ricos, não
parecem «cansadas e abatidas», como nos tempos de Jesus. Mas não nos enganemos: detrás
da fachada de opulência, sob os tetos de nossas cidades, há muito cansaço, solidão, desespero,
e às vezes inclusive desespero. Não parecemos multidões «sem pastor», dado que muitos
lutam em todos os países para se converter em pastores do povo, ou seja, em chefes e
controladores do poder. Agora, quantos entre eles estão dispostos a levar à prática o requisito
de Jesus: «O que recebestes de graça, de graça dais»?
[Traduzido por Élison Santos]
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