VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Estudo sobre a evolução da paisagem e sua relação com as práticas turísticas: análise da praia de Morro Branco em Beberibe/CE Terezinha Cassiano de Souza Universidade Federal do Ceará- UFC [email protected] Edson Vicente da Silva Universidade Federal do Ceará- UFC [email protected] Introdução Na atualidade, o valor do litoral se afirma pelo fato de intermediar relações econômicas que requerem uma maior relação com o mar. A zona litorânea corresponde a uma área cujas potencialidades vêm convergindo em um processo de ocupação, em ritmo cada vez mais acelerado, associados ao desenvolvimento, à industrialização, urbanização e a exploração turística. Nessa perspectiva, o litoral representa, hoje, um dos importantes locais que desencadeia o desenvolvimento da atividade turística, pela sua valorização e exposição. Essas características fazem com que o litoral, que historicamente foi ocupado para fins de proteção da costa brasileira, e posteriormente por comunidade de pescadores, passe a ser visto com um lugar de habitação, de lazer e de veraneio. No caso específico do Estado do Ceará, observa-se a ocorrência de um crescimento expressivo do fluxo turístico via Fortaleza, que age como um centro difusor na atividade no estado. Sendo que o município de Beberibe ocupa lugar de destaque no cenário estadual, o que proporciona uma demanda de investimentos no setor turístico. A Praia de Morro Branco, localizada no município de Beberibe, apresenta-se como um dos principais destinos dos turistas que se deslocam ao litoral cearense, e revela em sua paisagem marcas e registros da interferência humana. Esta praia vem passando por um processo de ocupação desordenada, que tem provocado alguns impactos ambientais negativos. Tomando esses dados como base, no presente trabalho buscouse identificar os impactos das atividades vinculadas ao turismo sob a paisagem local. Os dados coletados para a realização desta pesquisa são, principalmente, as investigações de cunho bibliográfico, as visitas a campo, análise e descrição da área, a partir de dados coletados: fotos, imagens de satélites e fotografias aéreas 1 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo Procedimentos teóricos/ metodológicos Ao tentar compreender os conceitos que orientaram o desenvolvimento da pesquisa, utilizando as categorias de análise da Geografia, deu-se uma maior ênfase à concepção de paisagem. Na ciência geográfica encontram-se muitas definições acerca da paisagem. Na Geografia Cultural, Carl Sauer (1889-1975), a paisagem geográfica e vista como o resultado da ação da cultura, ao longo do tempo, sobre a paisagem natural. Essa definição destaca a cultura como determinante na construção e reconstrução da paisagem. Ainda segundo Sauer, a paisagem é cultural, sendo modelada a partir de uma paisagem natural por um determinado grupo cultural. (apud CORRÊA, 1998, p. 9). Outra concepção valiosa da paisagem é o conceito elaborado por Carlos (2005, p.38), que a considera na dimensão do urbano. Segundo Carlos a paisagem urbana é humana, histórica e social; existe e se justifica pelo trabalho do homem, ou melhor, da sociedade. É produzida e justificada pelo trabalho enquanto atividade transformadora do homem social, fruto de um determinado momento do desenvolvimento das forças produtivas, e aparece aos nossos olhos, por exemplo, através do tipo de atividade, do tipo de construção, da extensão e largura das ruas, estilo e arquitetura, densidade de ocupação, tipo de veículos, cores, usos, etc. Esta visão concebe a paisagem pelo mesmo princípio produtor do espaço na Geografia Crítica, ou seja, o espaço como produto histórico e social, resultante do trabalho humano e das relações que regem a sociedade. Assim, a paisagem revela que o espaço é multiapropriado. É palco de disputas por territórios, como afirma Haesbaert (2002, p.93) todo grupo se define pelas ligações que estabelecem no tempo, tecendo seus laços de identidade na história e no espaço, apropriando-se de um território (concretos e / ou simbólico), onde se distribuem os marcos que orientam suas práticas sociais. Na concepção de Bertrand (2004), a paisagem representa uma determinada porção do espaço que resulta da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução. A “análise paisagística”, de acordo com Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2007, p. 40) é um conjunto de métodos e procedimentos técnico- analíticos que permitem conhecer e explicar a estrutura da paisagem, estudar as propriedades, índices e parâmetros sobre a dinâmica, a história do desenvolvimento, os estados, os processos de 2 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 formação e transformação da paisagem e a pesquisa das paisagens naturais, como sistemas manejáveis e administráveis. A tentativa de se estudar e compreender os sistemas ambientais permite a identificação e análise de como se efetiva o inter-relacionamento dos componentes físico-naturais. Souza (2006) explica que na análise do ordenamento territorial ambiental, o enfoque sistêmico, constitui instrumento indispensável na análise das interrelações de causa e efeito, definindo a sensibilidade e resistência dos ambientes em face do processo de uso e ocupação. Viabiliza, além disso, a seleção de manejos que se adéquem às condições de exploração, preservação, conservação e/ou recuperação dos recursos naturais e, especialmente, da biodiversidade. O estudo do geossistema analisa o interrelacionamento dos componentes naturais, buscando tanto estruturá-los como organizá-los ambientalmente. O termo geossistema, utilizado por Sotchava (1977), visa estabelecer uma tipologia que pudesse ser amplamente utilizada nas pesquisas em Geografia Física. Para o referido autor, o geossistema é a expressão da natureza com a sociedade num determinado espaço. Embora os geossistemas sejam fenômenos naturais, os fatores socioeconômicos interferem na sua estrutura e funcionalidade. Para Bertrand (1972), geossistema é o resultado da combinação dinâmica dos elementos físicos, biológicos e antrópicos. Assim, o geossistema seria o resultado da combinação dinâmica de um potencial ecológico (geomorfologia, clima, hidrografia), e de uma condição de exploração biológica (vegetação, solos, fauna), além dos fatores sociais. Através de uma interpretação sobre a abordagem dos estudos de Bertrand (1969, 1972), Souza (2005, p. 128.) compreende o geossistema como um sistema complexo e dinâmico que ocorre em uma perspectiva histórica de espaço-tempo muito breve. Assim, o potencial ecológico, a exploração biológica e a ocupação antrópica constituem dados instáveis com efetiva variação temporo-espacial. O geossistema não apresenta necessariamente, uma homogeneidade fisionômica, pois ele é formado por paisagens diferentes que constituem os estágios de sua evolução. Nesse sentido, a análise geoambiental, como fundamentação teórico-metodológica torna-se essencial no estudo da natureza e de compreensão dos sistemas, pois deriva do estudo unificado das condições naturais, baseado numa concepção integrativa que conduz a uma percepção do meio em que vive o homem, e onde se adaptam os demais seres vivos (SOUZA, 2005). 3 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo No intuito de atingir os objetivos da pesquisa define-se como necessário o cumprimento de algumas etapas, a saber: primeiramente, realizou-se a revisão bibliográfica em relação à abordagem pertinente a pesquisa, concomitantemente, o levantamento cartográfico deu-se na busca de mapas básicos e temáticos, fotografias aéreas, imagens de satélite, de diferentes escalas e resoluções praia de Morro Branco, que permitiram a visualização e compreensão da área estudada. Posteriormente, o reconhecimento da área em visitas a campo permitiu a verificação in loco das informações adquiridas anteriormente através das bases cartográficas, e a compreensão mais adequada da estrutura e funcionamento dos sistemas ambientais. Resultados e discussões A área em epígrafe, praia de Morro Branco, localiza-se no município de Beberibe. Esse dista de Fortaleza 83 km, e apresenta-se em uma posição de destaque no receptivo turístico, pois fica próximo da capital do Estado do Ceará e apresenta facilidade de acesso. Situa-se no litoral leste, conhecida num contexto turístico de “Costa do Sol Nascente”. O litoral leste corresponde ao trecho que parte de Fortaleza até o município de Icapuí. Essa faixa é a mais densamente povoada do estado e a mais procurada pelo fluxo turístico e para o lazer. Conforme Dantas (2006), a zona costeira compõe-se de um universo caracterizado pela multiplicidade e diversidade de padrões de atividades, muitas vezes incompatíveis entre si, resultando em conflituosas relações quando postas em contato sem a mediação e gestão adequadas, aumentando a responsabilidade e os desafios dos planejadores e gestores, junto à sociedade. O mesmo autor Dantas (2002), referindo-se às características de uso e ocupação, o litoral pode ser caracterizado como uma zona de usos múltiplos, sendo possível encontrar inúmeras formas de ocupação do solo, onde se desenvolvem atividades humanas das mais variadas naturezas e complexidades. Por esses e por outros aspectos, a localização litorânea qualifica-se como uma situação geográfica ímpar cujas potencialidades vêm se convertendo num processo de ocupação, em ritmo cada vez mais acelerado, em virtude do processo de desenvolvimento relacionado à industrialização, urbanização e, mais recentemente, a exploração turística, como conforme Dantas (2002). Na comunidade de Morro Branco está situado o Monumento Natural das Falésias de Beberibe, que forma um labirinto com areias coloridas. Este é um dos locais mais 4 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 visitados pelos turistas e visitantes, de acordo com os moradores e os guias. O monumento é uma APP- Área de Proteção Permanente criada através do decreto Nº 27.461, de 04 de junho de 2004. Na figura abaixo pode-se verificar a localização do município, em destaque a Unidade de Conservação. Figura 01: Localização do município, em destaque o Monumento Natural das Falésias de Beberibe. Fonte: Silva (2009). As falésias do Monumento Natural são as únicas que estão protegidas e não possuem ocupações, é como se o Monumento Natural fosse um “ilha” em meio a tantas ocupações presentes ao seu redor, conforme Silva (2008). A Autora aponta que todo o entorno geográfico que abrange as falésias de Beberibe necessita de um ordenamento de uso e ocupação do solo adequado aos seus limites . No labirinto é realizada uma trilha turística que se inicia logo na entrada da Unidade de Conservação. No local existe um trabalho de conscientização realizado pelos guias que procuram orientar os turistas, sobre a importância da preservação da área, onde é possível observar a existência de algumas placas que proíbem a retirada de areia colorida das falésias e a pichação com inscrição de nomes nos paredões, veja imagem 01. 5 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo 01 Imagem 01: Entrada da trilha do labirinto. Em destaque a indicação de que o monumento natural das falésias é uma APP. Foto: Terezinha Cassiano de Souza. Em relação à ocupação da praia de Morro Branco, esta tem causado uma série de impactos ambientais. De acordo com Coriolano (2001, p. 95) “foram feitos desmontes de falésias e terraplanagem de morros, acidentes geográficos que serviam de guia aos pescadores que voltavam desorientados de alto mar, por não possuírem bússolas”. Como explica Ross (1996), toda causa tem seu efeito correspondente, tudo que o homem extrai da natureza tem certamente também seus malefícios. Desse modo, parte-se do princípio de que toda ação humana no ambiente natural ou alterado causa algum impacto em diferentes níveis, gerando alterações com graus de agressão, levando às vezes as condições ambientais a processos até mesmo irreversíveis. No tocante a infraestrutura turística da Praia de Morro Branco, esta é composta principalmente por restaurantes, hotéis e pousadas. Vias de transporte, telefonia, saneamento básico e energia elétrica fazem parte dos serviços disponíveis na praia que provavelmente foram instalados em consonância ao desenvolvimento da atividade turística. “Essa infra-estrutura mínima, garantida com o veraneio, é vislumbrada de forma positiva pelas comunidades litorâneas, pois significa a chegada do progresso, o acesso ao emprego, etc.” (DANTAS, 2002. p.79). No que se refere aos impactos ambientais e culturais relacionados ao desenvolvimento do turismo, podemos de acordo com Dias (2003) constatar que eles surgem quando no desenvolvimento da estrutura para o turismo, num incorreto manejo dos resíduos gerados pela atividade, nas cicatrizes na paisagem gerada pelo 6 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 crescimento da infraestrutura nas áreas naturais e pelo volume de visitantes que afeta os ecossistemas frágeis , observar imagens 02, 03, 04. 02 03 04 03 03 03 Imagem 02, 03 e 04: construção de Hotel interditada pelos órgãos gestores na APP: em fase de audiência pública. Fotos: Terezinha Cassiano, 2010. A ação dos proprietários e administradores, edificando indiscriminadamente muros de arrimo, para a proteção de suas residências e equipamentos públicos, indicou o progresso da erosão e a necessidade de obras de engenharia adequadas para estas áreas já intensamente antropizadas. As intervenções na zona de praia, continuamente submetida ao ataque das ondas, necessitam de estudos detalhados, envolvendo metodologias quantitativas (tecnológicas) para a composição de prognósticos relacionados com a evolução da erosão, transporte de sedimentos, dinâmica dos perfis de praia, ação das ondas e interferências das ações do homem, conforme Meireles (1999). 05 06 Imagem 05: Edificação de muros para conter a erosão. Imagem 06: Resquícios de uma casa erodida. Fotos: Terezinha Cassiano, 2010. Na pós- praia, pode-se verificar a ocorrência de erosão, que inclusive tem destruído algumas construções e tem forçado as barracas as se afastarem do mar. No entanto o fenômeno de erosão torna-se um problema local o homem quando se constrói algum 7 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo tipo de referencial fixo (estrada, prédio ou outro tipo de construção permanente) que se introduz na trajetória de recuo da linha de costa. Deste modo o problema de erosão, conforme apontado por vários autores, é causado pelo próprio. Considerações finais Diante do quadro exposto, pode-se constatar que a Praia do Morro Branco necessita de medidas urgentes de proteção, pois da forma que está se processando a sua ocupação tem degradando o patrimônio natural e modificado a cultura e a economia do lugar. Há a necessidade de uma maior atenção dos gestores públicos no sentido de controlar e gerenciar a demanda turística, além de analisar as vantagens da atividade, não apenas sob a ótica do aspecto econômico, mas sobretudo na visão dos moradores, que são os que convivem diariamente com transformação dos usos e ocupação do lugar. Entretanto, para que os moradores sejam capazes de discernir os benefícios e malefícios vinculados ao uso e ocupação, bem como discutir a relevância da atividade turística para desenvolvimento do seu lugar, investir na educação da população local é o ponto culminante para o sucesso da atividade. 8 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Referências BERTRAND, G. 1971, Paisagem e Geografia Física Global: Esboço Metodológico, caderno de Ciência da Terra (13), IG/USP, São Paulo. CARLOS, A. F.A. 2005, A cidade,8ºed, contexto,São Paulo. CORRÊA, R. L. 1989, O Espaço Urbano, Editora Ática, São Paulo. DANTAS, E. W. C.2002, Mar à vista: estudo da maritimidade em Fortaleza, Museu do Ceará/Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará, Fortaleza. DIAS, R. 2003, Turismo sustentável e meio ambiente. Atlas, São Paulo. FLORIANO, E. P. 2004, Planejamento Ambiental, Caderno Didático nº 6, 1ª Ed. Santa Rosa. 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