Pensamento (eco) Sistémico: análise dos referenciais

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Psicologia
Pensamento (eco) Sistémico: análise dos referenciais teóricos de uma
abordagem da realidade
Sara Raquel Vieira Pinto1
Resumo: O presente artigo constitui uma análise dos referenciais teóricos que permitem
compreender a Teoria Geral dos Sistemas, e consequentemente o pensamento (eco)
sistémico. Os conceitos incorporados procuram demonstrar a abrangência da sua
aplicação, assim como demonstrar uma forma mais holística de analisar os sistemas
sociais, tendo em conta a unicidade dos seus elementos. O enfoque recai sobre a
importância do meio (eco), para uma melhor compreensão dos mesmos.
Palavras-chave: Sistema, Meio, Social, Homeostase, Interacção
Abstract: This article analyzes the theoretic foundation of the General Systems Theory
and consequently the eco (systemic) thought. The concepts incorporated intend to show
how universal is its application and demonstrate a holistic way of approaching social
systems, without forgetting they are unique. Also it is shown the importance of
environment for a social systems approach.
Keywords: System, Environment, Social, Homeostasis, Interaction
Introdução
A palavra “sistema” deriva do grego sunistanai/ sinhistanai, que significa manter unido
ou colocar junto2. Na literatura encontram-se várias definições da mesma; por exemplo,
o dicionário de Língua Portuguesa3 define “sistema” em sentido mais lato, como sendo
um “conjunto de partes dependentes umas das outras”, ou um “conjunto de leis ou
princípios que regulam certa ordem de fenómenos”. Ao mesmo tempo, encontram-se
definições específicas e adaptadas a diversas áreas científicas, nomeadamente a
Astronomia (sistema solar), a Física (sistema internacional de unidades) a Anatomia
(sistema nervoso), entre outras. Tal demonstra a transversalidade e a
multidisciplinaridade da aplicação de um conceito que, partindo de uma génese comum,
e encerrando em si sempre a noção de dinâmica e interacção, influenciou toda uma
forma de pensar, e de consequentemente investigar.
Alarcão define “sistema” como sendo um “conjunto de elementos ou unidades em
interacção constante e recíproca, ordenados segundo determinadas regras e formando
1
Licenciada em Serviço Social pelo Instituto Superior Miguel Torga de Coimbra, 2003; Pós Graduada em Gestão de
Recursos Humanos pelo Centro de Formação Cognos, 2011; Técnica Superior de Serviço Social da Unidade
Local de Saúde do Norte Alentejano, desde 2004; Formadora Certificada pelo Instituto de Emprego e Formação
Profissional, 2010.
2
Forner, D. (2009)
3
Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora online, (2012)
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um todo organizado”4. Estes sistemas são constituídos por sub-sistemas que constituem
unidades mais pequenas, e possuem as mesmas propriedades que os sistemas que os
abrangem. Por conseguinte, a Teoria Geral dos Sistemas é uma teoria que de forma
organizativa e estruturante, procura compreender os sistemas e as suas interacções,
nomeadamente o seu processo funcional no conjunto das suas dinâmicas. Torna-se
assim imperativo analisar alguns referenciais teóricos que fundamentam a teoria
sistémica, assim como destacar a importância de se abordar a realidade de uma forma
(eco) sistémica, para uma melhor compreensão da mesma.
1. Teoria Geral dos Sistemas: génese e conceitos básicos
Na década de 40, e numa altura em que a epistemologia ainda se centrava em
abordagens cartesianas da realidade5, começaram a surgir os primeiros fundamentos de
uma nova corrente teórica: a “Teoria Geral dos Sistemas”. Ludwing Von Bertalanffy,
biólogo alemão, observando a interacção entre elementos, constatou que qualquer
avaliação desses elementos separadamente, sem o conjunto referido de interacções,
impossibilitava a aferição da realidade desses elementos no seu todo. Para Bertalanffy,
todas as coisas vivas e não vivas passam a ser percepcionadas como sistemas, os quais
interagem entre si e se caracterizam por serem detentores de propriedades passíveis de
estudo6.
Na mesma altura, surge a primeira publicação sobre Cibernética7, uma ciência que
“estuda os mecanismos de controlo e regulação da informação e comunicação, nos
sistemas”8. E embora o enfoque inicial seja para a compreensão dos mecanismos de
estabilidade dos sistemas (cibernética de 1.ª ordem), posteriormente esse enfoque irá
incidir sobre os processos de mudança e evolução, nomeadamente os processos de autoorganização, autonomia e individualidade dos sistemas (cibernética de 2.ª ordem).
Alicerçando uma nova corrente de pensamento, é com base no contributo destes novos
paradigmas científicos que surge o primeiro axioma sistémico: o todo é maior do que a
soma das partes. Assim sendo, cumpre perguntar: como funcionam os sistemas?
De acordo com a Teoria Geral dos Sistemas, os sistemas têm uma estrutura
identificativa. Tal estrutura poderá ser uma estrutura real de matéria e/ou energia, em
que a interacção se baseia apenas na troca de informação, ou uma estrutura abstrata em
que o próprio sistema, é a informação. Considera-se nonsystem todos os sistemas que
não revelam qualquer padrão de mudança9. Estes sistemas autopoiéticos são “aqueles
em que a sua organização permanece idêntica, como resultado do seu próprio
4
Alarcão, M. (1999) pag.354
Descartes considerou que os problemas deviam ser divididos em partes menores para que fosse possível a
compreensão dos mesmos (“Estudo do método”)
6
Walonick, D. et al. (1993)
7
Norbert Wiener publica em 1948 o primeiro trabalho sobre Cibernética.
8
Alarcão, M. (1999) pag.339
9
Walonick et al. (1993)
5
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funcionamento”10. De acordo com o contexto de análise, um mesmo sistema pode ser
classificado como nonsystem.
A forma como os sistemas interagem, é consequente da forma como se processam as
suas trocas de energia e/ou informação com o meio circundante. Os sistemas podem ser
classificados em sistemas abertos ou fechados, de acordo com a sua delimitação. São os
limites dos sistemas o que os define e torna únicos. A sua função consiste em proteger a
sua diferenciação e facilitar a integração dos seus elementos11.
Alguns limites sistémicos estão claramente definidos, enquanto outros podem ser
permeáveis. O desenvolvimento do sistema e a sua mudança assenta nesta
permeabilidade, e na capacidade de interação com o exterior. Para Von Bertalanffy
“living organisms are essentially open systems”12 uma vez que existe, por uma questão
de sobrevivência do próprio sistema, uma troca constante de informação e/ ou energia
com o exterior. Esta troca traduz-se em inputs (movimento de informação, matéria ou
energia do ambiente para o sistema) e outputs (movimento de informação, matéria ou
energia do sistema para o ambiente). O feedback surge nesta conceptualização, como o
processo que permite avaliar consonância entre os outputs e os outcomes do sistema,
isto é, entre aquilo que o sistema recebe, e aquilo que efectivamente objectiva receber13.
Todavia, e apesar dos sistemas vivos serem essencialmente abertos, a dado momento
poderão tornar-se sistemas fechados a quaisquer inputs, ou seja, tornarem-se sistemas
cujas interacções ocorrem apenas entre os seus elementos e não com o exterior. Os
sistemas possuem mecanismos internos de regulação, mediante os quais podem ser
atenuadas as flutuações do sistema por retroacção negativa (morfostase), ou então
ocorrer transformações por retroacção positiva que, conduzem ao aparecimento de
novas estruturas (morfogénese). Com o primeiro mecanismo o sistema opera de forma a
manter o seu estado actual, com o segundo o sistema desorganiza-se, para que seja
possível evoluir para outros níveis de complexidade.
A homeostase é o estado de equilíbrio entre os movimentos de morfostase e
morfogénese14. Poderão surgir desequilíbrios que interferem na forma como este
sistema se irá desenvolver, quando uando um sistema percebe uma variação entre os
outputs e os outcomes. Ou seja, quando os inputs são superiores á capacidade de output
do sistema (entropia), ou quando a capacidade do input do sistema é inferior aos seus
outputs (negentropia).
Um exemplo claro de um input é a comunicação/ informação. Esta poderá funcionar
como um input do sistema ou como output na interacção com outros sistemas, servindo
para estruturar a função do mesmo. Sendo os sistemas vivos sistemas dinâmicos, é
impossível não comunicar, pelo que os sistemas sociais estão constantemente sujeitos a
10
Alarcão, M. (1999) pag.345
Nichols, M. et al, (1998)
12
Bertalanffy, L.. (1968) pag.2
13
Friedman, B. et al (2010)
14
Alarcão, M. (1999)
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inputs. Assim, e nesse sentido, a comunicação pode servir para os regular, tanto quanto
para os desregular.
Dada a complexidade da realidade sistémica, Edgar Morin15 reformula o axioma inicial,
acrescentando que o “todo é simultaneamente mais e menos do que a soma das partes”,
não limitando a abordagem da realidade apenas a uma visão holística da mesma,
conforme tinha acontecido anteriormente com as perspectivas reducionistas. Assim
sendo, seria tão importante perceber-se o sistema no seu todo, assim como os elementos
que o compõem (sub-sistemas) individualmente.
2. Ecossosistema
O desenvolvimento dos sistemas humanos tem de ser analisado tendo em conta o
contexto das suas interacções com o ambiente externo. Cada sistema social possui um
sistema interno único, e encontra-se inserido em sistemas maiores como o são por
exemplo a família, a comunidade, a sociedade, etc, os quais influenciam as suas
variáveis, e contribuem para a sua definição. Uri Bronfenbrenner16 considerou que a
teoria dos sistemas de Von Betterlanffy, não capturava totalmente a dinâmica que
ocorria nos sistemas sociais, pelo que introduziu o conceito de “ecological
enviroment”. Esta nova perspectiva preocupa-se com a natureza das interacções
existentes entre o sistema social e os outros sistemas, tendo em conta o meio dinâmico
no qual estes se inserem: o seu ecossistema17.
Os sistemas organizacionais e sociais são sensíveis a quaisquer alterações ambientais, as
quais produzem impactos que interferem na funcionalidade dos mesmos. Quaisquer
mudanças afectam também sistemas mais abrangentes já que funcionam sempre como
causa e efeito de si mesmos.
Um exemplo do funcionamento dos sistemas sociais e da influência do meio sobre os
mesmos, diz respeito aos seus processos adaptativos. A adaptação é resultado da
interacção de um sistema com o seu meio (outcome), o que implica um ajustamento do
sistema (inputs- outpus) para que seja possível um equilíbrio homeostático.
O conceito de stress surge para definir a constante necessidade do sistema para se
adaptar. Sendo cada sistema único “what is perceived as stressful varies acrosses age,
gender, culture, physical and emotional states, past experience, and the perceive and
actual nature of environment”18. Isto significa que, e porque os sistemas sociais são
sistemas abertos, em condições iniciais semelhantes os resultados podem ser diferentes
(principio da equifinalidade dos sistemas), ou seja, nem todos os sistemas encaram as
mesmas situações como um factor de stress, já que para isso influi também o meio onde
se encontram inseridos.
15
Edgar Morin (1987) foi considerado o autor da “teoria da complexidade”
Bronfenbrenner (1979), autor da “Ecological Systems Theory” que considera a existência de um microssistema,
mesossistema e exossistema
17
Friedman, B. et al (2010)
18
Germain (1991) pag.20
16
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Para que seja possível um sistema gerir adequadamente o stress, são necessárias
estratégias de coping que implicam o claro entendimento daquilo que tem de ser feito
para se lidar com o mesmo, e a habilidade de lidar com os aspectos negativos do
sistema. Estas estratégias vão sendo desenvolvidas ao longo do tempo, e são
características de cada sistema. Quando os sistemas perdem ou não possuem esta
habilidade, podem tornar-se desregulados/ disfuncionais.
A análise de um sistema implica a análise de todas as variáveis que o definem,
nomeadamente qual é a sua função em sistemas mais abrangentes, e também entre os
próprios elementos que o compõem, já que isto permite compreender melhor as suas
interacções e a forma como são geridos os inputs e os outputs. As disfuncionalidades, se
forem consideradas como tal (cada sistema funciona num determinado contexto),
apenas poderão ser corrigidas de forma eficaz quando se atinge esse nível de
compreensão.
Quanto maior a estrutura de um sistema, menor a sua capacidade adaptativa às
influências do meio externo e interno, uma vez que são compostas por processos
integrativos mais densos. Por outro lado, sistemas com estruturas menores são mais
permeáveis às influências externas. Por exemplo, uma sociedade enquanto sistema é
menos susceptível a alterações, do que um sistema familiar (a capacidade adaptativa do
primeiro é inferior à do segundo).
Considerações Finais
A Teoria Geral dos Sistemas é uma abordagem teórica que influenciou várias áreas do
conhecimento, ao considerar todos os sistemas vivos e não vivos, como “sistemas”.
Partindo do axioma que o todo é “maior que a soma das partes”, esta nova forma de
abordagem da realidade permitiu uma visão mais holística, em detrimento de uma visão
reducionista. Compreendendo as interacções entre os sistemas, a sua unicidade, e a sua
relação de influência mútua, é possível perceber/ prever melhor o comportamento dos
sistemas que fazem parte do quotidiano de cada qual.
Por outro lado, e como todos os sistemas vivos são constituídos por uma estrutura
composta por elementos (variáveis do sistema), torna-se importante considerar o seu
contributo para a dinâmica global dos mesmos: “o todo é ao mesmo tempo, mais e
menos do que a soma das partes”.
Não é possível dissociar os sistemas sociais do meio onde se encontram inseridos uma
vez que estes não funcionam em vazios espácio-temporais. Por outro lado, o processo
adaptativo dos sistemas, na sua relação com o meio (ecossistema), depende da forma
como estes se encontram estruturados e de qual a sua funcionalidade.
Pensar (eco) sistemicamente significa compreender os sistemas sociais no contexto
dinâmico dos sistemas que os compõem, e pelos quais são abrangidos. Mais do que isso,
significa o entendimento de que esta compreensão deverá ser feita não de acordo com as
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estruturas sistémicas de quem as analisa, mas sim de acordo com as especificidades de
cada sistema, em que um é sempre mais do que um sem que deixe de ser um.
Referências Bibliográficas
Alarcão, M. (1999): “ (Des)Equilibrios Familiares” , Coimbra, Editora Quarteto,
Ausloos, G. (1996): “ As competências das famílias: Tempo, caos, processo”, Lisboa,
Climepsi Editores
Bertalanffy, L. (1968): “General System Theory: Foundation, development,
application”, New York : George Braziller
Bronfembrenner, U. (1987): “ La ecologia del desarrollo humano”, Barcelona, Paidós
Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, online visionado a 16-12-2012
Forner, D. (2009): “Sistemas Vivos: os complexos caminhos da vida e da
Aprendizagem”, Visão Global, Joaçaba, volume 2, pag. 9-30
Friedman, B. et al (2010) Chapter 1: “Systems Theory”, in “Theory and Practice in
Clinical Social Work”, UK, Jerrold R. Brandel
Germain, B. (1994): “Human Behavior in the social environment: an ecological view”.
New York: Columbia University Press
Junior, G. “A construção da epistemologia cartesiana”
www.filosofiageral.wikispaces.com visionado em 15-12-2012
disponível
em
Morin, E. traduzido por Juremir Machado da Silva: “Da necessidade de um pensamento
complexo” disponível em www.edgarmorin.org.br/textos.php?p=6&tx=19 visionado
em 16-12-2012
Nichols, M. et al (1998): “Family Therapy – foreword by Salvador Minuchin”, Fourth
Edition, Allyn and Bacon Editor
Wallonick, D. et al (1993): “General Systems Theory”, www.statpac.org/ wallonick/
systems-theory, visionado em 12-12-2012
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