Teatro: uma experiência criativa Joaquim Gama 1 Fazer teatro Fazer teatro ou formar grupos de teatro na escola é um desafio que envolve várias ações. Essas ações vão desde a constituição do grupo de trabalho até a organização dos espaços para que a atividade teatral se efetive. Se o desejo é a mola propulsora para o fazer teatral, ele sozinho não será capaz de manter a atividade na escola. É preciso que o desejo esteja casado com o empenho e estes dois façam parcerias com a leitura, com a pesquisa e com o estudo. Assim, é preciso ler escritos sobre teatro, observar trabalhos realizados por outros artistas e desenvolver um olhar atento à realidade. Um texto sobre teatro pode nos abrir muitas portas. Pode nos conduzir para mares nunca navegados. Às vezes lemos um texto 2 e a sensação que fica é a de que muita coisa não foi compreendida, que muitas palavras não foram decifradas e que estamos imersos num universo de desconhecimento. Isso não deve ser um imobilizador das nossas capacidades. Ao contrário, deve ser o veículo das nossas buscas. O conhecimento surge exatamente da nossa percepção de desconhecer algo. Muitas vezes, “re-iniciar” a leitura, buscar no dicionário uma determinada palavra, entrar na internet e pesquisar mais sobre um determinado assunto fazem-nos ficar mais próximos do texto e nos tornam capazes de dialogar com as idéias do autor. Uma idéia está sempre atrelada a milhões de outras idéias. O teatro exige gente que gosta de pensar, de se aventurar pelos caminhos do conhecimento. É preciso, a cada proposta teatral, avançar rumo ao desconhecido, ao imprevisível, para realizar algo capaz de mobilizar todas as nossas capacidades de invenção e organização artística. Como já foi dito, aprendemos a fazer teatro lendo textos teatrais, assistindo a teatro e exercitando nossas capacidades de atuação. Dizem que quando somos picados pelo bicho do teatro, nunca mais seremos capazes de nos livrarmos dele. Na verdade, o teatro é capaz de instaurar o desejo constante de aprender e criar. Definindo o teatro A palavra teatro suscita diversas definições. Muito provavelmente, ao perguntar para um grupo de pessoas o que é teatro, 3 obteremos diversas respostas. Alguns dirão que é um lugar constituído de palco e platéia. Outros afirmarão que é o espaço do faz-de-conta, da imaginação, onde, por exemplo, atores dão vida às personagens e os cenógrafos criam a realidade teatral. Essas mesmas pessoas, na maioria das vezes, dirão também que cabe a um diretor o papel de estruturação da obra teatral e à platéia, a tarefa de assistir passivamente ao universo mágico criado no palco. Há os que defenderão a idéia de que teatro é vida. Dirão também, outras pessoas, que teatro é um ritual, envolvendo o encontro entre artistas e espectadores, sob a consigna do deus grego Dionísio. Muitos acreditam que o teatro é o espaço para artistas e público debaterem acontecimentos contemporâneos, entendendo essa expressão artística como instrumento de mudança social. Nessa mesma linha de pensamento estão os que defenderão a idéia de que teatro é ensinamento e diversão. Fernando Peixoto (1981) escreveu que teatro é “um espaço, um homem que ocupa este espaço, outro homem que observa.” Grotowski (1975), fundador do Teatro Laboratório, na década de 1950, na Polônia, disse que teatro é provocação e, nessa direção, ele deve ser capaz de desafiar a si próprio, o público. Em determinado estágio de seu trabalho, o dramaturgo e encenador alemão Bertolt Brecht (1979) proclamou que o teatro deveria ser estritamente didático. Assim, escreveu peças didáticas com intenções de ensinamentos sociais. Com esta proposta ele radicalizou a idéia de teatro, propôs o rompimento da distância 4 existente entre atores e espectadores, afirmando que as peças didáticas não precisavam de público, pois todos (atores e público) deveriam ser atuantes. Fernando Peixoto Em São Paulo, trabalhou no Teatro Oficina como ator. Nos anos 70 tornou-se diretor. Empenhado com o teatro de resistência, passou a ser reconhecido também como importante pensador teatral. O teatro de resistência combatia especialmente os processos políticos e sociais da época. Como teórico, escreveu obras vinculadas ao dramaturgo Bertolt Brecht e sobre as tendências do teatro popular brasileiro. Para maiores informações acessar: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/ Jerzi Grotowski Famoso diretor de teatro polaco. Foi considerado um inovador do teatro no século XX. Suas idéias deixaram marcas profundas nos movimentos de renovação teatral em várias partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, um dos seus livros mais conhecido é Para um teatro pobre. Nesse livro ele fala sobre o trabalho desenvolvido no Teatro Laboratório. É uma leitura bastante interessante.Para maiores informações acesse: http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0017/etica_grotowski.htm 5 Bertolt Brecht Nasceu em Augsburg, Alemanha, em 1898. Estudou medicina em Munique. Porém, dedicou toda a sua vida ao teatro. Foi uma das mais importantes figuras do teatro do século XX. Escreveu diversas peças, poemas e reflexões sobre o teatro. Seus escritos versavam sobre os “falsos padrões” da arte e da vida burguesa, corroídas pela Primeira Guerra. Entre as peças escritas por ele, podemos destacar O maligno Baal, Ópera dos três vinténs, A padaria e Aquele que diz sim, aquele que diz não. Com a ascensão de Hitler, foi obrigado a deixar a Alemanha e exilar-se em países como a Dinamarca e os Estados Unidos, onde sobreviveu à custa de trabalhos para Hollywood. Fez duras críticas ao nazismo e à guerra, tema de uma de seus mais importantes textos: Mãe coragem e seus filhos (1939). O Pequeno Organon é outra importante obra, cujo conteúdo discorre sobre o fazer teatral. Em 1949, já de volta para a Alemanha, funda o Berliner Ensemble. Esse espaço passou a ser uma referência teatral mundial. Morreu em Berlim em 1956. Muito provavelmente, na biblioteca da sua escola há alguma coisa da produção desse autor. Para obter mais informações acesse: http://www.culturabrasil.org/brecht.htm Qual será a minha definição de teatro? Como é possível perceber, qualquer tentativa de definir o que é teatro coloca-nos diante de inúmeras visões, às vezes 6 bem diversas uma da outra. O que talvez seja possível afirmar é que, a cada época, a cada momento histórico, ele assumirá uma determinada tendência. Cabe aos interessados na arte teatral definir suas próprias propostas, realizar suas escolhas artísticas, buscar encontrar respostas para indagações da seguinte ordem: por que desejo fazer teatro? Que teatro quero fazer? O que pretendo alcançar com o teatro? O que quero comunicar a partir do teatro? A quem se dirige o teatro que faço? Quais são as tendências artísticas que me impressionam? Que estética teatral eu gostaria de investigar e/ou experimentar? Na comntemporaneidade, a diversidade é parte constituinte do teatro. Assim, coexistem diversas tendências, várias possibilidades teatrais, que não podem ser categorizadas como piores ou melhores. São apenas formas diferentes de se manifestar e fazer teatro. Essa diversidade teatral nos instiga, tanto na forma de fazer, como na maneira de ver teatro. Leva-nos, por exemplo, a refletir sobre o sentido do teatro e a sua relação com a platéia. Assistir a teatro é diferente de assistir a televisão? Assistir a um espetáculo de teatro é completamente diferente da atitude receptora que um aparelho de televisão nos oferece. Se, inúmeras vezes, ao assistir a televisão somos capazes também de falar ao telefone ou comer pipoca, pois diante da tevê nossas habilidades imaginativas, de seres pensantes, são pouco requisi7 tadas, no teatro essa relação pode se configurar de outra forma. No teatro, nossa capacidade de criar é exercida e compartilhada com os demais presentes na sala de espetáculo. O teatro é algo para ser vivenciado no coletivo. É uma atividade humana que nos permite exercer nossas capacidades de pensar, de criar, de percorrer os mais diversos destinos incertos que a imaginação nos possibilita. Tanto o teatro quanto a televisão propõem formas distintas de assistência e de produção artística. Não se faz aqui apologia a qualquer teatro! Há muitos espetáculos que estão mais para televisão do que para teatro. Qual o sentido do público sair de suas casas para ver teatro se ele pode ver a mesma coisa na televisão? É preciso ter clareza das diferenças de cada uma dessas linguagens. Não se trata de dizer que o teatro é melhor que a televisão e nem que a televisão é mais interessante que o teatro. Não podemos entrar nesse engodo. Há muita coisa inteligente sendo produzida na tevê e muita produção ruim sendo encenada por aí. O teatro envolve o império da metáfora, algo praticamente ausente na televisão. O teatro não se oferece como espelho imediato da realidade, senão como tradutor de experiências vivenciadas pela sociedade. O teatro se configura como mediação metafórica da realidade, onde não há a necessidade de se privilegiar a ilusão de contigüidade. O campo do teatro está próximo da poesia, do 8 mito, do sonho, da ciência e do abstrato, permitindo converter tudo isto em metáforas que direta ou indiretamente possibilitam indagar, decifrar e pensar o presente. Assim, podemos dizer que são próprios do território teatral a metáfora e as suas perspectivas de realidade; transversalidade imaginativa e a sua tradução cênica (Dubatti, 2007). Saber ler teatro e indagar-se sobre as suas formas de produção são elementos fundamentais aos interessados na arte cênica. Como deve ser o teatro? Para o autor e ator italiano Dario Fo (1998), o teatro deve ser vivo, ser capaz de se renovar, tanto na forma como no conteúdo. Dessa maneira, sua proposta está pautada num teatro de pesquisa, de investigação permanente. Deve-se investigar a linguagem teatral e temas que provoquem os indivíduos a pensar sobre suas relações com outros indivíduos. Nas suas idéias o teatro não pode representar o nosso tempo como algo mítico. Ou seja, como algo imutável, como simplificação de indivíduos ou fatos da realidade humana. Assim como o teatro não deve representar o tempo passado como se fosse um defunto. Para ele, o teatro estará morto se as pessoas estiverem mortas para a vida. Teatro não precisa ser uma cópia da vida, não necessita ser uma reprodução fiel da realidade (mimético), mas deve ser uma experiência viva tanto para quem o assiste como para quem o faz. 9 Dario Fo O italiano Dario Fo é ator, mímico e palhaço. Ele costuma fazer esboços das tramas em pinturas e depois apresenta suas idéias no palco antes de colocá-las no papel. Seu trabalho está fundamentado na improvisação. Durante as improvisações de cena, costuma misturar dialetos italianos, sons onomatopaicos e palavras inventadas. Suas comédias nascem desse jogo de cena. Seus textos já foram traduzidos para mais de trinta idiomas. Para ampliar essas informações acesse: http://noticias.uol.com.br/licaodecasa/materias/ult1789u477. O teatro como experiência criativa (...) o sistema de ensino de Viola Spolin e sua visão de teatro. Além de identificar um caminho seguro para a realização de um teatro autêntico e significativo, revela uma reflexão em torno do fenômeno do teatro e abre perspectivas para novos caminhos de pesquisa. É uma reflexão sobre a prática, proposta em forma de problemas, a serem devolvidos ao palco e solucionados durante a atuação (Koudela, in Spolin, 1979, p. XXIV). A autora americana Viola Spolin dedicou boa parte dos seus livros para demonstrar que a atuação e qualquer outro elemento da linguagem teatral podem ser ensinados e aprendidos desde 10 que seja oferecido um espaço propício à experiência criativa. É exatamente na possibilidade que cada indivíduo tem para experienciar um processo e aprender a partir dele que Viola Spolin desenvolve o seu sistema de aprendizagem teatral, denominado Jogos Teatrais. No trabalho proposto pela autora, podemos encontrar algumas alternativas para a construção de produtos artísticos teatrais. Nele, a liberdade de expressão pessoal e do grupo é desenvolvida juntamente com o aprendizado da linguagem teatral. Nos seus procedimentos, o teatro não é o pretexto para o desenvolvimento do intuitivo e do espontâneo. Os atores aprendem a lidar com os diversos elementos envolvidos na expressão teatral. Segundo Viola, o teatro é o objeto de estudo e exige expressividade dos que almejam desenvolvê-lo, conseqüentemente podendo transformar esses indivíduos em seres mais espontâneos e criativos na vida. Para que isto possa ocorrer plenamente, Spolin estabelece o jogo como espaço de aprendizagem. Fazer teatro a partir de jogos teatrais Para Viola Spolin, o jogo é, por si só, uma forma espontânea de grupo, que possibilita a liberdade e o entrosamento, elementos fundamentais para a experiência teatral. Ela afirma que muitas habilidades são desenvolvidas durante o jogo. Ao mesmo tempo em que a pessoa está jogando, ela está se divertindo ao máximo e recebendo toda a estimulação que o jogo pode oferecer. 11 Ela observa que, no instante em que o ator está jogando, ele está livre para envolver-se e relacionar-se com o mundo a sua volta, que sofre freqüentes mutações, desenvolvendo uma atuação espontânea, libertando-se de estereótipos, de recursos técnicos que são, na realidade, descobertas de outros. O sistema de jogos teatrais estabelece um campo lúdico de aprendizagem, dentro do qual os atores são incentivados a solucionar problemas com inventividade e de forma original. Desde que o jogador respeite as regras que foram acordadas coletivamente, ele tem liberdade pessoal para propor e inventar as mais inusitadas soluções. A liberdade pessoal, segundo Viola, leva o jogador a desejar experimentar e adquirir auto-expressão, elemento importante também para o teatro. A partir dos jogos teatrais, cada grupo é incentivado a construir o seu próprio processo, encontrar as suas saídas e soluções. Nas propostas de Viola, as atitudes vinculadas à aprovação e desaprovação estabelecidas normalmente num processo tradicional de teatro, e nas posturas autoritárias de alguns diretores em relação à atuação dos atores, devem ser substituídas pela percepção de que o teatro é uma atividade de grupo que exige a energia criadora de todos os envolvidos. Ela afirma que pode ser mais recompensador para o diretor teatral se ele construir com os seus atores um campo de relações, em que ambos lutem por um insight pessoal. Assim sendo, o diretor teatral deixa de ser o detentor do conhecimento, da grande idéia para a cena, e passa agir como orientador do processo. 12 Isto também evita exibicionismos teatrais desnecessários. Podemos encontrar, na sistematização de jogos teatrais, propostas que possibilitem pensar no teatro dentro da escola como expressão do coletivo, das investigações de um grupo, em que cada qual, com suas habilidades e competências artísticas, pode contribuir com o fazer teatral e a construção da encenação. Diversos livros de Viola Spolin foram traduzidos no Brasil (vide bibliografia). Recentemente, foram lançados aqui Jogos teatrais na sala de aula (2007) e O fichário de Viola Spolin (2001). Estas publicações trazem diversos jogos e indicações capazes de estabelecer um ambiente propício para uma experiência criativa e inspiradora, na qual o processo teatral e a criação de uma encenação tornam-se o caminho para a aprendizagem teatral. Todos podem atuar no palco Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco (Spolin, 1979, p. 3). Ao se pensar na criação de espetáculos, é preciso ter um grupo de pessoas com capacidade especial para atuar? Para os que responderiam sim, poderíamos responder afirmando que são parte constituinte dos seres humanos a ima13 ginação e a capacidade para atuar. Diversas áreas de estudos buscaram delinear a capacidade de atuação dos indivíduos. Por exemplo, a sociologia afirmará que atuamos todos os dias com os amigos, com a família, com os estranhos. Para a psicologia, o nosso eu está escondido por detrás de muitas máscaras que assumimos durante as mais diversas relações do dia-a-dia. Para essas áreas, atuar é o método pelo qual convivemos com nosso meio. Poderíamos também citar Jean Piaget. Através dos seus estudos sobre a evolução dos Jogos Simbólicos no desenvolvimento da criança, é possível encontrar muitos pontos que revelam a capacidade humana para criar símbolos, para a representação. Nas suas pesquisas encontramos a gênese para a atividade dramática. Se a atuação é uma capacidade inerente a todos nós, então podemos sistematizar métodos que auxiliem os iniciantes nesta arte de comunicação e expressão a desenvolver suas habilidades para o teatro. No teatro, atuar significa saber lidar com a nossa capacidade imaginativa, com as infinitas possibilidades do fazde-conta. Quais são os princípios dos jogos teatrais? Com base nos princípios dos jogos teatrais é possível a idealização de diversos experimentos artísticos que permitem conduzir o trabalho no sentido da criação de encenações. Procedimentos que fazem parte da sistematização de Jogos Teatrais, como a solução de problemas, o foco, a fisicalização, a estrutura 14 dramática quem, o quê, onde e o processo de avaliação podem ser utilizados, com o intuito de propor aos atores diversas formas de investigação e compreensão dos elementos que envolvem a linguagem teatral. Com os jogos teatrais não só será possível a constituição de grupos de teatro, detentores dos seus próprios processos de criação e investigação artística, como também de estabelecer uma maneira diferenciada de ver e fazer teatro (Spolin, 1979). O teatro dentro da escola deixa de ser uma atividade de poucos, para ser o lugar privilegiado do coletivo, capaz de propiciar um campo lúdico de criação e experimentação estética. Fisicalização É um recurso utilizado na sistematização de jogos teatrais. Trata-se de usar o próprio corpo para dar vida aos objetos. É uma maneira de mostrar objetos imaginários. Com a fisicalização é possível tornar a realidade do palco visível. Ela permite aos atores utilizarem da ação física para dar forma a um objeto, para torná-lo concreto para a platéia. O lugar do teatro na contemporaneidade Uma encenação teatral depende, em linhas gerais, da relação existente entre quem atua e quem assiste. Mesmo que essa relação não seja rígida: nem sempre cabe aos atores a tarefa de só atuarem e à platéia apenas o papel de assistente. Ainda assim, 15 o princípio da arte teatral estará fundamentado na relação de que ora alguém está no papel de atuante, ora alguém está na condição de espectador, e a estruturação dessa relação pressupõe a delimitação de um espaço teatral. A cada etapa da evolução social corresponde um determinado tipo de espaço teatral (...) tempos houve em que determinada produção teatral obedecia a regras precisas de implantação. Do Oriente ao Ocidente, da Grécia Antiga ao barroco, passando pelo Renascimento e culminando na atualidade, o espaço teatral assumiu as mais diferentes morfologias, mantendo, todavia, uma constante e inegável influência cultural que remonta às mais antigas civilizações (Solmer, 1999, p. 93). Na contemporaneidade as representações pouco ou nada dependem da existência de locais específicos para a existência do teatro. Muitas vezes, locais que usualmente não seriam utilizados como teatro tornam-se espaços ricos de possibilidades cênicas. Uma proposta cênica, por exemplo, pode surgir da relação dos atores com a substância de um determinado espaço. O cheiro, a sonoridade, as possibilidades de deslocamento, cores e formas podem não só desencadear processos de investigação teatral, como se tornam temas para uma encenação. Muitos grupos de teatro trabalham a partir das suas relações 16 com o espaço e são essas experiências sensoriais com o lugar que os atores compartilham com o público. Grupos como o Teatro Oficina (http://www.teatroficina.com. br), o Teatro da Vertigem (http://www.rabisco.com.br/25/vertigem.htm) e Grupo XIX de Teatro (http://www.grupoxixdeteatro. ato.br), todos em São Paulo, são exemplos de construção de propostas teatrais a partir das relações estabelecidas com o lugar escolhido para a apresentação da encenação e suas possibilidades de transformações cênicas. Assim, ruas, hospitais, edifícios abandonados passam a ser palco para os espetáculos. O lugar do teatro na escola Na escola é possível estabelecer as mesmas regras de trabalho de grupos que têm como investigação a transformação do lugar em espaços cênicos. Aliás, a idéia é não ter regras fechadas quando se trata de possibilidades para a criação cênica. Desde que seja um espaço propício para o que se pretende realizar e que ofereça segurança aos atores e ao público, as possibilidades espaciais podem ser inúmeras. O lugar do processo teatral, na escola, pode ser configurado em forma de oficinas de teatro e romper com espaços delimitados pelas carteiras, passando a ocupar todo e qualquer espaço possível, dentro ou fora da escola. O lugar do teatro na escola deve ser um espaço de encontro, onde seja possível trocar pensamentos, estabelecer outros níveis de relações humanas, de exposição pública de idéias, 17 que possibilitam formalizar o convívio social. O lugar do teatro é um espaço de criação artística, mas também um espaço de convívio e troca. Tendo em vista que o lugar do teatro não está circunscrito apenas em edifícios teatrais construídos para esse fim, qualquer espaço onde seja possível estabelecer ou partilhar uma experiência teatral, coletiva, de convivência entre atores e espectadores, como quadras de esporte, pátios, jardins, estacionamentos, a rua da escola ou a própria sala de aula, todos esses lugares tornam-se espaços cênicos possíveis para a representação. Isso possibilita ao grupo desvincular-se da idéia de que para existir teatro será necessário haver um palco à italiana. O desafio é transformar os espaços da escola em espaços de representação. Palco à italiana – Teatro São Pedro (São Paulo – SP) http://www.saopaulo.sp.gov.br/saopaulo/cultura/teatro_saopedr.htm 18 Ao propor transformar o espaço escolar em espaços de representação teatral, faz-se um convite explícito e cheio de significado para que todos os envolvidos com a escola possam enxergá-la por um outro ângulo. O ângulo da estranheza de perceber que corpo, mente e prazer não precisam estar por detrás das carteiras; podem coexistir, sem que isso cause qualquer ameaça às regras disciplinares da escola e à qualidade da aprendizagem dos alunos. Quadra da escola ocupada durante uma sessão de jogos teatrais2 Uma experiência teatral Certa vez, ao ocupar o espaço do refeitório de uma escola, deparamo-nos com um cheiro inebriante de feijão refogado. Tomados por aquela sensação, surgiram diversas improvisações cujo tema era a relação das pessoas com a comida. Esta seção de jogos, no refeitório, trouxe-nos a idéia de criar diversas cenas 19 envolvendo relações familiares durante o ato de comer. E desse conjunto de cenas estruturamos a nossa encenação. O público, durante a apresentação do espetáculo, sentava-se às mesas, junto com os personagens, e com eles jantava e, ao mesmo tempo, assistia aos conflitos da família Silva. A platéia era o público, mas também assumia o papel de parentes distantes que vieram visitar os Silvas em plena crise existencial daquele núcleo familiar. A transformação e apropriação dos espaços de representação podem ocorrer a partir da elaboração de cenas denominadas como produtos preliminares ou produtos confluentes. Produtos teatrais preliminares e confluentes Os produtos preliminares envolvem a apresentação de cenas restritas aos participantes das oficinas de teatro. Já os produtos confluentes tratam da elaboração mais apurada de cenas, contemplando a produção de figurinos, adereços, maquiagem, cenografia, sonoplastia e a apresentação em diversos espaços públicos da escola, para platéias de convidados ou casuais. Cena constituinte de um produto confluente, apresentada no pátio da escola 20 É importante ressaltar que a existência de uma platéia, desde o início do processo teatral do grupo, ajuda a compreender o público como cúmplice das reflexões e investigações teatrais, ao invés de tê-lo como uma ameaça crítica ao desempenho artístico dos atores. Como prevê a sistematização de jogos teatrais, ora parte do grupo é de atuantes, ocupando o espaço do jogo, ora esses mesmos atores trocam de papéis com outros jogadores e passam a ser espectadores, contribuindo para a leitura das cenas e para as discussões acerca das propostas dos jogadores e suas capacidades de comunicação teatral. Presente no processo de trabalho, a platéia deixa de estar escondida atrás da quarta parede (princípios defendidos pelo teatro naturalista) para estar frente a frente com os atores, às vezes no mesmo espaço da cena, estabelecendo uma relação direta, um encontro importantíssimo para a avaliação das propostas e para a realização teatral. A atuação em coro Um recurso a ser investigado por um grupo de teatro na criação das suas encenações é a atuação em coro. Além de possibilitar a experimentação e o estudo de alguns elementos presentes no teatro épico, ela facilita encontrar saídas satisfatórias para a distribuição de papéis entre os atores participantes 21 da encenação, sem com isso privilegiar um ou outro atuante, evitando justificativas pautadas no talento. Além de se tornar também um grande desafio para se pensar o teatro a partir das perspectivas do coletivo. Já que os processos de experimentação teatral, dentro das escolas de educação básica, em geral, priorizam as relações de grupo, a atuação em coro não seria algo a ser investigado? (...) a forma coral é particularmente interessante no teatro (dança e música) com crianças, jovens e amadores, na medida em que potencialmente elimina a apropriação do personagem por um único ator, descaracterizando assim a perigosa noção de “talento”, que facilmente conduz a comportamentos competitivos e exibicionistas (Koudela, 1992, p. 85). No livro Texto e jogo, de Ingrid Koudela (vide bibliografia), são apresentados diversos procedimentos que possibilitam a investigação da atuação em coro. Esses processos de experimentações, assim como a apresentação da encenação (produto teatral), instauram novas necessidades de investigação e desejos de realização, por parte dos atores, originando o surgimento de outras pesquisas teatrais e o nascimento de novas encenações. Assim, a cada ano, as Oficinas de Teatro são alimentadas e reorientadas, articulando o conhecimento com a realidade e as expectativas teatrais dos alunos. 22 Instaura-se um processo contínuo de experimentação e investigação coletiva, objetivando tornar as oficinas um espaço aberto não só para os alunos e o aprendizado artístico, mas a todos que desejarem compartilhar e contribuir com o fazer teatral. O texto literário-dramático e o texto cênico É possível trabalhar com duas concepções de texto: texto literário e texto cênico. O autor francês Pavis (1999) afirma que o termo texto cênico refere-se à relação de todos os sistemas significantes usados na representação e cujo arranjo e interação formam a encenação. Segundo a autora Koudela (1996), o texto literário pode ser definido como um grupo de frases que, ao serem reunidas, servem para expressar um enunciado. Na literatura, o texto se refere às palavras escritas. O texto literário-dramático, entendido como um conjunto de frases, organizado na sua essência por diálogos, pode ser chamado simplesmente de texto dramático, geralmente escrito pelos dramaturgos. Já os elementos envolvidos na materialização cênica do texto são definidos como texto cênico. Assim, chamaremos de texto literário-dramático ou texto dramático o texto escrito pelo dramaturgo e que pode vir a ser encenado. O texto cênico é a encenação propriamente dita, envolvendo luz, 23 som, figurinos, cenários e todos os outros elementos contidos num espetáculo. O texto pode ser inserido no experimento teatral tendo como objetivo contrapor-se ao processo tradicional de leitura de mesa. Nesse processo de leitura (do texto dramático) enfatiza-se a teoria de que o texto deve ser estudado minuciosamente antes de ser transposto para a cena (texto cênico). Normalmente, os envolvidos na encenação (atores, diretor e produção) sentam-se em torno de uma mesa com a intenção de ler o texto escrito. Nesses ensaios de leitura de mesa, o diretor e os atores buscam analisar e compreender o conteúdo expresso no texto, estabelecendo alguns princípios para a interpretação e para a concepção estética do espetáculo. É comum também, nesse momento, ocorrerem leituras acompanhadas por uma contextualização histórica, social e política, com a função de abranger um estudo mais aprofundado sobre as idéias do autor e do texto. Isso pode acrescentar muito ao trabalho dos grupos. No entanto, pode tornar também o processo de representação mecanizado. A fala torna-se declamatória ao invés de ser natural, de ser a extensão do pensamento das personagens. Outros caminhos podem ser percorridos na apropriação do texto dramático por parte dos atores, bem como a compreensão dos seus conteúdos pode nascer durante a própria ação de jogar, da atividade lúdica. O texto pode ser desvelado gradativamente, sempre em ação, com o objetivo de permitir que os atores se impregnem sensorialmente dele. 24 Aprendizagem dos gestos e das atitudes Por intermédio do jogo teatral, o texto cênico pode ser materializado a partir do aprendizado dos gestos e das atitudes. Ou seja, fragmentos de textos dramáticos são associados a diversos contextos sociais, confrontados com o cotidiano dos atores e com as suas diversas visões de mundo, configurando cenas que enfatizam os gestos e as atitudes como forma de expressão simbólica e a construção de quadros de cena. O aprendizado dos gestos e das atitudes traz ao trabalho teatral um conceito central do teatro de Brecht. Para Brecht, não se deve compreender gesto como a simples ação de gesticular. Não se trata de movimentos de mão para sublinhar ou comentar quaisquer passagens da peça, e sim de atitudes globais. (...) Todos os elementos de natureza emocional têm de ser exteriorizados, isto é, precisam ser desenvolvidos em gestos. O ator tem de descobrir uma expressão exterior evidente para as emoções e sua personagem, ou então, uma ação que revele objetivamente os acontecimentos que se desenrolam no seu íntimo. A emoção deve manifestarse no exterior, emancipar-se, para que seja possível tratá-la com grandeza (Brecht, 1978, p. 42). 25 Quadro de cena apresentado no estacionamento da escola A investigação do texto, a partir da idéia dos gestos como expressão exterior, facilita o afastamento de uma abordagem psicologizante dos personagens, muitas vezes enfatizada nos ensaios de leitura de mesa. Os textos são transformados em modelos de ação para a investigação das relações dos homens com outros homens. Dessa forma, a construção dos gestos e das atitudes passa a ser o caminho para a análise, reflexão e compreensão do texto. Do texto à cena e da cena ao texto Durante as oficinas de teatro, o texto pode ser trabalhado de duas formas: do texto à cena e da cena ao texto, ou seja, o texto como origem de cena e como resultante dela. Já da cena ao texto, é possível pensar na dramaturgia do espetáculo a partir das improvisações realizadas pelos atores. 26 Ao pensar na perspectiva do texto à cena, aprofunda-se a relação do texto como fonte para a construção dos gestos e das atitudes. Por exemplo, após lerem o fragmento de um texto, silenciosa e individualmente, os atores podem ser organizados em grupos e estabelecerem discussões acerca do conteúdo do texto. Podem buscar identificar uma atitude e um gesto que determinariam as relações expressas no texto e, ao mesmo tempo, sintetizariam o resultado das discussões e das descobertas sobre o que acabaram de ler. A apresentação dessas discussões seria demonstrada em forma de imagens congeladas, quadros de cena, atribuindo novos significados ao texto. Enquanto os atores apresentam seus quadros de cena, a platéia efetua a leitura da imagem, destacando o que vê, relacionando a imagem com outras situações do cotidiano. As leituras, efetuadas a partir da leitura dos gestos e das atitudes dos atores, buscam ampliar as interpretações sobre o texto. Assim, os quadros de cena instauram uma reflexão sobre o conteúdo apresentado no texto e auxiliam os atores a analisar a estrutura da cena. Cada grupo, ao apresentar o seu quadro de cena, busca dar uma forma estética, gestual para a imagem congelada. Diversos pontos de vista são apresentados para um mesmo texto. Isso permite discutir com o grupo de atores as diversas possibilidades que podem ser investigadas em um texto. A preocupação primeira é jogar com o texto e estabelecer uma intimidade com as palavras contidas nele. A investigação não se inicia com o estudo sistemático sobre o autor ou a sua época, mas com a descoberta 27 das relações humanas existentes nele, a partir da atuação dos jogadores com o texto. Na avaliação das cenas, pode-se verificar como o grupo soluciona o problema em sintetizar as discussões sobre a relação entre o texto literário e o jogo teatral, através do quadro de cena que é apresentado. A idéia é que os quadros de cena não sejam reproduções teatrais literais do texto, mas a interpretação dele e as possibilidades de representá-lo teatralmente. A continuidade desses jogos de apropriação do texto, a partir dos quadros de cena congelados, pode evoluir para quadros de cena em movimento: cenas. O trabalho com os quadros de cena possibilita ao grupo de atores desenvolverem a capacidade de síntese, de ênfase aos gestos e atitudes. Há nesse trabalho o esforço para passar o texto da superfície do papel para a tridimensionalidade do corpo do ator e para o espaço cênico. Procedimentos de trabalho que podem ser instaurados: I. Jogos de apropriação do texto: a. Leitura do texto literário por todos os participantes do grupo: andando pela sala de aula, em voz alta, como se estivesse contando uma história. b. Destacar uma frase: contracenar dizendo a frase com diversas intenções e entonações; encontrar um gesto e/ou uma atitude para a frase. 28 c. Quadro de cena com legenda: um grupo cria um quadro de cena congelado a partir do texto; o restante dos alunos procura, no texto, uma frase ou uma palavra que sirva de legenda para a imagem; um grupo apresenta o quadro de cena e os outros dizem as legendas em voz alta. d. Apenas um em movimento: andando pela sala de aula, enquanto um aluno lê o texto já buscando um significado para ele (gestos e atitudes), os outros permanecem parados. Um outro aluno inicia a leitura, o que estava lendo congela, assim como todos os outros. Outro inicia a leitura e a estrutura se repete. II. Jogos teatrais com texto: a. Criar uma cena a partir do texto, determinando onde, o que e quem. b. Apresentar a cena: avaliar com a platéia, discutir quais gestos e atitudes foram construídas. Ensaios de teatro Registra-se a idéia de ensaio como forma de repetição de uma ação, várias vezes, a fim de exercitar-se ou tornar-se destro, treinado para realizar uma determinada atividade. Ensaios são considerados processos finais de uma montagem teatral, que culminam com a conjugação do trabalho do ator com todos os elementos constitutivos, técnicos ou artísticos, de uma montagem. Porém, os ensaios devem ir muito além da ação de ensaiar um texto, de repetir seqüências de falas e marcações de 29 cenas, até que todos possam atuar com destreza. Eles devem ser um espaço para avançar no processo de investigação, instaurado com os jogos teatrais. Evitar a idéia de ensaios como forma de se ter cenas acabadas, finalizadas e perfeitas, garante a ausência de qualquer erro no momento da apresentação pública. O erro é também fonte de aprendizagem e de novas descobertas. O erro desencadeando investigações teatrais Os erros que surgem durante o jogo trazem a possibilidade de novas investigações cênicas, permitindo aos atores esquematizar outras formas de se relacionar com o espaço da representação, outras formas de examinar com mais atenção determinadas soluções, outras formas de focalizar novos detalhes da cena, ou com os outros atores. Favorece elaborar, com mais precisão, os gestos e as atitudes das cenas. Substituir a visão tradicional de ensaio (forma de repetir uma ação até se atingir a perfeição) por processos de investigação leva o grupo a um estado de atenção permanente com o momento da cena, com a situação presente, com o aqui-agora. Isto faz com que os atores transformem a ansiedade pela perfeição técnica em competência para solucionar problemas. Essa visão de ensaio é muito próxima daquela que encontramos no Dicionário de teatro, de Patrice Pavis (1999). Para ele, em alemão (Probe) ou em espanhol (ensayo) a palavra assume o caráter de tentativa, que traduz melhor a idéia de experimenta30 ção e de tateio antes da adoção da solução definitiva. Assim, a confiança dos atores na suas capacidades de atuar de forma livre e natural em cena é estabelecida pelas possibilidades que cada um tem para jogar com os papéis e de investigar, em conjunto com os outros atores, formas e processos de criação. Como num treino esportivo, em que os jogadores adquirem competências e habilidades técnicas na própria ação de jogar o jogo, criando partidas amistosas e simulando jogadas, os atores, a partir dos jogos de improvisação, passam a assimilar itens para o arranjo cênico da encenação. Tais itens, como a marcação dos atores, a posição dos objetos cenográficos na cena e a assimilação do texto, surgem durante os ensaios. O estabelecimento de uma partitura cênica (roteiros ou trajetórias) é uma outra possibilidade de organização do processo e estruturação da encenação. Pode-se pensar em diversas formas de construir, reconstruir e compartilhar as cenas com o público. Essas formas organizacionais tornam-se o roteiro, a partitura cênica a ser desenvolvida pelo grupo. Tanto os ensaios individuais das partituras cênicas de cada cena, como os ensaios coletivos envolvendo a partitura total do espetáculo, são extremamentes importantes para que, aos poucos, cada ator encontre o seu lugar na construção do projeto e os papéis de cada um sejam definidos dentro da encenação. 31 Partitura cênica A inclusão do termo partitura no trabalho teatral, muito utilizado na área musical, consiste em registrar (em palavras ou imagens) todas as ações presentes no texto cênico. A partitura contém o roteiro da cena, a descrição dos gestos e das atitudes, o deslocamento em cena das personagens, a planta-baixa do cenário, etc. Processo ou produto teatral, onde deve estar a primazia do trabalho? Durante um período acreditou-se que o teatro na escola deveria enfatizar mais o processo teatral, pois a intenção dos grupos não era um compromisso com a profissionalização artística. Em geral, o objetivo estava pautado no prazer que a atividade teatral poderia oferecer. Concomitantemente, alguns educadores acreditavam que um processo teatral vinculado à expectativa de um produto reduziria a atividade teatral à simples tarefa de produção de espetáculos, favorecendo os atores mais habilidosos na arte da representação e estabelecendo a exclusão dos que não se sentiam capazes de atuar diante de uma platéia. Hoje a polêmica entre a primazia do processo ou do produto teatral dentro de instituições escolares pode parecer uma discussão já ultrapassada, uma vez que diversos autores brasileiros e estrangeiros já discutiram esta questão e muitos deles 32 defenderam a idéia de que o teatro na escola deve priorizar o processo de auto-expressão e criação dos alunos. Esses autores defendem o processo em contraposição à idéia de um teatro que tem a função apenas de animar festas comemorativas, tais como datas cívicas e festividades, sem nenhum entendimento do texto dramático, sem nenhuma instauração de um processo que priorize a criação dos alunos-atores ou a construção da linguagem teatral. Geralmente, o trabalho desenvolvido no espaço escolar, por meio de ensaios que atendam às expectativas do professor, ou seja, tudo bem decorado e bem ensaiado para que demonstre a capacidade do docente em desenvolver a memorização dos atores e suas habilidades de atuação. Nesse tipo de trabalho há um esforço concentrado por parte dos professores em escolher os mais desinibidos para decorar as falas do texto e, no momento da apresentação, não esquecerem nenhuma das instruções dadas. Porém, estudos nesta área avançaram nas discussões e declararam que não se trata de optar pela primazia do processo em detrimento do produto ou vice-versa, e sim pela escolha de métodos que favoreçam a construção do conhecimento teatral dentro de parâmetros educacionais e artísticos claros, participativos e criativos (Gama, 2000). O teatro não precisa estar relegado a alguns momentos das atividades escolares, nem circunscrito no âmbito curricular da disciplina Arte, e muito menos apenas como estratégia de ensino de outras disciplinas da matriz curricular. 33 O teatro hoje na escola A concepção moderna do ensino de Arte na escola propõe que o Teatro seja encarado como área específica do conhecimento humano e não como uma simples atividade que venha a preencher os momentos sociais e de lazer da escola. Dessa forma, processos e produtos irão se tornar não dicotomizados, gerando processos investigativos que possibilitarão aos alunos e aos professores uma compreensão maior dos elementos envolvidos na Arte Teatral. A criação de grupos de teatro dentro das escolas deve fazer parte dos esforços coletivos de gestores escolares, professores e alunos, das propostas dos projetos pedagógicos, das políticas educacionais das secretarias, envolvendo formação de professores e ações didáticas. A prática efetiva do teatro dentro das escolas virá a ser uma experiência criativa se propiciar aos envolvidos espaços de fantasias, de criação e de realização artística, assim como também uma relação dialógica profícua entre professores e alunos, entre as pessoas e o mundo. 34 Notas 1. Doutorando em Artes, área de pesquisa Pedagogia do Teatro, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Professor e diretor de teatro. Atua na educação básica e no ensino superior. 2. Essa e as demais fotos relacionadas ao teatro na escola fazem parte do trabalho de pesquisa desenvolvido com alunos do Ensino Médio, registrada na dissertação de mestrado Produto teatral: a velha-nova história (vide bibliografia). Referências bibliográficas BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Tradução de Fiama Pais Brandão. São Paulo: Nova Fronteira, 1979. DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocações e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006. DUBATTI, Jorge. Filosofia del teatro I: convivio, experiência, subjetividad. Buenos Aires: Atuel, 2007. FO, Dario. Manual mínimo do ator. São Paulo: Senac, 1998. GAMA, Joaquim Cesar Moreira. “Produto teatral: a velhanova história. Experimento realizado com alunos do ensino médio”. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicação e Artes da Universidade São Paulo, 2000. 35 GROTOWSKI, Jerzi. Para um teatro pobre. Tradução de Rosa Macedo e J. A. Osório Mateus. Lisboa: Forja, 1975. KOUDELA, Ingrid Dormien. Brecht na pós-modernidade. S. Paulo: Perspectiva, 2001. ______. Texto e jogo. S. Paulo: Perspectiva, 1996. ______. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1984. PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira.São Paulo: Perspectiva, 1999. PEIXOTO, Fernando. O que é teatro. São Paulo: Brasiliense, 1981. PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1875. PUPO, Maria Lúcia. 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