O GRANDE CISMA DA IGREJA - Solano Portela

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O GRANDE CISMA DA IGREJA
Um Exame da Igreja Ortodoxa em sua
Formação e nos Dias de Hoje
Pb. Solano Portela
Introdução
O tema do nosso artigo é “O Grande Cisma da Igreja”. Existem, na realidade dois
episódios na história da igreja que disputam este título: O primeiro, que é o alvo do
nosso exame, é a divisão ocorrida em 1054, no seio da igreja Cristã, entre a ala oriental e
ocidental, que gerou a chamada Igreja Ortodoxa, ou Grega-ortodoxa. O outro cisma,
algumas vezes classificado como “o grande”, ocorreu séculos depois, em 1378 a 1417,
quando a Igreja Católica teve dois papados – um em Roma e o outro na França.
Os acontecimentos na história da Igreja que vamos examinar parecem apenas fruto de
política e dissensão interna. No entanto, não podemos nos esquecer que o Islamismo
surgiu exatamente alguns séculos antes do Grande Cisma. A ameaça externa dos
seguidores de Maomé teve muito a ver com o desenrolar dos eventos. É, portanto,
aconselhável que tenhamos uma boa compreensão histórica do Islamismo, pois, desde o
seu início, ele tem se constituído numa das maiores ameaças ao cristianismo, como está
demonstrado sem sombras de dúvidas, em nossos dias.
Queremos também compreender o gradual afastamento da igreja da singeleza
doutrinária que marcou os escritos dos apóstolos e a igreja primitiva, nos primeiros
séculos da era cristã.
1. O IMPÉRIO ROMANO QUE NÃO ERA ROMANO.
Vamos começar nosso estudo no ano 800 – um ano “redondo” mas crucial na história
do mundo e da igreja. No Natal deste ano o papa Leão III coroou Carlos Magno como o
primeiro imperador do Santo Império Romano. Acontece que esse império não era
“romano” pois o poder imperial político de Roma não mais existia. A tentativa era
estabelecer uma sucessão ao Império Romano e costurar uma aliança com a igreja, mas
o centro do poder, agora, era a região que seria, mais tarde, conhecida como a
Alemanha. Carlos Magno era o rei dos Francos – designação de várias tribos de
“bárbaros” que habitavam a margem direita do rio Reno.
O papado estabeleceu uma aliança plena com o novo imperador – cada um exerceria o
domínio em sua própria esfera e cooperariam com os interesses um do outro. Esse
conceito teria reflexos a longo prazo na história da Europa. Durante o próximo milênio
vários imperadores desfilaram os seus exércitos no solo europeu, esforçando-se para se
estabelecerem como legítimos sucessores dos Césares romanos – até que, em 1806,
Napoleão aboliu formalmente o “Santo Império Romano” – que, na época, virtualmente
compreendia apenas a Alemanha.
Alguns anos antes em Constantinopla (onde atualmente encontramos a cidade de
Istambul, na Turquia), o imperador Leão Isauriano confrontara o perigo dos exércitos
islâmicos e fora bem sucedido em evitar uma invasão. O império bizantino foi se
consolidando e, carregando consigo a ala oriental da igreja, expandiu sua influência
desde a Grécia até a Arábia. Assim, na parte leste, ou oriental, a igreja era liderada por
um patriarca, em Constantinopla (conhecida depois como ramo grego ortodoxo); e na
parte oeste, ou ocidental, a liderança era exercida pelos papas, em Roma (conhecida
depois como ramo católico romano).
2. NO MEIO DAS CONTURBAÇÕES POLÍTICAS A IGREJA SE EXPANDE.
Carlos Magno conseguiu controlar o território da França, Alemanha, Suíça e Itália. Seus
três filhos não conseguiram manter a regência conjunta e o Império foi repartido e
enfraquecido. Eventualmente, a Europa transformou-se em vários principados
independentes e antagônicos entre si. Isso contribuiu para que o papado readquirisse
alguma força política e geográfica. O período de 800 até o ano de 1073, entretanto,
marca uma era de forte aliança entre igreja e estado com a chamada dinastia
carolingiana. Nela o papado se desenvolveu e oscilou em poder na medida que os
regentes políticos também oscilavam.
O Islamismo começou a mostrar-se também uma ameaça enorme para a igreja
ocidental. Durante o papado de João VIII (872-882), por falta de socorro político e
militar, ele teve que fazer um tratado humilhante com os maometanos. Para conservalos longe de Roma, teve de concordar em pagar tributos a eles. Do ano 880 ao ano 1000,
a Itália viveu um estado de quase anarquia e o papado refletia essa instabilidade. Já era
grande a corrução na igreja e muitos indivíduos desqualificados ocuparam o
papado. Por exemplo, no período de apenas 11 anos (882 a 903) existiram 12
papas. Um dos últimos papas desse período, Benedito IX, assumiu o ofício aos doze
anos e cometeu muitos desmandos. Surpreendentemente, entretanto, a igreja estendia
sua influência territorial atingindo até a Islândia. Nesse período, também, a Boêmia,
Hungria e a Polônia se tornaram nações católicas.
Enquanto isso, o ramo oriental da igreja, que tinha a sua sede em Constantinopla, ia se
afastando cada vez mais da ala ocidental, enquanto também se expandia, avançando até
ao norte. Em 988 o rei Vladimir, da Rússia, foi batizado. Nas duas frentes, a igreja
aumentava sua influência política e os dois ramos iam adquirindo características
peculiares e diferenciadas entre si.
3. A SITUAÇÃO DOUTRINÁRIA E PRÁTICA DAS IGREJAS, NO INÍCIO DO SEGUNDO MILÊNIO.
No início do segundo milênio da Era Cristã, tanto a igreja católica ocidental, liderada
por Roma, como a ala oriental, liderada por Constantinopla, já havia incorporado em
suas práticas e liturgias vários pontos que seriam questionados de forma incisiva pela
Reforma do século XVI. É interessante notarmos, entretanto, que muitas dessas práticas
sofreram contestação ao longo de suas introduções e várias deram lugar à separação
entre o leste e o oeste, culminando, em 1054, no Grande Cisma.
Desde o ano de 867 circulavam, na igreja oriental, relações de práticas da igreja
ocidental romana que eram doutrinariamente contestadas pela ala do leste. Mas a
relação mais importante foi escrita pelo patriarca Cerulárius no ano de 1054. Ela era, na
realidade, uma reação a uma relação de erros da igreja oriental, que havia sido enviada
pelo papa Leão IX, pelo cardeal Humberto. A lista de Cerulárius continha, entre outras
coisas: condenava o uso de pão fermentado na eucaristia; condenava a aprovação de
qualquer carne para alimentação; condenava a permissão de se barbear; rejeitava as
adições sobre o Espírito Santo ao Credo Niceno; condenava o celibato clerical;
condenava a permissão de se; etc., etc. No final Cerulárius escreveu: “Portanto, se eles
vivem dessa maneira, enfraquecidos por esses costumes; ousando praticar essas coisas
que são obviamente fora da lei, proibidas e abomináveis; então poderá qualquer pessoa,
em seu juízo são, incluí-los na categoria de ortodoxos? Claro que não”.
No final, Humberto, comissionado pelo papa, excomungou Cerulários, e Cerulárius
excomungou Humberto e o papa, e estava sacramentado o Grande Cisma de 1054.
4. AS SEIS RAZÕES PRINCIPAIS PARA O GRANDE CISMA.
O Cisma, entretanto, não ocorreu em cima de um incidente específico, mas sacramentou
uma divisão de doutrina, interesses e estilos que já vinha sendo consolidada ao longo
dos últimos séculos. Vejamos seis razões principais para ele ter ocorrido:
A primeira razão foi a controvérsia iconoclástica – que quer dizer uma discordância
contra a utilização de imagens. O imperador Leão Iasuriano, no ano 726, emitiu um
primeiro decreto contra a utilização de imagens na adoração. Nessa ocasião, isso já era
uma prática crescente, trazida do paganismo para o seio da igreja. Ocorre que o
Islamismo exerceu intensa pressão, pois acusava a igreja de politeísta. Leão agia por
pressão e medo dos maometanos, bem mais do que por convicção. Ele foi apoiado pelo
patriarca de Constantinopla, que representava o ramo oriental da igreja, e por muitos
da alta hierarquia católica. A maioria dos monges e o povo, em geral, discordavam da
proibição e incentivavam a continuidade da utilização de ídolos. O papa Gregório II, em
Roma, considerou a proibição uma interferência política (oriunda de Constantinopla)
nos assuntos da igreja – especialmente porque ele, distanciado dos maometanos, em
Roma, não sentia o problema de perto. O culto às imagens teve livre curso na igreja
católica. Criou-se, então, a partir daí uma divisão marcada entre o leste e o oeste. O
ponto curioso é que, cerca de 125 anos depois, a igreja ortodoxa dissociou-se dos que
queriam a abolição dos ídolos e adotou uma iconografia pródiga – ou seja, o uso amplo
de ilustrações e pinturas na liturgia e na adoração.
A segunda razão foi um conflito com a doutrina da “processão” do Espírito Santo. O
Concílio de Nicéia, reafirmando a doutrina do Espírito Santo, havia indicado que Deus
Pai havia enviado o Filho e o Espírito Santo. Posteriormente, um sínodo realizado na
cidade de Toledo, procurou esclarecer a frase indicando que o Espírito Santo procedia
tanto do Pai como do Filho (essa inserção é chamada de cláusula filioque – Latin para “e
do filho”). Essa declaração substancia aquilo que entendemos como subordinação
econômica, ou seja – enquanto as três pessoas da trindade se constituem em uma só
pessoa divina e são iguais em poder, prerrogativas e essência (chamamos isso de
trindade ontológica) – no relacionamento com a criação elas se auto-impõem funções
diferentes. Nesse sentido, dizemos que existe diferenciação de atividades e eventual
subordinação no plano de salvação: o Pai envia; o Filho executa; o Espírito Santo,
procedendo tanto do Pai como do Filho, aplica, revela e glorifica ao Filho – não fala de
si mesmo (João16.13-14). A ala oriental da igreja, já destacando-se com uma ênfase
mística, não aceitava as afirmações sobre o Espírito Santo como uma expressão do
trabalho e da pessoa de Cristo, conforme o Credo do Concílio de Nicéia, ampliado em
Toledo, veio a ser aceito pela igreja do oeste.
A terceira razão, foi uma falta de predisposição tanto do papa, em Roma, como do
Patriarca, em Constantinopla, de se submeterem um ao outro. Até o século nono todos
os papas eleitos, em Roma, procuravam confirmação e concordância de suas eleições
junto ao Patriarca de Constantinopla – assim procurava manter-se a unidade da ala
oriental da igreja, com a ocidental. Gregório III, entretanto, foi o último papa a obter tal
confirmação. Em 781 os papas deixaram de mencionar o nome do imperador de
Constantinopla em seus documentos.
A quarta razão, é que não existiam limites muito bem estabelecidos, com relação às
áreas que deveriam ser regidas por Roma ou por Constantinopla. Os poderes se
confundiam, as hierarquias se mesclavam. Isso resultava em constantes fricções
relacionadas com a jurisdição de cada ala.
A quinta razão representa as diferenças culturais existentes entre o oriente e o ocidente.
Tais diferenças sempre prejudicaram o entendimento e a cooperação entre as duas alas.
Pouco a pouco, as diferenças culturais foram se incorporando na liturgia. A igreja
oriental foi ficando cada vez mais introspectiva, monástica e mística. A igreja ocidental,
mais inovadora e eclética na absorção de práticas pagãs.
A sexta razão é que a igreja oriental se colocava sob o Imperador que regia em
Constantinopla, enquanto que a igreja ocidental, naquela ocasião, reivindicava
independência da ação do estado e o direito de exercitar regência moral sobre os reis e
governantes.
Assim, no ano de 1054 a bula papal de excomunhão do Patriarca foi depositada no altar
de Santa Sofia, em Constantinopla. Houve retaliação por parte do patriarca de
Constantinopla e o Cisma estava configurado. A partir daí a história se divide e
passamos a acompanhar muito mais a história da igreja romana, do que a da igreja
Grega Ortodoxa e de suas variações e ramos (Russa Ortodoxa, Maronitas, etc.)
5. A IGREJA ORTODOXA HOJE.
A Igreja Ortodoxa é um ajuntamento de igrejas auto-governadas. Elas são
administrativamente independentes e possuem vários ramos, embora todas
reconheçam a preeminência espiritual do Patriarca de Constantinopla. Elas mantêm
comunhão, umas com as outras, embora a vida interna de cada igreja independente seja
administrada por seus bispos. Atualmente, existem Igrejas Ortodoxas da Rússia, da
Romênia, da Sérvia, da Bulgária, da Geórgia, do Chipre, dos Estados Unidos, etc.
Algumas características doutrinárias e litúrgicas marcam as Igrejas Ortodoxas com mais
intensidade:
Tradição: A Igreja Ortodoxa dá enorme importância à tradição. Uma das igrejas, aqui
no Brasil, coloca em sua literatura, que “Tradição é a chave para a auto-compreensão”.
Na compreensão da doutrina da Igreja Ortodoxa, o Espírito Santo inspira não somente a
Bíblia, mas também a “tradição viva da igreja”.
Misticismo: A Igreja Ortodoxa desenvolveu-se com características bem mais místicas e
subjetivas do que o ramo ocidental. Um texto dela diz: “A espiritualidade ortodoxa é,
de fato, caracteristicamente monástica, o que significa que todo o cristão ortodoxo tende
para a vida monástica”.
Ícones: Como já vimos, ironicamente, apesar de a ala oriental ter se posicionado contra
o culto às imagens, no século oitavo, quando chegou a ocasião do Grande Cisma, ela já
havia retornado à prática de veneração e adoração dos ícones. Existem algumas
diferenças, com relação à Igreja Romana: Ela só aceita pinturas bidimensionais; imagens
tridimensionais são rejeitadas. Essas pinturas devem sempre conter algum elemento
místico, como, por exemplo, um halo, ou algo que identifique a divindade; elas não
devem simplesmente retratar semelhança humana. Há uma predominância, nas
imagens de cenas do nascimento de Cristo, dele com Maria, etc. Tais imagens são
beijadas repetidamente pelos fiéis.
Liturgia Rebuscada: A Igreja Ortodoxa se orgulha da “beleza” de sua liturgia. Na
realidade, existe um intenso ritualismo e formalismo, na sua adoração. Uma grande
aproximação com o formalismo da missa católico romana.
6. UMA RÁPIDA AVALIAÇÃO DA IGREJA ORTODOXA.
A importância dada à tradição, não somente diminui a importância da Palavra de Deus,
na vida das pessoas e da própria igreja, como chega a subordinar a Bíblia à tradição. Ela
afirma que as verdades da salvação são “preservadas na Tradição viva da Igreja” e que
as Escrituras são “o coração da tradição”. Nesse sentido, consideram também que as
suas doutrinas e a “Fé Apostólica” têm sido, no seio da Igreja Ortodoxa, “incólume
transmitida aos santos”.
Uma publicação da Igreja Ortodoxa diz, textualmente: “As fontes de onde extraímos a
nossa Fé Ortodoxa são duas: a Sagrada Escritura e Santa Tradição”. Isso contradiz
frontalmente a compreensão reformada das Escrituras – Sola Scriptura (somente as
Escrituras) foi um dos pilares da Reforma do Século XVI. Nesse sentido, a Igreja
Ortodoxa se aproxima muito da Católica Romana.
A Igreja Ortodoxa abriga a idolatria. A alta consideração dada aos ícones, os rituais de
beijos e afeição e a sua ampla utilização na vida diária de devoção, demonstram que por
mais que se declare uma simples “veneração”, não há diferença prática da mera
adoração a tais imagens. A rejeição às estátuas não basta para eliminar o câncer da
idolatria que persegue a mente carnal, desviando os olhos da intermediação única de
Cristo e da simplicidade do culto que deve ser prestado, em espírito e em verdade. Uma
publicação da Igreja Ortodoxa diz: “dentro da tradição ortodoxa a palavra ícone
assumiu o significado de imagem sagrada”. Vemos como a tradição gera a idolatria
condenada pela Palavra (Is. 44.9-20)
A visão da Igreja Ortodoxa sobre a pessoa do Espírito Santo, considerando sua obra
quase que independente da obra de Cristo, levou ao desenvolvimento de um
misticismo que tem a “aparência de piedade”, mas que na realidade desvia o foco da
pessoa de Cristo Jesus, nosso único mediador entre Deus e os homens. Nesse sentido,
ela se aproxima muito de certos segmentos da igreja evangélica contemporânea que têm
procurado transformar a fé cristã e a prática litúrgica extraída da Bíblia, em
representações místicas da atuação do Espírito, segundo conceitos humanos.
É verdade que a Igreja ortodoxa não aceita a supremacia do papa, e algumas outras
práticas da igreja de Roma, mas de uma forma genérica, ela abriga dentro de si muitos
dos pontos errados que foram contestados pela Reforma, por terem sido meros frutos
do tradicionalismo e não de uma exegese sólida da Palavra de Deus. A Igreja Ortodoxa
se orgulha em pregar a unidade, apontando-se a si mesma como a igreja apostólica real,
mas a verdadeira unidade se forma ao redor das doutrinas cardeais da fé cristã e não
pela tradição.
Leitura adicional sugerida:
Momentos Decisivos na História do Cristianismo; Mark A. Knoll, trad. de Alderi Matos (S.Paulo: Editora
Cultura Cristã, 1998)
Texto postado pelo próprio autor na lista de discussões Cristãos Reformados, e reproduzido aqui com sua
autorização. Direitos reservados.
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