ESTUDO DO SISTEMA SÍLICA MESOPOROSA/MAGNETITA NA LIBERAÇÃO CONTROLADA DE DROGAS Souza, K. C.1,2; Ardisson J. D.1; Sousa, E. M. B. 1∗ 1- Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear – CDTN/CNEN. Avenida Presidente Antônio Carlos, 6.627 - Campus da UFMG - Pampulha - CEP 31270-901 - Belo Horizonte - Minas Gerais 2- Departamento de Química – UFMG – Belo Horizonte, MG – Brasil. ∗ E-mail: [email protected] RESUMO: Materiais mesoporosos ordenados tipo SBA-15 possuem uma rede de canais e poros de tamanho bem definido na escala nanométrica. Esses materiais, quando contêm óxidos de metais de transição, especialmente nanopartículas magnéticas de óxido de ferro, apresentam potencialidades de aplicações in vivo, tais como o reparo de tecidos, imunoensaio, hypertermia, e liberação de fármacos. Nesse trabalho nanopartículas magnéticas encapsuladas em sílica mesoporosa foram preparadas em duas etapas: a magnetita foi sintetizada pelo método de oxidação-precipitação; em seguida, as nanopartículas magnéticas foram revestidas com sílica mesoporosa pelo uso de um surfactante não-iônico copolímero em bloco como agente direcionador da estrutura. O material foi caracterizado por difração de raios X, adsorção de N2, infravermelho e microscopia eletrônica de varredura (MEV). Foi feito o estudo da influência dessas partículas magnéticas na cinética de liberação de fármacos-modelo: cisplatina, carboplatina e atenolol sob condições in vitro. A liberação foi estudada na ausência e na presença de um campo magnético externo, utilizando para tanto um magneto NdFeB de 0,25 T. O ensaio de liberação foi realizado também usando um campo alternado, que mostrou um resultado mais significativo no perfil de liberação da cisplatina. Palavras-chave: SBA-15, partículas magnéticas, compósito, liberação de fármacos. 1. INTRODUÇÃO Uma das grandes aplicações dos biomateriais que vem merecendo destaque no campo científico é o desenvolvimento de sistemas de liberação controlada de fármacos. As potenciais vantagens de sistemas de liberação controlada incluem (i) liberação localizada de drogas em um compartimento particular do corpo, diminuindo, dessa forma, o nível sistêmico da droga; (ii) manutenção de níveis constantes de droga no organismo, implicando em uma eficiência maior na utilização do agente (ou seja, é necessário menor teor de droga para produzir o mesmo efeito que os sistemas convencionais) (iii) preservação dos medicamentos que são rapidamente destruídos pelo corpo (isso é particularmente importante para moléculas biologicamente sensíveis, tais como proteínas) (Langer R., 1990). Existem três mecanismos primários pelos quais os agentes ativos podem ser liberados a partir de um dispositivo: (i) difusão, (ii) reação química ou (iii) ativação por solvente. Além desses, alguns sistemas podem ser ativados por outros agentes para manipular a liberação da droga quando necessário, usando forças externas como o magnetismo. Neste caso, quando nanopartículas magnéticas uniformemente dispersas em uma matriz entram em contato com o sistema biológico, ocorre a difusão normal da droga devido ao gradiente de concentração. Entretanto, sob a exposição de um campo magnético externo oscilante, uma maior quantidade da droga pode ser rapidamente liberada sob efeito deste campo (Dash & Cudworth II, 1998). Dentro deste contexto, o uso de uma matriz magnética como carreadora de um fármaco específico é de grande interesse. Entretanto, como estas nanopartículas apresentam uma elevada área superficial, elas podem facilmente formar agregados e reagir com o oxigênio no ar. Além disso, a reatividade das partículas do óxido do ferro parece aumentar extremamente quando suas dimensões são reduzidas, e podem sofrer uma rápida biodegradação quando expostas diretamente aos sistemas biológicos (Harris, et al 2003). Dessa forma, um revestimento apropriado nestas nanopartículas é essencial para impedir tais limitações. A preparação de nanocompósitos silica/magnetita apresenta um particular interesse já que a camada protetora de sílica pode prevenir as atrações magnéticas dipolares entre as partículas de magnetita e, como conseqüência, uma dispersão muito uniforme desses tipos de partículas poderia ser conseguida. A estrutura do SBA-15, que consiste de nanotubos de sílica unidimensionais com tamanho de poros de cerca de 6 nm e com um arranjo periódico perfeito dos nanotubos, possibilita o uso desses materiais para encapsular uma variedade de compostos na matriz da sílica, resultando em um material promissor para dispositivos de liberação controlada de drogas (Sousa, A. 2006, Doadrio, A. L. et al 2004, Vallet-Regí, M et al 2007). Dentro desse contexto, a proposta de obtenção de um nanocompósito sílica mesoestruturada/magnetita aparece com uma alternativa atraente para o estudo de dispositivos de liberação com características bioativas, e com a possibilidade de controle da liberação do fármaco sob a exposição de um campo magnético externo oscilante. A maior vantagem desse tipo de liberação é a possibilidade de manipular a cinética de liberação in loco de fármacos, evitando assim transtornos de infecções pós-operatório, e também a possibilidade de manipular a cinética de liberação de drogas da classe dos anticancerígenos, por exemplo, usando como estímulo externo um campo magnético oscilante. Em virtude dos dispositivos de liberação controlada possibilitarem a aplicação do agente diretamente no sítio de ação, eles produzem altas concentrações localizadas e evitam efeitos colaterais sistêmicos, além disso, permitem a preservação dos medicamentos que são rapidamente destruídos pelo corpo, como já falado anteriormente. Neste contexto, o desempenho dos sistemas SBA-15/Fe3O4 como dispositivos para liberação de fármacos antineoplásicos como cisplatina e carboplatina foi avaliado visando o estudo de sua liberação controlada in situ e foram comparados com um fármaco beta-bloqueador padrão, o atenolol. Foi feito o estudo da influência das partículas magnéticas na cinética de liberação na ausência e na presença de um campo magnético externo, e na presença de um campo oscilante no perfil de liberação, que mostrou um resultado mais significativo para a liberação de cisplatina. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Síntese das amostras As nanopartículas de magnetita foram sintetizadas pelo método de oxidação-precipitação, baseados na metodologia proposta por Sugimoto & Matijevic, 1979. Nesse processo, 0,25 mol hidróxido de potássio dissolvido em 50mL de água deionizada e 0,06 mol de sulfato de ferro (II) heptahidratado dissolvido em 200 mL de água deionizada foram misturados para formar uma solução rica em hidróxido de ferro (II). A mistura reacional foi aquecida a 90º C em atmosfera de argônio por 2 horas e depois mantida à temperatura ambiente por 1 h. O produto final obtido foi lavado por precipitação magnética com água deionizada até atingir o pH 7. Após esse procedimento, as partículas foram secas em vácuo a 45 º C por 48 horas. O SBA-15 foi utilizado como matriz suporte das nanopartículas magnéticas (Fe3O4), segundo metodologia proposta por Souza, 2007. Seguindo o protocolo de síntese do SBA-15, após a solubilização do surfactante em água deionizada e em meio ácido (solução de HCl a 37%), a magnetita previamente sintetizada foi adicionada ao meio reacional na proporção de 65 % p/p de magnetita. O precursor da sílica foi então adicionado. A solução foi mantida sob agitação por 24 horas a uma temperatura constante de 37 ºC. Após esse tempo, o material foi envelhecido a 100 ºC por 24 horas, e depois filtrado. A extração do surfactante foi feita por um processo de calcinação a 550 ºC, sob fluxo de nitrogênio. 2.3 Caracterização das amostras A identificação de fases cristalinas do material foi verificada através de difração de raios X, pelo método de pó, usando radiação Kα do cobre, com comprimento de onda (λ) igual a 1, 54178 Å, RIGAKU, modelo Geigerflex-3034, com goniômetro horizontal, monocromador de cristal curvo de grafite, porta-amostra giratório e tubo de cobre. As medidas foram feitas usando velocidade do goniômetro de 0,5º por minuto, sob corrente de 30 mA e tensão de 40 kV. A identificação do arranjo simétrico hexagonal da matriz mesoporosa foi verificada por meio da difração de raios X a baixo ângulo. As análises foram realizadas em um difratrômetro HUBER, modelo 423, de 3 círculos da linha de luz D10A-XRD2, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron de Campinas-SP, com corrente média no anel de 140 mA e fóton de energia entre 4-12 KeV. As condições operacionais foram otimizadas para medidas a baixos ângulos de espalhamento (2θ = 0,3-4,5), considerando os grandes valores de espaçamento interplanar para materiais mesoporosos. Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourrier (FTIR) foi empregada para caracterizar os grupos funcionais típicos da rede de sílica e do compósito. Os espectros de Infravermelho abrangendo a região de 4000-400 cm-1 em espectrofotômetro FTIR Galaxy-Matson, modelo 3020, foram obtidos à temperatura ambiente e adquiridos com resolução de 4 cm-1 e 64 scans/min. As características dos poros das amostras foram analisadas por Adsorção de N2 a 77 K, usando um equipamento Autosorb – Quantachrome NOVA 1200. As amostras de SBA-15 e SBA-15/Fe3O4 tiveram um prétratamento no equipamento de adsorção a 120º C sob vácuo, por 24 horas. A amostra de magnetita foi pré-tratada a 60º C, também sob vácuo por 24 horas, para secagem e degaseificação antes do ensaio. As amostras mesoporosas incorporadas com o fármaco foram degaseificadas à temperatura ambiente para que não ocorresse a decomposição das moléculas dos fármacos. O erro relacionado à medida devido ao equipamento é de 5%. Os dados de volume adsorvido e dessorvido em várias pressões relativas foram utilizados para gerar informações sobre a área superficial por BET, volume de poros, distribuição e tamanho médio de poros. As imagens para o estudo da morfologia das amostras foram obtidas por microscopia eletrônica de varredura (MEV) com elétrons secundários, no equipamento JEOL JSM, modelo 840A do Laboratório de Microanálise da UFMG/CDTN. 2.4 Estudo de liberação controlada de drogas O estudo da liberação dos fármacos, bem como a taxa e o mecanismo predominante foram realizados in vitro. Para incorporação dos fármacos nos sistemas, pastilhas de aproximadamente 0,10 g de SBA-15/Fe3O4 foram submersas em recipientes de polietileno contendo uma solução de atenolol (10 mg/mL), cisplatina (0,5 mg/mL) e carboplatian (10 mg/mL) durante 4 dias, sob agitação. Após a incorporação da droga, as pastilhas foram secas à temperatura ambiente e os dispositivos de liberação obtidos foram imersos em frascos esterilizados de polietileno contendo 30 mL do fluido corpóreo simulado (SBF) sob agitação constante e à temperatura média de 37 °C. O perfil da liberação foi obtido medindo-se a concentração da droga nas soluções acima, utilizando-se um espectrofotômetro na região de UV-Vis. As absorbâncias a 274 nm (atenolol), 212 nm (cisplatina) e 231,7 nm (carboplatina) foram medidas em intervalos de tempo de aproximadamente 15 minutos no primeiro dia e em intervalos maiores nos demais. Após cada medida, o líquido de amostragem foi retornado imediatamente para o sistema, garantindo-se assim o volume constante da solução. A liberação dos fármacos foi estudada sem e com campo magnético aplicado. Nos casos em que a liberação foi feita com campo magnético aplicado foram feitos dois experimentos: a) um com aplicação de campo magnético constante e b) outro com campo magnético oscilante. No primeiro experimento (campo magnético constante), foi usado um magneto de NdFeB, com campo de 0,250 T. O segundo experimento, para simular a liberação de fármacos na presença de campo magnético alternado em baixas freqüências, foi projetada e construída uma cavidade magnética, composta de bobina de Helmholtz, que foi conectada a uma fonte de corrente contínua acoplada a um gerador de freqüência e uma sonda Hall (para medir valor do campo magnético). O sistema foi construído para gerar um campo magnético uniforme alternado na região central, da ordem de 17 mT e baixas freqüências. A freqüência da corrente foi variada, fazendo-se um monitoramento com um osciloscópio. Nesse trabalho foram utilizadas as seguintes freqüências: 15, 30, 45, 60, 100 e 300 Hz, para campo magnético de 17 mT. O erro máximo associado às medidas foi de 10%. 3. RESULTADOS E DISCSSÃO 3.1 Caracterização Na Figura 1 são mostrados os difratogramas de raios X da magnetita pura, da sílica mesoporosa pura e do nanocompósito. Os picos foram identificados, seguindo o arquivo do JCPDS nº 19-0629 referente à magnetita estequiométrica (Fe3O4). Os planos de reflexão das estruturas foram identificados na Fig. 1a, com os respectivos índices de Miller. Como podemos ver nas Fig. 1.1 e 1.2, os planos indexados nos difratogramas, tanto da magnetita como do nanocompósito são característicos da fase Fe3O4. O difratograma do nanocompósito (Fig. 1.2) possui, além dos picos de difração característicos da magnetita, uma região amorfa entre 10º e 35º, indicando a presença de duas fases no produto formado, que foram identificadas como o compósito formado por magnetita (Fe3O4) e sílica amorfa (Fig. 1.3). Intensidade, u. a. (3) Nanocompósito (100) (311) (220) (111) 10 20 30 Intensidade (2) (1) (400) (222) 40 2 θ (graus) (110) (200) (440) (511) (422) 50 60 70 2 4 6 8 10 2 θ (graus) (a) (b) Figura 1: (a) Difratograma de raios X das amostras Fe3O4 (1), SBA-15/Fe3O4 (2) e SBA-15 (3); (b) difratograma de raios X a baixo ângulo do compósito SBA-15/Fe3O4. O tamanho médio dos cristalitos da magnetita sintetizada é da ordem de 200 nm. A Figura 1b exibe o difratograma de raios X em baixo ângulo para o nanocompósito, que apresenta picos bem definidos com reflexões (100) em 2θ a 0,69º, (110) a 1,44º e (200) a 1,65º, característicos das reflexões associadas com a simetria hexagonal p6mm do material mesoporoso. Dados obtidos por espectroscpia Mössbauer mostraram que a magnetita é preservada na rota de síntese do nanocompósito (Souza, 2007). A Figura 2 apresenta os espectros de infravermelho do SBA-15 puro e do nanocompósito SBA-15/Fe3O4. Ambas as amostras apresentam bandas em 1080 e 1160 cm-1, 810 cm-1e 460 cm-1 características da rede da sílica. Um pico adicional aparece no espectro da amostra contendo nanopartículas magnéticas (Fig. 2a). Esse pico observado em cerca de 660 cm-1 pode ser devido à formação de novas ligações metal-oxigênio, Si-O-Fe (Choi, et al., 2006), com a estrutura da sílica mesoporosa. SBA-15 SBA-15 Compósito Sílica/Fe3O4 10000 500 3 Volume Adsorvido (cm /g) SBA-15 Compósito SBA-15/Fe3O4 3 8000 3 Volume de Poros (cm /g)x10 Transmitância, u. a. Nanocompósito 600 400 6000 4000 2000 0 0 5 10 15 20 25 30 Diâmetro de Poros (nm) 300 200 Magnetita 100 500 1000 0,0 0,2 0,4 (a) 0,6 0,8 1,0 P/P0 -1 Número de onda (cm ) (b) Figura 2: (a) Espectro de infravermelho e (b) isotermas de adsorção de N2 para as amostras. As isotermas do SBA-15 e do nanocompósito SBA-15/Fe3O4 são mostradas na Fig. 2b. Observa-se que nos dois casos, as isotermas são classificadas como do tipo IV características de materiais mesoporosos, de acordo com a classificação BDDT. Essas características são relacionadas aos materiais com poros de seção transversal constante (cilíndrico ou hexagonal). Tanto o SBA-15 quanto o nanocompósito apresentam histerese do tipo H1 em acordo com a literatura (Zhao, 1998), que está relacionado a materiais com poros regulares de formato cilíndrico com as extremidades abertas. Como esperado, a presença de nanopartículas magnéticas na estrutura do SBA-15 leva ao decréscimo tanto da área superficial quanto do volume de poros (Fig. 2b). Entretanto, o tamanho de poros não é afetado pela presença de Fe3O4, como indicado na Tab. 1 que apresenta um tamanho de poros de 6,2 nm, tanto para a sílica mesoporosa, quanto para o nanocompósito. As curvas de distribuição de tamanho de poros obtidas pelo método BJH para as amostras obtidas estão inseridas na Fig. 2b. Tanto o SBA-15 quanto o nanocompósito apresentam um distribuição de tamanho de poros muito estreita, centrada em torno de 6 nm, característica de materiais mesoporosos, com arranjo estrutural bem ordenado. Analisando os gráficos de isoterma de adsorção e distribuição de tamanho de poros, verifica-se que as nanopartículas de ferro não preenchem os espaços intracanais viáveis da estrutura do mesoporoso. Esse é um fato relevante, pois torna o compósito um candidato muito promissor para incorporação e posterior liberação, sob condições apropriadas, de uma variedade de moléculas de interesse farmacêutico. Tabela 1: Resultados de adsorção de N2 das amostras estudadas. Amostras SBET (m2/g) Dp (nm) Vp (cm3/g)x10-3 SBA-15 789 6,2 1,329 Fe3O4 4 11,7 0,010 SBA-15/Fe3O4 585 6,2 0,739 SBET = Área específica; Dp = diâmetro médio de poros; Vp = volume médio de poros; Vµp = volume de microporos; t = espessura de parede de poros. A Figura 3a mostra uma imagem obtida por MEV, por elétrons secundários, para a magnetita sintetizada. As imagens mostram o material com uma morfologia uniforme, com uma pequena distribuição de tamanho de partículas. Percebe-se também alguma aglomeração das partículas devido à interação magnética entre elas. Observa-se a cristalinidade das partículas, com uma morfologia muito plana, em forma de octaedros regulares com superfície lisa, em acordo com a literatura (Yu et al., 2006), indicando que as partículas foram bem cristalizadas. (a) (b) (c) Figura 3: MEV (a) Partículas de magnetita x 10k; (b) SBA-15 x 10k e (c) SBA-15/Fe3O4 x 10 k. Para o SBA-15 (Fig. 3b), observa-se uma morfologia macroscópica tipo vermicular que consiste de muitos agregados tipo corda, em concordância com a literatura (Zhao, 1998), enquanto que para o compósito (Fig. 3c), observa-se uma morfologia esférica, que pode ser atribuída a partículas de magnetita envoltas pela sílica. Utilizando o programa Quantikov Image Analyzer (Pinto, 1996) o tamanho médio das partículas esféricas do nanocompósito foi avaliado e variou de 0,139 µm a 0,476 µm. Partículas com dimensões menores que o diâmetro de capilares humano (8 µm Ritter et al., 2004) tornam-se potenciais para injeções intravenosas em aplicações de liberação controlada. Nesse caso, um tamanho médio desejado de partículas para uma aplicação específica pode ser selecionado por centrifugação das nanopartículas em uma taxa controlada (Arruebo et al., 2006). 3.2 Estudo de liberação controlada de fármacos O perfil de liberação dos fármacos a partir das matrizes estudado em função do tempo sob influência de um gradiente de campo magnético externo de 0,250 T aplicado por um magneto de NdFeB é apresentado na Figura 5. 120 25 70 110 100 70 60 50 40 30 20 15 10 Cisplatina sem campo Cisplatina com campo 0 0 10 20 30 40 Tempo (h) 50 60 50 40 30 20 5 Atenolol sem campo Atenolol com campo 10 % Massa Liberada 80 % Massa Liberada % Massa Liberada 60 20 90 70 Carboplatina sem Campo Carboplatina com Campo 10 0 0 0 10 20 30 40 Tempo (horas) 50 60 0 10 20 30 40 50 Tempo (h) (a) (b) (c) Figura 5: Perfis de liberação das matrizes magnéticas sob influência de um gradiente de campo magnético externo fixo. Observa-se, em todos os sistemas, que o campo magnético externo influencia pouco na liberação, sendo que após 10 horas (t10h) ocorre um pequeno aumento na taxa de liberação, atingindo 3% para a cisplatina e 12% para o atenolol. O sistema carboplatina, no entanto, apresenta um acréscimo de apenas 2% nesse mesmo tempo. Após cerca de 24 horas de experimento, a diferença na liberação da cisplatina cai para 2%, enquanto que para carboplatina aumenta para 4% e para o atenolol aumenta para 15%. Para investigar mais precisamente a influência da estrutura do compósito e do campo magnético na liberação dos diferentes fármacos nos mecanismos e na cinética de liberação, os resultados foram analisados em função de alguns modelos matemáticos propostos na literatura. Higuchi desenvolveu diversos modelos teóricos para estudar a liberação de fármacos solúveis e pouco solúveis incorporados em matrizes sólidas e semi-sólidas. O modelo de Higuchi (Higuchi, 1961) assume que a droga na camada superficial do sistema dissolve-se na matriz e difunde-se para fora da mesma. Quando o teor do agente na superfície esgota-se, a próxima camada começa a exaurir. A cinética de liberação pode ser descrita pela equação (Eq. 1): Mt = K t1/2 (1) onde Mt é a quantidade total de droga liberada, K é a constante de liberação e t é o tempo. A aplicação do modelo de Higuchi segue alguns postulados: a) a concentração inicial da substância no sistema deve ser muito maior que a sua solubilidade no meio; b) a análise matemática é baseada em uma difusão unidimensional; c) a substância é considerada em estado molecularmente disperso com partículas muito menores em diâmetro que a espessura do sistema; d) a dissolução da matriz carreadora é negligenciável; e) a difusibilidade da substância é constante. Para simplificar a análise dos dados de sistemas de variadas geometrias, uma expressão empírica exponencial foi desenvolvida para relacionar a liberação fracional do fármaco com o tempo de liberação (Eq. 2). Este é o modelo de KorsmeyerPeppas, também chamado lei da potência (Costa & Lobo, 2001). Mt/M ∞ = Ktn (2) onde Mt/M ∞ é a liberação fracional do soluto e n é o expoente de liberação, característico do mecanismo de liberação (Costa; Lobo, 2001). Os parâmetros da eq. 2 podem ser obtidos a partir da equação 3. ln (Mt/M ∞ ) = ln K + nlnt (3) A inclinação (n) de um gráfico correlacionando ln da concentração do fármaco liberado versus ln do tempo é 0,5 para difusão que puramente segue a lei de Fick. Um padrão que não segue a lei de Fick (0,5 < n < 1,0 ou n = 0,45 < n < 0,89) é observado quando a proporção de penetração do solvente e a liberação do fármaco estão num mesmo patamar. Este desvio é devido ao aumento da difusividade do fármaco devido à relaxação da matriz pelo solvente, no caso de matrizes poliméricas. Uma cinética de liberação do tipo ordem zero (n = 0,89 ou n = 1) pode ser encontrada quando a difusão é mais rápida que a relaxação da matriz pelo solvente (Peppas, 1985; Ritger & Peppas, 1987a; Ritger & Peppas, 1987b). A Tabela 4 apresenta os dados do estudo cinético feito para os sistemas nanocompósito/fármaco sem e com a influência de um gradiente de campo magnético externo fixo. Analisando-se esses sistemas, observa-se que n é menor que 0,5. Isso pode ser entendido considerando-se que o nanocompósito apresenta-se como material particulado com uma pequena variação de tamanho de aglomerados quando recobertos pela sílica, conforme mostra a Fig. 3c. Esse fato leva à diminuição do valor de n como previsto no trabalho de Ritger & Peppas (1987a). Eles estudaram o efeito da distribuição do tamanho das partículas na cinética de liberação. Em comparação ao comportamento de liberação da amostra monodispersa, um material que apresenta uma distribuição de tamanho de partículas causou uma aceleração substancial no transporte nos primeiros tempos de liberação e um retardo acentuado do transporte para tempos maiores. A aceleração da porção inicial da curva de liberação é o resultado da liberação de partículas menores que o tamanho médio. Partículas que são maiores que o tamanho médio retardam o transporte a longo tempo. Para o processo de difusão Fickiana, o valor de n encontrado foi de 0,30 ± 0,01, que é consideravelmente diferente do valor n obtido para a liberação de uma amostra monodispersa, isto é, n = 0,43. Nessa análise do efeito de diferentes geometrias e diferentes aspectos na razão do expoente difusional fica fácil definir valores limites característicos de n para transporte Fickiano e não-Fickiano. O efeito que uma distribuição de tamanho exerce sobre o valor de n varia com a largura da distribuição de tamanho. Ainda na Tab. 2 observamos os valores das constantes cinéticas K obtidas a partir do coeficiente linear com os respectivos coeficientes de correlação linear indicando a linearidade dos dados. Analisando os dados da Tab. 2, percebemos que o campo magnético influencia muito pouco os sistemas, sobretudo aqueles com os fármacos à base de platina. Tabela 2: Comparação da cinética de liberação entre os sistemas nanocompósito/fármaco sem e com campo magnético aplicado. Sistemas n r K Mecanismo de liberação Cisplatina sem campo 0,29 0,96 7 Difusão - lei de Fick Cisplatina com campo 0,30 0,94 8 Difusão - lei de Fick Carboplatina sem campo 0,25 0,90 27 Difusão - lei de Fick Carboplatina com campo 0,26 0,94 28 Difusão - lei de Fick Atenolol sem campo 0,32 0,98 22 Difusão - lei de Fick Atenolol com campo 0,32 0,97 26 Difusão - lei de Fick Como os estudos feitos acima mostraram que a liberação dos fármacos foi pouco influenciada por campo magnético constante, foi feito um estudo da influência do campo magnético alternado em baixas freqüências na liberação da cisplatina, que apresentou menor velocidade de liberação quando comparada com os outros sistemas. Esse estudo foi baseado no modelo proposto por Dash (Dash & Cudworth II, 1998), em que a aplicação de um campo magnético alternado provocaria a vibração das partículas magnéticas, e maiores quantidades da droga seriam liberadas rapidamente. As medidas aqui apresentadas têm o objetivo de avaliar a influência da aplicação de baixos campos magnéticos (170 Oe) oscilando em baixas freqüências (≤ 300 Hz) na liberação desse fármaco. A Figura 6a mostra os perfis de liberação da cisplatina sem campo magnético, com campo magnético constante e alternado variável de até 300 Hz. Nela, podemos notar que o campo magnético alternado é mais efetivo na velocidade de liberação. 16 Cisplatina sem campo Cisplatina com campo constante Cisplatina campo alternado 100 Hz 14 % Massa Liberada 12 10 8 6 4 2 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 Tempo (h) (a) (b) Figura 6: (a) Perfis de liberação do sistema nanocompósito/cisplatina sem campo, com campo fixo e com campo oscilante; (b) campo fixo e com campo oscilante de 100 Hz (medida única). A Tabela 3 apresenta os dados do estudo de cinética da liberação da cisplatina. Ao analisar os valores de n, observa-se que quando a cisplatina é submetida ao campo oscilante, o mecanismo de liberação deixa de ser Fickiano e passa a ser de ordem zero. Esse mecanismo está relacionado a uma rápida difusão do fármaco da matriz. Tabela 3: Comparação da cinética de liberação entre os sistemas nanocompósito/fármaco sem e com campo magnético aplicado fixo e variável. Sistemas n r K Mecanismo de liberação Cisplatina sem campo 0,29 0,96 7 Difusão - lei de Fick Cisplatina com campo 0,30 0,94 8 Difusão - lei de Fick Cisplatina com campo oscilante variável 0,91 0,98 19 Ordem zero Cisplatina com campo oscilante de 100 Hz 1,16 0,97 10 Ordem zero 4. CONCLUSÃO Os resultados revelaram uma estrutura bem ordenada de mesoporos do nanocompósito, sugerindo que a mesma pode ser descrita como mesoporos hexagonais separados por uma parede de sílica contínua, formando uma camada de revestimento sobre as partículas magnéticas. Dos dados de difração de raios X temos que a magnetita é preservada na rota de síntese. Os dados de MEV mostraram que a rede de sílica recobre as partículas de magnetita, formando um nanocompósito com tamanho médio de grãos de 138 nm. A liberação foi estudada na ausência e na presença de um campo magnético externo, utilizando um magneto NdFeB de 0,25 T. A análise foi feita por estudos de mecanismos cinéticos e de modelos de difusão, revelando que o campo externo influencia pouco no processo de liberação dos fármacos. Ao considerar que as nanopartículas estão presas na estrutura, esse resultado é coerente. O estudo feito para verificar a influência de um campo alternado em baixas freqüências no perfil de liberação, mostrou um resultado mais significativo para a liberação de cisplatina. Isso pode ser explicado como uma possivel interação dos fármacos com as nanopartículas de magnetita. Essa interação pode ter se dado através do acesso da cisplatina aos poros do mesoporoso e à interação com a superfície das partículas de magnetita. AGRADECIMENTOS: Os autores agradem à CAPES, CNPq, FAPEMIG e ao LNLS o apoio para a realização deste trabalho. REFERÊNCIAS Arruebo, M., Fernández-Pacheco, R.; Irusta, S.; Arbiol, J.; Ibarra, M. R.; Santamaría, J. Nanotechnology 17 (2006) 4057-4064. Choi, J-S.; Yoon, S-S.; Jang, S-H.; Ahn, W-S. Catalysis Today 111 (2006) 280-287. Costa, P.; Lobo, J. M. S. European Journal of Pharmaceutical Sciences 13 (2001) 123-133. Dash, A. K.; Cudworth, G. C. Journal of Pharmacological and Toxicological Methods 40 (1998) 1-12. Doadrio, A. L.; Sousa, E. M. B.; Doadrio, J. C.; Pariente, J. P.; Izquierdo-Barba, I.; ValletRegi, M. Journal of Controlled Release 97 (2004) 125-132. Harris, L. A.; Goff, J. D.; Carmichael, A. Y.; Riffle, J. S.; Harburn, J. J.; Pierre, T. G. St. and Saunders M. Chemistry of Materials 15 (2003) 1367-1377. Higuchi, T. 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E-mail: [email protected] ABSTRACT: Ordered mesoporous materials like SBA-15 posses a network of channels and pores of welldefined size in the nanoscale range. This particular pore architecture makes them suitable for hosting a broad variety of compounds into the silica matrix, resulting in very promising material for a broad range of applications, including magnetic carriers for drug delivery. In this work, magnetic nanocomposites embedded into mesoporous silica were prepared in two steps: magnetite was synthesized by oxidation-precipitation method; after this, the magnetic nanoparticles were coated with mesoporous silica by using nonionic block copolymer surfactants as structure-directing agents. Characterization of the materials was carried out by using X-ray diffraction (XRD), Fourier Transform Infrared Spectroscopy (FTIR), N2 adsorption and scanning electron microscopy (SEM). The influence of these magnetic nanoparticles in the release kinetic was studied using drugs like cisplatin, carboplatin and atenolol. The release was studied under in vitro conditions, in absence and presence of a external magnetic field, using a NdFeB permanent magnet of 0,25 T. We tested the influence of an oscillating field in the release profile and the results showed a more significant delivery for cisplatin. Keywords: mesoporous materials, magnetic nanoparticles, drug-delivery, nanostructures.