Infusão de β-Lactâmico contínua versus intermitente na sepse severa Am J Respir Crit Care Med, 2016;194:681-691 Apresentação: Fernanda Arantes R3 em UTI Pediátrica-HMIB www.paulomargotto.com.br Brasília, 23 de fevereiro de 2017 Introdução Infecções severas em pacientes criticamente enfermos estão associadas com alto risco de morbimortalidade. O diagnóstico precoce e a pronta administração da terapia antibiótica são padrões de cuidado nesses pacientes. A escolha do antibiótico é importante para assegurar que o espectro do antibiótico inclua patógenos conhecidos ou potenciais. Entretanto, ainda há incerteza a cerca do método mais efetivo da administração e das doses dos medicamentos, apesar das associações já reconhecidas entre a obtenção de concentrações alvo dos antibióticos e melhores resultados dos pacientes. Introdução Os antibióticos beta-lactâmicos são amplamente utilizados para tratar pacientes em Unidades de Terapia Intensiva. Eles são tempo-dependente, no qual a manutenção de concentrações acima da concentração inibitória mínima (MIC) do patógeno está associado com maior morte bacteriana. Distúrbios fisiopatológicos em pacientes criticamente enfermos podem reduzir o tempo que a concentração dos antibióticos beta-lactâmicos é mantida acima da MIC quando esses medicamentos são administrados de forma intermitente. Introdução A administração de antibióticos beta-lactâmicos em infusão contínua resulta em concentrações sustentadas durante todo o intevalo de dosagem, aumenta o tempo acima da MIC e melhora a ação contra as bactérias. Apesar dos conhecimentos clínicos, a eficácia da infusão contínua de antibióticos beta-lactâmicos baseada nos desfechos do paciente, como por exemplo o intevalo de mortalidade, não foi demonstrada em ensaios clínicos randomizados controlados de alta qualidade até o momento. Objetivos Reunir dados de ensaios clínicos randomizados para comparar intervalo de mortalidade e taxa de cura clínica entre administração de antibióticos betalactâmicos em infusão contínua e em infusão intermitente em pacientes criticamente enfermos com sepse severa. Identificar subgrupos de pacientes que possam se beneficiar com a administração em infusão contínua. Métodos Identificação e seleção dos estudos Metanálise conduzida com revisão na literatura no PubMed em novembro de 2015 com o objetivo de identificar todos os ensaios clínicos randomizados prospectivos com desfechos relatados em pacientes criticamente enfermos com sepse severa que receberam beta-lactâmicos em infusão contínua VERSUS infusão intermitente. Foram excluídos: estudos retrospectivos, estudos de farmacocinética, estudos que não incluiam sepse severa, estudos que não tinham uma dose equivalente entre os grupos de tratamento, artigos de revisão, editoriais, pesquisas ou protocolos. Métodos Qualidade da avaliação e extração de dados Foi utilizada uma ferramenta da Cochrane para avaliar o risco de viés e qualidade do estudo (geração da randomização, ocultação da alocação do tratamento e mascaramento dos avaliadores). Dois pesquisadores conduziram independentemente com as avaliações da qualidade dos estudos e concordaram com a categorização final. Definições Hospital mortality censored at day 30: Proporção de pacientes que morreram antes da alta hospitalar com 30 dias após randomização. Cura clínica: Avaliada 7-14 dias após o uso do antibiótico e definida como o desaparecimento de todos sinais e sintomas, incluindo critérios de SIRS, relacionados a infecção. A cura clínica era avaliada por um médico “cego” se o paciente ainda estivesse na UTI ou por uma revisão “cega” do prontuário do paciente se já tivesse recebido alta da UTI. ICU-free days at day 28: Número de dias que o participante ficou livre da UTI após transferência para enfermaria nos primeiros 28 dias após a randomização. Foi considerado 0, caso o paciente fosse a óbito ou se permanecesse na UTI por > 28 dias. Definições Infusão contínua: Administração intravenosa contínua ao longo de 24h Infusão intermitente: Administração intravenosa por período menor ou igual a 30 minutos Bactérias multiresistentes: Bactérias não susceptíveis a pelo menos um agente em 3 ou mais categorias de antimicrobianos. Métodos A heterogenicidade entre os estudos foi avaliada usando o teste quiquadrado e foi considerada se o valor de “P” foi menor que 0,1 ou o I2 maior que 50%. Risco relativo foi utilizado em variáveis dicotômicas (mortalidade e cura clínica) e mediana foi utilizada em variáveis contínuas. Foi contruída uma curva de sobrevivência de Kaplan-Meier para comparar as tendências de sobrevivência entre os 2 grupos de tratamento. Foi construída um modelo de regressão logística multivariada e risco proporcional de Cox para identificar preditores significativos associados com a sobrevivência hospitalar e cura clínica. Em todos os modelos, uma variável foi introduzida como uma co-varíavel fixa e as interações entre as co-variáveis e o efeito terapêutico foram exploradas. Também foi explorada a associação de 3 variáveis: infecção com cultura positiva, infecção por patógeno gram-negativo e necessidade de terapia de substituição renal na admissão. Resultados Os ensaios clínicos recrutaram um total de 632 pacientes. Desses, 312 receberam terapia com antibiótico beta-lactâmico em infusão contínua e 320 em infusão intermitente. Os estudos contribuíram com 432, 140 e 60 pacientes de 26, 2 e 5 centros, respectivamente, e foram conduzidos na Austrália, Nova Zelândia, Hong Kong e Malásia. Nesses estudos não houve dados faltantes sobre mortalidade hospitalar, mortalidade na UTI, cura clínica e dias livres da UTI. Não foi identificada heterogenicidade significativa entre os estudos. Não houveram diferenças significativas entre os grupos de tratamento. Resultados Foi isolado 1 patógeno em 31 participantes no grupo de infusão intermitente (9,7%) e em 28 participantes no grupo de infusão contínua (9%). A mediana de duração da administração do antibiótico foi de 4 dias no grupo de infusão intermitente e de 5 dias no grupo de infusão contínua. Os 3 microrganismos mais comumente identificados foram: E. coli, A. baumanii e Staphylococcus aureus. Resultados A mortalidade hospitalar foi significativamente menor no grupo de infusão contínua (RR 0,74; IC 95%, 0,56 – 1; p = 0,045). Número necessário para tratar com infusão contínua para melhorar a sobrevivência foi de 15 pacientes Resultados A cura clínica foi significativamente maior no grupo de infusão contínua (RR 1,2; IC 95% 1,03 – 1,4; P=0,021). Número necessário para tratar com infusão contínua para a cura foi de 11pacientes Resultados Não houve diferença entre os grupos no tempo livre de UTI no dia 28 (RR 0,95; IC 95% -3 – 3; P=0,9) ou na mortalidade na UTI (RR 0,82; IC 95% 0,58 – 1,16; P=0,26). B) Mortalidade na UTI C) Dias livres de UTI no dia 28 pós randomização Resultados Preditores significativos de mortalidade hospitalar: escore de APACHE II maior, necessidade de terapia de substituição renal, presença de disfunção respiratória ou cardiovascular na admissão, administração de antibióticos beta-lactâmicos em infusão intermitente, infecções por bacilos gramnegativos não fermentadores e maior idade. Preditores significativos de cura clínica: escore de APACHE II menor, menor idade e ausência de infecção de corrente sanguínea. Resultados Escore de APACHE II < 22 foi associado com aumento da sobrevivência hospitalar (P=0,024) e cura clínica (P=0,019). Resultados Também foi examinado o efeito da infecção por patógenos gram negativos e a necessidade de terapia de substituição renal. Não foram identificadas diferenças entre os grupos de infusão contínua e infusão intermitente para mortalidade hospitalar, cura clínica ou mortalidade na UTI em pacientes nos quais a infecção foi causada por patógenos gram-negativos. Discussão O estudo focou em pacientes com sepse severa ao invés de sepse geral, visto que esses pacientes apresentam alterações fisiopatológicas relacionadas com concetrações subterapêuticas do medicamento. Pesquisadores de estudos de farmacocinética em pacientes criticamente enfermos com sepse concluíram que a administração em infusão contínua aumenta a obtenção das concentrações alvo, tanto no plasma quanto nos tecidos, em comparação à administração intermitente. Discussão Vários ensaios clínicos randomizados comparando a administração de antibióticos beta-lactâmicos em infusão continua e intermitente foram conduzidos em pacientes criticamente enfermos, apesar de nenhum deles ter tido poder estatístico adequado para detectar diferença na mortalidade. Metanálises anteriores não encontraram diferença significativa entre os grupos. Contudo, essas metaanálises foram menos seletivas do que o presente estudo, incluiram dados de pacientes criticamente enfermos e não criticamente enfermos e permitiram diferentes doses de antibióticos entre os 2 grupos. Discussão Os resultados da presente metanálise implicam que a administração de antibióticos beta-lactâmicos em infusão contínua comparada com infusão intermitente pode reduzir a mortalidade hospitalar em pacientes criticamente enfermos com sepse severa. A relação com cura clínica é mais complexa e pode ter sido influenciada por limitações subjetivas. Discussão Os achados do estudo implicam que pacientes que necessitam de terapia de substituição renal não apresentaram benefício significativo com infusão contínua. Esses resultados são biologicamente plausíveis, visto que pacientes com terapia de substituição renal apresentam clearance reduzido do medicamento e alcançam maiores concentrações séricas do antibiótico, independentemente da forma como foi administrado. O impacto da infusão contínua é maior em infecções causadas por bacilos gram-negativos não fermentadores (p.ex Pseudomonas e Acynetobacter). Bacilos gram negativos não fermentadores tendem a ter MICs mais elevados e estudos farmacocinéticos indicam que a infusão contínua de beta-lactâmicos atigem os alvos terapêuticos mais facilmente. Vantagens e Limitações Vantagens Critério de inclusão aplicado de forma igual entre os estudos Demosntrou relação estatisticamente significante de mortalidade hospitalar e cura clínica entre os grupos. Limitações Apenas 3 estudos Apenas 4 países Heterogenicidade dos estudos Baixa identificação de patógenos e dados de MIC Conclusões Foi evidenciado no presente estudo que a administração de antibióticos beta-lactâmicos em infusão contínua em pacientes com sepse severa foi associada com menores taxas de mortalidade hospitalar e maior taxa de cura clínica em comparação com a administração em infusão intermitente. É recomendado que um ensaio clínico randomizado definitivo seja conduzido com maior severidade dos pacientes, que não estiverem utilizando terapia de substituição renal e que tenham infecções por patógenos menos susceptíveis como os bacilos gram negativos não fermentadores. OBRIGADO! Drs. Roberto, Cintia, Alexandre Serafim, Yuji, Fernanda Arantes e Laura