Evangelho de Mateus

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ESCOLA BÍBLICA
(Escola da Fé)
EVANGELHO
SEGUNDO
MATEUS
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
A JUSTIÇA TRAZ VIDA PARA TODOS
(Mateus 15,29-39)
Depois da briga com as autoridades religiosas do seu
povo, Jesus se retirou para terras pagãs (15,21). A boa
notícia não deve ficar confinada ao povo de Deus, nem
fechada em nossa comunidade. Tudo o que é bom não
pode ser retido, mas deve ser distribuído entre todos.
Se alguns não aceitam, paciência. Vamos aos outros.
Jesus repete agora o milagre dos pães (reveja Mt 14,1321, é o comentário que fizemos atrás, no capítulo 22).
O milagre não estava na multiplicação dos pães, como
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
costumamos ver, mas na partilha entre todos daquilo
que cada um de nós possui. O que está sobrando para
nós falta para muitos.
O milagre se repete em terras pagãs. Por quê? Porque
todos, independentemente de nação, raça e religião,
são filhos de Deus, e o Pai quer que todos os seus filhos
tenham liberdade e vida. A comunidade que
acompanha Jesus precisa abrir-se e pôr-se em ação,
pois é através dela que esse projeto do Pai se torna
realidade em nossa história.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O povo está muito doente
De Tiro e Sidônia Jesus se desloca para a margem do
mar da Galileia, mas ainda continua em terras pagãs
(15,29-31). Senta-se num lugar elevado e as multidões
se aproximam dele. E como se Jesus fosse um farol. Já
vimos essa cena neste evangelho (veja Mt 5,1-2). Só
que agora Jesus não começa por ensinar, mas pela
atividade muito concreta de curar. Sim, quem está
doente quer cura e não palavras de consolo, que nem
sempre libertam.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O povo está doente, e isso é consequência da injustiça
que não permite que o povo caminhe livremente (coxos
e aleijados), enxergue a realidade (cegos), diga a sua
palavra para mudar as situações (mudos) e muitas
outras coisas. O que fazer? As multidões põem os seus
doentes aos pés de Jesus, e ele cura a todos. Não que
ele estivesse usando um poder mágico especial. Não. O
poder de Jesus está em compreender o que o Pai quer,
e colocar isso em prática. Qualquer um de nós poderá
fazer os mesmos milagres, se compreender que Deus
quer justiça, e se for capaz de se colocar a serviço dela.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
As multidões ficam admiradas, vendo que o povo que
não conseguia andar direito, nem enxergar ou falar,
agora está liberto. "E glorificavam o Deus de Israel".
Não há ninguém que não se maravilhe com isso. O
importante é que todos cheguem ao centro da questão:
quem liberta da escravidão para a vida é o Deus
verdadeiro. As multidões louvam e agradecem a Deus,
e não a Jesus. Um ponto muito importante para a
comunidade dos seguidores de Jesus: o importante é
reconhecer que o autor da libertação é Deus (reveja
5,16).
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O povo tem fome
Na outra partilha dos pães os discípulos tomaram a
iniciativa, chamando a atenção de Jesus (14,15). Agora
é Jesus quem se adianta, chamando a atenção dos
discípulos. A multidão já o acompanha há três dias, e
não tem nada para comer (15,32-39). Aqui há muita
coisa. O profeta Oséias já dizia que no terceiro dia
Deus iria levantar o seu povo (confira Oséias 6,2). Os
primeiros cristãos já reliam essa passagem do profeta
aplicando-a a ressurreição de Jesus, três dias depois da
sua morte. Agora isso é aplicado ao povo pagão.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Também ele está morto e vai ressuscitar. Um povo
morto de fome não pode caminhar; corre o risco de
desmaiar pelo caminho da vida.
E então descobrimos um ponto importante. As maiores
necessidades são estar com saúde (curas), e comer,
para manter a saúde. O principal não é em primeiro
lugar ensinar e doutrinar, mas atender as necessidades
básicas do povo. Depois ele descobrirá como isso foi
feito, e glorificara a Deus. Antes a ação, depois o
ensinamento.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Os sete pães aludem aos setenta povos que, segundo os
antigos, eram todos os povos do mundo. Em outras
palavras, Deus quer saciar a fome de todos. E note-se:
quem tem os pães são os discípulos, os seguidores de
Jesus. E com esse pão que todos vão ficar saciados. O
pão da comunidade cristã é o ensinamento de que
através da partilha todos poderão ficar saciados.
Todos os pobres ficarão saciados
Sentar-se era a posição em que os ricos comiam.
Naquele tempo, os pobres comiam de pé. O chão ou
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
terra relembra a segunda bem-aventurança: os pobres
vão possuir a terra (5,5). A promessa de Deus é que os
pobres são libertos e terão direito ao seu chão próprio.
Pertencer ao povo de Deus já não é mais questão de
raça ou religião, mas de fidelidade ao projeto de Deus,
para todos aqueles que estão dispostos a partilhar com
todos aquilo que tem e são.
Através de nós
Ponto importantíssimo é que Jesus sacia a fome do
povo através dos discípulos, ou seja, através da
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
comunidade daqueles que o seguem. O milagre é feito
através deles, e de nós. Impossível? Sem dúvida, se
continuarmos pensando que quem pode pode, e quem
não pode que se vire. Como dissemos antes, o milagre
está na partilha, e não na multiplicação. Se repartirmos
e ensinarmos a repartir, todos terão a fome saciada.
Mas, se retivermos para nós tudo aquilo que nos sobra,
muitos ficarão na necessidade, na penúria, na fome e
miséria. O milagre já foi feito pelo Pai desde a
eternidade. Ele criou o mundo para satisfazer todas as
nossas necessidades. Jesus nos ensinou como agir com
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
justiça para que todos tenham vida. Agora só resta a
nós aprender com ele a criar uma relação justa, onde
os dons do Pai sejam repartidos entre todos.
O problema fica para nós. Deus já deu tudo. Cabe a
nós, segundo o nosso amor ou egoísmo, repartirmos ou
retermos os dons de Deus. E não há limites para a
partilha: o amor não conhece número nem
qualificações. Ou ele é para todos, ou não é amor.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Para refletir em grupos
1. Por que a segunda partilha dos pães foi feita em terras
pagas?
2. Por que o milagre dos pães não foi a multiplicação,
mas a partilha?
3. Antes de ensinar é preciso agir. Por quê?
4. A comunidade cristã deve esquecer os limites de
nação, raça e religião. Por quê?
5. Jesus realizou o milagre através dos discípulos. O que
significa isso para a nossa comunidade?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O MAIOR SINAL É A JUSTIÇA
(Mateus 16,1-12)
Os adversários de Jesus aparecem a cada momento,
como se estivessem à espreita, vigiando para pegá-lo em
qualquer flagrante. E agora chega o momento da
segunda tentação (reveja 4,5-7): Quem é Jesus? Sob
autoridade de quem ele está agindo assim? Será que ele
veio de Deus, ou está agindo por conta própria? A
confusão pode ser grande, principalmente quando não
se está sintonizado com o projeto de Deus. E aí vem a
busca das provas.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Queremos um sinal prodigioso
Gostamos das transformações quando elas não mexem
em nosso bolso e em nossas ideias. Assim eram os
fariseus e os saduceus. Os primeiros se julgavam
perfeitos observadores da vontade de Deus, embora
curiosamente não a colocassem em prática. Gostavam
de pregar para os outros, mas pessoalmente viviam a
sua própria vida. Já os saduceus, grandes proprietários
de terra, dominavam não só a organização da
sociedade, mas também a economia, a política e a
jurisprudência, pois eram a maioria no tribunal.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Donos do poder, estavam muito incomodados com
Jesus, pois este, com sua ação e ensinamento, estava
pondo abaixo a "religião" e a "ordem social".
E fazem o desafio: querem um sinal maravilhoso que
demonstre que Jesus vem de Deus e está realizando a
vontade dele. Não que estivessem interessados na
transformação das situações. Queriam apenas
continuar garantindo a sua influência sobre a religião e
a sociedade.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Jesus não dá o sinal pedido. É a segunda tentação
(4,57). O diabo agora são os chefes religiosos, que
pedem um sinal maravilhoso, com o qual Jesus
comprove que ele é o enviado de Deus que todos
esperavam (16,1-4). Jesus apenas devolve o desafio:
"Vocês sabem quando vai fazer tempo bom ou quando
vai chover. Não sabem distinguir que o Reino de Deus
chega quando se faz justiça?“
E Jesus é duro: "uma geração má e adúltera" significa
que os próprios chefes religiosos apostataram a tal
ponto que já não acreditam mais que a justiça é que traz
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
o tão esperado Reino de Deus. Agora só pensam em
seus interesses, aproveitando a situação.
O "sinal de Jonas" se refere ao profeta que pregou a
conversão a uma nação pagã, e ela se converteu.
Também foi o profeta que ficou três dias no ventre da
baleia, e de lá saiu, são e salvo (leia o livro de Jonas).
Tudo isso vai acontecer com Jesus. Por lutar pela
justiça, ele também vai ficar três dias em poder da
morte, mas depois ressuscitará e todos irão acolher a
boa nova que ele anunciou: o sinal do Reino de Deus é a
justiça que cria a liberdade e a vida para todos.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
E nós também não podemos nos orgulhar. Podemos
estar sempre a busca de sinais maravilhosos que
provem que Deus está entre nós. Ora, o sinal prodigioso
é o da justiça, que cura as doenças e a fome do povo.
Onde houver essa justiça Deus aí está presente. Buscar
outros sinais é tentar a Deus e viver na ilusão,
perigosamente, pois a injustiça cria fantasias que só
levam a escravidão e a morte.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Cuidado com esse fermento!
Mais uma vez aparece a palavra "pão" neste evangelho,
recordando os dois episódios da partilha dos pães (16,513). Agora os discípulos com Jesus estão de viagem, e se
esqueceram de levar pão. Ficam preocupados, sinal de
que não haviam entendido nada do que acontecera
antes. Ensinando a repartir o que cada um possuía,
Jesus tinha mostrado que no Reino de Deus, o reino da
justiça, todo mundo pode confiar na partilha: "Hoje eu
reparto com você, amanhã você reparte comigo". Isso
gera o compromisso e a responsabilidade que produzem
a confiança no viver juntos.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Jesus faz um desafio aos discípulos: "Cuidado com o
fermento dos fariseus e saduceus!" O que é esse
fermento? Sabemos que o fermento influencia a massa,
produzindo o pão. Jesus está advertindo sobre a
influência da doutrina dos fariseus e saduceus, que
manipulam o povo, fazendo-o acreditar em coisas que
não prejudiquem o seu poder, isto é, o seu bolso e as
suas ideias. Fariseus e saduceus também esperavam o
Messias, mas ele seria um chefe que iria dominar pelo
poder e pela violência, exatamente o que eles faziam.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
As palavras de Jesus trazem o discernimento da
verdadeira religião, aquela que leva ao Reino de Deus. A
religião verdadeira não explora o bolso do povo e nem
oprime a sua liberdade e consciência. Pelo contrário. Se
é verdadeira, a religião dá mais ainda e promove mais
ainda a liberdade que já se tem. Explorar a miséria do
povo sob pretexto da religião é o maior dos crimes, pois
vai contra o segundo mandamento: "Não usar o nome
de Deus em vão". Usar o nome do Deus libertador para
oprimir, ou o nome do Deus da vida para fabricar a
morte é ousadia demais, que não ficará sem castigo
(veja Êxodo 20,7).
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O aviso de Jesus é importante: religião que não liberta e
não traz vida não serve para nada. Perda de tempo ficar
procurando solução onde só se criam mais problemas.
E entre esses discípulos preocupados podemos estar
também nós, tributários do fermento dos fariseus e
saduceus, todos aqueles que defendem seus interesses e
não estão minimamente interessados em nossa
liberdade e vida. Até quando vamos suportar o peso
dessa escravidão e morte? Até quando o povo irá gemer
sob o peso da exploração e opressão, sem dizer a sua
palavra, sem gritar o seu não? O Messias anunciado
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
pelo Antigo Testamento iria trazer a paz para o povo,
através do exercício da justiça (veja Isaías 11,1-9). Jesus
é esse Messias esperado. Quando é que vamos acreditar
nele, desacreditando todos os outros que constroem o
seu poder e riqueza à custa da exploração e opressão do
povo?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Para refletir em grupos
1. Qual é o sinal de que Jesus é o Messias e o Reino de
Deus chegou?
2. O que está por trás do pedido de sinais? Costumamos
pedi-los? Que sinal gostaríamos de ver?
3. Por que o fermento dos fariseus e saduceus é
perigoso?
4. Por que uma religião que não liberta e não traz mais
vida não serve para nada?
5. A religião que estamos vivendo liberta e traz mais vida
para todos?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
QUEM É JESUS?
(Mateus 16,13-28)
Vivemos esperando por alguém que nos salve e liberte,
tanto pessoal como coletivamente, encaminhando-nos
para mais vida. Pode ser um político, um chefe
religioso ou um reformador social. Mas parece que até
hoje ele ainda não chegou. Quando chegará, e como
vamos reconhecê-lo?
O povo judeu também o esperava nervosamente,
inclusive imaginando que ele seria um grande chefe
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
que, através da força e violência, libertaria o povo
dominado e governaria com cetro de ferro, tomando
Israel a maior das nações. Chegou Jesus, e sua palavra
e ação tem muitas consequências econômicas, políticas
e sociais, mas nada da aparência de um grande chefe.
Seria ele o esperado? Seria ele o Messias prometido?
Afinal, quem é Jesus?
"Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo"
Jesus vai com os discípulos para Cesareia de Filipe,
uma região pagã, longe da espera nacionalista e
triunfalista do seu povo (16,13-16). E aí pergunta
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
livremente aos que o seguem: "O que é que o povo
pensa de mim?" Os discípulos contam-lhe os
comentários que correm. João Batista, Elias, Jeremias
ou qualquer outro profeta eram grandes figuras,
também enviadas por Deus, mas todas pertenciam ao
Antigo Testamento ou Antiga Aliança, o tempo da
espera.
"E vocês, o que pensam que eu sou?" - pergunta Jesus.
Ora, os discípulos e todos nós vimos até agora tudo o
que Jesus disse e fez. Quem será ele? Em nome de
todos, Pedro se adianta e faz a grande confissão de fé:
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
"Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo". No evangelho
de Mateus isso equivale ao nome de Jesus: Emanuel =
Deus conosco. Em outras palavras, Jesus é a presença
e ação de Deus entre nós. Elas se manifestam como
busca e realização da justiça. Por isso Jesus é o Messias
esperado (veja Isaias 11,1-9) e o Filho do próprio Deus
que quer liberdade e vida para todos.
Você é Pedro, e sobre essa pedra...
Em troca da sua confissão, Pedro ganha o maior elogio
(16,17-20), e também a maior responsabilidade: do seu
reconhecimento vai nascer a Igreja, a comunidade de
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
todos aqueles que reconhecem em Jesus, na sua
palavra e ação, o germe de uma nova humanidade,
liberta para mais vida. Graças a sua confissão de fé,
Pedro será o chefe dessa comunidade, e terá mais
poder sobre ela. Não o poder de dominar, como os
outros chefes, mas o poder de discernir quem de fato
pertence à comunidade comprometida com a justiça e
quem dela se afasta, traindo a causa da justiça, que é a
causa de Deus. A tarefa não é fácil. Ela significa que o
chefe da comunidade carrega a grande responsabilidade de vigiar pelo cumprimento da justiça que Deus
quer: não tem direito de participar da comunidade
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
quem não estiver comprometido, em pensamento,
palavra e ação, com a causa da justiça. Ligar ou
desligar significam, neste contexto, preservar a causa
da justiça. Quem é injusto ou não luta pela justiça não
tem nada a ver com a comunidade de Jesus, porque a
luta pela justiça é a alma dessa comunidade.
De chefe a Satanás?
Diante da confissão de Pedro, que é o reconhecimento
de todos nós, Jesus dá mais um passo. Revela aos
discípulos o que vai acontecer pela frente. Chegando a
Jerusalém, capital dos judeus, onde estão
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
concentrados o poder econômico, político, social e
religioso, ele vai ser preso, torturado e morto, mas
depois de três dias ressuscitará (16,21).
Pedro não se conforma. Puxa Jesus para o lado e o
repreende (16,22-23). Onde já se viu? Depois de tudo,
acabar morto? No fundo, Pedro estava com a mesma
ilusão que todos nos imaginamos. Pensamos que a luta
pela justiça vai ser coroada pelo triunfo... Não, a luta
pela justiça acaba no sacrifício da própria vida, e
através disso é que vem a vitória, não pessoal, mas da
justiça e do projeto de Deus.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Jesus é duro com Pedro, e com todos nós, que
pensamos servir a Deus e, ao mesmo tempo, satisfazer
os nossos caprichos: "Fique longe de mim, Satanás!
Você é uma pedra de tropeço para mim, porque não
pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens!"
Ora, se isso foi dito ao chefe da Igreja, que havia
confessado há pouco a maior verdade, o que não será
dito de nós, que traímos a causa da justiça a cada
momento que nos oferecem uma pequena regalia? É
tão fácil esquecer a causa pela qual lutamos em troca
de qualquer satisfação para os nossos caprichos... É
duro? Claro que é. Não podemos ficar com os pés em
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
duas canoas, lutando pela justiça e usufruindo da
injustiça...
Não tenham ilusões!
A resistência de Pedro dá ocasião para Jesus esclarecer
de uma vez por todas qual será o caminho do discípulo
(16,24-28). A luta pela justiça leva ao sacrifício, pois
ela acaba revelando que a desigualdade e a miséria
existem por causa da má distribuição dos bens e da
participação política e social. Os privilegiados não vão
aceitar isso. Sempre é mais fácil acabar com os que
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
atrapalham do que ver o fim das próprias mordomias.
Aliás, deve-se perder até a própria honra, pois o
suplício da cruz era reservado para os "criminosos"
políticos, que não buscavam mais do que a justiça...
Espantoso? É.
E as coisas ficam por aqui? Não. A última palavra é de
Deus. Ele é o autor da liberdade e da vida, e da justiça
que produz ambas. O Deus da liberdade e da vida não
se cala diante do que acontece, e pronuncia o seu
veredicto final. Cada um recebe segundo o que produz,
e acaba sofrendo as consequências de seu próprio
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
comportamento. Mas os que seguirem Jesus até o fim
experimentarão a vitória através da derrota, não como
conquista sua, mas como dom de Deus. Através de
todas as nossas derrotas pouco a pouco vai-se
construindo a vitória de Deus. Contra o nosso orgulho
e contra todos os ídolos que esse orgulho criou.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Para refletir em grupos
1. Quem é Jesus? O que nossa comunidade pensa? Um
Deus-Homem, um Homem-Deus, ou um Deus-eHomem?
2. O Filho de Deus apareceu entre os homens sem glória
nenhuma. O que achamos disso?
3. Qual é o maior sinal de que Jesus era o Messias pelo
qual todos nos esperamos?
4. De santo se pode passar a Satanás. Por quê?
5. A luta pela justiça não leva a glória nenhuma. Leva a
morte. Por quê?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
A VITÓRIA DA JUSTIÇA
(Mateus 17,1-13)
O ponto mais difícil de compreender e aceitar na boa
notícia do Evangelho é o de que o triunfo acontece
através do aparente fracasso, de que a justiça e vitoriosa
através da aparente vitória da injustiça, de que a vida
triunfa através do aparente triunfo da morte. Nós
gostamos de coisas claras e lógicas, e ficamos
atrapalhados com tudo isso. E que a lógica de Deus é
diferente da nossa. Ele vê tudo e nós apenas uma parte.
Resta-nos, portanto, crer, admitindo que a nossa visão é
curta.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Jesus é o Messias esperado, mas um Messias que vai
realizar a vontade do Pai através do aparente fracasso e
derrota, julgado, condenado e morto como criminoso,
subversivo da "ordem social" (reveja 16,21). Somos então
seguidores de um bandido? Assim pensam aqueles que
vivem da injustiça. O presente texto mostra que, do lado
de Deus, as coisas são muito diferentes. Em Jesus a
criação de Deus chegou a sua realização final. Ele é o
modelo da humanidade realizada.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O reverso da tentação
Jesus recusará a proposta do diabo na última tentação
dominar o mundo através do poder e da riqueza (reveja
Mt 4,8-10). Agora ele está novamente num alto monte,
acompanhado dos discípulos mais próximos, exatamente
seis dias depois - o que nos lembra o sexto dia da
criação, quando Deus criou a humanidade (17,1). E a
revelação do destino final de todos nós, se nos
comprometermos com o projeto de Deus,
profundamente desejado no Antigo Testamento, e
finalmente revelado e realizado em Jesus é através dele.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O segredo e a justiça, a vontade de Deus que cria
liberdade e vida para todos. O que acontecerá se nos
comprometermos com ela? O mesmo que acontece com
Jesus nesta cena.
O homem glorioso
Jesus acabara de anunciar a sua morte, e Pedro, o chefe
da comunidade, resistirá. Como lutar tanto, e acabar
derrotado? Era necessário mostrar o resultado final da
luta. A luta de Jesus e dos seus seguidores não vai acabar
na derrota da morte, mas na glória da ressurreição
(17,2), porque a verdade, uma vez entrevista, jamais se
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
apagará. É bom nos lembrarmos de que já faz vinte
séculos que Jesus foi morto, mas até hoje a lembrança da
sua palavra e ação continua a mover o mundo. E como
ele tantos outros, discípulos seus, declarados ou
anônimos. Coisa que o salmo 112 já dizia: "a memória do
justo é para sempre!" (Salmo 112,6).
Em Jesus está a Bíblia inteira
Moisés e Elias são um modo de falar de todo o Antigo
Testamento (17,3-5). Moisés personifica a Lei e Elias o
profetismo. Lei e Profetas era o modo como os judeus
chamavam a Bíblia. E o conteúdo da Bíblia toda é o
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
anúncio e a busca da justiça, vontade de Deus e desejo
da humanidade. Moisés e Elias conversam com Jesus.
Sinal de que, se quisermos agora entender a Bíblia,
temos que conversar com Jesus. Ele é quem pode
explicar, através da sua palavra e ação, o que Deus quer e
o que nós mesmos desejamos.
Isso fica ainda mais claro com a voz do Pai que declara:
"Este é o meu Filho amado, que muito me
agrada. Escutem o que diz". Daqui para frente é
Jesus quem vai ensinar tudo o que Deus quer, em
resposta ao nosso mais profundo desejo. Os discípulos
que aí estavam ficaram com medo. Quem é que não teme
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
diante da vontade de Deus e do seu próprio desejo
profundo, embora fosse justamente por isso que andava
a procura?
Ficar por aqui mesmo?
Pedro é uma pessoa extraordinária, porque expressa a
nossa espontaneidade e, talvez, a nossa ingenuidade. Ele
quer reter aquele Jesus glorioso, junto com Moisés e
Elias (17,4). As tendas são uma referência a Festa das
Tendas, de caráter nacionalista e triunfalista. Seria tão
bom ficar com esse Jesus glorioso. Esse é o nosso sonho
de criança: a glória fácil. Não. A glória virá depois da
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
luta, o triunfo virá através da derrota, e a vida surgirá
das cinzas da morte. A lógica de Deus é diferente da dos
homens...
Somente Jesus
A visão maravilhosa se desfaz, e resta apenas Jesus com
os discípulos (17,7-9). Fora apenas a antevisão do futuro.
Agora é preciso lutar até o fim. A visão do triunfo não é
para afastar da luta, mas para dar ânimo, a fim de que
não desistamos da luta no meio do caminho. E aqui que
está o grande segredo dos cristãos: eles não devem
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
contar a ninguém que viram o Jesus glorioso, antes que
ele realmente esteja na glória, depois de toda a luta.
Antes as pessoas não acreditariam. Quem acredita que a
vitória de Deus vem através do nosso fracasso? A lógica
de Deus é diferente da nossa...
Primeiro o fracasso, depois a vitória
Os judeus esperavam a volta de Elias, o pai dos profetas,
que iria arranjar tudo para o Reino de Deus. Os
discípulos consultavam Jesus sobre isso (17,1O-13). Era
uma forma de saber algo de Jesus. Seria ele mesmo
quem iria trazer o Reino de Deus? Jesus confirma: Elias
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
já tinha vindo, na pessoa de João Batista, que pedia
conversão de vida e transformação das situações. Mas, o
que a sociedade fez? Matou-o. Em geral, preferimos
acabar com as pessoas em vez de mudar o nosso modo
de viver. E é o que aconteceu com Jesus. Ele provocava
mudanças tão profundas que preferiram acabar com ele,
para não ter que deixar os próprios caprichos.
Será que hoje as coisas mudaram?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Para refletir em grupos
1. O que acontece se renunciamos a tentação do poder e
da riqueza?
2. Por que Jesus é a revelação do que seremos?
3. Toda a Bíblia está resumida em Jesus. Comente isso.
4. Às vezes temos a tentação de parar a luta pela justiça e
nos acomodarmos no meio do caminho. Já aconteceu
isso na comunidade? Por quê?
5. A vitória vem através da derrota. A comunidade já
experimentou isso? Relembrem essas derrotas e vejam
agora qual foi à vitória.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
A FÉ SUSTENTA A LUTA
(Mateus 17,14-27)
A cena da transfiguração revela o destino final de Jesus,
e também o destino de todos aqueles que se
comprometem com a justiça que leva a realização do
projeto de Deus. Daí nasce à humanidade nova, o
homem glorioso que realmente é "imagem e
semelhança" de Deus (cf. Genesis 1,26-27). Como
consequência, a renovação de todas as relações
econômicas, políticas e sociais que constroem o destino
da sociedade e da história, voltadas agora para a
liberdade e a vida de todos.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O panorama descortinado pela fé é grandioso e belo.
Mas, na prática, as coisas não parecem tão fáceis.
Primeiro é preciso desalienar o povo. Por que é que os
discípulos não conseguiram realizar isso? Depois é
preciso não esquecer que a vitória sai do ventre da
derrota, que o que se vê em primeiro lugar é o triunfo da
injustiça, e não da justiça. Como entender e aceitar? E,
finalmente, enquanto as coisas não mudam, é preciso
não provocar escândalo gratuito, que só atrapalharia a
luta pela justiça.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Como realizar tudo isso? O ponto fundamental é a fé
que, ao mesmo tempo, é um passo no escuro, esperar
contra toda dificuldade e entregar-se ao compromisso
com Deus e com Jesus, tentando, a cada momento,
descobrir o que o projeto de justiça exige.
Como vencer esse demônio?
O menino epilético é figura do povo (17,14-21). Epilepsia
é doença com ataques de vez em quando, durante os
quais a pessoa fica temporariamente alienada, fora de si.
Nesses momentos surgem reações extremamente
violentas, como jogar-se no fogo ou na água. E o povo
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
tentando se libertar. O pai suplica a Jesus, e o seu gesto
(ajoelhar-se) demonstra que ele tem fé. Mas aquele
homem recorre agora a Jesus, depois de ter procurado
antes os discípulos. Estes não conseguiram expulsar o
demônio. Como assim, já que haviam recebido o poder
para isso? (reveja 10,1).
A censura de Jesus não se dirige ao povo, mas aos
discípulos. Estes ainda não acreditam, isto é, ainda não
descobriram que ter fé e entregar-se ao próprio Deus,
para que ele aja através de nós, com a sua visão e ação.
Pensar que a libertação depende da nossa capacidade ou
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
esforço é, no mínimo, ingenuidade e, no máximo, uma
grande pretensão. O Reino da justiça é dom de Deus que
se realiza através da nossa disponibilidade para com os
interesses dele, e não os nossos.
Por que é que os discípulos não conseguiram? A resposta
de Jesus deixa bem claro que é a fé que transforma as
situações. Ela é capaz de vencer todas as barreiras,
inclusive transportar uma montanha. Certamente uma
referência a montanha de Jerusalém, onde se reúnem os
poderes econômico, político e ideológico que oprimem e
exploram o povo, reduzindo-o a alienação. Mas,
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
finalmente, para realizar a ação libertadora é preciso
oração e jejum, exatamente aquilo que Jesus fez antes de
começar a sua atividade (reveja 4,1-11). Não adianta
querer andar com os pés em duas canoas. É preciso
decidir entre o projeto de Deus e o projeto do diabo. A
oração nos mantém conscientes do projeto de Deus. O
jejum leva-nos a romper com o mundo da injustiça, a fim
de construir o mundo da justiça.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Mais um lembrete difícil
Jesus torna a falar, agora de modo simples e rápido, do
destino que o espera. Ele, o verdadeiro homem revelado
na transfiguração, vai ser entregue nas mãos dos
homens. Será morto por eles, mas no terceiro dia
ressuscitará (17,22-23). Se compararmos com o primeiro
anúncio de sua morte (16,21-23), perceberemos que já
não se fala mais dos chefes do povo, mas simplesmente
de "homens". Quem são eles? Não seria o próprio povo,
que está sedento de libertação, mas na hora "h" rejeita a
justiça como caminho para satisfazer a sua própria fome
e sede?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Não se trata apenas do povo daquele tempo. E também o
povo de hoje, e no meio dele nós, que em geral
desejamos transformações, mas contanto que ninguém
mexa com a nossa vida. Os discípulos ficaram tristes
com o que Jesus dizia. E tristes ficamos nós, quando não
compreendemos que a luta pela justiça não leva em
primeiro lugar a glória, mas a desonra, perseguição, todo
tipo de condenação e até a morte.
Cuidado com o diabo das tentações! O sucesso e o
triunfo podem indicar que não estamos realizando o
caminho da justiça. A justiça sempre irá se chocar contra
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
a injustiça. A luta e tão grande que a vitória só pode vir
de Deus.
O horizonte da liberdade e da vida
A questão do imposto é uma espécie de desafio (17,2427). Os fiscais perguntam se o Mestre Jesus não paga o
imposto ao Templo. Ora, naquele tempo o Templo havia
se tornado a sede de todos os poderes, mas era
principalmente o lugar do tesouro nacional, uma espécie
de "banco central". Por outro lado, os sacerdotes e muitos
rabinos ou mestres estavam isentos de pagar esse
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
imposto. Os fiscais querem saber se Jesus, que é
chamado Mestre, está gozando a mesma "mordomia". O
fato de Jesus pagar mostra que ele já rompeu com essa
sociedade injusta, onde os grandes tem privilégios à
custa dos pobres.
A conversa entre Jesus e Pedro é provocadora. Agora
Jesus já fala do imposto cobrado pelos reis, isto é, o
imposto e as taxas cobradas pelos estrangeiros. Ele
denuncia, assim, a exploração internacional que
empobrece os povos dominados e os faz viver na miséria.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Abre-se, portanto, o horizonte novo que um dia sê
realizará: o autodesenvolvimento de cada povo que,
liberto da exploração e opressão, poderá encontrar o seu
lugar no mundo e o seu caminho na história.
Mas voltemos ao imposto interno. Jesus paga para não
provocar escândalo. Ainda não chegou o momento da
tão esperada liberdade. Mas o curioso e que o dinheiro
do imposto não sai da caixa comum do grupo, e sim,
miraculosamente, da boca de um peixe. Por quê? Porque
Deus atende, desde já, todas as necessidades dos seus
filhos.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Para refletir em grupos
1. Por que muitas vezes falhamos ao tentar curar a
alienação das pessoas? Quais são essas alienações?
2. Ter fé é o ponto fundamental para a comunidade. Mas,
como é que a comunidade compreende a fé?
3. Por que a luta pela justiça primeiro parece fracassar?
Deverá ser sempre assim?
4. O povo paga impostos. E o que recebe em troca? No
lugar em que moramos, do que é que o povo tem mais
necessidade?
5. Deus atende as necessidades dos seus filhos. Como isso
acontece?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
A COMUNIDADE E A JUSTIÇA (I)
(Mateus 18,1-20)
O seguimento de Jesus acaba reunindo num mesmo
caminho todos aqueles que se comprometem com a
justiça. Forma-se então a comunidade cristã,
continuação e presença da pessoa e da ação de Jesus. Por
isso ela é muito importante, e grande é a sua
responsabilidade. Como deverá se comportar, e com que
mística deverá viver? Todo o capítulo 18 é uma resposta.
Aqui Mateus traça as linhas fundamentais que deverão
nortear a vida inteira da comunidade.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Quais são os maiores problemas daqueles que
escolheram seguir a Jesus, e juntos formar a
comunidade-germe de uma sociedade que pratica a
justiça?
ACOLHER SEM LIMITES
Quem é o maior na comunidade?
Primeiro temos a competição: quem é o maior? (18,1-5).
Aqui, o Reino do céu é a comunidade que pratica a
justiça. Será que, no fim, depois de lutar ativamente pela
justiça, ela vai acabar copiando o comportamento de
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
uma sociedade onde todos competem pela abundância e
prestígio, poder e riqueza, justamente as tentações da
injustiça que Jesus venceu? (reveja 4,1-11).
Jesus responde com uma parábola viva. A palavra usada
para "criança" pode significar tanto "criancinha" como
"servo, empregado". Naquele tempo, a criança de menos
de doze anos não era considerada socialmente, e muito
menos o empregado. Ela é símbolo dos fracos, pobres e
humildes, aquelas pessoas que não tem importância ou
pretensão - aqueles que são continuamente esmagados
pela sociedade injusta. Pois bem, diz Jesus, o maior na
comunidade é aquele que deixa todas as ambições, para
ser apenas alguém que serve despretensiosamente.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Cuidado com o escândalo!
Agora os fracos, pobres e humildes são chamados de
pequeninos (18,6-9; reveja 11,25-30), aqueles que, na
sua sede de justiça, se comprometeram com Jesus e
começaram a fazer parte da comunidade cristã. Qual o
escândalo para eles? Certamente ver que a comunidade
os oprime com a mesma injustiça que impera na
sociedade. Ou seja, a busca de abundância e prestígio,
poder e riqueza. O maior escândalo é ver alguém pregar
a justiça e depois viver na injustiça. Quem é que não se
escandaliza com isso?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Remédio? Jesus é extremamente duro: corte o mal pela
raiz! Ou seja, mude o seu modo de ver (olho), o seu
modo de agir (mão) e de caminhar (pé). Não há meiotermo. Sem mudança radical, a comunidade cai na maior
das hipocrisias: falar uma coisa e fazer outra. E então,
onde fica a luta pela justiça? Exigir dos outros o que não
se vive? Não. Primeiro é preciso viver e praticar a justiça.
Só depois temos o direito de anunciá-la e exigi-la.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Por que alguém se afasta da comunidade?
Mateus mudou a situação original da parábola da ovelha
perdida (18,1O-14; confira com Lucas 15). Agora a
parábola é dirigida a comunidade cristã: por que alguém
se afastaria ou se perderia, saindo da comunidaderebanho que segue a Jesus? Certamente por causa do
escândalo, ao ver que a comunidade está repetindo a
mesma dose de injustiça que existe na sociedade injusta.
A parábola, então, se torna um julgamento para a
comunidade. Escandalizados com a hipocrisia, os fracos,
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
os pobres e humildes vão embora. Como fica a situação?
Jesus deixa a comunidade (99 ovelhas) e vai procurar a
ovelha que se perdeu, ou melhor, que foi perdida pela
comunidade. E o julgamento é duro: Jesus fica mais
contente ao encontrar a ovelha que se perdera, do que
com as 99 que não se tinham perdido. Essa é a vontade
do Pai: ele justamente mandou seu Filho ao mundo para
salvar o que nós pensávamos estar irremediavelmente
perdido. E mais: o que pensávamos estar perdido estava
justamente junto do Pai... (18,10). Depois disso tudo,
ficamos pensando: quem é que, afinal, está perdido? Os
outros? Ou nós? Só a justiça de Deus pode nos fazer
enxergar as coisas.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
E quando o irmão erra?
Ninguém de nós é perfeito, e não é porque seguimos a
Jesus que estamos livres de cometer erros. Antes Mateus
falou daquele que se afasta da comunidade por causa do
escândalo. Agora fala daquele que provocou o escândalo,
do irmão que errou (18,15-20). O que fazer com ele?
O procedimento conforme a justiça procura evitar a
arbitrariedade, levando em conta que todo mundo tem
direito a boa fama. Primeiro não se deve espalhar o erro
do irmão para todo mundo, mas corrigi-lo a sós. Ele
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
pode não acreditar no que você está falando, ou não
aceitar. Direito dele. Então arranje uma testemunha. Se
ele não aceitar, então, e só então, comunicar a toda a
comunidade. Questão grave, e agora é a comunidade que
vai decidir. Se o irmão não aceitar nem a palavra da
comunidade, então ficará excluído dela, como um pagão
ou cobrador de impostos.
E daí? Tudo encerrado? Não. Agora a comunidade deve
procurar o irmão, assim como o pastor procura a ovelha
perdida. Jesus tinha predileção pelos perdidos, porque
"ele veio para salvar o que estava perdido"
(18,11).
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Notar que a comunidade recebe o mesmo poder que
Pedro, o chefe da Igreja (conferir o v. 18 com 16,19). Em
sua vida, a comunidade terá que tomar decisões
importantes, como a de expulsar o irmão do seu meio.
Mas ela não poderá agir com leviandade. Não. Precisará
estar profundamente sintonizada com todos os irmãos e,
acima de tudo, sintonizada com o espírito de Jesus, que
é o espírito da justiça. Só então ela poderá estar certa de
que a sua palavra e a palavra de Jesus. E depois? Agir
como Jesus, procurando e recuperando aquilo que se
perdeu. A regra é o Pai, que não quer que ninguém se
perca (leia Ezequiel 18,23.32).
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Para refletir em grupos
1. Por que o espírito de competição introduz a injustiça
na comunidade?
2. Que escândalos podem acontecer na comunidade? Por
que eles são graves?
3. Alguém já se afastou da comunidade? Por quê? O que
a comunidade fez depois em relação a essa pessoa?
4. O que as pessoas da comunidade fazem em relação a
um irmão que cometeu um erro?
5. O que significa "Onde dois ou três estiverem reunidos
em meu nome, eu estou aí no meio deles" (v. 20)?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
A COMUNIDADE E A JUSTIÇA (II)
(Mateus 18,21-35)
PERDOAR SEM LIMITES
Mateus é muito realista a respeito da comunidade cristã.
Ele sabe que viver sozinho não é bom, mas sabe também
que viver junto não é fácil. Em 18,1-20 ele falava das
tentações humanas (busca de abundância, prestígio,
poder, riqueza, e as consequências do escândalo,
desprezo, abandono, expulsão fácil da convivência).
Agora ele aborda a fraqueza humana, a convivência
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
machucada pelos conflitos, atritos e ofensas. Na verdade,
a comunidade cristã é um grupo de pessoas que se
ofendem, e a vida em comum só é possível quando os
irmãos repartem entre si o perdão que cada um recebeu
de Deus.
Quantas vezes devo perdoar?
Agora não se trata de escândalo ou pecado público, mas
de uma ofensa pessoal, dirigida contra um irmão. Como
o irmão ofendido deve reagir? Os judeus diziam que o
máximo de vezes a perdoar era quatro. Pedro é generoso:
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
elevando o número para sete (simbolicamente "muitas
vezes"), ele pensa chegar ao pensamento de Jesus. No
fundo, tanto ele como os judeus estão preocupados com
os limites, preocupação egoísta de quem não quer se
entregar totalmente a misericórdia.
Sem limites!
Na resposta de Jesus está implícita uma questão
fundamental: é o perdão que possibilita a própria
existência e continuação da comunidade. Ela se constrói
no amor que é fruto da justiça, mas é amor entre pessoas
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
frágeis que sofrem todas as consequências do egoísmo
das tentações. A outra face do amor deve ser o perdão,
que testemunha e assegura a justiça do verdadeiro amor.
A resposta de Jesus é dada em dois passos:
Perdão proporcional ao desejo de vingança
Jesus retoma o canto de vingança de Lamec (Gênesis
4,24: "Se a vingança de Caim valia por 7, a de Lamec
Valerá por 77"), mas aplica-o ao perdão. O texto do
evangelho permite ler 77 vezes ou 70 vezes 7, sendo que
o significado é o mesmo: o perdão não tem limites, ou
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
melhor, deve ser proporcional ao desejo de vingança. Só
o perdão pode salvar e cimentar a vida da comunidade
que se comprometeu com a justiça. Ela é constituída de
homens ao mesmo tempo santos e pecadores (leia
Romanos 7), que só continuam vivos porque Deus
renuncia a vingança.
O perdão não compartilhado
A parábola de 18,23-35 explica por que o perdão entre as
pessoas da comunidade não pode ter limites: a exigência
do perdão fraterno decorre do perdão que cada um já
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
recebeu de Deus em Jesus. Trata-se de lembrar a própria
situação diante de Deus: a misericórdia do Pai tirou cada
um da morte e da escravidão para o devolver a liberdade
e a vida (confira Lucas 15). E em nome do perdão que
Deus nos concedeu que devemos perdoar.
O ambiente da parábola evoca o de uma corte oriental, e
a história tem o aspecto de um drama em que todos os
elementos são fantásticos, apontando para um
significado maior.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O início mostra que o Reino, ou a comunidade, é
semelhante não ao Rei, mas a situação que o descrita na
parábola. A soma que o empregado deve é fantástica:
cada talento equivalia mais ou menos a 34 quilos de
ouro! Tentemos imaginar 340.000 quilos de ouro...
Aquele homem estava perdido e, mesmo que fosse
vendido com a família, jamais conseguiria pagar a
divida. E o empregado suplica, não para que a dívida seja
perdoada, mas para que lhe seja dado um prazo. Outro
aspecto fantástico: de que modo ele pensava pagar uma
divida tão grande?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O mais fantástico vem agora: o Rei se compadece dele e
concede, não o prazo pedido, mas o perdão de toda a
divida! Somos então levados a perguntar quem é esse
Rei.
A seguir, o comportamento daquele empregado com o
seu companheiro é igualmente espantoso. Ele já
esqueceu a sua situação diante do Rei (a falta de
memória é a raiz de todas as infidelidades). A soma que
o companheiro lhe deve é irrisória (algo como o salário
por cem dias de trabalho). O companheiro também lhe
pede um prazo, mas o outro nem isso lhe concede.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
A reação dos outros companheiros talvez retrate o
espanto dos cristãos ao verem os conflitos que existem
nas comunidades. A repreensão do Rei traz o centro da
questão: o empregado devia ter aprendido a ter
compaixão (sofrer junto, ser sensível ao outro), assim
como é pelo próprio fato de o Rei ter tido compaixão
dele. O v. 34 mostra a sorte de quem não aprende a ser
compassivo: a pessoa é excluída da graça que antes lhe
fora concedida.
O v.35 conclui não só a parábola, mas o capítulo inteiro.
O evangelho salienta a gratuidade do perdão de Deus
que possibilita a cada um entrar e fazer parte do povo de
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Deus, que se comprometeu com a justiça e herdou a
liberdade e a vida. Acolhida e perdão fraternos não são
condições para se ter a salvação, mas sim a consequência
de se ter entrado para o povo de Deus, e também a
coerência exigida para construir e cimentar a vida em
comunidade. Por isso o perdão deve ser interiorizado "de coração" - isto é, abranger o homem inteiro, no
fundo da sua consciência. O homem perdoa porque Deus
o perdoou (leia Colossenses 3,12-13). A medida do
perdão é o perdão de Deus, ou seja, não tem medida.
Aliás, isso é perenizado no Pai-nosso. Toda vez que
dizemos "Pai, perdoa as nossas dívidas, assim como nós
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
perdoamos aos nossos devedores" (6,12), estamos, no
fundo, pedindo nossa própria salvação, ou condenação.
Para refletir em grupos
1. A outra face da moeda do amor é o perdão. Comente
isso.
2. Até onde estamos dispostos a perdoar? Quais os
motivos que nos impedem de ir além disso?
3. Ler a parábola. Colocar-se dentro de cada uma das
personagens da história, e depois comentar o que sentiu.
4. Perdoar não é fácil. Como interiorizar o perdão, para
que ele seja uma atitude constante em nossa vida?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
A JUSTIÇA E O HORIZONTE DO REINO
(Mateus 19)
A partir deste capítulo Mateus começa a projetar o
futuro do Reino de Deus, construído através da luta pela
justiça. A partir da chegada da justiça as coisas mudam,
e a maior surpresa para nós e que elas agora podem se
tornar exatamente aquilo que Deus havia projetado e,
curioso, também aquilo que nós mais havíamos
desejado. E que Deus revela o seu projeto no mais íntimo
de nós mesmos. Aceitar esse projeto, portanto, não é
apenas ser fiel a Deus, mas em primeiro lugar a nós
mesmos.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Matrimônio é amor para sempre
Casamento é questão central na vida humana (19,1-9).
No projeto de Deus a vida humana nasce e cresce dentro
de um ninho de amor. Para as pessoas, porém, as coisas
não são fáceis. Ninguém quer viver sozinho. E como é
difícil viver junto! Aí vêm os conflitos, os
desentendimentos e, por fim, as separações. E a justiça,
como vê isso?
A pergunta dos fariseus e um desafio. Naquele tempo
havia duas tendências: uma bastante permissiva
(bastava qualquer motivo para o marido se divorciar da
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
mulher), outra mais rigorosa, precisava um motivo sério
(...). Note-Se que a mulher aqui ficava reduzida a vítima.
Mas de que lado está Jesus?
Jesus não responde sim ou não. Ao contrário, lembra o
texto do Gênesis 2,24, onde está o fundamento do
matrimônio indissolúvel. O casamento baseia-se num
amor tão forte que rompe os laços com os pais e deixa o
casal inteiramente livre para constituir nova família,
para si e para a humanidade. Ora, como substituir a
sabedoria de Deus pelo mesquinho capricho dos
homens?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Os fariseus voltam a carga, lembrando a lei do
Deuteronômio 24,1, que permitia o divórcio. Mas Jesus
salienta que essa lei era apenas um remendo no projeto
original de Deus, e que a separação era permitida por
causa da dureza do coração, da insensibilidade humana
ao amor, que sempre nasce com a vocação de eternidade.
Diante dos homens o amor pode acabar, mas diante de
Deus ele é para sempre. Daí o sério da questão: quem se
divorcia e se casa de novo comete adultério, isto é, trai a
esposa a quem antes estava ligado...
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Então é melhor não se casar?
Até os discípulos, acostumados já com Jesus, ficam
admirados e dizem: se é assim, melhor não se casar
(19,1O-12). Sim, não se casar é outra opção. Mas ela só se
justifica quando o motivo é ainda mais sério do que o
casamento. Os que não se casam por causa do Reino, isto
é, para se comprometer com o projeto de Deus e de
Jesus, são todos aqueles que compreendem que o
compromisso radical com a justiça pode ser tão total e
ardente que passa a frente de qualquer outro
compromisso. Então se dedicam completamente a causa
da justiça.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Mas celibato é coisa séria. Não adianta oferecer-se
inteiramente a Deus, e depois, de pouquinho em
pouquinho, ficar beliscando a oferta que antes se fez.
Não é fácil. O casamento é difícil, certo, mas o celibato o
é também. Ele não pode ser acomodação egoísta. Só se
justifica porque é dom de Deus, pois somente a graça de
Deus poderá sustentar tal opção.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O Reino pertence aos pequenos
A cena de Jesus com as crianças é sintomática (19,13-15).
Levam crianças a Jesus, para que este as abençoe. Os
discípulos não gostam. É que naquele tempo a criança
com menos de doze anos não tinha qualquer
consideração social. Em outras palavras, podia
atrapalhar.
Jesus censura a atitude dos discípulos e diz que o Reino
pertence as crianças. Não porque as crianças sejam
perfeitas ou inocentes. Não. É porque elas não têm
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
pretensões nem ambições, isto é, ainda não conhecem as
tentações que provocam a injustiça (busca da
abundância, prestígio, poder e riqueza, sempre as custas
dos outros). A criança, portanto, é um símbolo do pobre
e do fraco que se abrem para a justiça que o Reino lhes
trará. Quanto a nós, devemos nos converter, para
conquistarmos de novo essa abertura para Deus e seu
projeto (leia 18,3).
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O Reino é dom e partilha
Como o jovem do texto, todo jovem tem boa vontade e
anseia por experimentar plenamente a vida (19,16-30).
Ora, este quer exatamente isso: a vida em plenitude, que
é a vida eterna ou vida de Deus em nós. Que deve fazer?
Jesus lembra que deve observar os mandamentos e dá
especial atenção àqueles que tratam da relação com o
próximo, porque a nossa relação com Deus depende da
nossa relação com o próximo. Ora, o jovem já cumpria
tudo isso, e quer mais. Então vem o supremo desafio:
vender tudo o que possui, dar o dinheiro aos pobres, e
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
depois colocar-se no seguimento de Jesus, isto é, na
busca da justiça. Nada mais que escolher radicalmente a
pobreza. O jovem resiste ao desafio: vai embora triste,
porque era muito rico.
De fato, qual é o rico que queira se tornar radicalmente
pobre, para se unir aos pobres e lutar pela justiça? Como
diz Jesus, mais fácil um camelo passar pelo buraco da
agulha... O espanto dos discípulos leva Jesus a explicar:
só a compreensão do projeto de Deus, que é a justiça que
traz liberdade e vida para todos, pode levar alguém a
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
escolher ser pobre com os pobres, com os quais o projeto
de Deus triunfará, e todos poderão finalmente ser felizes.
Esse é o caso dos discípulos: deixaram tudo para seguir a
Jesus. O que vão ganhar? Por enquanto apenas a alegria
de se entregar a causa da justiça. Mas, quando o Reino
chegar, eles se sentarão no tribunal para julgar toda a
injustiça, e então virá o Reino, onde todos terão
abundantemente tudo o que necessitam. Então o sentido
da vida será pleno, pois a experiência da fraternidade e
da partilha fará descobrir o que é, afinal, a própria vida
de Deus.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Para refletir em grupos
1. Por que a justiça faz ver de modo diferente o casamento?
Quais os problemas que os casais enfrentam? Quando eles
começam?
2. O celibato é coisa séria e empenhativa. Que sentido ele tem?
É melhor não se casar?
3. Por que a criança é figura do pobre e do fraco?
4. Jesus pediu ao jovem rico para se tornar pobre. Ele tinha
direito de fazer isso? Será que o mesmo se aplica para nós hoje?
O que significa hoje vender tudo, distribuir o dinheiro aos
pobres, e depois seguir a Jesus?
5. O v.30 lembra o nosso provérbio: "Ri melhor quem ri por
último". Comente.
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O TRABALHO E A JUSTIÇA DO REINO
(Mateus 20,1-16)
Entre outras coisas, a parábola dos trabalhadores na vinha
trata do tema do trabalho, questão importante, pois é no
trabalho que passamos a maior parte das nossas vidas.
Também é pelo trabalho que podemos multiplicar a vida
que recebemos, para produzir mais vida e sustentar a vida
que já existe. Todavia, o trabalho e a sua remuneração
também são fonte de desigualdade. O que é que o
trabalhador recebe em troca do seu trabalho? Que proveito
ele pode tirar de todo o trabalho com que se afadiga
debaixo do sol? (leia o livro do Eclesiastes).
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O Reino de Deus, que é o reinado da justiça, ilumina a
questão do trabalho e traz uma nova proposta. Talvez
não agrade a todos, mas propõe um desafio: como ser
justo com o trabalhador, de modo que o trabalho seja
fonte de igualdade e não de injustiça?
Primeiros e últimos
A parábola está encaixada na moldura formada por
19,30 e 20,16. Deve ser lida nessa direção. E, ponto
importante, os estudiosos nos avisam que a frase pode
ser traduzida assim: "Todos, mesmo que sejam
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
primeiros, serão últimos, e mesmo que sejam últimos,
serão primeiros". E isso traz o grande desafio:
transformar o mundo do trabalho em fonte de igualdade,
primeiro fruto da justiça. Contudo, será que os primeiros
vão aceitar essa justiça?
A vinha
Desde o Antigo Testamento, avinha era símbolo do povo
de Deus (leia Isaias 5,7). No Novo Testamento tornou-se
figura do novo povo de Deus, isto é, o povo
comprometido com Jesus e o seu projeto de justiça. Em
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
outras palavras, o povo de Deus tornou-se o lugar do
trabalho e da justiça. Daí nasce o exemplo que irá
contaminar e transformar a sociedade.
A contratação para o trabalho
Todos nós precisamos do trabalho de todos e de cada
um, para sobrevivermos neste mundo que Deus e nós
criamos. Há, portanto, muitíssimo trabalho a fazer. E aí
temos o dono e patrão da vinha, saindo para contratar
diaristas para o trabalho. Ele sai as seis da manhã, as
nove, ao meio-dia, as três da tarde e, finalmente, as cinco
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
da tarde. O lugar de contrato é a praça, onde se faz a
oferta de trabalho. O curioso é que muitos ficam
esperando muito tempo, e que alguém os contrate. Eles
não são vagabundos ou preguiçosos, como poderíamos
pensar; apenas ainda não tiveram chance.
O pagamento
Quando contrata a primeira turma, o patrão acerta uma
moeda de prata, o que naquele tempo dava para um
chefe de família sustentar a sua casa por um dia,
atendendo a todas as necessidades suas, da mulher e dos
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
filhos. Na turma seguinte ele diz que vai pagar o que é
justo, mas não diz quanto. Depois já não diz o que vai
pagar. No fim do dia, porém, ficamos sabendo que o
pagamento é o mesmo para todos. E aqui entra a justiça:
todos têm o direito de receber o necessário e suficiente
para todas as suas necessidades. O comportamento do
patrão é igualitário. E aqui vem o choque, para nós que
estamos acostumados com a injustiça e a desigualdade.
Costumamos pensar que há trabalho mais nobre e
menos nobre, mais importante e menos importante, de
maior e menor valor. Afinal, por que uma empregada
doméstica vale menos que um professor? Sua
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
responsabilidade também não é grande? Por que o
engenheiro tem que ganhar mais que o pedreiro? Suas
famílias têm necessidades diferentes?
A hora do pagamento
Imaginemos como foi: os últimos contratados na frente,
os primeiros lá atrás. E conforme o pagamento ia saindo,
o clima de suspense e expectativa ia aumentando, os
primeiros pensando que iriam ganhar muito mais... E a
decepção, vendo que todos acabaram recebendo o
mesmo. Aqui nós voltamos para a situação original da
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
parábola. Ela é sobre o Reino de Deus, o reino da justiça.
Nesse Reino ninguém é primeiro e nem último. Todos
são iguais. Não é porque eu me converti há muito tempo
que mereço mais do que aquele que se converteu apenas
ontem. E fácil engolir isso? Claro que não e. Ate parece
que estamos arrependidos por "não ter aproveitado
mais". Todavia, aproveitado o que? Isso tudo nos lembra
o rancor do irmão mais velho pelo fato de o pai ter
acolhido o irmão que farreara a vida inteira (leia Lucas
15,11-32). Como ele, será que também nós vamos ficar
magoados e emburrados, só porque a justiça de Deus
quer liberdade e vida para todos?
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
O desenlace
O patrão, que a essa altura já adivinhamos ser o próprio
Deus, vê toda a reação. Eles, no fundo, o estão acusando
de injusto. Então diz, não a todos, mas a um dos
descontentes, que pode ser eu, você, ou a dona Maria:
"Eu não fui injusto com você. Não combinamos uma
moeda de prata? Tome o que é seu, e volte para casa.
Eu quero dar também a esse, que foi contratado por
último, o mesmo que dei a você". Em outras palavras,
não queira a diferença. Fique contente com a igualdade.
E continua: "Por acaso não tenho o direito de fazer o que
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
eu quero com aquilo que me pertence? Ou você está com
ciúme porque estou sendo generoso?" Sim, ciúme,
inveja, a arma de todos aqueles que vivem a competição
da desigualdade.
E aqui vem a pergunta principal: estamos dispostos a
assinar o projeto de justiça de Deus? Estamos prontos
para deixar o projeto de "justiça" da sociedade injusta
para aceitar o projeto da verdadeira justiça, que trará
liberdade e vida para todos? Ou vamos ficar
decepcionados, ressentidos e emburrados para sempre?
A pergunta fica em aberto, esperando a nossa resposta...
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Para refletir em grupos
1. Somos os primeiros ou os últimos no Reino de Deus,
que é o seguimento de Jesus para criar o mundo da
justiça? Você acha que tem méritos por causa disso?
2. Se somos todos iguais, temos os mesmos direitos. Por
que resistimos a isso e ficamos emburrados?
4. Como é que o mundo do trabalho poderia ser mais
justo?
5. Como fica o problema do desemprego a luz dessa
parábola?
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