Agrupamentos produtivos Como agrupo meus alunos? Em duplas, trios, quartetos... Para definir a melhor alternativa, é necessário, antes de mais nada, diagnosticar o que cada um sabe sobre o conteúdo. Em 1930, Vygotsky (1896-1934) já chamava a atenção para a importância da interação entre a criança e o professor e entre a criança e os colegas em situações de aprendizagem. Em A Formação Social da Mente, ele afirma que o bom aprendizado é aquele que foca o potencial que o aluno pode desenvolver com a ajuda de outros. TRABALHAR EM GRUPO, ENTÃO, NÃO É APENAS IMPORTANTE, MAS FUNDAMENTAL. ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL (VIGOTSKY) Nível de Desenvolvimento Potencial Nível de Desenvolvimento Real Zona de desenvolvimento proximal Nível de Desenvolvimento Real: capacidade de resolver um problema sem ajuda, ou seja, de forma autônoma. Nível De Desenvolvimento Potencial: capacidade de resolver um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro. São informações que a pessoa tem potencialidade de aprender mas que ainda não completou o processo. São conhecimentos fora de seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis. O progresso alcançado quando os integrantes de um grupo confrontam pontos de vista moderadamente divergentes foi comprovado por pesquisa de Anne Nelly Perret-Clermont, da Universidade de Neuchâtel, na Suíça. No início dos anos 1980, pesquisas da educadora argentina Ana Teberosky mostraram como é produtivo agrupar os pequenos com colegas que apresentam hipóteses diferentes (mas próximas) sobre leitura e escrita. Apesar de tudo isso, poucos professores utilizam os grupos de forma criteriosa. O primeiro passo é pensar no conteúdo a ser ensinado e nos objetivos específicos da atividade. Só depois de ter claras as duas informações, é hora de verificar o que a turma já sabe, o que se alcança com a investigação do nível de conhecimento de toda a classe e de cada aluno individualmente. Quanto mais se sabe sobre o nível de conhecimento da garotada e o conteúdo a ser ensinado, mais produtivo é o agrupamento. Por isso, não basta fazer um diagnóstico no começo do semestre. A sondagem individual tem de ser repetida ao longo do ano, e o desempenho de cada um, acompanhado de perto em observações e na análise das produções. Em relação ao critério de afinidade... A decisão depende da intenção do professor. As crianças têm liberdade de escolher com quem vão trabalhar se a atividade não tiver como objetivo ensinar um conteúdo - como jogos conhecidos ou outras propostas em que estão em jogo conhecimentos adquiridos. Porém tudo muda se o objetivo é a aprendizagem. Nesse caso, a afinidade não cabe como um critério de agrupamento, pois o principal objetivo da estratégia é a interação cognitiva e a construção de conhecimentos. Antes de apresentar um trabalho coletivo, é preciso avaliar se é realmente a hora de promover a troca de conhecimento ou se é melhor pedir que cada aluno faça o seu. Dar autonomia não significa deixar de intervir. César Coll diferencia dois mecanismos de influência do educador: as situações de construção dirigida de conhecimento e as de construção colaborativa. A primeira se caracteriza pela participação coletiva da turma com a orientação docente. A segunda é marcada pela interação entre os pares. Nesse momento, no entanto, é comum ver crianças sem assistência e livres para fazer o que quiserem - o que não garante a troca de conhecimentos. Para evitar que isso ocorra, o professor deve definira tarefa a ser realizada, dar instruções e sugestões de encaminhamentos, indicar materiais, explicar as regras sobre cooperação e fazer correção de rotas. Na atividade em grupo, tem lugar uma troca horizontal (aluno com aluno) e não vertical (professor com aluno). Por isso, tirar uma dúvida do grupo não significa responder às perguntas, mas levar os integrantes a relacionar conhecimentos e informações que levem à resposta. Constitui também papel do professor ajudar os componentes do grupo a compartilhar uns com os outros seu modo de pensar sobre determinada situação-problema. Depois de identificar o nível de conhecimento de cada um no início de um processo de ensino, torna-se importante observar o desempenho de todos no processo e modificar a formação dos grupos conforme a necessidade. Esse cuidado é essencial para garantir a atenção e a vontade de contribuir. Além disso, as atividades devem estar de acordo com os níveis de aprendizagem: nem muito fáceis nem muito complicadas. A articulação do trabalho de grupo e individual se dá em processos complementares: um ascendente e outro descendente. No primeiro, a produção individual ou de duplas é o ponto de partida para o processo de aprendizagem, que em seguida é discutido em grupos maiores e, enfim, compartilhado por toda a turma. O modo de organização descendente, por sua vez, começa com o trabalho coletivo e termina no individual ou em dupla. Ele se aplica preferencialmente quando já se sabe que a dificuldade imposta pela tarefa é grande e que, sozinho, ninguém vai conseguir realizá-la. CONSIDERAÇÕES SOBRE AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS - Atitude intencional do professor - Planejamento - Os critérios de organização dos grupos devem levar em conta o conteúdo a ser ensinado, os objetivos da atividade e conhecimento de cada aluno acerca da atividade proposta. Medidas a serem tomadas pelo professor para fazer o agrupamento: •Atitude exploratória e de observação acerca das possibilidades. •Avaliar o grau de dificuldade da tarefa e agrupar por: - heterogeneidades extremas ou - proximidades relativas. •Para isso: considerar capacidades consolidadas e a serem desenvolvidas. Numa situação de escrita, é possível organizar duplas com crianças de níveis diferentes, porém próximos, como as mostradas a seguir: ■ As de hipótese pré-silábica com as de hipótese silábica sem valor sonoro. ■ As de hipótese silábica sem valor com as de hipótese silábica com valor. ■ As de hipótese silábica com valor com as de hipótese silábico-alfabética. ■ Os já alfabéticos trabalham entre si. Algumas sugestões Situações em que todos os alunos podem realizar a mesma proposta Um exemplo: a produção coletiva de texto onde o professor é o escriba. Planejamento coletivo do texto – um texto conhecido de todos, a ser reescrito, ou o relato de uma experiência vivida por eles, que são contextos em que faz sentido a produção coletiva, pois todos conhecem o conteúdo (do texto ou da experiência vivida). O professor escreve. Outra possibilidade – mas, nesse caso, individual – é a escrita de textos curtos, cujo objetivo didático é a avaliação de como estão escrevendo. Situações em que, a partir de uma mesma proposta ou material, os alunos deveriam realizar tarefas diferentes - Uma atividade desse tipo é a produção de texto em duplas, em que cada um tem uma tarefa específica – nesse momento, os alunos que já estão alfabetizados têm a função de escribas e os demais, de produtores do texto. - Para um texto poético, conhecido de memória, os alunos já alfabetizados podem ter a tarefa de escrevê-lo e os alunos ainda nãoalfabetizados com a tarefa de ordená-lo (tendo recebido tiras com os versos recortados). - Uma atividade como a de preenchimento de palavras cruzadas é proposta para os alunos já alfabetizados para que realizem da forma convencional – portanto, uma situação de escrita em que, no caso, está em jogo para eles a ortografia (uso de ss, rr, ch etc.). Para os alunos que ainda não escrevem alfabeticamente: tarefa preenchimento da “cruzadinha” consultando uma relação de palavras agrupadas por quantidade de letras. Encontrada a palavra considerada correta, os alunos têm que copiá-la no espaço correspondente – portanto, uma atividade de leitura e cópia, em que o que está em jogo o funcionamento do sistema alfabético. Não tendo ainda compreendido a regra de geração do sistema de escrita, provavelmente a quantidade de quadradinhos da “cruzadinha” não coincidirá facilmente com as hipóteses dos alunos sobre a forma de escrever a palavra. Para garantir um nível de desafio adequado, na relação de palavras há muitas desnecessárias, várias delas com a mesma quantidade de letras e com as mesmas letras iniciais e finais. Essa circunstância obriga os alunos a analisarem as letras internas às palavras para poder escolher a adequada ao preenchimento. Veja: diante da necessidade de encontrar a palavra BARCO, consultando a lista o aluno poderia encontrar, por exemplo, BARCO, BRAÇO e BANHO: todas começadas com B e terminadas com O e, portanto, para descobrir a correta teria que analisar as letras do meio da palavra. E se estivesse acreditando que a palavra teria que ser escrita com duas letras apenas, por conseguir identificar somente duas partes ao pronunciá-la, então teria outro bom problema para pensar. Situações diversificadas Grupos realizam tarefas diferentes com propostas diferentes em função de suas necessidades específicas de aprendizagem. Nesse tipo de organização didática, a prioridade é a intervenção nos subgrupos de alunos que ainda não leem convencionalmente, uma vez que, os demais já possuem maior autonomia para realizar as atividades propostas. Exemplos: grupo de alunos ainda não-alfabetizados faz, em duplas, atividades de leitura de textos poéticos conhecidos, tendo que ajustar o que conhecem de cor com o que sabem que está escrito; o outro grupo – de alunos que leem convencionalmente – lê textos individualmente. Outra possibilidade: o grupo de alunos ainda não-alfabetizados escreve, em duplas, uma lista de histórias lidas na classe e o outro reescreve uma história de sua preferência, individualmente ou em duplas. Outra: um grupo procura, em dupla, palavras indicadas pelo professor em uma lista de personagens de histórias conhecidas e o outro revisa os textos individualmente, depois trocando com os colegas. Trabalhar produtivamente com turmas heterogêneas e propor atividades difíceis e possíveis para os alunos não é fácil. O grande desafio do professor é descobrir como dificultar atividades não desafiadoras por serem fáceis demais e como criar condições favoráveis para que as propostas que não seriam desafiadoras, por serem impossíveis de realizar, possam se manter difíceis, mas se tornem possíveis. O critério de agrupamento e a intervenção problematizadora do professor são os maiores aliados nesse sentido.