Ciência, Tecnologia e Sociedade: Aula 7 O Programa Forte da Sociologia da Ciência e Tecnologia Professor Adalberto Azevedo Santo André/São Bernardo do Campo, 28/10/2014 O Programa Forte da Sociologia da C&T Escola de Edimburgo (Anos 70 e 80) Base da nova sociologia da C&T: etnografia de laboratório, construtivismo social da C&T, teoria do ator-rede 1976 1983 1982 O Programa Forte da Sociologia da C&T Relação entre contexto social e conhecimento científico/tecnológico: questão básica da sociologia da C,T&I Uso de abordagens da sociologia do conhecimento, cujo objeto são a cultura, crenças compartilhadas por grupos sociais (ideologias) para entender a atividade científica institucionalizada das sociedades modernas Necessidade de ir além de duas linhas de pesquisa tradicionais: História da ciência (descrição de contextos de descoberta) Descrição das instituições/condições de suporte à C&T Linhas tradicionais: ciência possui lógica cognitiva diferenciada, analisa-se a adequação das instituições ao progresso científico, sem questionar os conteúdos gerados (funcionalistas) Ex: trabalhos de Merton sobre a Royal Society, a ciência moderna e a ética religiosa puritana O Programa Forte da Sociologia da C&T: origens Anos 70: institucionalização da sociologia da C&T como campo científico, ampliação do escopo, ambiente de contestação (movimentos contra-culturais) Necessidade de demarcação teórica/metodológica, destacandose de outras áreas que estudam o conhecimento cient./tecn. Inclusão do estudo dos determinantes sociais do conteúdo do conhecimento (até então exclusivo da filosofia da C&T) Nova orientação: conteúdo da C&T deve ser investigado sociologicamente, formulando-se e testando-se hipóteses sobre seus determinantes, da mesma maneira que se explicam crenças religiosas ou ideologias políticas: C&T como crenças Durkheim e Mannheim: sociologia do conhecimento, base da nova sociologia da C&T, que incorpora inovativamente algumas ideias desses autores O Programa Forte da Sociologia da C&T: origens Durkheim: correspondência entre ordem cognitiva e ordem social Formas elementares da vida religiosa (1912): sistema de crenças que integra o indivíduo à coletividade. Força moral das religiões (entendidas como explicação do mundo em sociedades pré-modernas) deriva do fato de exprimirem implicitamente os fundamentos de uma determinada ordem social. Para o Programa Forte, as ciências também são uma representação fundada em valores coletivamente compartilhados, possuindo por isso a mesma força e qualidade de “sagrado” que era atribuída às religiões antes da modernidade "Pode-se dizer que os textos científicos codificam mensagens sobre relações sociais em proposições sobre a natureza" (Barnes,1982:21) O Programa Forte da Sociologia da C&T: origens Mannheim: correspondência entre imagens simplificadas da sociedade (ideologias) e o conhecimento em diversas formas (religião, direito, política, arte, ciência, tecnologia) Conhecimento muitas vezes prescritivo sobre como agir para ser incluído no grupo (catecismos, leis, regras da política, padrões de beleza, conhecimento válido, utilidade prática) Outras influências: Wittgenstein e Kuhn O Programa Forte da Sociologia da C&T Princípios do Programa Forte: Causalidade: estudos de grupos sociais de cientistas devem considerar os fatores científicos e não-científicos que geram o conhecimento e dão forma à C&T; Imparcialidade: deve-se avaliar imparcialmente tanto o êxito como o fracasso entre os grupos sociais da C&T, tanto o que se considera verdadeiro/racional como o falso/irracional; Simetria: as mesmas causas devem explicar tanto as crenças consideradas falsas quanto as verdadeiras; Reflexividade: deve-se buscar explicações generalizáveis, e aplicar à própria sociologia que se realiza (metaciência) O Programa Forte da Sociologia da C&T: críticas 1. Racionalidade: universal como guia de processos cognitivos, exclusivamente mentais, sem interferência social Programa forte ignoraria processos mentais de cognição e racionalidade universal 2. Falácia da causalidade: relacionar interesses sociais a uma teoria não significa que esses interesses sejam determinantes Distinção entre os processos de elaboração (processos mentais) e de aceitação social de teorias (econômicos-sociais-políticos) 3. Indeterminação das variáveis sociais: contexto e “interesses”: econômicos, políticos, técnico- instrumentaisretomada do psicológico como variável causal central. O Programa Forte da Sociologia da C&T: críticas Etnografias/estudos de caso: explicações localizadas Modelo Causal (programa forte) X Modelo Teleológico Modelo teleológico: possibilidade de uma reconstrução racional da história da C&T, escolhas de teorias como processos racionais baseados na consistência de dados teóricos/empíricos Ignora-se qualquer escolha que se desvie de uma suposta linha de evolução da C&T: considerados desvios extracientíficos História “interna” da ciência: autossuficiente e autônoma Confirmação por pesquisas multidisciplinares sobre cognição: psicologia cognitiva, inteligência artificial, neurociências, lingüística (por exemplo, pesquisas com robôs cientistas, que fazem “descobertas” sem a interferência de qualquer fator social) Social Studies of Science, 11/1989 Peter Slezak- Scientific Discovery by Computer as Empirical Refutation of the Strong Programme O Programa Forte da Sociologia da C&T Wittgeinstein: teoria sobre a linguagem Conhecimento: como a linguagem, uma convenção socialmente determinada, não ancorada em processos racionais individuais Jogos de linguagem: significados das palavras dependem da atividade prática dos indivíduos dentro de coletividades (ferramentas), e são utilizadas em “contextos de uso” finitos Uso contingente, depende de convenções sociais, aberto a novas aplicações (mudanças) e novas palavras: jogos de linguagem Da mesma maneira, a criação ou o uso de uma teoria científica é contingente e pode ser manipulado pelo elaborador do discurso Ex: teoria da mecânica clássica no estudo da sociedade (mecanicismo social) evolucionismo de Darwin (darwinismo social, evolucionismo econômico, etc.); eugenia O Programa Forte da Sociologia da C&T Conhecimento científico: determinação de propriedades a objetos e suas relações, a partir da observação de fenômenos (ordenamento similar à linguagem) Dependem de convenções, que mudam com certa frequência. T Teorias e significados de observações inerentemente instáveis, dependentes da percepção (relativa) Ordem cognitiva prévia (tanto para a linguagem, como para o conhecimento científico): treinamento (paradigmático) Ordem cognitiva é sancionada pelo grupo social que a utiliza (e quebrar essa ordem implica em punição, por exemplo, exclusão da comunidade) O Programa Forte da Sociologia da C&T Conhecimento é produzido por convenção social, então: Não existem diferenças entre diversos tipos de conhecimento: religioso, tradicional, artístico, metafísico, científico Revoluções científicas: processos de mudança (inovação) cultural, da mesma maneira que em outras áreas (revolução religiosa, artística, etc.) Interesses e objetivos sociais são as variáveis que determinam as decisões sobre uso dos conceitos e aplicação das teorias Anomalias de Thomas Kuhn: não dependem apenas dos resultados experimentais/teóricos Anomalias podem ser acomodadas teórico/conceitual reformulado em um quadro Questão: quais fatores levam ao reconhecimento da anomalia como tal? O Programa Forte da Sociologia da C&T Anomalia: seu reconhecimento é similar a uma revolução científica Rompimento com a rotina de uso de conceitos/teorias, quer criando-se novos conceitos, quer aplicando-os em novos contextos A decisão de inovar não é pré-determinada por uma lógica conceitual ou imposta por resultados experimentais: depende de interesses e objetivos compartilhados por uma comunidade científica (dificuldade em definir uma causa “principal”) Estudos “micro”: mapeamento de atores e interesses, determinantes da escolha pela mudança ou pela permanência, em diferentes contextos de uso Desenvolvimento de uma técnica, incremento do poder de previsão de uma teoria, institucionalização da disciplina, atribuição de prestígio aos seus praticantes, defesa contra adversários, objetivos estatais, interesses de classe O Programa Forte da Sociologia da C&T Quatro padrões de resposta à anomalia: 1. Ignorar o que não corresponde a expectativas e projeções do grupo (grupos com critérios rígidos de pertencimento e baixa estruturação interna, resistentes à mudança, que vêem a anomalia como ameaça); 2. Excluir o que não está de acordo com teorias/conceitos compartilhados (idem); 3. Acomodar-se à crítica através de ajustes e pequenas mudanças nas crenças do grupo (grupos com critérios rígidos de pertencimento e alta organização interna, com tensões entre subgrupos internos que podem ser resolvidas com a elaboração de teorias; 4. Aceitação da crítica como oportunidade para promover os objetivos compartilhados pelo grupo (Inovar, melhorar a teoria). O Programa Forte da Sociologia da C&T Supercomputadores e robôs fazem descobertas científicas Site inovação tecnológica com informações da New Scientist - 14/10/2014 http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=supercomputadores-robos-fazem-descobertas-cientificas#.VFFUAGddUuc Supercomputador classe Watson: leu 100.000 artigos em 2 horas e descobriu escondidas nos dados informações completamente novas no campo da biologia Primeira descoberta científica feita por um robô: 2009 Varreu os textos em busca de informações sobre uma proteína chamada p53 e de uma classe de enzimas que podem interagir com ela, chamadas quinases, visando tratar tumores Sistema analisou inicialmente artigos publicados até 2003, e identificou sete das nove quinases que seriam descobertas ao longo dos 10 anos seguintes. Descobriu o que pareciam ser duas quinases p53 desconhecidas para a ciência. O Programa Forte da Sociologia da C&T Exemplo: metáforas bélicas no futebol Jogo de futebol: batalha entre inimigos Territórios Expansão de sentido de termos bélicos: metáforas Artilheiro, técnico-estrategista, capitão, ataques, defesa Objetivo: massacrar o adversário Conclusões "A verdade aparece mais facilmente do erro do que da confusão". (Francis Bacon, 1561-1626, filósofo considerado o criador do método científico moderno- empírico, experimental e racional).