ISTO NÃO É UMA PEÇA DE TEATRO Jornalista experimenta o gravador. Jornalista – Teste, teste. Repete a gravação. J – Podes dizer alguma coisa? Autor – O quê? J – Qualquer coisa. A – Qualquer coisa. J – Espera… Agora. A – Qualquer coisa. J – Obrigado. Repete a gravação J.- Isto não é uma peça de teatro A.- Por que dizes isso? J – O quê? A – que isto não é uma peça de Teatro? J.- Parece mais uma entrevista A.- É uma peça de teatro, tem personagens, conflitos, o que se pode pedir mais? J.- Água 1 A.- Em cena dois sofás e dois atores. Ele e eu. Podes me arranjar um copo de água? J – Não. A - Eu escritor de romances e ele jornalista. J.- Porque estás a explicar tudo? É melhor o público ir descobrindo pouco a pouco quem somos, se souber tudo não há mistério. A.- O público quer tudo mastigado. Quanto mais fácil melhor. Não quer pensar. J.- Não estou de acordo. O público quer enredo, suspense e intrigas. A.- Não me importa o que o público quer. Só quero que fique bem claro qual é o papel de cada um de nós. J.- Odeio as obras que não começam quando têm de começar. A.- Esta já começou. Vou explicar onde estamos. J.- Chega! Não é preciso! Não quero que faças o público de parvo. Vou-me embora. A.- Não é preciso que digas “vou-me embora”, podes simplesmente ir. Vai-se embora A.- Já volta, ele não aguenta não estar em palco, uma vez confessou-me que tem mais prazer em estar em palco do que estar na própria vida. Volta J.- Eu não disse isso! A.- Disseste e contaste-me os problemas que tiveste, como era com a tua mulher, foi por causa disso. 2 J – Eu? A – Sim…que gostavas de estar mais vezes enfiado aqui do que estar com ela. J.- Estás a inventar. Não vamos por aí... A.- Eu disse que ele voltava. É sempre assim. Está assim escrito. J.- Isto não faz parte da peça A.- Qual peça? Tu mesmo disseste que “ Isto não é uma peça de teatro!” J.- Isso soa-me Magritte A.- Magritte era pintor J.- Sim A.- Vais começar a mostrar a tua sabedoria? J.- Só disse que me soava a Magritte isso de "Isto não é uma peça de teatro" A.- A mim não me soa a nada J.- Cest non a pipe A.- Não sei francês J.- Então como é que sabes que o que disse é francês? A.- Soa-me a francês J.- A mim soa-me a Magritte A.- Ficamos por aqui. 3 J.- Não, seguimos, vamos chegar a algum lado. A - Ontem pus-me para aqui a pensar que os jornalistas vão às reportagens com perguntas das quais já sabem as respostas. J.- Então porque é que pensas que perguntam? A.- Quando o entrevistado não responde ao que eles querem, forçam e insistem até conseguirem a resposta que querem. J.- Isso é grave A.- Só digo isto porque como estás a fazer de jornalista é bom que saibas como são. J.- Obrigado, vou pensar nisso. A.- Vamos começar J.- Já começámos A.- Há que dizer como é o escritor J.- Qual escritor? A.- O que vais entrevistar, a personagem que eu vou fazer J.- Pensava que era o escritor da peça A.- Qual peça? J- A que estamos a fazer A.- Não estamos a fazer nenhuma peça J.- Isto é uma peça de teatro 4 A.- Isto não é uma peça de teatro 5