A Paixão segundo São Lucas (1) Etienne Charpentier Para entrar na narração de Lucas, não basta lê-Ia, mas é preciso meditá-Ia, como faziam os dois discípulos a caminho de Emaús, quando palavra e presença de Jesus que lhes explicava as Escrituras, lhes punham o coração a arder. Por este caminho doloroso, Jesus caminha ao nosso lado, mesmo que os nossos olhos sejam ainda incapazes de O reconhecer. Toda a sua narração está penetrada de delicadeza e ternura pelo seu Senhor Jesus. Ele não foi capaz de referir certos pormenores demasiado dolorosos: não diz que Jesus foi flagelado; Judas não beija Jesus, «aproxima-se» apenas para O beijar» ... Lucas conhece, no entanto, a amplitude da luta terrível que se trava entre Jesus e o mal; a paixão é o combate derradeiro e decisivo. Jesus sai dele vencedor pela Sua paciência, vocábulo que não traduz bem o sentido do grego hypo-moné, que evoca a atitude do crente que «resiste» ou «aguenta» na provação, porque é sustentado por Deus (cf. Lc. 8,16). Toda a paixão é interiorizada. O combate decisivo tem lugar em Getsémani: é nesta luta interior uma agonia - que corre o sangue de Jesus. Reconfortado por Deus, como outrora Elias (1 Re. 19,5s), Jesus sai vencedor e pode, sereno agora e abandonado nos braços do Pai, esquecer o Seu próprio sofrimento para estar inteiramente disponível para os outras: acolhe Judas com delicadeza, cura a orelha do criado, toca o coração de Pedro com o Seu olhar (22,61), fala às mulheres que lamentam a sorte d'Ele, perdoa aos Seus esbirros, promete o paraíso ao ladrão... Jesus é o mártir cuja força e bondade são tão grandes, que transforma mesmo os seus esbirros e os que O condenam: Pilatos, três vezes seguidas, proclama-O inocente, como as mulheres, o povo, o ladrão, o centurião... Jesus pode morrer tranquilo. O grito que dá na cruz não é já o grito do sofrimento humano perante a morte, mas sim a oração vespertina de todo o judeu: «Nas tuas mãos entrego o Meu Espírito»; mas Jesus introduz a Sua oração com a palavra que define a Sua extraordinária intimidade com Deus: «Pai». Deste modo, Lucas convida-nos a entrarmos com Jesus na Sua Paixão, a reconhecermos com Pedro a nossa fraqueza e a sentir sobre nós o olhar de perdão do Senhor, a levarmos a Sua cruz como Simão de Cirene, a nos abandonarmos, com Ele, nos braços do Pai. A ceia (22,14-38) é, antes de mais, o jantar de despedida onde Jesus manifesta a Sua confiança em Deus e dá as derradeiras instruções aos discípulos. É também o gesto profético pelo qual se exprime o sentido da Sua morte de mártir: a inauguração da Nova Aliança. A agonia seguida da prisão (22,39-53) é o momento decisivo em que Jesus sai vencedor do poder do mal. Novo Elias reconfortado por Deus, mergulha na noite da paixão, tranquilo, inteiramente abandonado à vontade do Pai. O processo perante o tribunal judaico (22,54-71) principia com o relato da negação de Pedro. Lucas quer dizer-nos: «Se não podes seguir a paixão como um santo, podes ao menos segui-Ia como um pecador indultado. O olhar de Jesus pode sempre fazer nascer em ti um ser novo». Lucas divide em duas a pergunta do sumo-sacerdote. Desde modo, Jesus proclama claramente que é o Cristo e o Filho de Deus. No decurso do processo perante o tribunal romano (23,1-25), Pilatos, por três vezes, declara que Jesus é inocente. O relato da comparência perante Herodes quer dizer-nos, sem dúvida, que não podemos interessar-nos por Jesus por simples curiosidade. No calvário (23,26-49), Jesus declara a Sua inocência às mulheres que choravam por Ele, e consolaas. Pede ao Pai que perdoe aos Seus esbirros. Abre o paraíso ao ladrão que tem confiança bastante para O chamar com o Seu nome próprio e morre, em paz, nas mãos do Pai. A sepultura (23,50-57) é preparada com afecto pelas mulheres. Mas com todos estes aromas e perfumes querem conservá-Lo na morte. Não sabem ainda que já «amanhecia o sábado» (v. 54) e, melhor ainda, amanhecia a ressurreição. A paixão dos discípulos. Lede agora as diferentes paixões de discípulos que Lucas elaborou com o mesmo esquema: a paixão da Igreja torna presente a paixão de Cristo (Act. 4,23-31); Estêvão é condenado pelos mesmos motivos; morre perdoando, de olhos fixos no Ressuscitado (Act. 6,815.54-60); Paulo «sobe a Jerusalém, como fez o seu Mestre, para ar dar testemunho (Act.20,22s; 21,11). In Etienne Charpentier, Para ler o Novo Testamento, Ed. Perpétuo Socorro, Porto 1986, 87. A Paixão de Jesus no Evangelho de São Lucas Herculano Alves A Paixão de Jesus é um dos grandes momentos e temas da vida de Jesus narrada com todo o pormenor pelos quatro Evangelhos. Ora, se a Paixão de Jesus é apresentada pelos quatro evangelistas, isso dá-nos a certeza de que ela foi um acontecimento histórico. Poderíamos mesmo dizer que foi o acontecimento da vida de Jesus mais histórico de todos. Os acontecimentos, os actores e os lugares são praticamente os mesmos nos quatro Evangelhos. No entanto, cada um deles viu-o com um olhar especial e deu-nos deste acontecimento fundamental da nossa salvação uma perspectiva própria, que deve entender-se numa visão global de cada um dos Evangelhos. Aqui pretendemos ver estes acontecimentos pelo olhar de Lucas e reparar no que ele nos oferece de diferente dos outros três evangelistas. PAIXÃO, FIM DO “CAMINHO” DE JESUS Lucas construiu a sua narrativa do Evangelho como um caminho que Jesus vai percorrendo em sucessivas etapas. Por isso, não se esqueceu de nos repetir continuamente que Jesus caminhava como o profeta dos últimos tempos e, sobretudo, caminhava para Jerusalém, onde ia acontecer a sua Paixão e Ressurreição. A etapa da Paixão-Ressurreição é, pois, a última da sua caminhada na terra. Toca ao leitor atento reparar nas etapas, nos comportamentos do Mestre e sobretudo na mensagem a recolher para a própria conversão. Na Paixão, somos igualmente convidados a seguir Jesus nesta etapa final do seu caminho. Ninguém poderá ficar indiferente à Paixão relatada por Lucas. O evangelista não foi testemunha directa destes acontecimentos dramáticos. No entanto – como ele próprio afirma no Prólogo do Evangelho – informou-se cuidadosamente de todos os pormenores (1,3) e deu-lhe a sua própria interpretação, o que o torna diferente dos outros. E a principal diferença é esta: na Paixão e morte, Jesus leva até ao fim o programa que se propôs: «anunciar a Boa-Nova aos pobres… proclamar a libertação aos cativos» (4,18-19), como o Profeta dos últimos tempos, apesar de todos os obstáculos e barreiras que os seus adversários foram colocando no seu “caminho”. O seu sofrimento e morte aparecem como a consequência, por um lado, da força do mal contra o Profeta, mas também da força do profeta que não teme as consequências da sua palavra revolucionária e vai até ao fim, numa fidelidade sem limites à Palavra do Pai. PAIXÃO, DRAMA NUM PALCO POVOADO DE ACTORES Na sua Paixão, Jesus está rodeado de muita gente, demasiada gente, mas terrivelmente sozinho. Apenas os discípulos e algumas mulheres lhe fazem um pouco de companhia. Poder-se-ia mesmo dizer que a Paixão acontece na companhia de discípulos e de discípulas. Curiosamente, estes são definidos como aqueles que estão com Jesus (22,14.21.28.33. 56.59), um pouco à maneira do que acontece no Evangelho de João. Por isso, ao contrário de Marcos e Mateus, Lucas não refere a fuga dos discípulos, quando Jesus é preso no Jardim das Oliveiras (Mt 26,56; Mc 14,50). POR JESUS OU CONTRA JESUS Reparemos nas personagens que estão do lado de Jesus – os que lhe fazem companhia – e nos que estão do lado oposto: PERSONAGENS AMIGOS: Os discípulos: 22,3.11.14.28-30.45.47.49 Pedro: 22,32-33.57.61 O Pai: 22,42; 23,34.46 Centurião: 23,47 Simão de Cirene: 23,25 O povo: 23,27.35.48 José deArimateia:23,50-53 Bom ladrão: 23,41-42 As mulheres: 23,49.55-56 PERSONAGENS INIMIGOS Satanás: 4,13; 22,3.31 Sumos-sacerdotes, escribas: 22, 2.53; 23,2.18.25.35 Judas: 22,3-6.47-48 Pilatos: 23,4.16.22-25 Servos e soldados: 22,4.47.52.56. 58-59.63; 23,11-36 Herodes: 23,11 Mau ladrão: 23,39 Barrabás: 23,17-18. Este quadro manifesta-nos um equilíbrio numérico interessante entre os dois grupos de pessoas que envolvem Jesus no seu drama, cada grupo fazendo um papel completamente oposto ao outro. O povo tem um papel mal definido e passivo. O verbo que define a sua atitude é o de olhar/contemplar: É facilmente controlável pelo grupo de carácter negativo, embora aqui assuma o papel de quem se deixa converter pelo acontecimento dramático que contempla. É no alto da cruz que os dois grupos vão mostrar melhor a sua identidade, uns marcando a sua oposição a Jesus, até ao derradeiro momento, e os amigos de Jesus, que o contemplam e partem batendo no peito. O TEMPO E O ESPAÇO DO DRAMA Apesar da prisão de Jesus acontecer à noite, depois da Ceia, o seu julgamento iniciou-se apenas de manhã, quando Jesus foi levado ao Sinédrio, que se reunia ao lado da esplanada do templo. Só durante o dia é que a lei permitia os julgamentos. :: No Sinédrio. O Sinédrio, ou Conselho dos Anciãos, era a máxima autoridade judaica. A grande questão era saber se Jesus se declarava ou não Filho de Deus e Messias-filho de David. E Jesus afirmou solenemente estes dois títulos messiânicos (22,67.70). A questão da destruição do templo assumia um papel menor (Mc 14,55-59). O Sinédrio não tinha provas nem testemunhas contra Jesus; por isso, não foi pronunciada nenhuma sentença contra Ele. :: No tribunal romano. Para arranjar mais argumentos, a fim de o matar, os Anciãos levam Jesus a Pilatos, onde mudam de táctica e o acusam de três “crimes” de tipo político, como se Jesus fosse um qualquer agitador revolucionário: «Encontrámos este homem a sublevar o povo, a impedir que se pagasse o tributo a César e a dizer-se, Ele próprio, Messias-Rei» (23,2). Eles, que sempre lutaram contra o tributo a Roma, são agora defensores deste imposto! (ver 20,25). Mas aqui trata-se, fundamentalmente, de investigar se Jesus se declara ou não “Rei dos judeus”. Jesus afirma-o de modo ambíguo: «Tu o dizes.» E esta será a última palavra de Jesus em todo o processo de Lucas. A esta tripla acusação, Pilatos responde com uma tripla declaração de inocência de Jesus (23,4.14.22). Ora, esta declaração constitui a coluna dorsal do relato da Paixão em Lucas, dando-lhe o sentido esperado pelos personagens amigos de Jesus e pelo leitor. :: No tribunal de Herodes. Para acentuar a inocência do seu personagem central, apenas Lucas o desloca a um outro tribunal – o de Herodes Antipas. Este, assassino de João Baptista e de tantos outros, que pretendia ver algum milagre espectacular de Jesus, não ouviu uma única palavra da sua boca (9,7-9; 13,31). Para se vingar, faz, como Pilatos, o papel de falso juiz, vilipendiando Jesus, mas sem o condenar. É uma afirmação implícita da sua inocência. Sem o saber, está a cumprir o que Jesus tinha afirmado antes aos discípulos, quando fossem levados à presença de reis e governadores (21, 12). :: Com esta narrativa que lhe é própria, Lucas pretende, talvez, fazer um paralelismo entre Jesus e Paulo, nos Actos dos Apóstolos: também Paulo foi levado ao Sinédrio (Act 22,30), ao governador Romano, Festo (Act 25,6), e ao rei Herodes Agripa II, que também desejava ver Paulo (Act 25,2223). Do tribunal de Herodes, Jesus foi levado novamente para o de Pilatos, onde se desenrola a parte central do drama, que dará origem à entrega de Jesus aos judeus. Esta é a cena mais repugnante, depois da tripla declaração de inocência de Jesus feita pelo mesmo Pilatos e também pela declaração implícita de Herodes Antipas. Os judeus ainda tinham motivações teológicas ou outras, para pedirem a condenação de Jesus; Pilatos, pelo contrário, aparece em cena como um péssimo juiz, que condena sem motivos legais, apenas por razões populistas, para agradar aos judeus. Lendo Lucas, temos a impressão de que os judeus assumem toda a responsabilidade na morte de Jesus (23,25-26); apesar da acção iníqua de Pilatos, Lucas tem tendência a deitar a culpa sobre os judeus e não sobre os romanos. Em geral, estes são vistos positivamente por Lucas. Embora o centurião romano diga, na sua confissão de fé sobre Jesus, que Ele era “justo”, em vez de dizer “Filho de Deus” (como Marcos e Mateus), isto não tira importância a Jesus. Lucas pretende precisamente mostrar Jesus como o Justo perseguido, o Injustiçado, o Mártir do Gólgota. E isto era, no contexto sócio-político de Lucas, mais importante do que dizer “Filho de Deus”. E sobretudo mostrava Jesus como o exemplo perfeito dos cristãos martirizados e perseguidos do seu tempo, de todos os tempos. É assim que entendemos o modo como Estêvão, o primeiro mártir do Cristianismo, morreu pedindo perdão – tal como Jesus – pelos seus inimigos (Act 7,59-60). TEMAS PRÓPRIOS DE LUCAS Para um leitor menos atento dos textos da Paixão de Jesus, esta parece igual nos quatro Evangelhos. No entanto, em Lucas é muito diferente dos outros, pois um terço do seu texto não se encontra em nenhum dos outros três evangelistas, ou seja, 41, num total de 126 versículos. Vejamos, concretamente, as particularidades e os temas específicos, que Lucas desenvolve na sua narrativa, e que não se encontram nos relatos dos outros evangelistas. :: Discurso de despedida de Jesus, depois da Ceia (22,24-38). Apenas João nos apresenta um grande Discurso de Despedida propriamente dito (Jo 13-17), como acontece com outros grandes personagens da Bíblia, onde estes deixam aos seus descendentes ou sucessores (no caso do rei David) a sua última vontade, o seu testamento. Dá mesmo a impressão que João desenvolveu este pequeno discurso dirigido aos discípulos durante a última Ceia. Lucas coloca aqui – na perspectiva de João – o que nos outros dois Sinópticos aparece noutro lugar (Mt 20,24-28; Mc 10,41-45). Com isso, Lucas afirma que a última vontade de Jesus em relação aos seus discípulos é o serviço: dentro da comunidade cristã, o maior é o que serve, pois o próprio Jesus está no meio de nós como quem serve (22,27). Neste Discurso de Despedida só em Lucas encontramos estas palavras de Jesus dirigidas a Pedro: «Simão, Simão, olha que Satanás pediu para vos joeirar como trigo. Mas Eu rogarei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos» (22,31-34). :: Um anjo confortou Jesus, que suava grossas gotas de sangue (22,43-44) Quando Jesus vai para a oração do Jardim das Oliveiras, depois da Ceia, pede ao Pai que venha em Seu auxílio na hora mais dramática da sua vida: “Então, vindo do céu, apareceu-lhe um anjo que o confortava”. O evangelista afirma ainda: «Cheio de angústia, pôs-se a orar mais instantemente, e o suor tornou-selhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra.» Lucas tem um coração muito sensível perante todo o sofrimento humano; com muito maior razão quando se trata de Jesus. Por isso, imagina Jesus a suar gotas de sangue. Que significado tem o Anjo da Paixão? Os anjos, ou mensageiros de Deus, significam a presença viva de Deus em momentos especiais da vida das pessoas. Ao assumir plenamente a nossa humanidade, Jesus – apenas enquanto homem – também teve necessidade da ajuda do Pai na hora mais dramática da sua vida. O conforto do anjo pretende precisamente manifestar ao leitor a união íntima entre Jesus e o Pai. O problema é se o Pai precisava de enviar um anjo para confortar o Filho. Trata-se da linguagem própria do tempo de Lucas, para exprimir essa intensidade de vida entre os dois. Não era, certamente, para evitar o sofrimento de Jesus. O conforto do anjo está em oposição à luta que o diabo faz a Jesus. Começou na hora das três tentações (4,1-13, em que se diz: «Tendo esgotado toda a espécie de tentação, o diabo retirou-se de junto dele, até um certo tempo» (v.13). Ora, este “certo tempo” é o tempo da Paixão, em que os poderes infernais tudo fazem para desviar Jesus do seu projecto de salvação, em troca de um messianismo puramente humano. O diabo é o nome dos anti-projectos humanos; o anjo é o símbolo do projecto divino que Jesus quer seguir, apesar de todo o sofrimento que isso lhe acarreta. O suor de sangue é o sinal externo da intensidade dessa luta interna de que Jesus é protagonista. É a luta modelo da que cada cristão, cada discípulo de Jesus, tem que travar na sua vida. H. A. :: Jesus cura a orelha do servo (Malco): «Jesus interveio, dizendo: “Basta, deixai-os”. E, tocando na orelha do servo, curou-o» (22,51). Jesus, que curou tantos doentes e perdoou a todos os pecadores, não iria agora fazer excepção. :: Acusam Jesus de negar o tributo a César (23,2): «E começaram a acusá-lo, nestes termos: Encontrámos este homem a sublevar o povo, a impedir que se pagasse o tributo a César e a dizer-se ele próprio o Messias-Rei.» Trata-se de uma acusação puramente fortuita, fundada na profunda inveja que sentiam em relação a Jesus. :: Pilatos declara três vezes a inocência de Jesus (23,4-5.13-16.22). A flagelação seria também um modo de o libertar. :: Jesus no tribunal de Herodes (23,6-12). Por um lado, Pilatos tenta arranjar alguém que condene Jesus para ter algum fundamento e, assim, agradar aos judeus. Isso deu um resultado positivo. A partir daí, os dois rivais ficaram amigos, pois eram inimigos um do outro. :: Diálogo de Jesus com as mulheres de Jerusalém (23,27-32). :: As Três palavras de Jesus na cruz são palavras de perdão e de oração, dois temas fortes do Evangelho de Lucas: :: Pedido de perdão pelos inimigos (23,34a): A misericórdia de Deus manifesta-se plenamente na morte de Jesus, onde o Injustiçado da História, o Inocente condenado à morte pelo seu povo, declara no alto da cruz: “Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). :: Diálogo com o bom ladrão (23,40-43): Jesus mostra a misericórdia de Deus ao ladrão e salteador que está ao seu lado na cruz: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (23,43). Este hoje lembra outros hoje da vida de Jesus (2,11; 4,21; 15,31; 19,9); comigo, o estar com Jesus define a condição do discípulo. Paulo vai fazer uma teologia própria, a partir deste estar-com-Cristo (Rm 6,68; Cl 2,11-3,4). :: Entrega ao Pai: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito» (23, 46b). Este grito substitui o duplo grito na paixão segundo S. Marcos (15,34-37). A citação do Sl 22, não teria sentido para os leitores de Lucas vindos da cultura grega. ■ Arrependimento das multidões (Lc 23,48): «E toda a multidão (…) regressava batendo no peito.» ■ Preparação dos aromas pelas mulheres (24,1): «No primeiro dia da semana, ao romper da alva, as mulheres foram ao sepulcro, levando os perfumes que tinham preparado.» O QUE LUCAS NÃO DISSE DA PAIXÃO DE JESUS Lucas é diferente também naquilo que não conta da Paixão de Jesus ou em factos que conta, mas noutro lugar da sua narrativa. Não é aqui o lugar de dizer porque não o fez. Apresentamos apenas os factos principais: ● ● ● ● ● ● ● ● Unção de Betânia antes da Paixão (Mc 14,3-9). Anúncio da dispersão dos doze Apóstolos (Mc 14,27-28). Palavra sobre a destruição do Templo proferida diante do Sinédrio (Mc 14, 55-59). Segunda pergunta de Pilatos e silêncio de Jesus (Mc 15,4-5). Ultrajes a Jesus-rei pelos soldados romanos (Mc 15,16-20). Ultrajes sobre o tema da destruição do Templo (Mc 15,29-32). Palavras na cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mc 15,34-35) Autorização dada por Pilatos para a entrega do corpo de Jesus (Mc 15,44-45). PORQUÊ LER ACTUALMENTE A PAIXÃO DE JESUS? Sabemos que a Paixão de Jesus ocupa uma grande parte dos quatro Evangelhos. Isso é sinal de que era algo fundamental para os primeiros discípulos do Senhor Ressuscitado. Eles tinham consciência de que esta tinha sido a maior prova da Sua ressurreição e também a maior prova do amor de Deus pela humanidade pecadora. Lembrar e meditar a Paixão do seu Senhor era entrar no mais íntimo do mistério do Cristianismo. Mas era também o único modo de conhecer o mistério da própria fé e de conhecer o caminho a seguir, atrás do Mestre da Palavra e da Cruz. A Paixão manifesta que o Cristianismo é, antes de mais, uma religião bem encarnada na História humana e nas realidades terrestres. Nada tem a ver com as religiões gnósticas, etéreas e angélicas, que se contentam com o Espírito do Senhor, sem guardarem a memória da Sua morte. Se Jesus está vivo, hoje, qual o interesse em andar a lembrar a sua morte, que ocorreu no passado? Esta era (é) a tentação de muitos grupos heréticos ao longo da história do Cristianismo CONCLUINDO O que mais interessa é que o leitor não se perca nos meandros da narração, mas nela se encontre com Jesus, que é seu centro e guia no caminho da cruz de cada um de nós. Ao narrar a paixão do Profeta, pretende mostrar a condenação do inocente, a maior injustiça da História e não apenas mais uma injustiça entre tantas que os poderes deste mundo cometem todos os dias nos seus juízes iníquos. À tripla declaração da inocência de Jesus, opõe-se a gritaria dos judeus, que pedem a sua condenação à morte (23,18.21.23). Lucas sublinha tanto a iniquidade do juiz (Pilatos) como a dos chefes dos judeus: «Pilatos decidiu que se fizesse o que eles pediam. Libertou o que fora preso por sedição e homicídio, que eles reclamavam, e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam» (23,2425). Ficamos com a impressão de que são os judeus os principais culpados do maior drama da História, a Paixão do Filho de Deus; a autoridade romana entregou-lho «para o que eles queriam». Mas, no projecto de Deus, a maior injustiça da História não é um fracasso. O Assassinado da Paixão torna-se o Mártir, o Redentor da Humanidade (22,42; 24,26; Act 4,28). O Mártir que se apresenta como modelo perfeito, a ser seguido por todos os mártires da História, por cada um de nós. Frei Herculano Alves