CLIMA E INCÊNDIOS FLORESTAIS UMA RELAÇÃO SOCIO-AMBIENTAL Stevan Corrêa¹,² & Ercília Torres Steinke² Universidade de Brasília APOIO: 1 - Mestrando da Universidade de Brasília (UnB). 2 - Laboratório de Climatologia Geográfica (LCGea) da Universidade de Brasília (UnB). INTRODUÇÃO O estudo do impacto de ações antrópicas nos ecossistemas é um grande desafio da ciência (Miranda et al, 1996). Brasília foi planejada para abrigar uma população menor do que a atual, o que vem acelerando seu crescimento urbano, um dos principais causadores das transformações no território, impactando assim o bioma cerrado (SEMARH, 2004). O cerrado é o segundo maior bioma do país, uma das maiores biodiversidades do mundo em espécies endêmicas, sendo associado à pobreza nutricional do solo, estacionalidade climática e ocorrência do fogo para definir as características de suas espécies vegetais. Apesar disso o cerrado ainda é visto como uma área natural não apelativa do ponto de vista estético (Rodman, 1973 apud Diegues, 2002) possuindo apenas cerca de 2% da área constituindo Unidades de Conservação. O Jardim Botânico de Brasília é uma das mais importantes UCs do Distrito Federal, parte da APA do Gama Cabeça-de-Veado, uma das áreas núcleo da Reserva da Biosfera do Cerrado. Tem funções de preservação, pesquisa, educação ambiental e lazer para a população. O JBB, assim como as demais UCs do Distrito Federal, está em situação periurbana, sendo “engolida” pela metrópole (Abdala, 2002), perdendo assim a proteção de sua área tampão, potencializando o impacto sobre ela, seja pelas rodovias que colocam em risco a fauna e aumentam o risco de incêndios, pelo lixo produzido por essas populações ou a invasão propriamente dita das áreas de preservação. Um dos impactos causados pela ocupação humana, tanto urbana quanto rural, é o fogo, que pode alcançar grandes áreas em incêndios que alteram o habitat e provocam a perda de biodiversidade. Durante a estação chuvosa, os incêndios causados naturalmente queimam áreas menores que 500 ha, enquanto que os incêndios de causa antrópica se concentram na estação seca, mais numerosos e consumindo áreas de até 50.000 ha. Seus impactos negativos variam desde a abertura da fisionomia até a perda da biodiversidade (Coutinho, 1990; Mendonça, 2000; Medeiros & Fiedler, 2004; SEMARH, 2004; Henriques, 2005). É de senso comum que o clima (erroneamente resumido apenas nas estações chuvosa e seca) tem grande influência sobre os incêndios, se fazendo necessária uma análise minuciosa quanto da atuação de um sistema atmosférico, uma frente, direção e intensidade dos ventos, dentre outros fatores, sobre o processo de um incêndio florestal. Para um entendimento de como o clima tem influencia sobre esses incêndios um instrumento que pode ser utilizado é a análise rítmica, discutindo tempo, ritmo e padrões, facilitando a compreensão dos sistemas climáticos e sua influência sobre um evento (Monteiro, 1971). O objetivo deste trabalho é verificar a influência dos sistemas climáticos quanto ao início, propagação e extinção de um incêndio florestal em área de cerrado e como o conglomerado urbano limítrofe a essa área pode influenciar e sofre influencia desse tipo de evento. PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS Fig1. Jardim Botânico de Brasília e sua respectiva Estação Ecológica. Assinalados a área queimada total e o avanço da frente de fogo. Fig2. Gráfico de análise rítmica relacionado ao incêndio ocorrido no JBB em Setembro 2005. Após a revisão da literatura impressa e eletrônica, foram adquiridas informações sobre o evento em estudo: dados meteorológicos da estação Brasília do INMET (temperatura do ar, pressão atmosférica, umidade relativa, precipitação, nebulosidade, direção do vento), cartas sinóticas provenientes do CINDACTA, ambos relativos ao mês de Setembro de 2005, nos horários de 09, 15 e 21 horas (horário oficial de Brasília). Foram adquiridas também imagens do satélite GOES. A área de estudo foi visitada para verificação empírica das condições de proximidade da área urbana. Os dados foram analisados através de gráficos de análise rítmica, verificação das cartas sinóticas, imagens de satélite e de mapa do JBB aonde foi traçada a evolução temporal do evento, além da delimitação e quantificação da área afetada. RESULTADOS E DISCUSSÃO O evento teve início no dia 19/09/2005 por volta das dez horas com foco inicial na área do VI Comando Aéreo Regional (COMAR), 23 L 189796, UTM 8238919 e Elevação 1.077m. E foi dado como controlado no dia 21/09/2005 por volta das 14h00, restando ainda alguns pontos quentes nas matas. A frente de fogo chegou a 15Km de extensão com labaredas de até 10m de altura. Foi o maior incêndio no DF em sete anos, segundo o Batalhão de Incêndios Florestais do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF). A área queimada foi de 3.150ha, 63% de todo o Jardim Botânico e mais de 70% de sua Estação Ecológica (Fig.1). Foram atingidas fitofisionomias de campo limpo, campo sujo, campo úmido, campo de murundus, cerrado sentido restrito, cerradão e mata de galeria (na cabeceira dos afluentes do ribeirão cabeça-de-veado), sendo as duas últimas formações florestais de mais difícil recuperação, principalmente a mata de galeria. "As áreas de matas de galeria queimadas serão tomadas por plantas invasoras como capins" (Jeanine Felfili apud Mader, H. & Alves, R., 2005). O incêndio teve causa antrópica. Desde o inicio do mês fatores climáticos favoreciam esse tipo de evento. A massa Tropical atlântica continentalizada, uma massa de ar quente e seco, criou um bloqueio atmosférico sobre o Distrito Federal, elevando as temperaturas do ar e por conseqüência levando a uma baixa na umidade relativa (Fig.2). Esses fatores climáticos tiveram seu ápice nos dias 19 e 20, propiciando a ocorrência do evento em questão, juntamente ao grande acúmulo de biomassa seca (o último incêndio na área do JBB havia acontecido em julho quando foram queimados 500ha), principalmente de capins, compostos em sua maioria por espécies exóticas invasoras conhecidas popularmente como capim gordura ou meloso (Milenis multiflora) e braquiária (Brachiaria decumbens), que constituem combustível em abundância para o fogo. A partir do dia 21 o evento perdeu força, em parte pelos esforços antrópicos para contê-lo (CBMDF e brigadas de incêndio das UCs atingidas), em parte pela chegada de uma frente fria que trouxe chuva para a região, com ventos de até 64Km/h, além de gradualmente ir diminuindo as temperaturas e elevando a umidade relativa do ar nos dias conseguintes. "As primeiras chuvas depois da estiagem sempre são fortes e acompanhadas de granizo e ventanias" (Manoel Rangel apud Mader, 2005). Apenas no dia 22 de dezembro o JBB foi reaberto ao público e iniciaram as pesquisas sobre os efeitos do incêndio sobre a biota da área (Mader, 2005(2)). CONSIDERAÇÕES FINAIS Os incêndios florestais são um dos principais agentes de modificação da composição e estrutura do cerrado (Sambuichi, 1991; Seyffarth, 1995; Ramos, 2004; Medeiros & Miranda, 2005). São considerados a principal ameaça à biodiversidade desse bioma, por causar destruição e fragmentação de habitat além de propiciar a abertura das fisionomias (Henriques, 2005). Em conjunto com a ação desses eventos está a invasão por espécies exóticas, como as gramíneas africanas, que após um incêndio tem maior capacidade de recolonização da área e além de dominar o estrato inferior, dificultando a sobrevivência e reprodução das espécies nativas, forma imensa quantidade de biomassa seca, o que aumenta o risco e a intensidade de outros incêndios futuros. Esses eventos tem em sua maioria causa antrópica (Medeiros & Fiedler, 2004), como no caso do evento estudado, com foco inicial em uma área urbana de propriedade das forças armadas, o que nos faz voltar as atenções para a posição dessas UCs e sua relação com a sociedade que a rodeia e permeia. Rodman (1973 apud Diegues, 2002) afirma que a criação dos parques obedeceu a uma visão antropocêntrica, uma vez que valorizava principalmente as motivações estéticas, religiosas e culturais. Abdala (2002), a respeito do PARNA, aponta que “o uso público do parque é inadequado, os conflitos com o entorno são enormes e as políticas ambientais ineficientes”, isso pode ser dito também em relação ao Jardim Botânico. Desta forma é necessário que se trate a questão ambiental através do aspecto social, pois é na sociedade que os mecanismos de gestão irão atuar: sobre as pessoas, seu comportamento e o impacto de suas ações (Jorge Werthein apud Abdala, 2002). Segundo Neto (2001), é necessário se incorporar a dimensão social também na interpretação do clima. Devendo se compreender que a repercussão dos fenômenos atmosféricos como transformadores e produtos da sociedade dependem desta. Além do dano causado à biota da região, o incêndio em questão produziu grande quantidade de fumaça que incomodou moradores dos condomínios próximos ao JBB, podendo também ter causado problemas de saúde nessa população humana (Mader, H. & Alves, R., 2005), o que mostra o feedback entre as UCs e as comunidades urbanas vizinhas. Outra relação socio-ambiental é a de abastecimento de água, já que essas UCs são de suma importância pela rica biodiversidade de fauna e flora que contêm e também pelo abastecimento de água de grande parte da população do Distrito Federal (SEMARH, 2004). É necessário que haja uma maior vigilância desse tipo de ocorrência, já que são eventos naturalmente inevitáveis, mas que devem ser controlados. Pesquisas estão sendo realizadas para determinar qual a periodicidade ideal de fogo para o cerrado, de forma que seja possível remover o acúmulo de biomassa combustível sem alterar de forma significativa a estrutura e composição da vegetação (Sambuichi, 1991; Seyffarth, 1995; Miranda et al, 1996; Ramos, 2004; Medeiros & Miranda, 2005). A boa relação entre as UCs e a sociedade é então de suma importância para ambos agentes sociais, já que os atos da população que reside nas áreas urbanas limítrofes às UCs além de afetá-las também é afetada. No caso dos incêndios florestais, por exemplo, esses produzem fumaça nociva a saúde humana e também podem se alastrar até a área urbana. O ideal é que haja programas de educação ambiental diretamente voltados a essa população e que o combate a esse tipo de evento ocorra pela vigilância e prevenção, já que depois de estabelecido um incêndio, este se torna mais difícil de ser combatido. Uma forma de tornar isso realidade é uma melhor avaliação dos dados meteorológicos, que podem ser coletados nas próprias unidades (a FAL, por exemplo, possui uma estação de coleta de dados meteorológicos em suas dependências), evitando assim a aquisição de dados de regiões distantes, que nem sempre são fiéis ao que acontece nessas áreas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDALA, G.C., Uma abordagem sociológica do Parque Nacional de Brasília. Cadernos Unesco Brasil, série Meio Ambiente e Desenvolvimento, Volume 4, Edições Unesco Brasil, Brasília, 2002. COUTINHO, L. M. Fire in the ecology of the Brazilian cerrado. In: Goldammer, J.G., Ed. Fire in the tropical biota. New York, Springer-Velarg, 1990. Cap. 6, p. 82-105. HENRIQUES, R., Bases ecológicas para a conservação do Cerrado. Curso de Extensão, UnB, 2005. NETO, J.L.S.A. Por uma Geografia do Clima Antecedentes históricos, paradigmas contemporâneos e uma nova razão para um novo conhecimento. 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