SOCIOLOGIA DO DIREITO PROF. Dr. JACIR L. CASAGRANDE • A Sociologia do Direito é mais uma especialização das Ciências Sociais, ocupando-se em investigar os processos de juridificação e resolução de conflitos em diversas sociedades e grupos. Como um grupo produz e encaminha as diferentes sanções e penalidades e como tais agrupamentos elaboram uma idéia de justiça ocupa um território nobre na Sociologia do direito. • As Ciências Sociais no Brasil tradicionalmente foram relutantes em abordar tais processos, muito devido à força do marxismo como instrumento teórico nos cursos de pós- graduação em S oc i ol ogi a nos an os 60 e 70. A concepção de Direito em Marx – uma instituição a serviço da classe social dominante e que desapareceria em uma sociedade sem classes – imobilizava tentativas mais amplas de investigação de tal temática • Atualmente os enfoques são os mais diversos possíveis, entre eles o problema da violência, a justiça penal, os direitos humanos, o papel dos juízes e procuradores, os processos institucionais. A sociologia do direito (ou Sociologia Jurídica) é um ramo da sociologia que busca descrever e explicar o fenômeno jurídico como parte da vida social. A sociologia encara o direito não como um conjunto de normas, mas como um conjunto de ações reais de seres humanos. • Dentre os principais autores clássicos que contribuíram para a construção da Sociologia Jurídica contam-se: Max Weber: dedica um capítulo de sua obra economia e sociedade à sociologia do direito. Émille Durkheim: apresenta um estudo do direito de um ponto de vista empírico-causal, distinto da visão normativa dos juristas, em obras como A divisão social do trabalho e Lições de sociologia. • Eugen Erhlich: autor de um dos mais importantes estudos em sociologia do direito, no qual busca apresentar seus f u n da m e n t o s , p o t e n c i a l i d a d e s e m é t o d o : f u n d a m e n t o s d e sociologia do direito. A sociologia do direito tem que ser discutida sob várias óticas, possibilitando assim uma maior compreensão de seu objeto, do campo de atuação e dos problemas que a ela aparecem. •Emile Durkheim, fundador da escola sociológica do direito e da sociologia, analisa o direito como fato social, por isso, um dos objetos de estudo da sociologia jurídica é o modo como as normas interagem e interferem na sociedade. • Edmond Jorion - a sociologia jurídica tem por objeto o fenômeno jurídico. • Recaséns Siches entende que o direito deva ser analisado como produto de processos sociais. Siches salienta a inter-relação entre a sociedade e o direito: um influencia outro; desta maneira a sociedade evolui e o direito também evolui, pois a função do direito é regulamentar a sociedade e tornar o convívio social mais equilibrado, portanto vê-se que o desenvolvimento de um leva a evolução de outro. Mostra-se uma inter-dependência entre o direito e a sociedade. • Renato Treves analisa o objeto da sociologia jurídica dialeticamente através de três principais indagações, sintetizando: a eficácia e os efeitos da norma jurídica; os instrumentos humanos para a concretização da norma; e a opinião pública a respeito das instituições políticas. • Sérgio Cavalieri Filho, conceitua método como “meio mais racional e eficiente para atingir um fim desejado”. A finalidade do método é sistematizar a busca com o objetivo de alcançar a um conhecimento científico. Método é a forma mais clara e objetiva de alcançar um resultado próximo da verdade. • O método utilizado na sociologia jurídica baseia-se em observar, interpretar e comparar. A observação consiste em coletar dados, verificar acontecimentos ocorridos nas mais diversas sociedades em qualquer lapso de tempo. • Deve-se seguir os fatos jurídicos como normas de conduta coletiva, sem deixar-se levar pela individualidade ou pelo subjetivismo. O exegeta não pode cair em anacronismos, pois a interpretação busca compreender o tempo social em que se deram os fatos jurídicos e como o direito de fato operou neste tempo em especial. • Também é muito importante ao intérprete que compreenda e dimensione os efeitos sociais produzidos pelas normas em seu te m p o d e v a l i d a d e . A comparação, última operação do método, confronta diferentes observações e interpretações obtidas, com a finalidade de conseguir uma visão mais dinâmica e completa do direito como fato. Deve-se comparar historicamente e geograficamente para se perceber as alterações em relação aos diferentes momentos históricos e em diferentes regiões, pois muitas vezes os fatores sociais que influenciam uma determinada sociedade num determinado tempo e espaço não influenciam outra em diferente tempo ou espaço. DEFINIÇÕES SOCIOLÓGICAS DO DIREITO Kant observou em 1781, que os juristas ainda estavam buscando uma definição adequada do direito - não sabiam qual era exatamente o objeto de seus estudos. Esta constatação foi confirmada, mais de dois séculos depois, em uma coletânea de “controvérsias” de juristas sobre a definição do direito e, em um manual de direito alemão. • Sabem os sociólogos do direito qual é o seu objeto de estudo? Os especialistas não podem chegar a um acordo sobre a definição do fenômeno estudado. As ciências humanas, não são e p i s te m o l o g i c a m e n te fe c h a d a s : o p o s i c i o n a m e n to p o l í ti c o e a s escolhas teóricas de cada autor são diferentes e influem sobre os resultados do seu trabalho. • No caso da sociologia jurídica, os problemas complicam-se ainda mais pelo fato de existirem hoje duas grandes famílias de sistemas jurídicos. Os sistemas fundamentados na supremacia do legislador e aqueles fundamentados na jurisprudência. No primeiro caso, a principal fonte do direito é o conjunto das normas escritas, que corresponde à vontade das autoridades políticas. Este modelo tem origem Europeia, sendo adotado, hoje, na América Latina e em parte do mundo (legicentrismo). • No segundo caso, o elemento mais importante do sistema jurídico é a tradição estabelecida na vida política e nos tribunais com relação a determinados problemas. Este é o sistema que se formou na Inglaterra e que continua válido em quase todas as ex-colônias (“direito comum”) • Dependendo do sistema jurídico de cada país, os sociólogos do direito possuem uma visão do que é o direito e orientam a pesquisa de forma diferente. A sociologia jurídica nos países legicentristas interessa-se pelos mecanismos de formação e eficácia das leis; na tradição da pesquisa anglo-saxã prevalece o interesse pelos operadores do direito. Esta diferença é tão forte que pode-se dividir em duas partes, estudando separadamente a “força da lei”, nos países de direito legicêntrico e a “força da decisão judiciária” (Servem, 2000). - Não há consenso entre os sociólogos do direito sobre o objeto de sua disciplina entre os vários países. - As diferenças na definição do direito aumentam se forem consideradas outras culturas jurídicas, que se fundamentam nos costumes (direito dos povos indígenas) e nos mandamentos religiosos (direito Islâmico). • Após ter estudado estes conceitos, aspectos e teorias da sociologia jurídica, pode-se apresentar as principais definições do direito na perspectiva sociológica. Três são as definições mais importantes para aqueles que consideram o direito como fenômeno social. 1 DEFINIÇÃO MONISTA AMPLIADA Considera o sistema jurídico composto por normas legais que possuem validade em determinado território, sendo estabelecidas e aplicadas pelos órgãos do Estado. • Esta definição, de origem positivista, sofre uma importante ampliação no âmbito da sociologia jurídica. O jurista-sociólogo que adota a perspectiva positivista, não considera como direito somente o que determina a lei, mas também o que acontece na prática jurídica (“direito em ação”). Assim, o termo “legislar” não possui o significado estrito de “ser constitucional-mente habilitado para estabelecer normas jurídicas”. Na perspectiva sociológica, criar normas jurídicas significa também ter o poder de determinar o sentido destas na prática. Os juristas-sociólogos que adotam a definição monista ampliada, estudam o direito estatal privilegiando os seus aspectos práticos, as formas de aplicação: “o direito pode ser empiricamente observado através do comportamento dos operadores jurídicos” (Rehbinder, 2000). 2 DEFINIÇÃO PLURALISTA A definição pluralista amplia ainda mais o conceito sociológico do direito. Considera como direito qualquer sistema de normas sociais que regule efetivamente a vida social. • Um sistema de normas que adquire validade e eficácia na prática social é considerado como parte do campo jurídico, mesmo quando é contrário ao direito estatal (por exemplo, a máfia siciliana). Definição pluralista do direito por Sousa Santos: “o direito é um corpo de procedimentos regularizados e de padrões normativos, considerados justificáveis num dado grupo social, que contribui para a criação e prevenção de litígios, e para sua resolução através de um discurso argumentativo, articulado com a ameaça de força” (2000, p. 290). As definições pluralistas enfrentam um problema. Qual é o critério que permite saber se um sistema de normas é reconhecido no âmbito de um grupo social? Foram propostos três critérios: O critério do constrangimento (coação), adotado por Max Weber: existe um ordenamento jurídico quando um aparelho de poder pode aplicar violência física em caso de descumprimento das normas em vigor. Critério de juridicidade é a capacidade de exercer coação organizada em caso de violação de normas. São definidos como jurídicos os sistemas de normas garantidos por uma agência que possui prestígio e força, sendo esta capaz de impor suas decisões em caso de conflito (Junqueira e Rodrigues, 1988) b) É o critério da eficácia social de um sistema de normas. É considerado como “direito” o conjunto de normas que cria e confirma expectativas sobre o comportamento dos demais. Se um indivíduo sabe que os outros se comportam conforme as normas, então ele também tenderá a respeitar as leis em vigor. Neste caso, critério de juridicidade é a capacidade de um sistema normativo de influenciar o comportamento das pessoas (Krawietz, 1988). c) O terceiro critério é o individual-psicológico. Segue a tradição do direito natural racional - a definição do direito depende do sentimento de justiça dos indivíduos. Uma das primeiras definições individuais-psicológicas na sociologia jurídica é de Ehrlich: “os diversos tipos de normas provocam diversos sentimentos”. - A violação de normas morais provoca indignação, o descaso às regras de cortesia causa raiva e a inobservância das regras de boas maneiras expõe o transgressor ao ridículo. A violação das normas jurídicas desperta nos membros da sociedade o sentimento de “revolta” (Ehrlich, 1986, p. 129) As definições que fazem depender o direito de sua aceitação pelo grupo social constituem o ponto de partida do pluralismo jurídico e são aceitas por muitos juristas-sociólogos. Sendo estes interessados pela realidade social do direito, consideram importante a eficácia das normas, isto é, sua capacidade de regular a vida social, graças ao fato de serem reconhecidas pelo grupo social. • DEFINIÇÃO CONSTRUTIVISTA-COMUNICATIVA Uma terceira possibilidade de definição sociológica do direito é aquela que adota a perspectiva do construtivismo e da teoria sistêmica. O direito é um sistema social criado através de atos de comunicação social sobre a “juridicidade”. O sistema jurídico possui um código de funcionamento: legaL/ilegal. O comportamento do vizinho que não cumprimenta é ilegal ou somente mal-educado? A postura de um cientista que falsifica os experimentos fingindo ter feito uma descoberta viola somente o dever científico da verdade ou constitui também fraude? As relações sexuais extraconjugais são atos moralmente reprováveis ou um ilícito penal (adultério)? A resposta depende do que pensa determinada sociedade. Se esta caracteriza, o adultério, através do código jurídico (“ilegal”), então este é um comportamento juridicamente relevante, enquadra-se no sistema jurídico. Se a sociedade o caracteriza segundo códigos morais (imoral), religiosos (pecado) ou sentimentais (tristeza), então se trata de comportamento que não possui relevância jurídica. • Os atributos “juridicidade” e “legal/ilegal” dependem de uma série de fatores sociais. Nas nossas sociedades, as normas produzidas pelo Estado possuem as maiores chances de serem consideradas jurídicas. Também a atuação dos operadores jurídicos é primordial para a aplicação do código “legal/ilegal” e para a caracterização de uma norma como jurídica. O Estado e os operadores jurídicos produzem o direito. Toda a sociedade participa do processo que se denomina “atualização da referência ‘direito” (Fõgen, 1997, p. 81). Seguir esta linha de definição significa estar atento ao que a sociedade pensa. O jurista-sociólogo examina assim a realidade do direito, que é historicamente mutável, colocando a seguinte questão; podemos considerar aqui e agora uma norma como jurídica? Se a quota de eficácia da norma penal que pune o adultério é “zero”, este preceito não é considerado jurídico pela sociedade, apesar de possuir validade formal. O sociólogo do direito deve examinar as causas desta total,ineficácia. Não pode, porém, considerar tal norma como parte do sistema jurídico, já que se trata de uma letra morta. Neste caso, a sociedade atualizou a sua referência jurídica. Excluiu esta norma do sistema jurídico em vigor, julgando a relação sexual extraconjugal em base a códigos de outros sistemas sociais (moral, religião, sentimentos). O exemplo mais claro de problemas de validade do direito é oferecido, pelo direito internacional. Há um direito universal i n d ep e n d e n t e m e n t e d a v o n t a d e e d a a t u a ç ã o d o s E s t a d o s . A observação que o direito internacional “sociológica e política nos ensina que não é suficiente fazer uma “Declaração Universal de Direitos” para alcançar a validade jurídica. Tampouco pode ser sustentado, “não existe ” e que as Declarações e Convenções sobre direitos humanos são somente um texto político ou uma pura “ideologia”. • As sociedades atuais ainda não decidiram se os textos normativos de direito internacional possuem validade jurídica, ou seja, permitem uma comunicação social fundamentada no código l e g al / i l e g a l . A criação de tribunais internacionais, na segunda metade do século XX, e as iniciativas de proteção dos direitos humanos através de sanções internacionais, anunciam uma transformação na comunicação social sobre o direito internacional. Este é considerado, como um tema jurídico. • Esta evolução não exclui que muitas decisões das organizações e dos tribunais internacionais continuem, protegendo os interesses das grandes potências, não se colocando a serviço dos direitos humanos. Interessa o fato dos governos e a opinião pública começarem a reconhecer uma legalidade internacional. A perspectiva construtivista-comunicativa considera que a sociedade constrói, em cada momento histórico, uma “província de sentido” chamada Direito, através de iatos de comunicação social. O meio principal da comunicação social é a linguagem, que dá um determinado sentido aos comportamentos e às instituições sociais. O código jurídico é estável. As normas e os comportamentos que, em cada momento histórico, pertencem a esta “província de sentido” são extremamente mutáveis. O comportamento que ontem era crime converte-se hoje em exercício legítimo de um direito — e vice-versa. Reduzir uma pessoa à condição de escravo é hoje crime, sendo que o ato era considerado, como exercício legítimo do direito de propriedade a té o s é c u l o X IX . A homossexualidade constitui hoje manifestação da liberdade sexual, sendo que alguns séculos atrás era um “delito nefando”, passível de pena de morte. Existem ainda países que punem a homossexualidade como delito. Por esta razão, o jurista-sociólogo deve pesquisar a realidade social, para encontrar aquilo que determinada sociedade considera como realidade jurídica, através dos seus atos de c om uni c aç ão. Muitos autores criticam a visão construtivista do direito, afirmando que é muito abstrata ou que não consegue liberar-se do idealismo e do dogmatismo que caracterizam outras concepções. Em todo caso, a perspectiva construtivista é aplicada, de forma bem sucedida, em estudos sobre a “realidade do direito”. • Esta abordagem permite tratar alguns problemas que surgem nas recentes pesquisas de sociologia jurídica. O direito deixou de ser rígido e positivo e passou a ser pós- moderno, flexível, plural e f l ut u a n t e ? A sociedade continua considerando como direito o sistema jurídico do Estado ou reconhece como direito as regras mutantes do capitalismo internacional e das comunidades locais? • Ninguém pode dizer qual definição do direito prevalecerá nas pesquisas da sociologia jurídica do futuro, já que a disciplina passa por uma crise de orientação e desenvolvem-se acirradas polêmicas sobre a sua finalidade e identidade (Cotterrell, 1996; Tamanaha, 1999). O caminho certo é refletir sobre os três modelos de definição hoje concorrentes e testar a adequação de cada um às necessidades e aos resultados da pesquisa jurídico-sociológica. Isto permitirá à sociologia do direito afirmar-se como componente da sociologia e como elemento imprescindível para a formação dos operadores jurídicos, com espírito (auto) crítico e em estrita conexão com os desenvolvimentos em outras áreas do saber. Isto permitirá à sociologia do direito afirmar-se como componente da sociologia e como elemento imprescindível para a formação dos operadores jurídicos, com espírito (auto)crítico e em estrita conexão com os desenvolvimentos em outras áreas do s aber SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa do direito