Antífona

Propaganda
A nova geografia do mundo
Em suas viagens, o presidente Lula tem mencionado a necessidade de os países em
desenvolvimento estabelecerem uma nova geografia de relações econômicas e
comerciais. No nosso caso, o novo traçado passaria pela integração da América do
Sul, pela reaproximação com a África e a Ásia e pelo fortalecimento das relações
com as demais grandes baleias - China, Índia e Rússia.
A união comercial dos países em desenvolvimento vem sendo cantada em
eloqüentes discursos pelo mundo afora desde o fim da era colonial. Uma nova
tentativa para avançar na matéria vai ocorrer de 14 a 18 de junho, quando
centenas de países e ONGs se encontrarão aqui, em São Paulo, para a XI
Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento – Unctad.
Faz todo o sentido baleias e peixes, de todos os tamanhos, dos mares do Sul se
reunirem com maior freqüência, principalmente se tais encontros resultarem na
abertura recíproca das suas economias, cujos benefícios vêm sendo assinalados por
centenas de estudos nas últimas décadas.
O resultado mais provável, no entanto, será os países constatarem, mais uma vez,
que a nova geografia comercial do mundo em desenvolvimento tem sido bem mais
efetiva no discurso do que na realidade, e que o chamado Terceiro Mundo é muito
mais heterogêneo do que parece aos desavisados. Basta tomar o caso da
agricultura: enquanto países como o Brasil brigam pelo livre comércio, a maioria
dos países em desenvolvimento luta para preservar as suas elevadas proteções
comerciais e tornar permanentes as condições preferenciais de acesso que recebem
dos países desenvolvidos. Comércio livre versus comércio preferencial é apenas
uma das áreas de conflito de interesses entre países em desenvolvimento.
A nova geografia do mundo está longe de ser Sul-Sul, não é Leste-Oeste, marca
principal dos tempos da guerra fria, nem mesmo Norte-Sul, no sentido do velho
paradigma das relações de dependência centro-periferia. Ocorre que a globalização
está enterrando todas as formas de compartimentalização hemisférica, continental
ou mesmo sub-regional do mundo. Ou seja, a geografia econômica tende a ignorar
as geografias física e humana. Por exemplo, novos acordos bilaterais do tipo JapãoMéxico e Chile-China contradizem a lógica das fronteiras físicas. O outsourcing de
contadores, engenheiros e call centers na Índia redesenha o mapa do trabalho.
A China e a Índia ganharam destaque do novo mapa econômico-comercial
principalmente porque milhões de consumidores potenciais estão deixando a autosuficiência primitiva e a pobreza absoluta nesses países. Na base da revolução dos
dois gigantes, que somam um terço da população mundial, se encontra a
combinação de reformas institucionais profundas com um lento e seguro
movimento de abertura e integração comercial ao exterior. Vários outros países do
Sudeste Asiático ocupam posições centrais no novo mapa comercial porque
souberam implementar reformas institucionais profundas e equilibrar os
fundamentos macroeconômicos. Alguns deles se destacam também por suas
políticas horizontais de investimento em educação, saúde e infra-estrutura.
Na última década, o Brasil certamente avançou no rumo correto, e Lula tem
conseguido manter o rumo da nau, mas ainda falta percorrer um bom pedaço do
caminho. Continuaremos inseridos no mapa se o governo mantiver o equilíbrio das
contas públicas e não obstruir o movimento de capitais, se soubermos manter a
estabilidade das regras do jogo, se conseguirmos completar projetos inacabados,
como a reforma tributária e a consolidação do Mercosul, e se não fecharmos opções
de integração como a Alca e o acordo com a União Européia.
1
Tenho tido o privilégio de vivenciar de perto um período extraordinário da história
do agronegócio brasileiro, que hoje desperta enorme interesse, curiosidade e
respeito em todos os cantos do planeta. Explodimos no mapa do agronegócio
mundial simplesmente porque permitimos que as nossas vantagens comparativas
seculares se transformassem em renda, comércio e eficiência.
Abrimos a economia e reduzimos a intervenção do Estado no setor. Investimos em
pesquisa e tecnologia tropical e, apesar dos percalços, conseguimos avançar na
infra-estrutura de suporte e no respeito aos contratos e direitos de propriedade,
ainda que estas duas últimas áreas estejam agora se deteriorando a olhos vistos. A
respeitabilidade internacional do agronegócio nasceu com os índices de crescimento
contínuo da produção e produtividade e ganhou maturidade com as investidas
recentes da política comercial brasileira nos contenciosos do algodão e do açúcar e
na liderança inconteste do Brasil no G-20 - o grupo de países em desenvolvimento
que se formou nas negociações agrícolas da Rodada de Doha da Organização
Mundial do Comércio (OMC). Graças à agricultura, deixamos de ser um país
eminentemente defensivo na arena mundial, que buscava apenas preservar as suas
políticas protecionistas, e passamos a ocupar uma posição central e ofensiva como
demandantes de um comércio mais livre e justo.
Em suma, o Brasil fará parte da nova geografia do mundo se souber fazer a
economia crescer com eficiência, eqüidade e sustentabilidade. Se conseguir
aumentar o fluxo de exportações, importações e turistas, atrair investimentos,
exportar as suas marcas e empresas e mudar as percepções negativas sobre o País
que ainda persistem no exterior. A nova geografia comercial não é mais aquela
derivada das chagas da era colonial, das teorias conspiratórias sobre a perversidade
do grande capital, de discursos terceiro-mundistas vazios e de patriotadas
desnecessárias. Ela é, sim, traçada por países que estão buscando criar novas
oportunidades de integração comercial, que completam reformas institucionais
profundas e conseguem manter as regras do jogo, mostrando resultados concretos
em termos de estabilidade, crescimento econômico e atração de investimentos
produtivos. A nova geografia do mundo é determinada, acima de tudo, pela
eficiência econômica.
Fonte
JANK, Marcos Sawaya. A nova geografia do mundo. Disponível em:
http://www.iconebrasil.org.br/portugues/conteudo.asp?idCategoria=1&iddocument
o=13&Currpage=&Integra=Sim. Acesso em: 20 set. 2004.
2
Download