para chorar as dores pequenas, Deus criou a afeição, para chorar a humanidade —a poesia. (Antonio Frederico de Castro Alves, o Cecéu) ---Amilcar M. Claro Produções apresenta ---orientado pela poesia de Castro Alves ---IMENSIDADE ---'Stamos em pleno mar. Doido no espaço, brinca o luar... Embaixo o mar, em cima o firmamento... E no mar e no céu.... — a imensidade! ---Meu Deus! Como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa! ---(cordel) Levantai-vos, Castro Alves, Do túmulo frio e cinzento Com vossa lira feliz Vinde já neste momento Permutar nas vozes d’Africa No seio do sentimento. E eu sou Idalina Vim de lá da Rua do Lima Vou para o céu, vou para o céu Vou achar o meu Cecéu Vais, Idalina, à vontade Que és meiga e és sincera Se vais buscar teu Cecéu Vais, que Cecéu te espera -----Você sumiu daqui, né? Eu estou com minha noiva aqui, agora... --Ela é bonita... --Não, eu sou noiva do Cecéu. --Você não sabia? --Eu conheço ela! --Conhece? E sou Idalina, eu... eu morava na Rua do Lima --Hum, hum, Pantera, eu casei. Casal novo, Casal 20, não é bom Casal 20? Olha aí, ó... --O Cecéu é poeta, o senhor conhece o Cecéu? --Conheço. --Conhece? --Viu ele por aí? --Até agora, não. Cheguei agora! --Chegou agora? --Eu não te vi antes de ontem por aqui... --Eu estive ontem aqui. Dancei... --Dançou? --Lá na frente da loja... --Teve festa, foi? --Não, lá no negócio de discos... (off)--O Cecéu veio à festa? (off)--Veio, passou, me deu... quanto foi? Um real “toma, Pantera, para você tomar cachaça”. (off)--É mesmo, Pantera? (off)--Te juro! (off)--Ele não perguntou por mim? (off)--Perguntou! (off)--Por Idalina? (off)--Foi! ---Albatroz! Albatroz! Águia do oceano, tu que dormes das nuvens entre as gazas, sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! Dá-me estas asas. ---- 2 A praça! A praça é do povo Como o céu é do condor! É o antro onde a liberdade Cria águas em seu calor. --...porque se um homem pegar a palavra de Deus e não for útil para o povo...! --Vem cá, qual é o teu nome? Hei... --É Idalina. --É? Você mora onde? --“Senhor...” --Hum. --“Por que quereis a prece?” --Olha para mim, olha para mim, olha no meu olho.... --“Se, desgraçada, a populaça...” --O que você é, você é cigana? Hein... --“Se, desgraçada, a populaça...” --É? Então olha no meu olho aqui.. --“Só tem a rua de seu.” --O mal que está dentro dela, aí, pode sair da vida dela! --“Senhor, por que quereis a prece?” --Você que está aí dentro dela, destruindo a vida dela!... --“Por que quereis a prece?” --Pode se manifestar! Pode se manifestar, anda! Em nome do Senhor Jesus Cristo, está escrito, “eu responder-te-ei”, então, meu Deus, responde. Manifesta que o mal está destruindo a vida dela. Manifesta!... --“Se, desgraçada, a populaça, só tem a rua de seu” Olha para mim, senhora! Olha para mim, para ficar livre desse mal, vem cá, olha aqui para mim! ---Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, se eu deliro... ou se é verdade tanto horror perante os céus?! Oh mar, por que não apagas, com a esponja de tuas vagas, do teu manto este borrão? Astros! Noites! Tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!... ---Dorme cidade maldita ---teu sonho de solidão... 3 ---Os mortos saltam, poeirentos, lívidos, Da lua pálida ao fatal clarão... ---Era um sonho dantesco... o tombadilho que das luzernas avermelha o brilho em sangue a se banhar. Tinir de ferros, estalar de açoite, legiões de homens, negros como a noite, horrendos a dançar... ---Negras mulheres, suspendendo às tetas magras crianças, cujas bocas pretas rega o sangue das mães: outras moças, mas nuas e espantadas, no turbilhão de espectros arrastadas, em ânsia e mágoa vãs! ---E ri-se a orquestra irônica, estridente... e da ronda fantástica a serpente faz doidas espirais... se o velho arqueja, se no chão resvala, ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... -----(off)...bom, você está pensando o quê? Você está sem documento, cara! Posso te levar para a delegacia, para ver quem você é, e aí?... --Não, mas a gente pode ficar aqui, porque a gente não tem para onde ir... --Ah, vocês vão ficar aqui?! --... é, a gente vai ficar aqui... --Tá, então vou chamar a viatura... --...não interessa! --Meu pai também é militar, senhora. --Então, se você é filho de militar, você sabe como é o nosso serviço, não sabe? --Você não é porra nenhuma!... ---- 4 No entanto o capitão manda a manobra, e, após, fitando o céu que se desdobra, tão puro sobre o mar, diz do fumo entre os densos nevoeiros: "vibrai rijo o chicote, marinheiros, fazei-os mais dançar!..." --...Ária!... Ária... ---Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é delírio... se é verdade tanto horror perante os céus?! Oh mar, por que não apagas com a esponja de tuas vagas de teu manto este borrão? ---Existe um povo que a bandeira empresta p'ra cobrir tanta infâmia e covardia! E deixa-a transformar-se nessa festa em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, que impudente na gávea tripudia? ---Quem são estes desgraçados que não encontram em vós mais que o rir calmo da turba, que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, perante a noite confusa... Quem são estes desgraçados que não encontram em vós... ---São os filhos do deserto, 5 onde a terra esposa a luz. ---Quem são? Se a estrela se cala, se a vaga à pressa resvala... ---São os guerreiros ousados que com os tigres mosqueados combatem na solidão. ---Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São mulheres desgraçadas, como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, de longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, filhos e algemas nos braços, Lá nas areias infindas, das palmeiras no país, nasceram crianças lindas, viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, quando a virgem na cabana cisma da noite nos véus... ...Adeus, ó choça do monte, ...Adeus, palmeiras da fonte!... ...Adeus, amores... adeus!... ---Depois, o areal extenso... depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso desertos... desertos só... O cansaço, a sede... Ai! quanto infeliz que cede, e cai p'ra não mais se erguer!... Vaga um lugar na cadeia 6 mas o chacal sobre a areia acha um corpo que roer. ---Ontem a Serra Leoa, a guerra, a caça ao leão, o sono dormido à toa sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, infecto, apertado, imundo, tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado pelo arranco de um finado, e o baque de um corpo ao mar... ---Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança, estandarte que a luz do sol encerra e as promessas divinas da esperança... tu que, da liberdade após a guerra, foste hasteado dos heróis na lança antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha!... ---(créditos finais) “Castro Alves del Brasil, tu voz se unió a la eterna y alta voz de los hombres. Cantaste bien. Cantaste como debe cantarse” (Pablo Neruda)---Este filme apoiou-se na obra de Castro Alves, o poeta tribuno, de apelido Cecéu com excertos de O Navio Negreiro e trechos adaptados de A Visão dos Mortos O Povo ao Poder e Pedro Ivo ---Idalina, personagem ficcional, inspira-se livremente em namorada homônima do poeta 7 ---(nos créditos, em off) --Gonçalves, prazer... --Beleza pura, vai com Deus, beleza pura, olha...um juizinho pra você... pra mim, também. Olha, está filmando nós, tudo filmando nós, estamos sendo filmados, é câmara escondia... --...é? --...é, é câmera escondida, estamos filmados... vai com Deus, beleza pura... --...amém, Nosso Senhor.. --...sem desespero, não desespere na tua vida, não, que a tua vida é muito boa... --...tem um pessoal que está cuidando de mim.. --...tá legal, beleza pura, nós estamos sendo film... nós estamos fazendo uma peça... ---(mais adiante, nos créditos, em off) (--...se eles nunca dão as respostas para vocês....) --Aquele cara do microfone, aquele lindão, o lindo, ele falou que o Castro Alves é escritor, então, nas bibliotecas você encontra ele. --Encontra, é? --Não, mas ele foi pro céu. --Ele foi pro céu. --...é... --Qual o seu nome? --Pérola Negra. --Tchau, Pérola. --Tchau, Idalina... 8