CAP5

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5. HISTÓRIA ERUPTIVA
O
s elementos disponibilizados nos capítulos precedentes, sobretudo no domínio da
vulcanoestratigrafia, constituem a base para a avaliação da história eruptiva da ilha
do Pico, tarefa primordial no contexto da presente tese e que se procurará detalhar e
abordar numa perspectiva quantificadora, na medida em que os dados recolhidos no campo
e a análise dos depósitos vulcânicos o permitam. Dada a natureza muito jovem do
vulcanismo da ilha do Pico, a análise da actividade vulcânica ocorrida nesta ilha será
circunscrita aos últimos 300 000 anos, idade máxima expectável para a actividade subaérea
ocorrida neste troço da Zona de Fractura Faial-Pico, de acordo com as idades absolutas
disponíveis e os dados estratigráficos anteriormente discutidos.
Contudo, o tipo e o detalhe desta abordagem far-se-á de um modo desigual em todo
aquele intervalo de tempo, na medida em que é sobretudo para a época Holocénica que se
dispõe de um manancial de informação mais significativo, detalhado e preciso. De facto,
largos sectores da ilha do Pico, sobretudo na região da Montanha, estão cobertos por
produtos vulcânicos recentes, de idade inferior a alguns milhares a dezenas de milhar de
anos de idade, não permitindo um acesso directo aos produtos vulcânicos associados à
génese da ilha do Pico. Por este motivo, não foi possível, em geral, uma análise detalhada
dos produtos vulcânicos mais antigos e da história vulcânica da ilha do Pico nos primórdios
da sua formação, designadamente na fase de transição entre um vulcanismo
marcadamente submarino e um vulcanismo caracterizado essencialmente por uma
actividade basáltica s.l. subaérea.
254
5. História Eruptiva
5.1. INTRODUÇÃO
O estabelecimento da história eruptiva de um dado aparelho vulcânico tem como
principal objectivo a modelização das erupções ocorridas no passado, de modo a antever o
comportamento futuro do vulcão. Nas áreas vulcânicas em que a actividade eruptiva é
caracterizada por uma intensa extrusão de escoadas lávicas, designadamente nas regiões
de vulcanismo básico como é o caso da ilha do Pico, a reconstituição da sua história
eruptiva deve incidir na possibilidade de ocorrer uma migração dos centros emissores e,
também, na avaliação do volume de magma emitido nas sucessivas erupções (Araña e
Ortiz, 1996). Neste contexto, assume primordial importância a caracterização do
enquadramento geodinâmico da região, o qual condiciona as directrizes vulcano-tectónicas
presentes no vulcão, ao longo das quais os magmas basálticos ascendem a níveis
superiores.
Neste sentido, para cada um dos complexos vulcânicos definidos para a ilha do Pico
procurou-se analisar a sua história eruptiva, não só numa perspectiva qualitativa, com base
nos elementos observados no campo, mas igualmente segundo uma vertente quantitativa,
recorrendo-se, para o efeito, à avaliação de parâmetros físicos que permitissem caracterizar
a actividade vulcânica ocorrida nesta ilha. Assim, para as formações geológicas integradas
nas unidades e sub-unidades estratigráficas mais recentes definidas para a ilha do Pico,
calcularam-se parâmetros como o comprimento atingido pelas escoadas lávicas, a área
coberta por estas, o “coeficiente de aspecto” (aspect ratio) das escoadas lávicas, os
volumes de lava emitidos e, para as erupções históricas foi ainda possível estimar alguns
valores para a taxa de efusão e a viscosidade das lavas. Outros elementos de diagnóstico,
como a altitude dos centros emissores e a menor altitude atingida pela frente da escoada
lávica, constituíram aproximações adicionais.
O comprimento da escoada corresponde à distância entre o(s) centro(s) emissor e o
ponto mais afastado atingido pela escoada lávica relativamente àquele(s) centro(s) e, de
acordo com Walker (1973), quando as escoadas lávicas atingem o mar, um valor de 25%
pode ser adicionado ao comprimento medido. Contudo, no presente trabalho, os valores
indicados para o comprimento da escoada, bem como para a área coberta, reportam-se
unicamente aos seus sectores aflorantes, na medida em que se considerou que a adopção
de uma qualquer percentagem adicional, ou uma qualquer outra extrapolação para a
totalidade da lava emitida, seria geradora de imprecisões adicionais. O mesmo se passa
5. História Eruptiva
255
relativamente à determinação da área da escoada lávica coberta por depósitos vulcânicos
mais recentes (escoadas e tefra), estimativa que poderia originar erros consideráveis e,
sobretudo, muito difíceis de quantificar.
Assim, na quantificação efectuada, não foi tida em consideração, quer para os produtos
piroclásticos, quer para as escoadas lávicas, a fracção eventualmente depositada no fundo
oceânico envolvente, nem, inversamente, a extensão dos sectores erodidos pela acção
marinha. Por outro lado, excepto nas proximidades de alguns cones vulcânicos, não foi
possível definir a mancha cartográfica da cobertura de cinzas e de lapilli de queda
depositados durante as fases de maior explosividade. Na avaliação do volume total emitido
não foi tido em consideração, ainda, o teor em vesículas e em cavidades inter-granulares
presentes nas escoadas lávicas e nos tefras, cujo volume pode atingir, nalguns casos, cerca
de 50% do volume total do depósito (Imsland, 1978).
Se a determinação da área coberta por um dado manto lávico é relativamente precisa,
excepto quanto este está coberto por escoadas mais recentes, é significativamente mais
difícil obter uma estimativa da espessura média da escoada lávica, de modo a permitir a
determinação do respectivo coeficiente de aspecto e do volume de lava emitido, dificuldade
que aumenta consideravelmente nas formações mais antigas. No terreno, a espessura das
escoadas lávicas foi avaliada medindo-se a sua altura nas partes lateral e frontal, junto ao
litoral e, mais raramente, em taludes ou cortes de estradas, estimando-se a sua espessura
média com base nestas medições. Nalguns casos, dado o desenvolvimento da escoada
lávica, foi possível afectar uma dada espessura a um dado sector da escoada lávica
(designadamente aquelas cuja frente se apresenta sob a forma de um delta lávico),
permitindo deste modo um cálculo mais preciso do volume da lava emitido. Contudo, como
referido por Chester et al. (1985), na maioria dos casos são inúmeras as incertezas
inerentes à avaliação da espessura média de uma escoada lávica, podendo nalguns casos
esta estimativa enfermar de erros elevados, que podem atingir uma magnitude de ordem
dois.
Refira-se, ainda, que se adoptou a definição de Cas e Wright (1987) para o “coeficiente
de aspecto” das escoadas lávicas, considerado como o cociente entre a espessura média e
a extensão horizontal da escoada lávica, a qual, na prática, se considera como a área
coberta pela escoada lávica, medida numa carta topográfica. Neste contexto, as escoadas
com um baixo aspect ratio (de baixa viscosidade), como é o caso da generalidade das
5. História Eruptiva
256
escoadas da ilha do Pico, correspondem àquelas que apresentam uma espessura pequena
relativamente à sua área, em oposição à definição inicialmente proposta por Walker (1973).
Apesar das restrições e incertezas atrás apontadas, julga-se que os elementos obtidos
permitem caracterizar de um modo semi-quantitativo a actividade vulcânica ocorrida na ilha
do Pico, fornecendo, simultaneamente, dados para uma abordagem quantitativa do
vulcanismo da ilha do Pico comparativamente ao de outros vulcões, ou sistemas vulcânicos,
dos Açores ou do exterior do arquipélago.
5.2. VULCÃO EM ESCUDO DO TOPO
O vulcão em escudo do Topo corresponde à área cartografada como “Complexo
Vulcânico Topo-Lajes” e, apesar da sua reduzida expressão em superfície, os cortes
geológicos observados nas falésias costeiras e em diversas escarpas, permitiram identificar
duas fases principais na edificação deste vulcão. Uma primeira fase, de vulcanismo
predominantemente
efusivo,
responsável
pela
edificação
do
vulcão
em
escudo
propriamente dito, pela emissão de escoadas lávicas subaéreas a partir do topo do vulcão,
e uma segunda fase em que predominaram claramente erupções secundárias nos seus
flancos, de baixa ou moderada explosividade, acompanhadas pela extrusão, em muito
menor escala, de escoadas lávicas a partir de centro(s) emissor(s) localizados no topo do
vulcão.
Àquela primeira fase corresponde a um empilhamento lávico de várias centenas de
metros de espessura (superior a 600 m, segundo Chovelon, 1982), composto em mais de
90% por escoadas lávicas, na sua maioria escoadas pahoehoe compostas, de elevada
fluidez e associadas a erupções vulcânicas do tipo hawaiano, de baixa magnitude, ou seja,
0<VEI<1 (VEI – “índice de explosividade vulcânica – Newhall e Self, 1982). Pontualmente,
ocorreram alguns episódios intercalares relativamente mais explosivos (1<VEI<2) nos
flancos do vulcão em crescimento, responsáveis pela edificação de cones de escórias e/ou
a deposição de finos leitos de tufos basálticos, tal como é visível nas arribas da costa Sul
deste vulcão. Como mencionado anteriormente, não se pode excluir a possibilidade de
5. História Eruptiva
257
alguns destes níveis de tufos estarem associados a erupções estrombolianas no
alinhamento vulcânico São Roque-Piedade.
A actividade efusiva responsável pela edificação do vulcão em escudo do Topo centrou- se muito provavelmente na região actualmente designada de “Caldeira de Santa Bárbara”, a
qual poderá constituir os resquícios de uma depressão vulcânica de colapso do tipo craterapoço (pit crater). Esta actividade subaérea ter-se-á prolongado desde há cerca de 300 000
anos até há 30 000 ou 35 000 anos, sendo responsável, quase exclusivamente, pela
emissão de lavas de natureza basáltica s.s., não tendo sido identificados produtos que se
possam associar a uma actividade submarina basáltica (surtseiana) neste período de
tempo.
Após este período, a actividade do vulcão do Topo manifesta-se sobretudo sob a forma
de cones adventícios implantados nos flancos do vulcão, de lavas de natureza
exclusivamente basáltica s.s.. Na sua maioria, estas erupções secundárias estão
distribuídas ao longo de acidentes tectónicos de orientação geral NE-SW a NNE-SSW
(como é o caso dos alinhamentos do Cabeço do Geraldo, da Ponta do Castelete ou do cone
de escórias junto à Ribeira da Burra), alguns dos quais constituem fracturas radiais deste
vulcão. A componente distensiva associada àquele sistema de fracturas, terá favorecido
igualmente uma ascensão magmática sob a forma de um sistema de intrusões filonianas
com aquelas orientações predominantes e terá propiciado as condições necessárias para a
erupção basáltica submarina da Ponta do Castelete, da qual resta actualmente sobretudo a
chaminé do cone estromboliano edificado na fase final (subaérea) desta erupção.
A espessura do empilhamento lávico associado a esta segunda fase apresenta uma
possança muito menor, não sendo muito provavelmente superior a meia centena de metros
e inclui, como referido, escoadas lávicas emitidas, simultaneamente, a partir do topo do
vulcão em escudo, embora estas representem em geral uma pequena fracção deste
empilhamento lávico, excepto nos níveis mais elevados do vulcão, onde não se conhecem
centros eruptivos adventícios.
Esta segunda fase inclui as formações geológicas mais recentes do vulcão do Topo,
muito provavelmente de idade holocénica, emitidas do Cabeço do Geraldo, do “cone 405”
(um cone lávico implantado a SW do anterior) e do “cone 408”, localizado a Leste da
escarpa de falha de Arrife. A estratigrafia de detalhe e o enquadramento morfo-tectónico
destas erupções e das respectivas escoadas lávicas, sugerem que o “cone 405”,
258
5. História Eruptiva
responsável pela formação da fajã lávica das Lajes do Pico, corresponderá à erupção mais
recente do vulcão do Topo e terá ocorrido à cerca de 5000 a 10 000 anos.
Uma das mais notáveis características do vulcão em escudo do Topo é a complexa
morfologia que evidencia na sua metade oriental e que se caracteriza, sobretudo, pela
existência de largos sectores colapsados do vulcão, os quais, para além da depressão da
Caldeira de Santa Bárbara, incluem a depressão de Terras Chãs e a região para Leste da
escarpa de Arrife, os mais notáveis acidentes morfológicos deste vulcão. Ao contrário da
depressão de Santa Bárbara, a depressão de Terras Chãs corresponderá a uma estrutura
de colapso lateral, associada a fenómenos de natureza gravítica e na dependência directa
do processo de crescimento do vulcão do Topo, por acção do peso do empilhamento lávico.
Neste contexto, a tectónica presente no vulcão do Topo, designadamente, pela acção
conjugada de fracturas de orientação geral WNW-ESE e de estruturas de orientação geral
NNW-SSE e NE-SW (estas últimas associadas sobretudo à segunda fase de edificação do
vulcão), terá decerto condicionado a localização e a configuração dos colapsos gravíticos
ocorridos no vulcão do Topo, conferindo a esta zona a sua morfologia actual.
Embora não seja possível datar com exactidão tais colapsos, estes terão ocorrido
necessariamente há menos de 37 000 anos, na medida em que formações com aquela
idade datadas por Feraud et al. (1980), estão afectadas pela escarpa de falha de Arrife, a
qual, estabelecendo o limite Oeste da depressão de Terras Chãs, terá controlado a
ocorrência de tais colapsos. A presença de níveis de tufos igualmente deslocados por
aquela estrutura e o preenchimento da zona colapsada por escoadas lávicas recentes
associadas a erupções secundárias controladas pela tectónica NE-SW do vulcão do Topo,
(designadamente do “cone 720”), sugerem que os colapsos associados à depressão de
Terras Chãs e à escarpa de falha de Arrife terão ocorrido numa fase de transição entre um
mecanismo eruptivo marcadamente efusivo e centrado no topo do vulcão, para um
mecanismo essencialmente do tipo adventício, nos flancos do vulcão.
Neste contexto, estes colapsos terão ocorrido há cerca de 30 000 a 35 000 anos,
podendo igualmente especular-se a possibilidade da formação da depressão de Santa
Bárbara ter ocorrido nesta fase de transição, logo, sendo contemporânea de fenómenos de
colapso generalizados que afectaram a superfície do vulcão do Topo. Admitindo-se esta
última possibilidade, uma movimentação magmática profunda associada à drenagem do
topo do edifício vulcânico, à formação de uma pit-crater e à selagem das condutas centrais
do vulcão do Topo, poderá justificar, por seu turno, a passagem de um vulcanismo
5. História Eruptiva
259
marcadamente efusivo e centrado no topo do edifício vulcânico, para um vulcanismo com
extrusão lateral, nos flancos do vulcão (cf. secção 5.6).
Se, do ponto de vista evolutivo, parece ser possível apontar as principais características
do vulcão em escudo do Topo, o mesmo não se passa relativamente à estimativa de
parâmetros físicos que permitam uma adequada quantificação da actividade vulcânica
ocorrida ao longo de cerca de 300 000 anos da sua história eruptiva. Tal dificuldade deve- se à reduzida expressão superficial dos depósitos vulcânicos que formam o vulcão do Topo,
extensivamente cobertos por produtos associados ao vulcanismo fissural do Planalto da
Achada. Apesar disso, efectuou-se uma quantificação sumária, e necessariamente
incompleta, de algumas formações geológicas do Vulcão do Topo, cujos dados são
apresentados na Tabela 5.1.
Tabela 5.1. Parâmetros físicos de formações geológicas cartografadas no vulcão em escudo do Topo.
FORMAÇÃO
ALTITUDE
CENTROS
ERUPTIVOS
ALTITUDE
FRENTE DA
ESCOADA
COMPRIMENTO
DA ESCOADA
(m)
ÁREA
COBERTA
(km2)
ESPESSURA
MÉDIA
(m)
“Cone 405”-Delta
das Lajes do Pico
405 m
0m
2000
1,1
3
2,73
4,1
4,1
Cabeço Geraldo
450 m
0m
2100
1,4
5
3,57
7,0
11,6
“Cone 408”
360 m
0m
1300
0,7
7
10,00
4.9
6,0
“Cone 720”
670 m
0m
2600
1,9
8
4,21
15,2
20,0
“Cone da Ribª da
Burra”
560 m
0m
2600
1,1
5
4,55
5,5
9
“Cone a NNW da
Queimada”
230 m
0m
1100
0,7
7
10,00
4,9
5,1
GEOLÓGICA
COEF.
VOLUME DA VOLUME
ASPECTO ESCOADA
TOTAL
(km-1)
(X 106 m3) (X 106 m3)
Pelas razões atrás apontadas, não se julga adequada uma análise aprofundada destes
dados, os quais, com excepção daqueles apontados para a formação geológica do delta
lávico das Lajes do Pico, devem ser considerados como indicativos. De facto, e a título
exemplificativo, o aspect ratio indicado para a maioria das escoadas lávicas está claramente
sobre-dimensionado, na medida em que as áreas indicadas não contemplam os sectores
cobertos por escoadas mais recentes (e.g. “cone 720”) e/ou não foram tidos em
consideração as porções da escoada que se depositaram no mar (e.g. “cone 408”).
Como ressalta da Tabela 5.1, não foi possível estimar aqueles parâmetros para as
erupções predominantemente efusivas ocorridas no topo do edifício vulcânico, devido quer
260
5. História Eruptiva
à complexidade morfológica evidenciada pelo cone no seu sector oriental, quer à
inexistência de afloramentos dos flancos Norte do Vulcão do Topo, cobertos pelos depósitos
vulcânicos do Planalto da Achada. Contudo, assumindo-se a extrusão daquelas escoadas a
partir de centros emissores localizados na região da Caldeira de Santa Bárbara, a cotas
próximas de 1000 m, as escoadas pahoehoe compostas que constituem a parte
fundamental do empilhamento lávico do vulcão em escudo do Topo, ter-se-ão movimentado
ao longo de distâncias superiores a 5 km, com espessuras máximas na ordem da dezena
de metros. Relativamente ao volume destas escoadas, nada de concreto poderá ser
adiantado.
5.3. ALINHAMENTO VULCÂNICO SÃO ROQUE-PIEDADE
O Complexo Vulcânico São Roque-Piedade inclui as formações geológicas integradas no
alinhamento vulcânico genericamente designado de “Planalto da Achada”. Ao contrário dos
vulcões centrais do Topo e da Montanha, esta região apresenta-se como um extensa
cordilheira vulcânica, com 29 km de comprimento, formada por quase duas centenas de
vulcões monogenéticos, na sua maioria cones de escórias, mas incluindo igualmente cones
de salpicos de lava (spatter cones) e fissuras eruptivas. O alinhamento vulcânico São
Roque-Piedade apresenta uma orientação geral WNW-ESE a W-E e deve a sua edificação
à extrusão de lavas basálticas s.s. e hawaíticas a partir de centros emissores implantados
na sua maioria no eixo do alinhamento (cerca de 80% dos cones vulcânicos), sob a forma
de escoadas lávicas e tefras subaéreos. A localização dos centros eruptivos está fortemente
condicionada pela tectónica regional desta zona do arquipélago, mais concretamente pela
presença da Zona de Fractura Faial-Pico.
Neste sentido, o alinhamento vulcânico São Roque-Piedade apresenta-se como uma
zona de vulcanismo marcadamente fissural, em que a extrusão das lavas se distribui ao
longo de todo o alinhamento, formando uma cordilheira vulcânica, ao invés de um cone
vulcânico central poligenético de grandes dimensões. A actividade vulcânica aqui ocorrida,
maioritariamente do tipo estromboliano, é caracterizada por uma explosividade moderada
(1<VEI<2), a qual está associada sobretudo à edificação dos edifícios vulcânicos
monogenéticos. Contudo, identificaram-se neste alinhamento vulcânico diversos episódios
5. História Eruptiva
261
efusivos do tipo hawaiano (VEI=0), com emissão de extensos mantos lávicos, alimentados
por vezes por repuxos lávicos (fire fountains – Cas e Wright, 1987) e responsáveis pela
formação de fissuras eruptivas e/ou cristas de salpicos de lava (spatter ramparts) mais ou
menos extensas, designadamente na zona da Lagoa do Caiado (Apêndice A).
Crê-se que a actividade vulcânica subaérea responsável pela génese do alinhamento
vulcânico São Roque-Piedade ter-se-á iniciado há cerca de 230 000 anos, tal como aponta
a datação apresentada por Chovelon (1982) para a base da imponente arriba de Terra Alta,
actividade que se prolongou até aos tempos históricos, com a formação do Mistério da
Praínha, em 1562-64 A.D.. Não foram observados depósitos na base do empilhamento
lávico que revelem uma actividade freatomagmática generalizada ao longo deste
alinhamento, e que, simultaneamente, traduzam a formação do substrato submarino desta
cordilheira, como observado por exemplo na base da cordilheira vulcânica de Sör-Jan, na
Ilha de Jan Mayen, sob a forma de abundantes depósitos de hialoclastitos (Imsland, 1978).
O principal episódio submarino ocorrido no Planalto da Achada está associado a um
depósito freatomagmático de extensão muito reduzida cartografado na região de Praínha.
Adicionalmente, depósitos de expressão local mostram que algumas erupções subaéreas
no eixo deste alinhamento vulcânico foram caracterizadas por uma interacção, inicial e
pontual, com águas superficiais (lagoas, lagoeiros ou zonas alagadiças), de que resultou
uma maior explosividade associada, embora estas erupções assumem um significado
pouco relevante no contexto da história vulcânica do alinhamento São Roque-Piedade.
Assim sendo, a região do Planalto da Achada é constituída quase exclusivamente por
produtos vulcânicos de natureza subaérea (piroclastos e escoadas lávicas basálticas s.s. e
hawaíticas, predominantemente do tipo aa), emitidos na sua maioria nas proximidades do
topo (eixo) desta cordilheira, em que as escoadas lávicas progrediram ao longo das suas
vertentes, quer em direcção à costa Norte, quer em direcção à costa Sul. Em diversas
ocasiões, a acumulação destas escoadas na base das arribas deu origem à formação de
promontórios, fajãs lávicas e arribas fósseis, de maiores ou menor dimensões.
Erupções predominantemente estrombolianas deste tipo ocorreram ao longo de um
intervalo de tempo relativamente longo, pelo que, a par da acção dos agentes externos e da
tectónica, os produtos vulcânicos emitidos por vulcões monogenéticos mais recentes
contribuíram para a cobertura e o desmantelamento das formações geológicas mais
antigas. Uma migração dos centros emissores, em termos genéricos, de Oeste para Leste
262
5. História Eruptiva
terá contribuído, deste modo, para que as formações mais antigas do alinhamento vulcânico
São Roque-Piedade aflorem sobretudo na sua metade Oeste.
Embora a actividade vulcânica primitiva responsável pela formação desta cordilheira se
tenha dispersado ao longo de praticamente todo o alinhamento vulcânico, com maior
incidência na sua zona ocidental e central (entre São Roque do Pico e a Terra Alta), houve,
nos últimos milhares de anos, uma maior concentração de focos eruptivos na metade Leste
deste alinhamento vulcânico, sobretudo entre a Lagoa da Rosada e a Ponta da Ilha
(Apêndice A). Tal concentração pode ser deduzida da sequência estratigráfica observada
nas arribas destas zonas e das datações absolutas disponíveis. Deste modo as formações
mais antigas (muito alteradas, por vezes intensamente argilizadas e com formas
degradadas e suavizadas), foram preservadas sobretudo na metade ocidental do
alinhamento, entre, grosso modo, o Cabeço do Piquinho e o Cabeço do Caveiro (Apêndice
A), segundo um alinhamento vulcânico de orientação geral WNW-ESE, enquanto que o
sector oriental, genericamente mais recente, apresenta uma orientação geral mais próxima
de E-W.
Se, em termos gerais, tal migração pode ser fundamentada com base nos dados de
campo, tal padrão não poderá ser inferido, contudo, para os tempos mais recentes. Ou seja,
se há alguns milhares de anos (muito provavelmente antes da época Holocénica), a
actividade vulcânica terá migrado ao longo do alinhamento vulcânico São Roque-Piedade,
concentrando-se preferencialmente na sua metade oriental, durante aquela época a
extrusão de lava ocorre em diferentes pontos deste alinhamento, sem qualquer padrão
migratório nítido e constante. De facto, a vulcanoestratigrafia de detalhe efectuada e
diversas datações de radiocarbono disponibilizadas no presente trabalho mostram
claramente que novos centros eruptivos monogenéticos holocénicos terão ocorrido de um
modo aleatório, ora mais a Leste ora mais a Oeste. Esta extrusão de lavas ocorre
igualmente, embora em muito menor número, em zonas “mais antigas”, como o
demonstram as erupções do Piquete do Caveiro, do delta lávico de Ribeiras, do Cabeço de
Évora e do cone de São Miguel Arcanjo, entre outros.
O mesmo tipo de constatação pode ser feito para as erupções ocorridas nos tempos
históricos e sub-actuais, isto é, nos últimos 1000 ou 2000 anos. A extrusão de lavas na
região dos Cabeços do Mistério entre 1562 e 1564 mostra inequivocamente que não há, nos
tempos recentes, um padrão migratório para Leste ao longo do alinhamento vulcânico São
5. História Eruptiva
263
Roque-Piedade, embora se possa inferir esta tendência migratória na fase inicial da sua
edificação.
É sobretudo para aquele intervalo de tempo que é possível apresentar uma abordagem
quantitativa da história vulcânica do alinhamento São Roque-Piedade, essencialmente por
duas ordens de razão. Em primeiro lugar, porque os produtos vulcânicos emitidos nos
últimos 1000 a 2000 anos apresentam-se, em grande parte, com uma boa expressão
cartográfica e, em segundo lugar, porque este período de tempo coincide com o intervalo
coberto pela grande maioria das datações de radiocarbono realizadas no âmbito da
presente tese e do “Projecto Pico”.
A Tabela 5.2 apresenta os dados relativos àquela quantificação, para um total de 13
erupções vulcânicas ocorridas no alinhamento vulcânico São-Roque-Piedade nos últimos
2000 anos. Se para algumas destas erupções, como é o caso da Chã do Pelado e do
Cabeço da Hera, foi possível obter uma idade absoluta aproximada para a sua ocorrência, o
mesmo não se passa relativamente à totalidade das erupções representadas na Tabela 5.2.
Apesar disso, a cartografia efectuada permitiu, em muitas circunstâncias, a recolha de
elementos adicionais que auxiliaram no posicionamento temporal destes eventos,
apresentando-se na Figura 5.1 as principais relações estratigráficas observadas no terreno
entre formações geológicas cartografadas ao longo deste alinhamento vulcânico.
Refira-se a este propósito que foi particularmente difícil correlacionar os depósitos
cartografados na zona oriental do alinhamento vulcânico com os implantados na sua zona
ocidental, dada a grande extensão desta zona de vulcanismo fissural, a inexistência de um
nível geral de referência e a natureza circunscrita dos produtos vulcânicos cartografados. A
adopção de critérios adicionais atempadamente apresentados, permitiu concluir que, face
aos dados disponíveis, as formações geológicas indicadas na Tabela 5.2 devem ser
consideradas como as mais recentes do alinhamento vulcânico São Roque-Piedade.
A Tabela 5.2 mostra que as escoadas lávicas cartografadas neste alinhamento
evidenciam um aspect ratio reduzido, oscilando entre 0,3 km-1, para as escoadas pahoehoe
do Mistério da Praínha e um valor máximo de 4,67 km-1, para as escoadas aa da Lomba do
Coelho. Os valores anormalmente elevados calculados para as escoadas do Cabeço da
Hera I e de “Caisinho” devem-se a razões distintas. No primeiro caso, não foi contabilizada
a área daquelas escoadas que foi capeada pelas escoadas lávicas mais recentes do
Cabeço da Hera II, com coeficiente de aspecto de 1,61 km-1. No segundo caso a
proximidade face ao litoral dos centros eruptivos daquela escoada, está na origem da
5. História Eruptiva
264
formação de um delta lávico de pequenas dimensões, em que as escoadas lávicas
acumuladas na base da arriba evidenciam uma espessura superior a 5 m.
Tabela 5.2. Parâmetros físicos das formações geológicas de idade inferior a 2000 anos pertencentes ao
alinhamento vulcânico São Roque-Piedade.
GEOLÓGICA
FORMAÇÃO
ALTITUDE
CENTROS
ERUPTIVOS
ALTITUDE
FRENTE DA
ESCOADA
COMPRIMENTO
DA ESCOADA
(m)
ÁREA
COBERTA
(km2)
ESPESSURA
MÉDIA
(m)
Mistério da Praínha
(1562-64)
830 m
0m
4400
13,6
4,1
0,30
156,8
158,6
100-200 m
0m
2300
3,1
5
1,61
25,5
31,0
Cabº da Lambisca
430 m
0m
3100
4,1
4
0,98
17,9
19,4
Lomba do Coelho
860 m
0m
2800
1,5
7
4,67
10,7
15,4
Chã do Pelado II
970 m
0m
2900
3,2
5
1,56
22,0
22,5
100-200 m
0m
1700
0,9
10
11,10
9,0
12,6
Cabº da Escaleira
350 m
0m
3300
5,3
4
0,75
23,7
28,8
Cabº da Lança
650 m
0m
4000
5,4
7
1,30
37,8
50,2
Cabº das Cabras
750 m
0m
2900
4,3
5
1,16
21,5
27,4
Cabº do Padre
Roque
850 m
0m
3000
4,6
5
1,09
23,0
30,3
“Caisinho”
180 m
0m
800
0,3
5
20,00
1,3
1,3
900-950 m
0m
2900
3,9
7
1,79
27,3
37,4
900 m
0m
2600
2,6
7
2,69
18,2
25,8
Cabº da Hera II
Cabº da Hera I
Cabº da Laje
Chã do Pelado I
COEF.
VOLUME DA VOLUME
ASPECTO ESCOADA
TOTAL
(km-1)
(X 106 m3) (X 106 m3)
Como seria de esperar, o comprimento das escoadas lávicas emitidas ao longo do
alinhamento vulcânico São Roque-Piedade é fortemente condicionado pelas características
geomorfológicas desta região, designadamente os fortes declives presentes e a
proximidade do mar. Por esta razão, apenas na metade ocidental desta cordilheira as
escoadas lávicas atingem, em geral, uma maior distância relativamente às bocas eruptivas
e, muito raramente, não alcançam a linha de costa, como acontece com as escoadas
lávicas do “cone 1001”, do Cabeço de Évora e dos cones Agudo Grande e Agudo Pequeno
(Apêndice A). Deste modo, enquanto que na metade oriental do Planalto da Achada apenas
uma pequena parte das escoadas lávicas apresenta um comprimento superior a 3 km, na
zona ocidental deste alinhamento vulcânico estas atingem maiores comprimentos, tendo-se
medido valores de 4200 m nas escoadas do Cabeço de Évora, 4400 m no Mistério da
Praínha e 5500 m nas escoadas lávicas do “cone 1001”.
5. História Eruptiva
265
Fig. 5.1. Representação esquemática das principais relações estratigráficas observadas no alinhamento
vulcânico São Roque-Piedade. A numeração romana reporta-se aos tipos litológicos definidos para a ilha do
Pico (cf. Apêndices A e C).
Com excepção do Mistério da Praínha as áreas cobertas são relativamente pequenas (3
a 5 km2) o que se deverá ao facto das escoadas lávicas se movimentarem sobre superfícies
muito declivosas, sendo fortemente canalizadas, pelo que apresentam em geral, junto ao
litoral, uma largura inferior a 3 ou 4 km. A título comparativo refira-se que as escoadas
lávicas emitidas durante a erupção de 1905/06 de Matavanu, Samoa Ocidental, se
espraiaram numa extensão de cerca de 15 km ao longo da linha de costa (Blong, 1984),
enquanto que as escoadas lávicas emitidas entre 1986 e 1992 durante a erupção de
Kupaianaha (Hawaii) atingiram uma frente de largura superior a 7 km.
De acordo com a Tabela 5.2, os valores mais comuns do volume total emitido pertencem
ao intervalo 22,5 x 106 m3 a 31 x 106 m3, correspondendo à erupção de 1562-64 o máximo
volume emitido, no valor de 158,6 x 106 m3. Tomando como referência uma duração de dois
anos para esta erupção (cf. Capítulo 2) e supondo constante a taxa de efusão durante todo
o período eruptivo, àquele volume emitido corresponde uma taxa de efusão média de 2,51
m3 s-1. Refira-se, a propósito, que de acordo com observações efectuadas nos vulcões do
Hawaii e da Islândia, as erupções de magmas básicos são em geral caracterizadas por uma
maior taxa de efusão na fase inicial da erupção (Walker, 1973, Blong, 1984 e Cas e Wright,
1987). Foi o caso da erupção de Askja (Islândia), em 1961, para a qual foi estimada uma
taxa de efusão média de 800 m3 s-1 nas primeiras 8 horas da erupção (Thorarinsson e
Sigvaldason, 1962, in: Walker, 1973), valor que decresceu acentuadamente mais tarde,
tendo sido avaliada uma taxa de efusão média para a duração total da erupção (5 semanas)
de cerca de 33 m3 s-1.
5.4. ESTRATOVULCÃO DA MONTANHA
A Montanha do Pico corresponde a um imponente vulcão central, de vertentes declivosas
e altitude máxima de 2351 m, próximo do topo do qual está implantada uma cratera-poço
266
5. História Eruptiva
com cerca de 550 m de diâmetro. Morfologicamente, este edifício vulcânico corresponde a
um estratovulcão (também designado de vulcão compósito, segundo alguns autores – cf.
secção 3.5.1.), entre outros do Atlântico e do globo terrestre, como o Vulcão Fogo (Cabo
Verde), Teide (Canárias), Fuji-san (Japão) ou o vulcão Mayon, nas Filipinas. Para além de
uma intensa actividade eruptiva no topo do cone principal, a história eruptiva deste vulcão
caracteriza-se por inúmeras erupções nos seus flancos, a diferentes cotas, com um claro
predomínio de centros emissores adventícios nas vertentes Oeste e Leste, uma
consequência directa do campo de tensões presente nesta região do arquipélago.
As erupções no topo do aparelho vulcânico são predominantemente efusivas, de baixa
magnitude (VEI<1), por vezes associadas a fissuras eruptivas, como é o caso daquela
responsável pelo último episódio eruptivo ocorrido no topo da Montanha, posterior à
formação da cratera da Montanha e do cone lávico do Piquinho (Apêndice A). Estas
erupções são em geral acompanhadas pela emissão de escoadas lávicas pahoehoe
compostas, muito fluidas, com quantidades ínfimas de piroclastos associados, as quais se
movimentam ao longo dos flancos do vulcão, capeando escoadas mais antigas e cobrindo,
total ou parcialmente, antigos cones monogenéticos (cones de escórias e cones de salpicos
de lava) aí instalados.
A ausência de qualquer cone secundário a cotas superiores a 1500 m à superfície do
terreno, ou observável nos rebordos Norte e Leste, colapsados, da cratera da Montanha,
mostra que na parte mais elevada deste cone vulcânico, a extrusão de lava ocorre
exclusivamente a partir de centros emissores implantados no topo do vulcão ou a partir de
fissuras eruptivas radiais, os quais são responsáveis pela edificação do cone. Os produtos
emitidos destes centros eruptivos, tal como se observa nas vertentes desta zona e na
parede da cratera da Montanha, correspondem quase exclusivamente a derrames lávicos
do tipo pahoehoe, onde se formaram diversos micro-relevos associados a estas escoadas,
como tumuli, driblet cones, hornitos e toes (cf. secção 3.5).
Os fortes declives presentes na zona mais elevada da Montanha, a presença de lavas
pouco espessas e muito fluidas e uma nítida ausência, ou raridade, de depósitos
piroclásticos, constituem uma situação paradoxal, na medida em que aquelas condições
favoreceriam, à partida, a formação de um cone vulcânico de vertentes suaves e pouco
declivosas, como acontece nos vulcões em escudo do Hawaii. Como se verá em maior
detalhe nas páginas seguintes, a forma cónica muito pronunciada da Montanha do Pico,
apesar da baixa viscosidade da generalidade das suas lavas, dever-se-á, sobretudo, a um
5. História Eruptiva
267
mecanismo eruptivo caracterizado por erupções com baixas taxas de efusão associadas,
como anteriormente sugerido por Walker (1973) e Woodhall (1974).
Os centros emissores adventícios são constituídos em grande parte por cones de
escórias de dimensões variadas, edificados na sequência de erupções do tipo
estromboliano, com uma maior explosividade associada, embora eventos de menor
magnitude, do tipo hawaiano, sejam igualmente comuns, produzindo por vezes extensos
mantos lávicos. Tal como foi possível observar no flanco Sul da Montanha, estas erupções
secundárias são responsáveis, ainda, pela acumulação de níveis piroclásticos (escórias
basálticas), mais ou menos espessos, sobre os derrames lávicos anteriormente referidos e
emitidos sobretudo da região da cratera da Montanha. Deste modo, e apesar da sua
espessura diminuir rapidamente com a distância à boca eruptiva, estes níveis piroclásticos
contribuem, simultaneamente, para a edificação do cone e para a existência de uma
alternância entre níveis piroclásticos e níveis lávicos na Montanha, segundo uma estrutura
interna comum nos estratovulcões, embora com um claro predomínio das escoadas lávicas.
Ao contrário do vulcão do Topo e do alinhamento vulcânico São Roque-Piedade, a região
da Montanha do Pico inclui dois cones de tufos que, embora profundamente degradados
pela erosão marinha, preservam ainda uma forma cónica residual, a qual revela a
localização do respectivo centro emissor. Os Ilhéus em Pé e Deitado (Madalena) e o
Cabeço Debaixo da Rocha estão associados a uma actividade basáltica submarina, do tipo
surtseiano, para a qual não se dispõe de uma idade absoluta que permite datar estas
formas de relevo. Pode-se unicamente contrapor uma idade relativamente “antiga” para
estes cones de piroclastos submarinos face à edificação do estratovulcão da Montanha, tal
como sugere a estratigrafia da zona.
Do mesmo modo, não é perfeitamente claro se tais estruturas vulcânicas correspondem
a cones secundários da Montanha do Pico ou se a sua formação terá sido exclusivamente
controlada pela tectónica regional, dado que, genericamente, estão implantadas em
importantes directrizes tectónicas WNW-ESE que se prolongam desde a ilha do Faial. Estes
alinhamentos incluem, ainda, duas outras formas vulcânicas deste tipo localizadas no canal
Faial-Pico (a Baixa do Sul e a Baixa do Norte), que constituem baixios e que retratam, no
seu conjunto, uma importante actividade hidromagmática na região do Canal Faial-Pico,
numa fase primitiva da edificação da Montanha.
A reconstituição da história eruptiva da Montanha do Pico, sobretudo para os primórdios
da sua construção, apresenta algumas restrições importantes. Por um lado, a inexistência
268
5. História Eruptiva
de datações absolutas para idades superiores a 2000 anos e uma grande lacuna de cortes
geológicos representativos e, ao mesmo tempo acessíveis, do empilhamento lávico mais
antigo deste vulcão poligenético. Por outro lado, a inexistência de um nível geral de base
para todo o edifício vulcânico (como, de certo modo, foi estabelecido para o vulcão do
Topo), inviabiliza o estabelecimento de correlações estratigráficas entre diferentes sectores
do estratovulcão, dificuldade acrescida pelo carácter local que assumem os produtos
vulcânicos emitidos (associados predominantemente a episódios efusivos ou de
explosividade baixa a moderada), na sua maioria restritos a áreas relativamente pequenas.
É sobretudo para as primeiras fases de edificação da Montanha que existem as maiores
incertezas relativamente ao modo e aos intervalos de tempo associados à sua evolução.
Concretamente, não há dados suficientes que permitam indicar uma idade absoluta para as
formações mais antigas da Montanha e, embora alguns indícios apontem para a
possibilidade dos centros emissores responsáveis por esta actividade vulcânica primitiva na
Montanha terem ocupado uma posição a Sul do actual topo da Montanha, desconhece-se,
em rigor, a localização daqueles centros eruptivos. Do mesmo modo, não há elementos
suficientes que permitam concluir que a Montanha do Pico terá mantido um mecanismo
eruptivo constante ao longo de todo o seu processo evolutivo ou se, pelo contrário, terá
havido uma qualquer modificação naquele mecanismo, responsável, designadamente, pela
construção de um vulcão em escudo numa fase inicial da edificação da Montanha,
posteriormente soterrado pelos produtos vulcânicos associados à construção do
estratovulcão.
Apesar destas dificuldades, a vulcanoestratigrafia de detalhe efectuada permitiu a
reconstituição da história eruptiva recente para diferentes regiões da Montanha do Pico (cf.
Nunes et al., 1999 e Apêndice A). Em muitos locais, os dados obtidos permitem conhecer
apenas a idade relativa das diferentes formações geológicas cartografadas e a estratigrafia
definida é válida apenas para o sector em causa. Ou seja, formações geológicas com
características idênticas, designadamente morfológicas e mineralógicas, mas implantadas
noutra área do estratovulcão, não apresentam necessariamente um mesmo posicionamento
estratigráfico.
Por outro lado, as relações estratigráficas observadas abrangem um intervalo de tempo
geológico reduzido, que muito provavelmente não será superior a alguns milhares ou
dezenas de milhar de anos. As características das formações geológicas cartografadas na
Montanha confirmam a natureza muito jovem da grande maioria destes produtos vulcânicos,
5. História Eruptiva
269
designadamente pela ausência generalizada de solos bem desenvolvidos e a presença de
formas extremamente bem preservadas. Neste contexto, os depósitos vulcânicos mais
antigos foram extensivamente cobertos pelos produtos recentes, por vezes segundo uma
película que poderá não ultrapassar algumas dezenas de metros de espessura.
Pode afirmar-se que, do mesmo modo que o vulcão em escudo do Topo corresponde,
em termos gerais, à zona mais antiga da ilha do Pico, o estratovulcão da Montanha
apresenta-se como a região onde, em geral, a actividade vulcânica ocorrida evidencia uma
idade mais recente. Contudo, tal constatação não pode ser considerada como exclusivista,
ou seja, não significa que no primeiro não haja formações geológicas recentes,
provavelmente holocénicas (e.g. fajã lávica das Lajes do Pico) e que no segundo não
aflorem depósitos vulcânicos muito provavelmente com largas dezenas de milhares de anos
de idade, como será o caso na região de Madalena.
Face aos condicionalismos anteriormente mencionados, a reconstituição da história
eruptiva da Montanha far-se-á com maior incidência para um período de tempo
relativamente restrito e que abrange os últimos milhares de anos da edificação da
Montanha. As principais fases de edificação do estratovulcão do Pico são representadas na
Figura 5.2, indicando-se as principais modificações morfológicas e a localização provável
dos centros emissores.
Assim, a primeira fase corresponde à edificação de um grande cone vulcânico devido a
uma actividade vulcânica mais ou menos persistente no topo do vulcão, o qual terá atingido
dimensões provavelmente semelhantes às do cone actual. Aquela actividade terminal terá
sido decerto acompanhada pela extrusão de lavas a cotas inferiores, segundo centros
monogenéticos secundários. Esta fase termina com o colapso do topo deste estratovulcão
primitivo e a formação de uma cratera do tipo cratera-poço, com cerca de 800 m de
diâmetro e rebordo a uma cota de sensivelmente 2050 m.
Na fase seguinte (Fase II), a actividade vulcânica no topo do estratovulcão centra-se
agora em aberturas emissoras localizadas a NNE daquela cratera, e os extensos derrames
lávicos pahoehoe provenientes destes novos centros eruptivos acabam por submergir
totalmente aquela depressão, da qual resta apenas uma nítida ruptura de declive no flanco
Sul da Montanha (cf. Foto 4.50) e uma ligeira zona aplanada à cota de 2050 m (cf. Foto
4.4). Tal como na fase anterior, esta termina com um novo colapso do topo do edifício
vulcânico, dando origem à cratera actual (cf. Foto 3.12), a uma cota aproximada de 2250 m
e deslocada para NNE relativamente à cratera fóssil. A presença de uma falha circular no
270
5. História Eruptiva
topo da Montanha, localizada a SW do bordo da cratera actual e que a intersecta na região
de Eirado (Figuras 4.33 e 5.2), poderá indiciar que a formação desta depressão está
associada a mais do que um colapso, com incremento progressivo das suas dimensões (cf.
secção 4.5.4.2.2.).
Fig. 5.2. Representação esquemática das principais fases de edificação da Montanha do Pico. Explicação no
texto.
A terceira fase inclui a formação do cone lávico do Piquinho no interior da cratera actual
da Montanha e deslocado para NE relativamente ao centro geométrico desta depressão (cf.
estrutura tectónica NNE-SSW a traço-ponto, na Figura 5.2). As escoadas lávicas pahoehoe
emitidas deste cone, sob a forma de “lavas em tripa” (Foto 4.2), preencheram uma parte
substancial da cratera, segundo um espesso empilhamento lávico sub-
-horizontal,
5. História Eruptiva
271
o designado “lago de lava do Piquinho” (Foto 4.47), tendo transbordado nos bordos Este e
SE da cratera. Esta última fase inclui, ainda, a abertura de uma fissura eruptiva no topo da
Montanha, após a edificação do cone do Piquinho. A inclusão deste evento na terceira fase
de edificação da Montanha, deve-se ao facto de que à formação desta fissura eruptiva não
está associado um incremento nas dimensões e na morfologia do estratovulcão. Como se
referiu, desta fissura eruptiva e bocas secundárias associadas, não foram emitidas
escoadas lávicas, mas apenas salpicos de lava e escórias basálticas com fraca dispersão
relativamente à fissura (Apêndice A), muito provavelmente segundo uma actividade de
explosividade reduzida, do tipo repuxos lávicos. Apesar destas características, a referência
a esta fissura eruptiva justifica-se pelo facto de constituir o evento vulcânico mais recente
ocorrido no topo da Montanha do Pico.
Um esquema evolutivo idêntico ao anterior, foi igualmente apresentado por Chovelon
(1982), Forjaz (1989) e Madeira (1998), embora com algumas diferenças relativamente ao
mecanismo eruptivo envolvido e à quantidade e distribuição dos materiais piroclásticos
relativamente às escoadas lávicas. Forjaz (1989) considera a presença de 4 fases na
edificação da Montanha, a última das quais, com uma duração de cerca de 700 anos, teria
sido responsável pela formação de um lago de lava hawaiano no interior da cratera e seu
transbordo sobre as vertentes do estratovulcão, incluindo as suas encostas Oeste. Contudo,
como se referiu, um transbordo deste tipo nos tempos mais recentes terá ocorrido
unicamente na dependência da erupção do Piquinho, a qual, além de não constituir o último
evento vulcânico no topo da Montanha do Pico, foi responsável pelo derrame de escoadas
lávicas apenas sobre os flancos Este e SE do estratovulcão. Por outro lado, o intervalo de
tempo sugerido por Forjaz (1989) não é significativamente diferente da idade de 1310 ± 70
anos BP que se obteve para as escoadas lávicas do Piquinho (ver também secção
4.5.4.3.1.)
Não se dispondo de quaisquer datações absolutas relativas às formações mais antigas
da Montanha do Pico, torna-se extremamente difícil atribuir uma idade máxima a este
edifício vulcânico. Enquanto que Forjaz (1989) sugere uma idade máxima de,
aproximadamente, 145 000 a 155 000 anos para o estratovulcão do Pico, Chovelon (1982)
refere que a Montanha do Pico, incluindo as respectivas emissões radiais secundárias, terá
uma idade máxima de 250 000 anos (cf. secção 3.2.6.). Segundo este mesmo autor, as
escoadas lávicas emitidas durante a segunda fase de edificação da Montanha terão uma
idade inferior a 40 000 anos, estabelecendo para o efeito uma correlação entre o enqua-
272
5. História Eruptiva
dramento morfológico destas escoadas e a presença do graben de Brejos, cuja existência,
como se disse, é muito discutível. Numa tentativa de suprir a falta de dados radiométricos,
Nunes et al. (1998) utilizaram a produtividade vulcânica média calculada para a ilha do Pico
nos tempos históricos, na ordem de 0,0004 km3 ano-1 para estimar a idade máxima do
estratovulcão do Pico, tendo obtido um valor de cerca de 240 000 anos, enquanto que um
intervalo de tempo de cerca de 15 000 anos seria necessário para a edificação do troço
mais elevado da Montanha (para cotas superiores a 1200 m). A avaliação da produtividade
vulcânica da Montanha do Pico efectuada no âmbito do presente trabalho (ver secção 5.6),
mostra que uma produtividade naquela ordem de grandeza poderá ser considerada
aceitável para a produção vulcânica média na zona da Montanha do Pico, confirmando,
assim, a idade máxima anteriormente sugerida.
Um aspecto importante focado no trabalho de Chovelon (1982), e implicitamente
considerado nos trabalhos de Forjaz (1989) e Madeira (1998), diz respeito à migração para
NNE dos centros emissores responsáveis pela actividade vulcânica efusiva centrada no
topo da Montanha. De facto, os centros geométricos da cratera fóssil, da cratera actual da
Montanha e da cratera do Piquinho, definem uma fractura provável de orientação N30E, ao
longo da qual se processou preferencialmente a ascensão magmática, alimentando aquelas
erupções. Tal fractura justifica, também, a formação de crateras do tipo pit-crater no topo da
Montanha segundo aquele alinhamento, na medida em que tal estrutura permitiria o
estabelecimento, nos níveis mais elevados do edifício vulcânico, de uma conduta horizontal
mais ou menos extensa, responsável pelo mecanismo de geração destas depressões, tal
como proposto por Walker (1988).
Parece lógico atribuir-se esta migração a uma acção conjugada da obstrução progressiva
das condutas mais antigas, ao colapso do topo do edifício vulcânico (cf. Figura 5.2) e, ainda,
à existência de uma zona intensamente fracturada no edifício vulcânico segundo a direcção
NNE-SSW. Mais problemático se torna explicar o motivo por que esta migração se deu para
Norte e não para Sul, numa distância de cerca de 500 m relativamente ao centro geométrico
da cratera fóssil. Neste contexto, o enquadramento geodinâmico da Montanha do Pico
poderá ser invocado para justificar tal característica, na medida em que, como explicado
noutra parte deste trabalho, este estratovulcão, e a ilha do Pico em geral, estão implantados
na Zona de Fractura Faial-Pico, de orientação geral WNW-ESE. Como sugerido por Luis et
al. (1994), esta mega-estrutura tectónica do tipo transformante-leaky estabelece
actualmente o limite Sul do “bloco Açores” e definirá, simultaneamente, a actual fronteira de
5. História Eruptiva
273
placas Eurásia-África, pela migração progressiva, para Norte, desta fronteira de placas, nos
últimos 10 MA.
Deste modo, parece plausível associar-se a migração para NNE da actividade vulcânica
efusiva no topo da Montanha nos últimos milhares de anos, a um fenómeno que se
manifesta a uma escala mais global e mais lata no tempo, e que é responsável pela
migração para Norte das directrizes tectónicas activas delimitadoras do bloco, ou microplaca
dos Açores. Apesar desta migração se processar de um modo descontínuo no tempo,
condicionada pelo desenvolvimento de novas condutas de alimentação sob o topo do
estratovulcão do Pico, poder-se-á estimar deslocamentos médios para NNE daqueles
centros eruptivos da ordem de 3,3 a 10 cm/ano, consoante se considere que a formação da
cratera fóssil ocorreu há cerca 15 000, ou 5000 anos, respectivamente (cf. Apêndice A).
Tal como anteriormente, efectuou-se uma abordagem quantitativa da história eruptiva da
Montanha do Pico para um total de 22 eventos vulcânicos ocorridos no estratovulcão nos
últimos 1500 anos, cujos valores obtidos são apresentados na Tabela 5.3. Face à
vulcanoestratigrafia adoptada para a Montanha do Pico e tendo em conta as limitações
inerentes à sua cartografia, discutidas noutra parte deste trabalho, as formações geológicas
indicadas na Tabela 5.3 devem ser consideradas como as mais recentes pertencentes ao
estratovulcão da Montanha.
A Tabela 5.3 mostra que as escoadas lávicas da Montanha do Pico, incluindo aquelas
emitidas de centros emissores adventícios, evidenciam um coeficiente de aspecto (aspect
ratio) reduzido, oscilando entre 0,23 km-1 para as escoadas pahoehoe emitidas da “Fissura
do Escalvado” e um valor máximo de 5,83 km-1, para as escoadas aa do cone de escórias
Pia de Água, excluindo o valor estimado para as escoadas lávicas do Cabeço de Bois,
cobertas em grande extensão pelas lavas do Mistério de São João. As únicas escoadas
emitidas, nesse intervalo de tempo, do topo da Montanha (as escoadas lávicas pahoehoe
do Piquinho), apresentam igualmente um reduzido coeficiente de aspecto (0,33 km -1) o qual
atesta a elevada fluidez destas lavas.
Dada a sua fluidez, as escoadas lávicas apresentam frequentemente um comprimento
superior a 5 km, independentemente da sua morfologia aa ou pahoehoe e incluindo aquelas
emitidas de centros eruptivos localizados nos flancos do estratovulcão, como é o caso das
escoadas lávicas do Alto do Morais-Frei Matias (9200 m), do Mistério de Santa Luzia (8900
m), da Fissura do Escalvado (7400 m) ou do Tamusgo-Calhau (6000 m). As escoadas
emitidas do Piquinho terão atingido distâncias superiores a 6600 m relativamente a este
274
5. História Eruptiva
cone, não sendo possível definir com rigor este valor na medida em que estas escoadas
estão cobertas por outras provenientes de cones secundários mais recentes (e.g. Cabeço
do Forcado).
Embora não indicados na Tabela 5.3, avaliaram-se alguns comprimentos de escoadas
pahoehoe emitidas muito provavelmente do topo da Montanha, de modo a estimar os
comprimentos máximos atingidos por este tipo de escoadas. Assim obtiveram-se
comprimentos de 8000 m para escoadas do Tipo II que atingiram o litoral em Pontinha (São
Mateus), de 9600 m para escoadas do Tipo II no litoral em Santo António, de 10 100 m para
escoadas do Tipo I que atingiram o litoral em Arcos e da ordem de 12 900 m para escoadas
do Tipo II e do Tipo III, a Leste de Cais do Mourato e junto ao Cabeço Debaixo da Rocha,
respectivamente (cf. Apêndices A e C). Estes valores de comprimento das escoadas são da
mesma ordem de grandeza dos calculados para o Vulcão Kilauea (Hawaii), que raramente
excedem 11 km de comprimento (Blong, 1984), mas são significativamente menores que
valores estimados para o Vulcão Mauna Loa (Hawaii), cujas escoadas lávicas atingem
muitas vezes comprimentos superiores a 20 km (Walker, 1973).
A área coberta pelas escoadas da Montanha do Pico varia consideravelmente de uma
erupção para outra, embora, com excepção da formação Tamusgo-Calhau (10,8 km2) e da
“Fissura do Escalvado” (13,1 km2), estas áreas correspondem a valores inferiores a uma
dezena de km2. O mesmo se passa relativamente aos valores de volume total emitido
(Tabela 5.3), tendo-se calculado um volume total emitido para a erupção Tamusgo-Calhau
de 80,2 x 106 m3, enquanto que em erupções como a do Cabeço do Forcado ou do “cone
arieiros” terão sido emitidos volumes significativamente menores, da ordem de 5 x 106 m3 e
3 x 106 m3, respectivamente. Refira-se que considerando a erupção do Cabeço do Escalvado e da “Fissura do Escalvado” como fazendo parte de um mesmo evento vulcânico, a este
evento corresponderia um volume total emitido de 101,6 x 106 m3, valor ainda assim manifestamente inferior ao volume total emitido durante a erupção do Mistério da Praínha.
Segundo Blong (1984) as escoadas lávicas emitidas de fissuras eruptivas apresentam em
geral maiores volumes do que as emitidas de cones vulcânicos. Embora tal aconteça
relativamente a algumas das formações indicadas na Tabela 5.3, não se poderá generalizar
tal característica à totalidade dos dados disponíveis.
Tabela 5.3. Parâmetros físicos das formações geológicas de idade inferior a 1500 anos pertencentes ao
estratovulcão da Montanha.
5. História Eruptiva
FORMAÇÃO
275
ALTITUDE
CENTROS
ERUPTIVOS
ALTITUDE
FRENTE DA
ESCOADA
COMPRIMENTO
DA ESCOADA
(m)
ÁREA
COBERTA
(km2)
ESPESSURA
MÉDIA
(m)
920-1250
m
0m
8900
8,6
2,9
0,34
18,2
21,1
Mistério de São
João (1718)
250 m
0m
1600
2,2
4,7
2,14
10,3
12,8
Mistério da Silveira
(1720)
400 m
0m
2600
4,6
2,3
0,50
14,1
16,7
Lajido-Torres
380 m
0m
5500
7,5
10
1,33
69,5
79,8
Cabº TamusgoCalhau
550 m
0m
6000
10,8
7
0,65
75,6
80,2
Cabº Pia de Água
380 m
0m
2900
1,2
7
5,83
8,4
12,3
Pico da Urze
800 m
0m
4600
8,5
6
0,71
51,0
56,3
“Fissura
Escalvado”
1050 m
0m
7400
13,1
3
0,23
39,3
39,8
Cabº Escalvado
950 m
500 m
6700
5,1
6
1,18
45,8
61,8
Piquinho
2350 m
<350 m
>6600
9,0
3
0,33
48,3
48,3
“Cone Areeiros”
1150 m
470 m
3700
0,9
3
3,33
2,7
3,0
“Canárias-Ponta
Rasa”
900 m
5m
6000
3,7
3
0,81
11,1
11,4
Alto do Morais-Frei
Matias
1000 m
40 m
9200
6,8
3
0,44
20,4
20,4
Cabº Gordo
680 m
<135 m
>6200
5,5
6
1,09
33,0
40,9
“Cone 1270”
1250 m
240 m
4200
2,7
3
1,11
9,2
9,5
“Cone 990”
990 m
350 m
4100
1,2
3
2,50
3,6
3,9
Lomba de São
Mateus
1400 m
160 m
3800
1,7
7
4,12
11,9
13,7
90-130 m
0m
1500
2,9
10
3,45
29,0
36,8
Cabº de Bois
620 m
<140 m
>1500
0,5
5
10,00
2,5
2,7
Cabº do Forcado
850 m
140 m
2000
1,0
5
5,00
5,0
5,3
Cabos do Curral da
Serra
1250 m
<550 m
>4100
1,9
5
2,63
9,5
9,9
Cabº do Alveriano
1000 m
<320 m
>3600
1,5
5
3,33
7,5
7,8
GEOLÓGICA
Mistério de Santa
Luzia (1718)
Delta lávico de São
Mateus
COEF.
VOLUME DA VOLUME
ASPECTO ESCOADA
TOTAL
(km-1)
(X 106 m3) (X 106 m3)
A quantificação efectuada permitiu, ainda, a determinação de uma taxa de efusão média
para as erupções históricas de São João (1718) e da Silveira (1720) de, respectivamente,
0,5 m3 s-1 e 1,2 m3 s-1, valores que confirmam as baixas taxas de efusão que caracterizam o
vulcanismo da Montanha e, em geral, da ilha do Pico (Figura 5.3). Esta figura mostra que,
pelo contrário, nos vulcões em escudo Kilauea e Mauna Loa (Hawaii) predominam
claramente elevadas taxas de efusão, enquanto que para o Vulcão Etna há uma maior
5. História Eruptiva
276
heterogeneidade neste parâmetro, embora com uma tendência geral para taxas de efusão
inferiores a 20 m3 s-1.
100
PICO
Hawaii
Comprimento (km)
Etna
Canárias
Islândia
Japão
Guatemala
10
Congo
1
0,1
1
10
100
1000
3 -1
Taxa de Efusão Média (m s )
Fig. 5.3. Comprimento da escoada versus taxas de efusão média, para as erupções históricas da ilha do Pico e
para outros vulcões basálticos s.l. Dados referentes ao Vulcão Etna parcialmente retirados de Coltelli e Pompilio
(1996). Adaptado de Walker (1973).
Para as escoadas lávicas benmoreíticas de Santa Luzia foi possível avaliar a sua
viscosidade, utilizando-se para o efeito a expressão (Walker, 1967):

g h2sen
3V
sendo  a viscosidade da lava (em poises), g a aceleração da gravidade (980,6 cm s-2),  a
densidade da lava (em g cm-3), h a espessura da escoada (em cm),  o declive (em graus) e
V a velocidade da escoada (em cm s-1).
A determinação da densidade da lava foi efectuada pelo Laboratório Regional de
Engenharia Civil e forneceu um valor de 2,78 g cm-3, enquanto que a velocidade média da
escoada (41,4 cm s-1) foi estimada a partir dos elementos coevos (cf. secção 2.3.2.),
segundo os quais as lavas demoraram menos de 6 horas até atingir o litoral (Macedo,
1981a), percorrendo uma distância de cerca de 8900 m (Tabela 5.3). As variações
observadas no declive da vertente e na espessura da escoada, justificaram a adopção de
5. História Eruptiva
277
um declive médio ponderado de 7,3º e de uma espessura média ponderada de 225 cm
(Cruz et al., 1995) de que resultou uma viscosidade de 1,41 x 105 poises para as lavas do
Mistério de Santa Luzia.
Na Figura 5.4 é possível comparar este valor com viscosidades determinadas por Walker
(1967) para o Vulcão Etna e com valores recalculadas para o Vulcão dos Capelinhos, com
base em dados fornecidos por Machado (1958 e 1959). Refira-se que os valores de
viscosidade projectados no diagrama correspondem ao logaritmo (de base 10) da
viscosidade, em poises (Walker, 1973) e que o valor mais elevado calculado para o Vulcão
dos Capelinhos se reporta à frente da escoada lávica de 23 de Agosto de 1958, na fase final
da sua progressão e quando esta escoada avançava muito lentamente (Machado, 1959).
250
Santa Luzia
Etna
Espessura (cm)
200
Capelinho s
150
100
50
0
4
4,5
5
5,5
6
6,5
7
Log Viscosidade (Poises)
Fig. 5.4. Espessura da escoada versus logaritmo (base 10) da viscosidade, para as lavas benmoreíticas do
Mistério de Santa Luzia e para escoadas lávicas do Vulcão Etna (Walker, 1967) e do Vulcão dos Capelinhos
(Machado, 1958 e 1959). Adaptado de Walker (1973).
5.5. PRODUTIVIDADE VULCÂNICA
A análise da produtividade vulcânica de um dado aparelho ou área vulcânica constitui
uma abordagem fundamental no domínio da sua história eruptiva. Neste âmbito procura-se
avaliar as variações ocorridas relativamente à frequência e ao tamanho das erupções, bem
como no volume total emitido durante cada evento vulcânico e as relações volumétricas
278
5. História Eruptiva
entre os materiais expelidos pelo vulcão num dado período de tempo (Imsland, 1989).
Adicionalmente, a análise da distribuição temporal e espacial desta produtividade num dada
região vulcânica poderá ser fundamental para a compreensão dos mecanismos
responsáveis pela génese e evolução dos aparelhos vulcânicos.
Foi possível estimar a produtividade vulcânica média ocorrida ao longo do alinhamento
vulcânico São Roque-Piedade e no estratovulcão da Montanha, a partir da quantificação
dos volumes emitidos durante as erupções mais recentes ocorridas naqueles complexos
vulcânicos (cf. Tabelas 5.2 e 5.3). Para o efeito consideraram-se os limites temporais
propostos para cada uma das unidades e sub-unidades estratigráficas do C.V. São RoquePiedade e do C.V. da Montanha (cf. Tabela 3.3 e Apêndice A). Foi possível calcular, deste
modo, a produção vulcânica em toda a ilha do Pico nos intervalos de tempo em causa, uma
vez que, como se referiu, nos últimos 5000 anos não terão ocorrido erupções vulcânicas no
Vulcão do Topo. Para intervalos de tempo superiores a 1500 anos (no caso da Montanha do
Pico) e 2000 anos (no caso do C.V. São Roque-Piedade) os volumes emitidos (não
expressos nas Tabelas 5.2 e 5.3) foram calculados do mesmo modo, ou seja, tendo em
conta unicamente as áreas aflorantes de cada formação geológica. Na Tabela 5.4
apresentam-se os valores calculados para a produtividade vulcânica média, expressos em
km3/século, para os diferentes intervalos de tempo considerados.
A análise dos resultados obtidos mostra que a produtividade vulcânica na metade
ocidental da ilha do Pico, isto é, no estratovulcão da Montanha, é em geral ligeiramente
maior do que a produção vulcânica que se verifica no Planalto da Achada, embora aquelas
produtividades atinjam valores da mesma ordem de grandeza. De facto, com excepção da
produção vulcânica calculada para a Montanha nos tempos históricos (0,01 km3/séc.) e a
produtividade estimada para os últimos 10 000 anos no alinhamento vulcânico São Roque
Piedade (»0,004 km3/séc.), os restantes valores obtidos são comparáveis entre si, variando
entre 0,23 a 0,40 km3/séc., consoante o período de tempo e a área vulcânica considerada.
Refira-se, neste contexto, que a reduzida produtividade estimada para a zona de
vulcanismo fissural da região Leste da ilha do Pico durante os últimos 10 000 anos está
claramente sub-avaliada, na medida em que as formações geológicas com menos de 2000
anos aí cartografadas cobrem extensivamente todos os afloramentos mais antigos,
impossibilitando uma estimativa correcta dos respectivos volumes emitidos (cf. Apêndice A).
Do mesmo modo, o valor de 0,01 km3/séc. calculado para a Montanha do Pico nos tempos
históricos estará igualmente sub-avaliado, por razões a seguir enunciadas, embora, neste
5. História Eruptiva
279
caso, os erros em causa sejam minimizados em termos da avaliação da produtividade
média para intervalos de tempo mais longos.
Tabela 5.4. Produtividade vulcânica média na ilha do Pico.
INTERVALO DE TEMPO
CONSIDERADO
PRODUÇÃO VULCÂNICA PRODUÇÃO VULCÂNICA PRODUÇÃO VULCÂNICA
NO C.V. DA MONTANHA
NO C.V. SÃO ROQUE-
OBSERVAÇÕES
NA ILHA DO PICO
PIEDADE
0,010 km3/século
0,032 km3/século
0,042 km3/século
Não foram tidos em conta os
volumes correspondentes às
erupções submarinas de
1718 e de 1963
1000 anos BP
0,038 km3/século
0,025 km3/século
0,063 km3/século
Erupções históricas e
erupções “sub-actuais”
1500 anos BP
0,040 km3/século
0,023 km3/século *
0,063 km3/século
(*) Valor calculado a partir de
um intervalo de 2000 anos
(cf. Apêndice A)
5000 anos BP
0,029 km3/século
»0,008 km3/século *
???
(*) Valor calculado a partir de
um intervalo de 10 000 anos
(cf. Apêndice A)
500 anos BP
(Vulcanismo
Histórico)
Com efeito, o valor de 0,01 km3/séc. não inclui os volumes emitidos durante as erupções
submarinas de 1718 e de 1963, do mesmo modo que na sua avaliação não foram incluídos
os volumes de lava emitidos durante as erupções do Cabeço Escalvado e da “Fissura do
Escalvado” (Tabela 5.2) que, como discutido noutro capítulo, poderão ter ocorrido
imediatamente antes ou nos anos que se seguiram à descoberta e povoamento da ilha do
Pico, numa altura em que era muito reduzido o número de aglomerados populacionais na
ilha e os existentes se concentravam apenas na região de Lajes do Pico-Ribeiras (Nunes et
al., 1997). De facto, considerando-se o episódio vulcânico do Escalvado como pertencente
ao intervalo correspondente ao vulcanismo histórico da ilha do Pico (500 anos BP), a
produção vulcânica na Montanha nos tempos históricos seria de 0,03 km3/séc. Neste caso,
a produtividade no período 500-1000 anos BP passaria de 0,066 km3/séc. para 0,046
km3/séc., com um valor médio na Montanha do Pico de 0,038 km3/séc. para os últimos 1000
anos, valor indicado na Tabela 5.4.
Por outro lado, enquadrando o episódio do Escalvado no vulcanismo histórico da ilha do
Pico, a análise da produtividade vulcânica obtida para cada uma das sub-unidades
estratigráficas (a partir dos volumes indicados nas Tabelas 5.2 e 5.3), mostra que, apesar
de algumas variações, positivas e negativas (Figura 5.5), a produção vulcânica tem-se
5. História Eruptiva
280
mantido relativamente constante na ilha do Pico, nos últimos milénios. No estratovulcão da
Montanha obtêm-se valores médios de cerca de 0,040 km3/séc. nos últimos 1500 anos,
enquanto que no alinhamento vulcânico São Roque-Piedade, a produção vulcânica
estimada é de 0,023 km3/séc. nos últimos 2000 anos. A tais valores corresponde uma
produtividade vulcânica para a toda a ilha do Pico de 0,063 km3/séc.
Verifica-se, contudo, uma ligeira diminuição na produtividade vulcânica da Montanha do
Pico no período histórico, período durante o qual ocorreu extrusão de lavas ligeiramente
evoluídas durante a fase inicial da erupção de 1718, de composição tendencialmente
benmoreítica. Tal correlação poderia indiciar a existência de um processo de diferenciação
magmática em curso sob a Montanha do Pico, ainda que numa fase inicial. Com efeito, tal
como indicado para outras regiões do globo, as variações observadas na produtividade
vulcânica poderão ser associadas ao estádio evolutivo de um dado vulcão ou sistema
vulcânico, na medida em que, ao mesmo tempo que os produtos emitidos se tornam mais
siliciosos, há, em geral, uma diminuição na produtividade com esta evolução.
Sendo a expressão mais significativa da evolução sofrida pelos magmas, as variações
observadas no respectivo teor em SiO2 (Araña e Ortiz, 1996) e sendo o mecanismo
evolutivo usualmente aplicado a edifícios vulcânicos com os estratovulcões aquele em que
tal evolução culmina com a formação de grandes caldeiras de colapso ou de subsidência no
seu topo, na sequência de erupções explosivas paroxismais, poderá especular-se acerca da
possibilidade dos valores agora obtidos para a produtividade vulcânica na Montanha do Pico
apontarem para um estádio evolutivo deste tipo. Os curtos intervalos de tempo
considerados, o reduzido número de evidências que apontam para a existência de um
significativo processo de diferenciação em curso na Montanha do Pico e a natureza do
estudo agora efectuado, são insuficientes para que se possa, a este respeito, apresentar
elementos mais conclusivos.
Os valores de produtividade agora obtidos são da mesma ordem de grandeza dos
indicados por Booth et al. (1978), para os Vulcões Sete Cidades, Fogo e Furnas, aos quais
Produtividade (km 3/séc.)
0,07
0,06
0,05
M o ntanha
0,04
0,03
P lanalto
?
Ilha P ico
?
0,02
0,01
?
0
A
B
C
Tem po
D
5. História Eruptiva
281
corresponderia uma produção vulcânica conjunta de 0,09 km3/séc.. Moore (1991), por seu
turno, estima uma produtividade média para cada um daqueles vulcões centrais com
caldeira em 0,02-0,03 km3/séc., 0,04 km3/séc. e 0,06 km3/séc., respectivamente, com base
na estimativa do volume subaéreo dos vulcões em causa. Por seu turno, Self (1982), sugere
uma produção vulcânica média de 0,024 km3/séc. nos últimos 23 000 anos na ilha Terceira,
enquanto que Lloyd e Collis (1981) estimaram uma produtividade média de 0,013 a 0,016
km3/séc. para o Vulcão Guilherme Moniz-Pico Alto (Ilha Terceira).
Fig. 5.5. Produtividade vulcânica na ilha do Pico: A- erupções da sub-unidade intermédia (Unidade Intermédia);
B- erupções da sub-unidade superior (Unidade Intermédia); C- erupções “sub-actuais”; D- erupções históricas
(incluindo “episódio do Escalvado”) – cf. Apêndice A.
Os vulcões basálticos Kilauea e Mauna Loa (Hawaii) são os que apresentam maior
produtividade à escala do globo, com uma produção conjunta de 4,6 km3/séc. (Booth et al.,
1978), enquanto que outros, como o Vulcão Hekla (Islândia), o Etna ou o Vulcão Oshima
(Japão), apresentam produtividades significativamente inferiores, na ordem de 0,9 km 3/séc.,
de 0,75 km3/séc. e de 0,2 km3/séc., respectivamente. Os estratovulcões Cerro Negro e
Fuego, na Guatemala, apresentam produtividades médias de 0,13 e 0,38 km3/séc.,
respectivamente (Cas e Wright, 1987). Segundo Imsland (1989), o vulcanismo das zonas de
rifte da Islândia (que inclui vulcões como o Krafla, o Askja e o Laki) é caracterizado por uma
produção anual de 0,008 a 0,016 km3, um valor cerca de 4 vezes superior à produtividade
vulcânica das restantes regiões da ilha.
Conhecidos os volumes emitidos num dado período de tempo e o volume total do vulcão,
é genericamente possível estimar o intervalo de tempo necessário para a construção de
todo o edifício vulcânico, assumindo-se, neste contexto, que a produção vulcânica se
mantém relativamente constante ao longo do tempo, e que não existem longos períodos de
repouso (Chester et al., 1985). Uma estimativa deste tipo foi efectuada, por exemplo, por
Self e Gunn (1976) para o Vulcão do Pico Alto, Ilha Terceira, para o qual sugerem uma
idade de 50 000 a 60 000 anos para a construção do respectivo empilha-mento lávico.
Partindo daqueles pressupostos, e tomando os valores de produtividade vulcânica acima
referidos como constantes, a edificação do troço subaéreo da Montanha do Pico (cerca de
97 km3) terá ocorrido nos últimos 240 000 anos, idade anteriormente sugerida por Nunes et
al. (1997), com base no estudo do vulcanismo histórico da ilha do Pico. Adicionalmente, a
282
5. História Eruptiva
uma produção vulcânica média de 0,023 km3/séc. nos últimos 2000 anos ao longo do
alinhamento vulcânico São Roque-Piedade (Tabela 5.4), corresponderia uma idade máxima
de 300 000 anos para a formação desta cordilheira vulcânica, valor que, em termos
genéricos, é compatível com as idades disponibilizadas por Chovelon (1982), de 230 000 
80 000 anos e 270 000  150 000 anos, para rochas do Complexo Vulcânico São RoquePiedade (cf. secção 4.5.1.).
Como facilmente se conclui, as idades agora estimadas são indicativas, na medida em
que numa aproximação desta natureza são diversas as variáveis que podem interferir no
seu cálculo final. A título exemplificativo, refira-se que as datações
14
C disponíveis parecem
indicar a existência de tempos de repouso mais longos, intercalados com outros de menor
duração, o mesmo se deduzindo da actividade vulcânica ocorrida na ilha do Pico durante os
tempos históricos (ver secção 4.5.1. e Capítulo 6). Apesar destas limitações, crê-se que, na
falta de dados mais precisos, nomeadamente de idades absolutas para as rochas mais
antigas da ilha do Pico, esta constituirá uma aproximação válida, em particular para a
Montanha do Pico, onde as datações disponíveis abrangem um intervalo de tempo de
apenas cerca 2000 anos da história eruptiva do vulcão.
Finalmente, os valores de produtividade obtidos e, de um modo mais vasto, a
quantificação efectuada, permitiram compreender melhor a presença, nesta região da Zona
de Fractura Faial-Pico, de um cone vulcânico de grandes dimensões como é a Montanha do
Pico, bem como a morfologia evidenciada por este edifício vulcânico, designadamente os
fortes declives presentes. Com efeito, os parâmetros quantificados fornecem um conjunto
de dados que, como se verá, permitem uma maior sustentação das hipóteses avançadas.
A Tabela 5.5 apresenta um resumo comparativo dos principais parâmetros físicos
calculados no âmbito do presente capítulo. A análise desta tabela mostra que, enquanto
que o coeficiente de aspecto e a área coberta pelas escoadas lávicas da Montanha e do
alinhamento vulcânico São Roque-Piedade são muito idênticos, há diferenças importantes
relativamente ao comprimento das escoadas e aos volumes de lava emitidos. De facto, o
comprimento das escoadas emitidas na região da Montanha é, em média, duas vezes
superior ao comprimento das escoadas cartografadas na região oriental da ilha do Pico o
que, como se referiu antes, deve-se não só à maior fluidez das primeiras, mas,
principalmente, ao enquadramento morfológico das segundas, emitidas em geral a poucos
quilómetros da linha de costa.
5. História Eruptiva
283
Contudo, o dado mais importante evidenciado pela Tabela 5.5 diz respeito à
quantificação dos volumes emitidos, verificando-se que, em termos globais, os volumes
emitidos durante um dado evento vulcânico na região do estratovulcão do Pico são menores
comparativamente aos localizados no Planalto da Achada. Tal constatação é válida quer
para os máximos valores do volume total emitido (80,2 x 106 m3 contra 158,6 x 106 m3), quer
para a média dos valores do volume total emitido (27,0 x 106 m3 e 35,4 x 106 m3,
respectivamente).
A comparação destes valores com os obtidos para a produtividade vulcânica, em que se
verificou existir uma produção vulcânica ligeiramente superior na região da Montanha do
Pico, mostra que esta maior produtividade não corresponde a maiores volumes emitidos
durante as erupções vulcânicas de per si, mas, ao invés, a maior produtividade vulcânica
observada traduz uma actividade vulcânica na região da Montanha do Pico caracterizada
pela ocorrência de numerosas erupções vulcânicas, as quais se caracterizam,
individualmente, por volumes de lava emitidos relativamente pequenos. Ou seja, a maior
frequência eruptiva na região do estratovulcão, mais do que os volumes emitidos, justifica a
maior produtividade desta zona. Isto mesmo se observou nos tempos históricos, em que as
erupções de 1718 e 1720 apresentam volumes significativamente menores do que a
erupção do Mistério da Praínha. O maior número de erupções vulcânicas na região da
Montanha do Pico, em igual período de tempo, relativamente ao alinhamento São RoquePiedade pode deduzir-se igualmente da comparação das Tabelas 5.2 e 5.3. Por outro lado,
como se mostrou anteriormente, as taxas de efusão média na ilha do Pico são baixas
(Figura 5.3), o que parece ser particularmente válido para as erupções com foco no
estratovulcão do Pico, traduzindo-se esta reduzida taxa de efusão na extrusão de escoadas
lávicas pahoehoe predominantemente compostas.
Tabela 5.5. Resumo comparativo dos principais parâmetros físicos determinados para formações geológicas do
C.V. da Montanha e o C.V. São Roque-Piedade.
COMPLEXO VULCÂNICO
PARÂMETRO
MAIOR VALOR
MENOR VALOR
VALOR MÉDIO
DESVIO PADRÃO
“Área Coberta”
13,6 km2
0,3 km2
4,1 km2
3,3 km2
Complexo Vulcânico
“Volume Total”
158,6 x 106 m3
1,3 x 106 m3
35,4 x 106 m3
38,9 x 106 m3
São Roque-Piedade
“Comprimento”
4400 m
800 m
2823 m
908 m
4,67 km-1
0,30 km-1
1,63 km-1
1,18 km-1
“aspect ratio”
5. História Eruptiva
284
“Área Coberta”
13,1 km2
0,5 km2
4,6 km2
3,7 km2
Complexo Vulcânico
“Volume Total”
80,2 x 106 m3
2,7 x 106 m3
27,0 x 106 m3
24,6 x 106 m3
da Montanha
“Comprimento”
9200 m
1500 m
4668 m
2268 m
5,83 km-1
0,23 km-1
1,67 km-1
1,58 km-1
“aspect ratio”
Em suma, a conjugação de todos estes factores permitiu concluir que a Montanha do
Pico
tem
crescido
devido
à
ocorrência
de
numerosas
erupções
vulcânicas
predominantemente efusivas na região terminal do cone, as quais se caracterizam por taxas
de efusão muito reduzidas e volumes emitidos relativamente pequenos. Neste contexto, a
concentração de focos eruptivos no topo do vulcão favorece o crescimento da Montanha,
pelo que o estratovulcão adquire grandes altitudes e vertentes muito declivosas. A intensa
fracturação da crusta nesta região da Zona de Fractura Faial-Pico, designadamente pela
intersecção de acidentes tectónicos de orientação WNW-ESE, NW-SE e NNE-SSW,
fornece as condições estruturais necessárias a uma mais eficaz ascensão do magma de
níveis profundos, contribuindo para a maior produtividade vulcânica na região do
estratovulcão do Pico relativamente às áreas adjacentes, designadamente o alinhamento
vulcânico São Roque-Piedade e, decerto, o canal Faial-Pico e a ilha do Faial, parte
integrante do mesmo sistema vulcânico.
Ao invés, a actividade vulcânica que tem ocorrido ao longo do Planalto da Achada nos
últimos 230 000 anos (com uma produtividade da mesma ordem de grandeza do que a
presente na Montanha do Pico), ao dispersar-se ao longo de uma faixa com cerca de 30 km
de comprimento e uma largura de 2 a 4 km, permitiu a edificação desta extensa cordilheira
vulcânica, segundo numerosos vulcões monogenéticos alinhados ao longo de fracturas
WNW-ESE a W-E, em vez de um grande edifício vulcânico poligenético, como é a
Montanha do Pico.
5.6. MECANISMO ERUPTIVO E PLUMBING SYSTEM
5. História Eruptiva
285
Como resulta dos elementos disponibilizados e da sua discussão, poder-se-á considerar
a presença de dois mecanismos eruptivos principais na ilha do Pico. Por um lado, o
mecanismo associado à edificação dos vulcões centrais poligenéticos do Topo e da
Montanha e, por outro, o responsável pela edificação de uma extensa cordilheira vulcânica
(o Planalto da Achada), de vulcanismo marcadamente fissural e formada por numerosos
cones monogenéticos. Como se deduz do acima exposto, o mecanismo responsável pela
edificação do vulcão em escudo do Topo e do estratovulcão da Montanha, inclui as
erupções secundárias, ou adventícias, ocorridas nos flancos destes edifícios vulcânicos,
alimentadas em grande parte a partir do sistema de condutas profundas (plumbing system)
responsável pela extrusão de lava na zona terminal do cone.
No caso da Montanha do Pico, na medida em que corresponde ao vulcão central com
maior expressão morfológica na ilha, é possível abordar mais detalhadamente as potenciais
relações existentes entre os diferentes estilos eruptivos que o caracterizam, o mecanismo
eruptivo que preside à sua génese e a dinâmica do respectivo plumbing system. Assim,
adoptando genericamente a classificação proposta por Rittmann (1965, in: Coltelli e
Pompilio, 1996) para o Vulcão Etna, as erupções vulcânicas ocorridas na Montanha do Pico
poderão ser agrupadas em três categorias principais (Figura 5.6):
 Erupções terminais ou sub-terminais, caracterizadas pela extrusão de lava pobre em
voláteis (sob a forma de erupções efusivas e de muito baixa explosividade), a partir de
centros emissores localizados no topo do cone, ou muito próximo deste, incluindo a
cratera ou fissuras eruptivas radiais. Estas erupções, caracterizadas por baixas taxas de
efusão e por pequenos volumes emitidos, são predominantemente do tipo hawaiano,
com a emissão de escoadas lávicas pahoehoe compostas. Como é evidente, erupções
deste tipo incluem as erupções do Piquinho e da fissura eruptiva do topo da Montanha,
bem como aquelas responsáveis, nomeadamente, pelas escoadas com glomérulos de
plagioclase (do Tipo I e do Tipo II) emitidas da região da cratera da Montanha;
5. História Eruptiva
286
Fig. 5.6. Corte esquemático representativo dos principais tipos de erupções associadas ao estratovulcão do
Pico. T- terminal ou sub-terminal; L- secundária lateral; E- secundária excêntrica.
 Erupções secundárias (ou adventícias) laterais, a partir de centros emissores
implantados nos flancos do estratovulcão, alimentadas por intrusões magmáticas ao
longo de um conjunto de fissuras radiais ao edifício vulcânico, sob a forma de um
sistema filoniano radial. Estas erupções são caracterizadas, em geral, por uma maior
explosividade associada, segundo erupções predominantemente do tipo estromboliano,
dando origem à formação de cones de escórias, cones de salpicos de lava e, mais
raramente, fissuras eruptivas e cristas de salpicos de lava. Os volumes emitidos variam
significativamente, desde valores mais elevados, como no caso do Cabeço do Escalvado
ou do Cabeço do Tamusgo, a volumes relativamente menores, como aqueles emitidos
do “cone arieiros”, dos Cabeços do Curral da Serra ou na erupção do Mistério de Santa
Luzia. Embora sejam raras formas vulcânicas como aquelas indicadas a cotas superiores
a 1200 m e não se tenham identificado episódios eruptivos desta natureza nos tempos
mais recentes, poderão ocorrer erupções secundárias deste tipo a cotas mais elevadas
do estratovulcão da Montanha;
 Erupções secundárias excêntricas, semelhantes às anteriores mas em que a ascensão
magmática se processa ao longo de fissuras não directamente interligadas à conduta de
alimentação central do vulcão. Neste contexto, uma fracturação local, associada à
implantação e ao crescimento do próprio edifício vulcânico, e a presença de fracturas
controladas pela tectónica regional, favorecem a extrusão da lava, maioritariamente
segundo erupções do tipo estromboliano, com a edificação de cones monogenéticos
dispersos pelos flancos do estratovulcão. As erupções do alinhamento Cabeço da
Queimada-Cabeço da Árvore constituirão o exemplo mais elucidativo duma actividade
deste tipo na Montanha do Pico, a que se juntam outros exemplos, porventura menos
explícitos, dos alinhamentos Cabeço Grande-Cabeço Pequeno-Cabeço do Gato, dos
Ilhéus da Madalena e do Cabeço do Mariano-Cabeço do Fogo, entre outros.
Como facilmente se deduz desta classificação, poderá ser extremamente difícil distinguir,
nalguns casos, as erupções secundárias laterais, das erupções excêntricas ocorridas nos
flancos do vulcão, dado o elevado número de alinhamentos tectónicos presentes na
Montanha do Pico. Do mesmo modo, os níveis pouco profundos atingidos pela erosão, a
5. História Eruptiva
287
predominância de afloramentos muito recentes e a ausência de cortes elucidativos nas
vertentes do vulcão, inviabilizam a identificação do sistema filoniano interligado à conduta
central do vulcão, o que dificulta aquela separação. Contudo, os diversos exemplos
apresentados e a cartografia efectuada permitem estabelecer, em termos gerais, aquela
separação para as erupções secundárias (adventícias) que se desenvolveram nos flancos
do estratovulcão.
Referiram-se anteriormente as principais causas que terão contribuído para o
crescimento da Montanha e para a sua morfologia, designadamente a presença de
vertentes muito declivosas. Tais causas são, resumidamente, uma consequência do
mecanismo eruptivo envolvido na edificação do cone, designadamente o tipo de erupção, a
sua frequência e os volumes envolvidos, e, para o caso das erupções secundárias, a sua
distribuição espacial. Necessariamente, outros aspectos fundamentais terão contribuído,
embora em menor escala, para a morfologia evidenciada actualmente pela Montanha do
Pico. A título de exemplo, refira-se que, enquanto que as escoadas alimentadas por
sistemas de túneis lávicos atingem maiores distâncias relativamente aos centros emissores,
as escoadas pahoehoe compostas, em geral de menor comprimento, acumulam-se
preferencialmente na zona central do vulcão e em torno dos centros emissores, tornando
mais espesso o empilhamento lávico nesta zona. Contribuem, deste modo, para a maior
declividade da zona mais elevada do vulcão, sugerindo Madeira (1998) que a inflexão geral
que se observa nas vertentes da Montanha para cotas superiores a 1200 m poderá ser
explicada por um mecanismo deste tipo.
Diferentes causas podem, contudo, ser invocadas para explicar a assimetria das
vertentes do vulcão, em particular no que diz respeito às vertentes Sul e Norte do cone.
Esta assimetria resulta, em parte, do facto da morfologia da Montanha constituir uma forma
herdada, isto é, a sua morfologia actual foi fortemente condicionada pela forma do
substracto rochoso sobre o qual se edificou, de perfil transversal genericamente trapezoidal
(Madeira, 1998). Tomando como referência a distribuição geográfica das formações antigas
do Complexo Vulcânico São Roque-Piedade que afloram entre Santo António, o Cabeço do
Piquinho e a Lagoa do Capitão, é razoável admitir-se a presença de formações deste tipo
mais a Sul, sob a actual zona mais declivosa do estratovulcão e soterradas pelo
empilhamento lávico do estratovulcão. Assim sendo, estas formações “antigas” do C.V. São
Roque-Piedade constituem o potencial substracto sobre o qual se edificou a Montanha do
Pico (Figura 5.7).
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5. História Eruptiva
Neste contexto, os maiores declives da encosta Sul do estratovulcão relativamente ao
seu flanco Norte, justificar-se-iam: 1) pelo declive das vertentes Sul deste substracto, que
deverá apresentar uma inclinação acentuada, à semelhança do que se observa do lado
Norte (Figura 5.7), designadamente, na zona sobranceira a São Roque do Pico e a São
Miguel Arcanjo; 2) pela configuração geral do Planalto da Achada, e 3) pelo facto da
conduta central do estratovulcão se situar relativamente próximo da vertente Sul do
substrato antigo. Recorde-se que esta conduta central tem vindo a migrar para NNE, pelo
que, há alguns milhares de anos atrás, seria ainda maior a sua proximidade relativamente
ao bordo Sul do substracto primitivo, facilitando a extrusão de lavas junto a zonas muito
declivosas.
Outro aspecto particularmente importante que, decerto, terá condicionado o declive das
vertentes do estratovulcão diz respeito à intensa fracturação que caracterizará este
substracto, com blocos afundados e blocos elevados ao longo de escarpas de falha
sensivelmente WNW-ESE (Figura 5.7). A Falha da Lagoa do Capitão, a Norte, e a Falha de
São Caetano, a Sul, representam actualmente os principais acidentes tectónicos deste tipo
com nítida expressão superficial. Neste âmbito, a proximidade da Falha de São Caetano
relativamente ao litoral e a altura da respectiva escarpa, são factores adicionais
responsáveis pela forte declividade das escoadas lávicas emitidas a níveis mais elevados na
Montanha do Pico. Tal como se pode observar ao longo da Ribeira Grande e da Ribeira
Nova, estas escoadas apresentam usualmente uma grande inclinação e uma espessura
reduzida ao galgar aquela escarpa, contribuindo decisivamente para a assimetria observada
nas vertentes do estratovulcão do Pico.
Fig. 5.7. Corte esquemático da estrutura interna da Montanha do Pico e da região ocidental do C.V. São RoquePiedade (formações antigas), sobre a qual se terá edificado o estratovulcão (modificado de Madeira, 1998).
Embora se tenha discutido anteriormente, em termos gerais, o mecanismo eruptivo
responsável pela edificação do vulcão em escudo do Topo e do alinhamento vulcânico São
5. História Eruptiva
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Roque-Piedade, será oportuno referir que um mecanismo similar ao proposto para a
Montanha do Pico poderá ser aplicado ao Vulcão do Topo, salvaguardadas as devidas
diferenças. Estas incluem uma maior representatividade das escoadas lávicas no
empilhamento lávico do vulcão, com implicações directas na forma do aparelho vulcânico, e
diferenças importantes em termos de controlo geodinâmico das erupções, designadamente
a presença de uma directriz NE-SW dominante, associada sobretudo ao desenvolvimento
das erupções secundárias (adventícias) do Vulcão do Topo e que está igualmente retratada
na presença de um sistema de intrusões filonianas com aquela orientação preferencial. O
aspecto degradado do vulcão, uma morfologia fortemente afectada por colapsos
importantes e a sua extensa cobertura por produtos vulcânicos mais recentes, não
permitiram uma avaliação da produtividade vulcânica associada ao vulcão em escudo do
Topo, inviabilizando, assim, uma abordagem mais detalhada do seu mecanismo eruptivo.
Relativamente à região de vulcanismo fissural que domina toda a metade oriental da ilha
do Pico, para além das considerações atrás apresentadas, parece oportuno acentuar que a
edificação da cordilheira vulcânica conhecida por “Planalto da Achada”, mais do que
qualquer outra região da ilha do Pico, mostra de um modo inequívoco a influência da
tectónica no vulcanismo da ilha. De facto, a intensa fracturação tectónica presente nesta
região e que retrata o campo de tensões dominante na Zona de Fractura Faial-Pico, traduz-se na ocorrência de numerosas erupções vulcânicas predominantemente do tipo
estromboliano, alimentadas por um sistema de fracturas de orientação geral WNW-ESE a
W-E. Neste contexto e adoptando-se o mecanismo sugerido por Booth et al. (1978) para a
região basáltica s.l. do “Complexo Vulcânico dos Picos”, na Ilha de São Miguel, a ascensão
magmática processar-se-á directamente desde níveis profundos até à superfície, ao longo
daquele sistema de fracturas e favorecida pelo regime transtensivo que caracteriza a Zona
de Fractura Faial-Pico (Luis et al., 1994 e Madeira, 1998).
A presente apresentação não ficaria completa sem a discussão de uma questão, tão
intensamente debatida, como frequentemente inconclusiva: a existência, ou não, de uma
câmara magmática sob o estratovulcão do Pico. Noutros termos, a ascensão magmática na
região da Montanha do Pico, processar-se-á de um modo análogo ao atrás indicado para a
metade oriental da ilha do Pico ou, pelo contrário, haverá um qualquer tipo de
reservatório(s) intra-crustal no qual o magma é armazenado durante um período de tempo
mais ou menos longo e a partir do qual atinge a superfície? A resposta a esta questão não é
linear e, certamente, não será consensual. Contudo, o conjunto de elementos recolhidos no
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5. História Eruptiva
âmbito da presente tese permite, mesmo que de um modo sumário, apontar algumas pistas
para uma resposta definitiva.
Em primeiro lugar, nos diversos estudos realizados até à data sobre a ilha do Pico não
parece terem sido reunidas evidências suficientemente convincentes da existência de uma
câmara magmática pouco profunda sob a Montanha do Pico, em particular com as
dimensões e a configuração sugeridas por Machado e Forjaz (1965) e por Machado et al.
(1994). Com efeito, as informações disponibilizadas até à data pelos estudos sísmicos, quer
a partir da análise do traçado das isossistas, quer das características do sinal sísmico
(secção 2.4), podem ser objecto de diferentes interpretações, como referido atempadamente, que não conduzem, necessária e inequivocamente, à presença de uma câmara
magmática na ilha do Pico.
Por outro lado, os dados microgravimétricos disponibilizados para a ilha do Pico por
Camacho et al. (1988a e 1988b), não põem em evidência a existência de corpos anómalos
(de contraste de densidade positivo ou negativo) compatíveis com a existência de um
reservatório com aquelas dimensões e localização (secção 2.5.2.). De facto, o modelo de
distribuição de contrastes de densidade obtido por aqueles autores não evidencia sob a
Montanha do Pico e a profundidades de 5 km, ou superiores, a presença de um corpo
anómalo com volumes na ordem de 800 a 1000 km3, segundo as dimensões sugeridas para
esta câmara magmática por Machado e Forjaz (1965) e por Machado et al. (1994). Com
efeito, a estrutura mais importante localizada na região ocidental da ilha do Pico (cf. Figura
2.12) corresponde a uma zona de mínimos principal, de orientação geral WSW-ENE e que
se observa nas zonas mais superficiais do modelo, a profundidades entre 1,5 e 3 km. Esta
zona, que não tem expressão a profundidades superiores a 5 km, estará decerto associada
ao vulcanismo recente da Montanha do Pico, mas, dada a sua natureza e linearidade,
traduzirá muito provavelmente a presença, naquela região, de uma zona de fractura
profunda de orientação geral WSW-ENE, cuja intersecção com outros alinhamentos
tectónicos presentes na metade ocidental da ilha do Pico terá favorecido uma ascensão
magmática.
A presença de uma grande variedade textural nas lavas da ilha do Pico e,
simultaneamente, o carácter pouco evoluído destas lavas (secção 4.3), constituem
argumentos adicionais que apontam para a inexistência de um grande reservatório intra-
-
crustal pouco profundo sob a Montanha do Pico. Com efeito, a extrusão de magmas com
características texturais muito variadas (desde porfíricos, ankaramíticos, afíricos, com e sem
5. História Eruptiva
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plagioclase dominante, etc.), sugere que as erupções em causa não terão sido alimentadas
a partir de um mesmo reservatório profundo de grandes dimensões.
Não obstante, as características petrológicas e geoquímicas evidenciadas pelas lavas da
ilha do Pico, sustentam a existência de stocks magmáticos pouco profundos e de pequena
dimensão em zonas de tectónica complexa (caracterizadas designadamente pela presença
de fracturas com diferentes orientações), que explicariam a extrusão de lavas mais
evoluídas, quer na região oriental da ilha do Pico (e.g. Chovelon, 1982), quer na Montanha
do Pico, como as do Mistério de Santa Luzia (França et al., 1995). Com efeito, a extrusão
de lavas com diferentes quimismos durante uma mesma erupção, poderá significar a
existência de processos de cristalização fraccionada e uma mistura de líquidos magmáticos
com diferentes graus de evolução, em reservatórios/câmaras magmáticas pequenas e
superficiais (La Volpe, 1996). Neste contexto, a par de uma alimentação directamente do
manto superior, ao longo de um sistema de fracturas associadas à implantação e ao
crescimento do próprio edifício vulcânico e à tectónica regional, o sistema de alimentação
profunda (plumbing system) do estratovulcão do Pico incluiria, ainda, reservatórios de
pequena dimensão, onde o magma em ascensão seria temporariamente armazenado.
A experiência acumulada em diversas regiões vulcânicas sugere que, a par da realização
de novas aproximações de natureza geofísica e o desenvolvimento de estudos de
deformação crustal (nomeadamente pela técnica GPS), os estudos de índole petrológica e
geoquímica constituem, indubitavelmente, uma ferramenta fundamental na procura de
respostas às questões e incertezas atrás levantadas. Neste contexto o trabalho de França
(1999) trará, decerto, novos elementos e fornecerá novas pistas para a compreensão dos
mecanismos envolvidos na edificação do estratovulcão do Pico, na certeza de que “...our
method of storing many of our unresolved questions in imaginary magma chambers might
need revision and rethinking with an open mind” (Sigvaldason, 1998).
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5. História Eruptiva
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