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EXPERIÊNCIAS EDUCACIONAIS DE
aprendizagem e seus reflexos no cotidiano.
PROFESSORAS:
histórias
de
Norma Suely Ramos Freire Bezerra1
Núbia Ferreira Almeida2
Maria das Graças de Oliveira Costa Ribeiro3
RESUMO
Os estudos aqui reunidos têm como objetivo apresentar a história de vida de duas
professoras com ênfase na possibilidade de dar o estatuto de documentos às práticas de
elaboração de memorial que visam apresentar a história de vida de professores. É uma
pesquisa histórica que utiliza como recurso metodológico Histórias de Vida. Contamos
com as ideias de Norbert Elias, Tardif e outros. Temos portanto, um texto elaborado a
partir da narração da história de vida de professoras que, em seus relatos, reconstituem
histórias pessoais e sociais de atores que de alguma forma participaram desta vivência e
da possibilidade de transformação da sociedade por meio da educação escolar.
Palavras chave: memorial; educação escolar; cultura
Introdução
Entendemos os memoriais que relatam a vida de professores, ao longo de sua
trajetória profissional, como elemento importante de pesquisa científica, pois estas
narrativas são contextualizadas historicamente e deixam transparecer o prazer de revelar
suas vivências refletidas e criticadas. Por outro lado, o leitor tem a oportunidade de
perceber os enfrentamentos práticos e epistemológicos que movimentam a ação
educacional no interior da escola, mesmo que estas narrativas se apresentem imbricadas
no contexto pessoal e profissional.
São marcas, portanto, transversalizadas de um fazer educativo revelador da
subjetividade da atividade docente, esta subjetividade na construção do saber científico,
tem sido uma luta constante daqueles que acreditam que a realidade ultrapassa a
matematização do saber, pois que a realidade não se desvenda na superfície e, portanto,
não devemos desprezar este saber que emana do chão da sala de aula como diria, Tardif
(2005).
Suas histórias narradas e apresentadas neste texto constituem elementos
históricos que precisam ser explorados para contar a história da escola, de professores, de
1
Professora do Curso de Licenciatura em Biologia da URCA. E-mail- [email protected]
Professora do Curso de Ciências sociais da URCA. E-mail – [email protected]
3
Professora do IFCE Campus Crato-CE. Email – [email protected]
2
políticas educacionais, entre outras. São portanto, realidades sociais simbolicamente
construídas por meio dos significados atribuídos por meio do saber e do sentir.
[...] o estudo da narrativa, portanto, é o estudo da forma em que os seres
humanos experimentam o mundo. Dessa ideia geral se deriva a tese de
que a educação é a construção e a reconstrução das histórias pessoais e
sociais, tanto os professores como os alunos são contadores de histórias
e também personagens nas histórias dos outros e em suas próprias.
(CONNELLY E CLANDININ, 1995, p.11)4
Percebendo a possibilidade de participar da construção ou reconstituição da
formação docente na região do Cariri cearense temos a seguir o relato de duas professoras
que se dedicam à educação nesta região desde os anos de finais de 1980.
Nesta oportunidade visamos registrar algumas reflexões sobre momentos da
nossa formação e sua relação com a prática pedagógica. Trazem portanto, histórias de
aprendizagem e seus reflexos no cotidiano escolar. Nesta perspectiva teórica e prática de
formação e ação docente, narramos a nossa subjetividade na forma como experimentamos
o mundo. Temos portanto, um texto elaborado a partir da narração da história de vida de
professoras que em seus relatos reconstituem histórias pessoais e sociais de atores que de
alguma forma participaram desta vivência e da possibilidade de transformação.
Para Nóvoa (1997, p.36), ouvir o professor significa a afirmação da
subjetividade do conhecimento. Portanto, devemos trazer à tona o conhecimento do
professor, para que este seja reconhecido e utilizado nos debates educativos e nas
problemáticas da investigação. Seguindo a linha de pensamento do autor citado, devemos
perceber o professor como sujeito capaz de escrever a sua própria história e, assim, o
memorial poderá constituir uma ponte que o liga ao mundo que o constrói e que ele é
capaz de transformar.
2 Memorial de Maria das Graças de Oliveira Costa Ribeiro
Dos congas aos kichutes
4
CONNELLY, M. e CLANDININ, J. Relatos de Experiencia e Investigacion Narrativa. In: LARROSA,
Jorge. Déjame que te cuente: ensayos sobre narrativa y educación. Barcelona: Laertes, 1995.
A minha história de vida foi profundamente marcada pelo meu percurso escolar
em instituição pública. Revistá-lo, seria, de alguma forma, refletir sobre a história de
educação brasileira nos idos de 1969 até os nossos dias.
Ingressei na escola pública aos seis anos de idade no, então, Grupo José Alves de
Figueiredo, uma escola próxima à minha residência. Pouco me lembro dos primeiros anos
de escola, embora fatos isolados me venham à memória e serão esses sobre os quais
discorrerei aqui.
Nos primeiros dias de aulas, estava eu-menina vestida de saia azul, blusa branca,
de sapato e meia, os denominados “congas”. Num saco plástico, um caderno, lápis e
muita, muita ansiedade daquele mundo desconhecido.
Lembro-me de que as disciplinas, embora divididas por áreas de conhecimento,
eram administradas por um professor polivalente. Claro que esse fato, na época, não
permitia a interdisciplinaridade, uma vez que as disciplinas eram fragmentadas nos
horários semanais, não havendo nenhuma percepção nesse sentido. Daí que a maioria
dessas aulas eram bem previsíveis, consistindo em um apontamento escrito no quadronegro pela professora (na minha escola inexistia a figura masculina do professor) e em
seguida, transcrito por nós, alunos. Logo após essa árdua tarefa de escrita, seguiam-se os
questionários, consistindo em questões literais do conteúdo dado, sem, contudo, provocar
uma discussão mais crítica acerca do assunto abordado. Após a correção desse exercício,
guardávamo-lo para decorarmos as perguntas e respostas cobradas numa eventual prova
bimestral. A memorização, nesse sentido, era fator pedagogicamente decisivo, numa
perspectiva totalmente tradicional com o protagonismo do professor e do saber através de
um ensino bancário de acúmulo de conteúdo, sem, contudo, problematizá-lo.
O dia de prova era algo marcante, as carteiras em fileiras separadas o máximo uma
das outras e a professora sempre passando por nós como que um general vigiando sua
tropa e o medo pairado nos semblantes de cada um. Em se tratando de avaliação, há
marcas indeléveis, em mim, de uma prova de matemática para qual havia estudado
bastante, no entanto, a minha limitação nessa disciplina não me garantiu satisfatórios
resultados. Porém, vejo com muita clareza esta prova cheia de vermelho, motivo de uma
ameaça de reprovação e consequentemente a minha repulsa a esta matéria que ainda hoje
resisto em aprendê-la.
Fora de sala, há uma atividade que me marcou profundamente por sua
reincidência, era com relação à fé professional católica em que éramos obrigados (na
época assim não percebíamos) a, antes das aulas, durante todo o mês de maio, ficarmos
em pé e em fila, diante de uma imagem de uma santa, a rezarmos o terço e a entoar
cânticos. Não é à toa que ainda trago na memória o cântico: “mãezinha do céu, eu não sei
rezar...” o que cultuou em mim uma grande devoção por Maria e, consequentemente, pela
fé católica. Também, nesse mesmo local do pátio da escola, nas datas comemorativas do
país, aprendíamos todos os hinos do país, momentos, assim, de culto a Deus e à pátria.
As aulas de que mais gostava eram as de “educação artística”. Lembro-me de
bordarmos uma toalha, material que me custou muito a adquiri-lo uma vez que meus pais
não podiam comprá-lo. Mas, a muito custo, foi possível tal intento. A questão de gênero
era óbvia de forma que nós, mulheres, fazíamos bordados; enquanto que os meninos
confeccionavam casinhas de palitos. Eu ficava ansiosa que chegassem as sextas-feiras por
ser o dia da denominada “sessão”, atividade ocorrida nos últimos momentos da aula,
consistindo em uma atividade artística em que nós nos preparávamos para apresentarmos
qualquer atividade desse cunho, como cantávamos, recitávamos, fazíamos dramatização
e outros. Nesta última, eu me destacava, o que contribuiu muito para a minha profissão
por conta da quebra de timidez criatividade.
Sair dessa escola para fazer o 1º grau (5ª a 8ª série) no Colégio Estadual Wilson
Gonçalves não foi apenas uma mudança de escola, mas quase que um ritual de iniciação
para a minha maturidade. Evidente que os princípios pedagógicos eram basicamente os
mesmos, o que pouco mudou, em matéria de exigência do fardamento impecavelmente
completo, só que com uma diferença, os congas agora seriam os kichutes, o que poderia
ser um detalhe, se desconsiderássemos a relevância dada por mim nesse acessório, uma
vez que agora não estudava mais em escola de crianças, mas de rapazes e moças e mais,
num grau adiantado que me conferia um determinado status, inclusive por essa escola
oferecer um curso profissionalizante de eletricidade que sutilmente impregnava-se no
currículo sem nos apercebermos dessa realidade tão forte nos documentos de educação e
tão insignificante no que se refere às práticas pedagógicas da rotina escolar.
Foi essa a trajetória de minha formação estudantil, os primeiros contatos com o
conhecimento formal e o inesquecível encantamento com esse mundo até hoje ainda
desbravado por mim, imersa nesse ser inconcluso, conforme apregoa Freire (1987), mas
ainda acreditando na força transformadora e problematizadora da educação.
3 Reflexões sobre memorias de Escola e de Formação Docente: Núbia Ferreira
Almeida
Nestas lembranças encontram-se, acontecimentos, reflexões, e relatos vividos
durante a formação escolar na minha infância e na adolescência. São momentos que
revelam a construção e a busca de mudar posturas e visões de mundo, e passam a figurar
como registro do início da minha consciência social, política e, sobretudo, humana.
Utilizo como fonte principal, fragmentos do tempo vivido que são significativos para
mantê-los vivos, não somente como lembranças, mas, como registro de parte dessa
história, que agora começo a contar.
Minha história de vida escolar começa em casa, minha mãe costumava iniciar
o processo de alfabetização de todos os filhos, apesar de sua pouca formação, nunca
conheci alguém que valorizasse a educação mais do que ela. Assim, conheci as primeiras
letras em casa, para em seguida, frequentar a escola de “Dona Alice”, passando a conviver
com alunos de todas as idades e níveis de escolaridade e, também, com uma professora
bastante rígida e disciplinadora. Tratava-se de uma escola que funcionava na casa da
professora, ela fez uma adaptação na sala de visitas: tinha carteiras e um quadro negro,
foi neste lugar que continuei os meus estudos; nesta escola tive oportunidade de aprimorar
o ler, o escrever e o contar, as custas de muito medo da palmatória. Saber a tabuada de
cor, “na ponta da língua” era ponto de honra para alunos e professores no antigo primário,
era uma metodologia de ensino que parecia tão necessária que ninguém ousava contestar.
O livro de tabuada tinha o título: “Ensino prático para entender aritmética”. Esse livro foi
um companheiro quase inseparável na minha infância, por isso, considero um dos
momentos mais marcantes da minha formação.
Dona Alice, era uma pessoa aparentemente meiga, mas assumia na sala de
aula, uma postura autoritária, que aparentava uma contradição com sua aparência meiga.
Não era muito paciente com as crianças, e tratava os alunos de forma diferente, conforme
a origem familiar e a dedicação aos estudos. Além de ensinar a ler e a escrever, ela me
fez sentir medo da escola, identificando ali um lugar de castigos, de repressão. Mesmo
assim, foi com ela que aprendi a sentir gosto pela leitura ao ouvir as histórias que
costumava contar.
Sempre fui considerada, pelos meus professores, uma ótima aluna, obediente
e estudiosa, mas, nem por isso era tratada tão bem como observava serem tratados outros
alunos, me sentia um pouco excluída, mas nunca baixei a cabeça, nunca me senti inferior,
ou não demonstrava.
Depois dessa passagem pela escola da “Dona Alice”, por volta de 1969 passei
a frequentar o Grupo Escolar Padre Cícero, ainda hoje, no bairro do Socorro. O contexto
histórico educacional desse período era marcado pela busca de mudanças, estava em
pleno processo de renovação, buscava-se atenuar os problemas de exclusão. Os princípios
da Nova Escola, se faziam presentes nas intenções dessas mudanças, assim, o aluno
conquistava um posicionamento mais expressivo no processo ensino aprendizagem, e as
lições de Paulo Freire contribuem para melhorar a relação professor/aluno.
As leituras de Freitag (1986) e Tardif (2005), entre outros, indicam que os
professores estavam sendo preparados para ensinar em uma escola que não existia na
realidade vivida, no cotidiano. Isso se agrava com o processo de “taylorismo” do trabalho
docente e, também, com a crítica que recaía sobre os docentes e a escola, vistos como
reprodutores da desigualdade social. Na transição da racionalidade política à
racionalidade técnica, a formação docente e a práxis educativa, também, passa por
mudanças, o Curso Normal transforma-se em mais uma das habilidades oferecidas no 2º
grau.
Refletir sobre as experiências de vida, neste momento, significa construir
conhecimentos sobre passagens da minha vida que agora percebo o quanto são
importantes para transformar e dar sentido aos acontecimentos de nossa vida que antes
pareciam irrelevantes e até superados. Mergulhar no passado é um trabalho de
rememoração que possibilita refletir sobre nosso percurso de vida, nossa história
particular e, nesse intuito, é preciso considerar a voz do silêncio, da omissão.
Voltando à minha trajetória pessoal, no Grupo escolar Padre Cícero, fui
matriculada no primeiro ano fraco, porque apesar de já ter sido alfabetizada, sabia “ler”,
porém, mal decodificava as letras, o conteúdo dos textos eram totalmente desconexos,
palavras soltas que nada significavam. Superado esse problema, na metade do ano, fui
transferida para o primeiro ano forte.
Essa escola era motivo de orgulho pra mim, pela primeira vez, estava numa
escola de verdade, esse era o meu sentimento. A sala de aula era enorme, a porta de
entrada próxima a cadeira da professora, o alinhamento impecável das carteiras, a
distribuição dos alunos segundo a idade e o nível de aprendizagem, os longos corredores
com alpendre e o pátio, era um convite para brincar, de tão espaçoso.
A professora era o símbolo maior da sala. Aparecia, com destaque por trás
dela, um quadro com o retrato de um “vulto da pátria” e alguns mapas; ao seu lado, tinha,
também, uma bandeira do Brasil, muito respeitada pelos alunos, isso era ensinado desde
cedo. Em filas paralelas, as carteiras acolhiam silenciosamente aqueles alunos. O
uniforme novo, o caderno em branco, o cheiro dos livros ao passarmos as folhas
rapidamente próximas ao rosto, o lápis afiado e o orgulho de pertencer aquela escola,
são lembranças que ficaram em minha memória por muitos anos. As aprovações,
reprovações, os conflitos com as práticas curriculares, a reordenação das práticas
pedagógicas, constituem a memória da formação de cada aluno e, da vida de cada
professor, tornando-se peça obrigatória de sua dramaturgia escolar. Por isso é que temos
tanta história pra contar.
A estrutura dessa escola não sofreu modificações, ela foi construída nos anos
de 1930. Está localizada no centro da cidade, próxima das principais igrejas onde
acontecem as romarias. Portanto, inserida numa sociedade cheia de religiosidade,
fanatismo e muito preconceito, era uma escola frequentada por alunos de diversas classes
sociais, considerada muito boa, nesta época.
Essa escola foi uma das mais marcantes da minha vida, lembro-me nos
primeiros dias de aula da Dona Ivone, minha primeira professora, nesta escola, falando
sobre construir uma casa começando pelo alicerce, para depois construir o resto era uma
analogia que ela fazia a forma como iríamos construir a nossa vida daquele momento em
diante, lembro que isso soava estranho para mim, ao mesmo tempo, em que enchia-me de
esperança e sonhos. A entrada naquele escola, que parecia fisicamente tão grande,
marcava uma ruptura, uma iniciação num mundo de imensas possibilidades de
conhecimentos, de aprendizagens, de participação em eventos sociais, religiosos e
cívicos.
Outro ponto que marcou: eu adorava o dia sete de setembro, saíamos de casa
para desfilar com a farda de gala, impecavelmente limpa e bem passada, me sentindo uma
heroína, era como se naquele momento, eu estivesse, realmente, defendendo a minha
Pátria.
Hoje, a sociedade é outra, e não aquela dos anos sessenta, onde a criança ia
para a escola com uma boa educação e formação moral. Além das disciplinas tradicionais
havia, também, aula de religião e canto. A escola ensinava e o aluno aprendia, a disciplina
era imposta e não contestada, as famílias, bem estruturadas ou não, colaboravam com o
trabalho da escola. Foi nesse contexto que eu cresci, marcada por momentos que se
traduziam em harmonia e ao mesmo tempo em conflito com a escola.
Quando conclui o primário fui para a Escola Normal Rural, em 1972, esse
sentimento de patriotismo foi se transformando em crítica, pela percepção que eu já
conseguia ter das desigualdades sociais. Eu já estava com onze anos de idade, adquiri
uma maturidade superior que me destacava entre as minhas colegas. O mundo passava
por várias transformações sócio culturais: o movimento hippie, o grupo musical secos e
molhados, a televisão, o homem foi a lua, acreditava-se nisso naquele momento. Tudo
isso estava bem mais presente em nossa vida transformando as relações sociais
estabelecidas.
O meu pai era um homem muito inteligente, lia bastante era atualizado,
discutia comigo problemas de agricultura que era o seu trabalho, falava das plantações de
arroz, ele era o maior plantador de arroz daquela região, também plantava e fornecia cana
de açúcar para a usina de Barbalha da qual era sócio, por isso, era tão antenado com as
questões políticas e, não sei porque ele gostava de falar desses problemas comigo, foi ele
também, que despertou em mim, um olhar mais crítico sobre os milagres do Padre Cícero,
ele desmentia muitas das histórias que contavam sobre o milagre, mas nunca achou que
o Padre Cícero mentiu, mostrava uma admiração muito grande por ele, como homem. Fez
parte do instituo de educacional, entidade fundada em 1933 para possibilitar a criação da
Escola Normal Rural.
Lembro que ele me achava inteligente e dizia que eu teria um bom futuro, mas
nunca se preocupou em investir na minha formação; dizia também, que eu seria jornalista
ou advogada. Mais tarde, conversando com amigas da minha mãe conclui que o descaso
que ele fez com a nossa formação foi um projeto de vingança contra a minha mãe por ser
tão apaixonado e não ser correspondido. Eles formavam um casal diferente, ela era muito
bonita. O romance entre eles despertou tanto as atenções, que um amigo do meu pai, um
dos médicos mais antigos da cidade, que também era escritor, em seu livro Doce de
Pimenta fez uma poesia para eles, chamada: Zé de Melo e sua Deusa.
Na adolescência, as desigualdades sociais passam a exercer certo peso sobre
minhas preocupações e reflexões. Fazia parte de uma escola considerada uma das
melhores da cidade. Era preciso ter amizades importantes para conseguir uma vaga, por
isso era também tão fácil perde-la se não houvesse adaptação às normas da escola.
Muitas professoras, nesta escola, exerceram influência na minha formação,
algumas positivas outras negativas. Neste momento já pensava em uma profissão e
alimentava muitos sonhos, queria ser advogada.
Cursando a 6ª série, lembro-me dos textos de leitura de Português que
antecediam as lições de gramática, estas despertavam em mim, uma grande atração,
adorava poesias, elas faziam parte da minha vida. “Dona Mazé”, minha professora de
português, no período da 5ª a 8ª séries foi, em parte, a grande responsável por isso, ela
tinha um jeito diferente de começar a aula; logo que toda turma ficava em silencio, antes
de fazer a chamada, ela recitava uma poesia ou lia um texto do livro, mas de uma forma
tão teatral, colocava todo o sentimento nas palavras e gestos que encenava, todos ficavam
encantados, sonhando.
Foi nesse período que passei a observar e ver com mais clareza, a atuação dos
professores e demais profissionais da escola. Todos temiam a Diretora, Amália Xavier de
Oliveira. Estes profissionais exerceram forte influência na minha conduta pessoal e nas
minhas escolhas posteriores, tanto pessoais, como profissionais.
Ao ingressar na Escola Normal ouvia rumores sobre mudanças radicais na
forma de estruturar as disciplinas e nas metodologias. Tratava-se da lei n. 5.692/71
reforma do ensino de 1º e 2º graus, as professoras pareciam assustadas. Essa tensão gerada
nos professores decorria da falta de valorização do trabalho docente, as mudanças
educacionais eram impostas por políticas, das quais eles não participavam nos momentos
de discussão e de criação. A história da educação mostra que a construção da identidade
do professor revela a instabilidade das políticas públicas, onde se observa a
descontinuidade, o autoritarismo, e a falta de compromisso com a qualidade e a
democratização do ensino. Neste sentido, mostra elementos oscilantes entre momentos
progressistas e de conservação.
Adaptei-me com facilidade ao novo sistema escolar, cujo enfoque
metodológico pouco se diferenciava do tradicional a que fora submetida no Grupo Escolar
Padre Cícero, o que mais estranhei foi a grandiosidade da escola e o número excessivo de
alunos em sala de aula.
Embora diferente quanto a quantidade de conteúdos em pouco tempo,
destaquei-me entre as melhores alunas da classe, gostava de ciências, inglês, história e
geografia. Ser estudiosa foi a forma que encontrei para não ser discriminada. Nesta escola
tinha alunas de classe social bem mais alta, e também, professores na mesma situação
econômica privilegiada, além de cultivar fortes preconceitos; sentíamos vigiadas o tempo
todo, mesmo fora da escola.
A maioria das professoras e professores eram oriundas de famílias ricas da
cidade, contávamos, também, com médicos dentistas, beatas, freiras, padres, engenheiros,
todos eram excelentes professores e satisfaziam muito bem, as necessidades de
aprendizagem dos alunos; todos, até os alunos mais pobres teriam que comprar o material
escolar, não era muita coisa mas, pesava no orçamento das famílias.
Somava-se à austeridade das regras sociais convencionais o rigor disciplinar
dessa diretora que foi a mais importante educadora da cidade.
Hoje tenho muita
admiração por ela, devido ao seu pioneirismo, a sua coragem e luta para desenvolver a
educação em Juazeiro do Norte.
Ingressei no segundo grau no final dos anos de 1970, na Escola de 2º grau
Governados Adauto Bezerra, era no início, uma extensão da Escola Moreira de Souza,
antiga Escola Normal, foram transferidos para essa escola os professores e alunos que
concluíram a 8 ª série, na escola citada. A relação na sala de aula, não se diferenciava da
que eu já tinha vivido até então. Caracterizava-se pelas aulas expositivas e, também, a
postura do professor que transmitia o conteúdo, e do aluno que ao receber, tinha a
responsabilidade de repeti-los em provas escritas e orais. O clima de tensão na classe, que
vivenciei nos anos anteriores, aos poucos foi desaparecendo, agora tínhamos mais
liberdade para expressar os nossos pensamentos durante as aulas.
As discussões sobre o trabalho docente se intensificam nesse período, nos anos
de 1980, buscando uma maior autonomia do trabalho do professor, e participação nas
decisões políticas que visavam implementar transformações no setor educacional.
Retomando a minha caminhada rumo, a uma profissionalização, continuei os
estudos com grande empenho, neste momento, era o vestibular que importava, queria
estudar no Colégio Salesiano, porque era o que melhor preparava os alunos, mas, o meu
pai não permitiu, mesmo tendo condição financeira para custear os nossos estudos.
Embora, indicada, também, como uma boa escola, o currículo não era voltado,
exclusivamente, para o vestibular, dava para aproveitar algumas disciplinas. O curso era
profissionalizante e, assim, teríamos que escolher entre duas modalidades: Auxiliar de
patologia clínica ou Técnico em eletricidade, considerei uma grande deficiência na minha
formação, era uma perda de tempo. Por isso, fui obrigada a suprir as carências de
aprendizagem das disciplinas como, física, matemática, inglês, entre outras, estudando
sem ajuda de um professor, sozinha, em casa.
Este momento da minha formação foi também, muito significativo, porque
aprendi que não deveria adaptar-me as circunstâncias, era preciso enfrentar, e mesmo,
com o meu jeito pacato, passei a ter um interesse maior pelos problemas sociais e
políticos, lendo jornais como o Pasquim e a Tribuna Operária que ainda circulava na
região. Queria superar essa práxis utilitária da escola que foi muito marcante na minha
formação. Impulsionada por essas leituras, fiz um concurso, que era exclusivo para alunos
de 2º grau de escola pública, e comecei a trabalhar na FEBEN (Fundação Estar do Menor),
como monitora de grupo, exercendo o papel de professora, foi um dos momentos mais
ricos na formação da minha identidade profissional.
Percebi que existia, na visão dos professores, um conhecimento intocável e que
este conhecimento, além, de ser estático, petrificado, acreditavam que esse conhecimento,
não se recriaria na teia das relações e atividades culturais do homem, por isso, a disciplina
e o silêncio eram imprescindível na sala de aula. Foi então, com a intenção de transformar
essa realidade que tentei orientar a minha formação daí em diante.
As experiências vividas, nas escolas que mencionei, foi muito significativa e
fez toda a diferença na minha trajetória de vida e nas escolhas que fiz, através da
construção de uma visão de homem, escola, educação e mundo.
4 Considerações finais
Os memoriais refletem a forma como os professores idealizam a educação e
como estes se constroem e reconstroem a si mesmos e a educação ao longo de suas
experiências educacionais, seja como alunos ou como professores, desta forma legitima o
memorial como espaço onde as narrativas de vida dos professores ganham o estatuto de
documento capaz de refletir a história educacional no tempo e na geografia.
Maior autonomia e responsabilidade, busca de transformações, encantos e
desencantos conduzem o pensamento para propor um repensar de conceitos e atitudes o
que faz, também, traçar um caminho transdisciplinar que relaciona o saber dado pela
cultura e as novas interpretações advindas deste saber que construiu a nossa história e
continua construir reflexos no cotidiano, por vezes repaginado com novos saberes e
fazeres que são acrescidos no movimento de reflexão da prática pedagógica.
REFERÊNCIAS
FREIRE P. Pedagogia do Oprimido. 17ª edição –Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1987
FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 6.ed., São Paulo: Moraes,1986.
TARDIF M; LESSARD,C. O trabalho docente hoje: elememtos para quadro de análises.
In:TARDIF M.; LESSARD,C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da
docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes,2005. Cap. I p. 15-54.
MARKET, Werner. Pedagogia por competência e a formação do professor enquanto
profissional comunicativo transformativo. (Anais do XIII ENDIPE. Recife, UFPE. CDRom. (2006). p.1-9.
NÓVOA, A. (org). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote,1995.
_______. Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa. In: Fazenda, I. A
Pesquisa em Educação e as Transformações do Conhecimento. Campinas: Papirus, 1997.
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