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KARL MARX: CONSIDERAÇÕES ACERCA DE SEU
PENSAMENTO
LIMA, Rosilene de – UEM
[email protected]
SILVA, Ligiane Aparecida da – UEM
[email protected]
MACHADO, Maria Cristina Gomes – UEM
[email protected]
Introdução
O presente estudo objetiva investigar como se configuram algumas
concepções de um dos maiores intelectuais do século XIX, o alemão Karl Marx
(1818-1883). Para tanto, considera-se conveniente, em um primeiro momento,
situar o referido autor no debate efervescente do período em questão. Nesse
momento, pretende-se clarificar alguns conceitos acerca do pensamento de
Marx, tais como: sua concepção de sociedade, entendida pelas condições
materiais da existência humana, bem como a forma de estudá-la, a qual o autor
entende como melhor; a concepção de homem, entendido como um ser social
e histórico; e sua concepção de história, que parte do movimento histórico em
sua totalidade e é condicionada pelas relações de produção estabelecidas pelo
homem. Apresenta-se ainda, algumas premissas do materialismo histórico de
Marx, tais como a impossibilidade da separação entre indivíduo e sociedade,
sociedade e natureza e a relação entre sociedade e natureza como
intercâmbio. Num segundo momento, investiga-se o conceito de práxis
delineado por alguns autores e, em especial, por Marx, tendo em vista que
essa abordagem nos propicia pensar na maneira como o autor concebe o
homem em sua relação com a natureza. Por fim, analisa-se a concepção de
Karl Marx acerca das leis que regem a sociedade, as quais estão estritamente
ligadas ao desenvolvimento de suas forças produtivas, pois se entende de
suma importância a compreensão do movimento histórico da sociedade tendo
por base a sua materialidade.
2
O Estudo da Sociedade
No século XIX, dadas as grandes transformações sociais1 advindas,
especialmente, a partir das revoluções Industrial e Francesa, alguns pioneiros
da Sociologia e adeptos dos ideais da nova classe dominante estabelecida, a
saber, a burguesia, direcionaram seus estudos para a preservação da nova
ordem, reorganizar a sociedade e manter o controle social. Já os pensadores
socialistas, alinhados com a classe operária, buscavam, por meio da Sociologia
e de outras ciências humanas, a compreensão da sociedade estabelecida, a
capitalista, e um entendimento mais aguçado sobre suas configurações com a
finalidade de superá-la e, nesse sentido, conduzir a humanidade para uma
sociedade mais justa, liberta da exploração do homem pelo homem.
Sobre o primeiro grupo, pode-se destacar o pensador francês Auguste
Comte2 (1798-1857), o qual tinha o núcleo de sua filosofia fundamentado na
idéia de que a sociedade só poderia ser reorganizada de forma conveniente se
houvesse uma completa reforma intelectual do homem e para isso seria
necessário, a princípio, “[...] fornecer o sistema de idéias científicas que
presidiria a reorganização social.“ (COVEZZI; CASTRO, 2000, p. 25). Outra
grande referência do primeiro grupo se trata do sociólogo, também francês,
Émile Dürkheim3 (1858-1917), que considerava ter a Sociologia papel
importante na reorganização da sociedade, pois a considerava uma ciência que
tem como função entender e classificar os casos patológicos, criando, dessa
forma, uma nova moral social.
1
Segundo Pacheco e Mendonça (2006), houve um crescimento exacerbado das cidades,
repúblicas foram estabelecidas no lugar de monarquias ou essas foram subordinadas a
parlamentos dirigidos pela burguesia. Valores como: democracia, liberdade, direito à
propriedade, individualismo e igualdade, considerados liberais, passaram a ser cultivados. As
expectativas das classes populares não foram supridas. Ao contrário, a qualidade de vida
dessa classe só piorou: os baixos salários, a expulsão do campo, o desemprego, as jornadas
de trabalho excessivas, além das péssimas condições de moradia, causaram uma série de
revoltas. Nesse cenário, estabeleceu-se o conflito entre a burguesia e a classe operária. E,
esse ambiente de lutas pela direção da sociedade, culminou no aumento de interesse pelo
estudo da vida social.
2 Não adentraremos, aqui, nas questões do positivismo de Comte. Para maiores informações
ver: COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva; Discurso preliminar sobre o conjunto do
positivismo; Catecismo positivista. São Paulo: Nova Cultural, 1978. (Os pensadores).
3 As questões do Funcionalismo não serão aqui abordadas, para maiores informações ver
Durkheim, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2002.
3
Destaca-se, no segundo grupo de pensadores anterormente citado, o
pensamento e ação de Karl Marx, um intelectual que, ao lado de Friedrich
Engels (1820-1895), preocupava-se com os efeitos, especialmente da
revolução Industrial, que intensificou, por um lado, a produção de riquezas de
forma excepcional e, de outro, provocou a miséria de milhões de trabalhadores.
Ambos aspiravam encontrar uma alternativa para a sociedade, entendiam que
ela poderia ser mais justa por meio do estabelecimento de relações sociais
fundamentadas na cooperação e com uma distribuição igualitária de riquezas.
Marx, ao contrário de Comte e Dürkheim que procuram uma explicação
para a sociedade a partir dos estudos da consciência social e das regras
morais, avalia que a evolução geral do espírito humano ou as regras sociais
não podem ser tomadas por base para se pensar a relação indivíduosociedade, a sociedade só pode ser compreendida pelas condições materiais
da existência humana:
A condição primeira de toda história humana é, naturalmente, a
existência de seres humanos vivos. O primeiro estado real a constatar
é, portanto, o patrimônio corporal desses indivíduos e as relações que
esse patrimônio desenvolve com o resto da Natureza. [...] Toda história
deve partir dessas bases naturais e de sua modificação, através da
ação dos homens, no curso da história. [...] Ao produzir os seus meios
de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida
material (MARX, 1982, p. 45).
Para Marx, portanto, a sociedade só pode ser entendida como produto
humano, dado pelas relações homem x natureza e homem x homem. A
sociedade é uma construção da ação recíproca dos homens, entendidos como
um ser social e histórico:
Os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias
etc., mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados
por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo
intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais
amplas. A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser
consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real (MARX;
ENGELS, 1986, p. 37).
4
Os homens são, na concepção de Marx, diferentes dos demais animais
não apenas por sua capacidade de raciocínio e de convivência social, “Mas
eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a
produzir seus meios de vida [...]” (MARX; ENGELS, 1986, p. 27) num
determinado tempo histórico, ou seja, autor e ator de sua própria história.
Assim, a compreensão dos processos históricos deve ser buscada na maneira
pela
qual
os
meios
de
existência
são
produzidos
pelo
homem,
consubstanciando-se esta explicação a sua concepção materialista da História.
Vale ressaltar que, para Marx, o movimento da história é determinado
pelo movimento das forças produtivas. Compreende a história como:
[...] a sucessão de diferentes gerações, cada uma das quais explora os
materiais, os capitais e as forças de produção a ela transmitidas pelas
gerações anteriores; ou seja, de um lado, prossegue em condições
completamente diferentes a atividade precedente, enquanto, de outro,
lado, modifica as circunstâncias anteriores através de uma atividade
totalmente diversa (MARX; ENGELS, 1986, p. 70).
Verifica-se, nesse sentido, uma visão da história, por Marx, em
compatibilidade com Engels, de forma objetiva, condicionada pelas relações
estabelecidas pelos homens – produto coletivo. Esses sujeitos coletivos são
determinados socialmente, atuam de diferentes formas e com diferentes
consciências sobre sua própria condição. Para que possam, como expõe os
autores, “fazer história”, é preciso que esses homens tenham condições de
vida, é preciso comer, beber, etc.: “O primeiro ato histórico é, portanto, a
produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a
produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma
condição fundamental de toda a história [...]” (MARX; ENGELS, 1986, p. 39).
A concepção materialista histórica4 parte de premissas, conforme
Covezzi e Castro (2000), como a impossibilidade da separação entre indivíduo
Entende-se por materialista histórica a concepção “[...] segundo a qual os processos de
transformação social se dão através do conflito entre os interesses das diferentes classes
sociais: ‘Até o presente toda a história tem sido a história da luta entre as classes, as classes
sociais em luta umas com as outras são sempre o produto das relações de produção e troca,
em uma palavra, das relações econômicas de sua época; e assim, a cada momento, a
4
5
e sociedade, que é superada por uma espécie de contrato social, assim como
refletiam alguns filósofos do século XVII ao apresentarem o trabalho científico
como um ato social, portanto, humano, e não apenas porque o material da
atividade é dado como um produto social, mas, e especificamente, porque a
própria existência é uma atividade social (MARX, 1963).
Na teoria marxista, o materialismo histórico pretende a explicação da
história das sociedades humanas, em todas as épocas, através dos fatos
materiais, essencialmente econômicos e técnicos. A sociedade é comparada a
um edifício no qual as fundações, a infra-estrutura, seriam representadas pelas
forças econômicas, enquanto o edifício em si, a superestrutura, representaria
as idéias, costumes, instituições (políticas, religiosas, jurídicas, etc). A
propósito, Marx escreveu na obra “A Miséria da filosofia”, na qual estabelece
polêmica com Proudhon:
As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas.
Adquirindo novas forças produtivas, os homens transformam o seu
modo de produção e, ao transformá-lo, alterando a maneira de ganhar
a sua vida, eles transformam todas as suas relações sociais. O moinho
movido pelo braço humano nos dá a sociedade com o suserano; o
moinho a vapor dá-nos a sociedade com o capitalista industrial (MARX,
1982, p. 106).
Tal afirmação, defendendo rigoroso determinismo econômico em todas
as sociedades humanas, foi estabelecida por Marx e Engels dentro do
permanente clima de polêmica que mantiveram com seus opositores e
atenuada
com
a
afirmativa
de
que
existe
constante
interação
e
interdependência entre os dois níveis que compõe a estrutura social: da
mesma maneira pela qual a infra-estrutura atua sobre a superestrutura, sobre
os reflexos desta, embora, em última instância, sejam os fatores econômicos
as condições finalmente determinantes.
Outra premissa considerada pela concepção materialista histórica da
sociedade é não separar esta da natureza. Os seres humanos são
estrutura econômica da sociedade constitui o fundamento real pelo qual devem-se explicar em
última análise toda a superestrutura das instituições jurídicas e políticas bem como as
concepções religiosas, filosóficas e outras de todo período histórico’” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2006, pp. 181-182).
6
componentes do mundo natural, base real de todas as suas atividades. Ao
mesmo tempo em que as relações de produção e reprodução da vida material,
pelo trabalho ou pela procriação, são naturais, são também sociais:
O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, no
qual o homem, por sua livre vontade inicia, regula e controla seu
metabolismo com a natureza. Agindo dessa maneira no mundo
exterior, e transformando-o, ele ao mesmo tempo transforma a sua
própria natureza. Desenvolve suas forças inativas e compele-as a agir
conforme a sua vontade (MARX, 1985, p. 149).
Insta salientar que a força de trabalho é vista como uma mercadoria
como outra qualquer “[...] assim como o açúcar; nem mais, nem menos. Medese a primeira com o relógio; a segunda com a balança.” (MARX, 19--, p. 62).
Essa mercadoria, a força de trabalho, é trocada pelos operários pela
mercadoria do capitalista, dinheiro.
Uma terceira premissa da concepção materialista histórica é a de que a
relação entre sociedade e natureza é um intercâmbio, o qual se desenvolve
historicamente por meio do trabalho humano e, ao mesmo tempo, cria e
transforma as relações entre os seres humanos.
Nessa direção, o processo histórico pode ser avaliado nos seguintes
aspectos: o desenvolvimento de forças produtivas com o progresso tecnológico
e a divisão social do trabalho, a qual, em constante transformação, constitui as
relações sociais de produção e as relações de classes.
[...] na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas
relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a uma determinada fase de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto
dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política a qual correspondem formas sociais de consciência.
O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida
social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem
que determina o seu ser, o seu ser social é que determina a sua
consciência (MARX, 19--, p. 301).
7
Pode-se considerar, tendo em vista o exposto, que as condições
materiais da sociedade é que condicionam todas as relações sociais e que,
para viver, os homens precisam, em um primeiro momento, transformar a
natureza ao seu redor, produzir ferramentas para o trabalho, estratégias para
assegurar sua alimentação, construir abrigos, entre outros essenciais à sua
sobrevivência. Sem essa relação não poderiam existir como seres vivos. Sendo
assim, o estudo de uma sociedade pressupõe um ponto de partida que leva em
conta, na concepção de história de Marx, o movimento histórico como um todo
e não apenas como uma sucessão de idéias, como defendia Proudhon. Em
outras palavras, como ponto de partida, devem ser consideradas as relações
sociais que os homens estabelecem entre si para utilizarem os meios de
produção e transformar a natureza.
Dessa forma, pode-se pensar no homem apenas como um produto de
condições materiais. Entretanto, não é o que Marx defende, pois considera o
aspecto subjetivo e criativo do homem com a natureza, se utilizando do
conceito de práxis para explicar a ação social, como veremos a seguir.
A Práxis
A práxis, em linhas gerais, é explicada como uma atividade livre, criativa
e auto-criativa. Esta atividade é que leva o homem a produzir e transformar o
mundo ao seu redor e, com isso, transformar a si mesmo. O fato de o homem
trabalhar ou agir sobre a natureza lhe dá o caráter de uma espécie consciente,
a qual mentaliza previamente a sua ação para um fim específico. Vejamos
algumas definições.
Na filosofia marxista, a palavra grega práxis é usada “[...] para designar
uma relação dialética entre homem e a natureza, na qual o homem, ao
transformar a natureza com seu trabalho, transforma a si mesmo.” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2006, p. 224).
Tornou-se comum na ambiência acadêmica a substituição da palavra
prática pela palavra práxis. Um erro que muitas vezes é cometido por pensarse resolver um problema teórico, que ocorre por falta de domínio de “[...] uma
categoria de pensamento enquanto instrumento teórico mais elevado e
adequado de compreensão da realidade.” (RIBEIRO, 1991, p. 15).
8
Vista sob essa ótica, a prática atinge uma dimensão prático-utilitária,
tentando resolver apenas necessidades imediatas. Segundo Vázquez (1977,
p.11), o homem comum “Considera a si mesmo como o verdadeiro homem
prático; é ele que vive e age praticamente”. No mundo desse homem as coisas
não somente são e existem em si “[...] como também são e existem,
principalmente, por sua significação prática, na medida em que satisfazem
necessidades imediatas de sua vida cotidiana [...]”.
A práxis, por sua vez, é “[...] a atividade humana que produz objetos,
sem
que
por outro lado essa atividade seja concebida com o caráter
estritamente utilitário que se infere do prático na linguagem comum”
(VÁZQUEZ, 1977, p. 5). Vista sob essa perspectiva, a práxis é “[...] a atividade
humana transformadora da realidade natural e humana.” (idem, p. 32). Ela tem
um caráter intencional e consciente. O homem tem consciência da realidade.
Para Martins (2004, p. 57), “Toda ação verdadeiramente humana
pressupõe a consciência de uma finalidade que precede a transformação
concreta da realidade natural ou social e, desse modo, a atividade vital humana
é ação material, consciente e objetiva, ou seja: é práxis”. A autora entende que
“[...] é pela práxis que os homens constroem o mundo humano em sua
materialidade e idealidade, promovendo sua universalidade” (MARTINS, 2004,
p. 60). A práxis compreende a dimensão auto-criativa do homem e se
manifesta por meio de suas ações objetivas, transformando a natureza, criando
assim, condições de subsistência e a sua própria subjetividade.
De acordo com Marx (1986), ao produzir as condições materiais para
sua existência o homem também produz sua consciência. Assim, o modo de
pensar e conceber o mundo que o cerca é produzido pelo próprio homem, por
sua consciência. Neste sentido, a práxis não é apenas a atividade de trabalho
material, mas também de trabalho espiritual.
[...] a consciência da necessidade de estabelecer relações com os
indivíduos que o circundam é o começo da consciência de que o
homem vive em sociedade. Este começo é tão animal quanto a
própria vida social nesta fase: trata-se de simples consciência
gregária e o homem se distingue do carneiro unicamente pelo fato de
que nele sua consciência toma o lugar do instinto ou de que seu
instinto é consciente. [...] Com isto, desenvolve-se a divisão do
trabalho, que originariamente nada mais era do que a divisão do
9
trabalho no ato sexual e, mais tarde, divisão do trabalho que
desenvolve por si própria “naturalmente”, em virtude de disposições
naturais (vigor físico, por exemplo), necessidades, acasos etc. A
divisão do trabalho torna-se realmente divisão apenas a partir do
momento em que surge uma divisão entre trabalho material e o
espiritual. A partir deste momento, a consciência pode realmente
imaginar ser algo diferente da consciência da práxis existente,
representar realmente algo sem representar algo real; [...] (MARX,
ENGELS , 1986, pp. 44-45).
Segundo Cury (1985), a práxis cotidiana, da qual o aspecto fenomênico
da coisa é produto natural, gera a representação como forma de movimento e
existência dessa coisa. A representação é, na concepção do autor, justamente,
a complexidade dos fenômenos do cotidiano que adentra a consciência dos
indivíduos. Pode ser contraditória com a estrutura da coisa e seu conceito
correspondente.
As categorias, de acordo com Cury (1985), são relações existentes no
movimento da coisa e, dessa forma, possibilita revelar o fenômeno na sua
própria realidade. A dialética é concebida, então, como processo e movimento
de reflexão do próprio real. Mais que conhecer e interpretar o real visa, no
âmago da história da luta de classes, transformá-lo. No entendimento do autor,
“É por isso que a reflexão só adquire sentido quando ela é um momento da
práxis social humana.” (CURY, 1985, p. 26).
Para Netto (1998, p. 54), a práxis é uma das categorias fundantes da
arquitetura teórica de Karl Marx. É uma categoria que ocupa lugar de destaque
entre as diversas que o pensador em questão trabalha: “É precisamente sobre
a concepção do homem como um ser prático e social que repousa na idéia
capital do trabalho como forma modelar de práxis [...]”. O autor entende que
“todas as categorias só adquirem o seu estatuto concreto se portadas pela de
práxis”.
De acordo com Cury (1985), as categorias5 da contradição, totalidade,
mediação, reprodução e hegemonia se inserem no contexto da práxis social
humana. Passemos muito brevemente por elas:
Cury (1985, p. 26-27) justifica o destaque dessas cinco categorias por considerar que “oferecem
subsídios nos atos de investigar a natureza da realidade social e as vinculações das propriedades da
educação nessa mesma realidade. As categorias ajudam a entender o todo, cujos elementos são os
constituintes da realidade e, nele, os elementos da educação”. Já que sua pesquisa, resultando em tese de
doutorado, centrou-se na perspectiva de uma ação transformadora dentro da educação.
5
10
Cury (1985, pp. 27-28) concebe a categoria da contradição como “[...] o
próprio motor interno do desenvolvimento”. É ela que reflete o movimento mais
originário do real, ou seja, negar a contradição seria o mesmo que falsear o
real; A categoria da totalidade pretende uma conexão dialética de um processo
particular com outros processos. Eliminar a totalidade “[...] significa tornar os
processos particulares da estrutura social em níveis autônomos, sem
estabelecer as relações internas entre os mesmos”; Sobre a categoria da
mediação, Cury a vê como “[...] numa reciprocidade em que os contrários se
relacionam de modo dialético e contraditório”. É uma categoria básica para a
educação; A categoria da reprodução é justificada por Cury pelo fato de “[...]
toda sociedade tender, em suas instituições, à sua autoconservação
reproduzindo as condições que possibilitam a manutenção de suas relações
básicas.”; Por fim, a categoria da hegemonia traz consigo, de acordo com o
autor, “[...] tanto a possibilidade de análise como a indicação de uma estratégia
política”. É importante a obtenção de um consenso para a reprodução das
relações de produção.
É perceptível o motivo cujas categorias acima expostas se inserem no
contexto da práxis social humana. Formam um conjunto e perpassam umas
nas outras, se incluem e se completam, no dizer de Cury.
Ao traçar um paralelo entre a produção humana e a dos animais, Marx
nos remete uma explicação da práxis:
Eles, (os animais) produzem apenas com um objetivo imediato,
enquanto o homem produz de um modo universal. Os animais
produzem movidos apenas por suas necessidades físicas, enquanto
o homem produz mesmo quando está livre das necessidades físicas
e só produz verdadeiramente quando libertado destas necessidades.
O animal só se produz a si próprio, enquanto o homem reproduz
toda a natureza. O produto animal é parte integrante de seu corpo
físico, enquanto o homem faz face livremente ao seu produto. Os
animais só laboram de acordo com os padrões e as necessidades da
espécie a qual pertencem, enquanto o homem sabe produzir de
acordo com os padrões de todas as espécies e sabe aplicar o
padrão adequado à natureza do objeto. E assim o homem labora,
também de acordo comas leis do belo (MARX, 1978, p. 129).
11
Marx explica que a produção da consciência está estreitamente ligada à
produção material, bem como outras produções da sociedade (intelectual,
moral, religiosa, por exemplo). Tais produções são reguladas de acordo com as
relações sociais que são estabelecidas para a produção da vida material.
Dessa forma, entende-se que, se uma sociedade se constitui a partir de
determinadas relações sociais e se as relações sociais estabelecidas são
diversas, isso implica a existência de várias sociedades. Entretanto, para
explicarmos a existência de uma determinada sociedade torna-se necessário
descobrir quais são as leis que a determinam, que a governam.
As Leis que Determinam a Sociedade
De acordo com o estágio de desenvolvimento das forças produtivas em
uma determinada sociedade, ocorre uma forma de produção e consumo. Isso
porque tal sociedade tem uma organização social própria, que é regida por
determinadas leis.
Assim, entende-se que para compreender o movimento de uma
sociedade é preciso investigar as leis que a regem desde sua origem até seu
último estágio de desenvolvimento. Isso implica conhecer a história da
sociedade investigada em sua materialidade e não de forma solta. Como
defende Marx, “Toda história deve partir dessas bases naturais e de sua
modificação, através da ação dos homens, no curso da História” (MARX, 1982,
p. 45).
A lei que constitui o fundamento da transformação de uma sociedade, de
acordo com Marx (1986), está estritamente relacionada ao desenvolvimento de
suas forças produtivas. Chegando a certos estágios de desenvolvimento as
forças produtivas podem atingir tal limite que entram em contradição com as
próprias relações de produção que a desenvolveram. Esse conflito gera
oscilações no desenvolvimento social, modifica e até substitui a estrutura da
sociedade.
O movimento das forças produtivas, entrando em contradição, determina
o movimento da história. Tal movimento implica mudanças nas relações de
produção, nas relações de propriedade e na distribuição de renda entre os
indivíduos, provocando, por sua vez, o surgimento de novas relações de
12
produção e, por conseguinte, um novo modo de produção. Nas palavras de
Marx (1982, p. 83):
Em certa fase de seu desenvolvimento, as forças produtivas da
sociedade entram em contradição com as relações de produção
existentes ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as
relações de propriedade, no seio das quais elas haviam se
desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas,
que eram, essas relações convertem-se em seus entraves. Abre-se
então uma era de revolução social.
A desigualdade produzida pelos homens, por meio da forma como
organizam a apropriação dos meios de produção, é expressão das classes
sociais que existem em determinadas sociedades. A maneira como um
determinado grupo de homens (produtores) estabelece relações entre si e as
condições em que trocam suas atividades pode variar e varia de acordo com o
caráter dos meios de produção (MARX, 1982).
A luta de classes é a expressão da contradição entre as forças
produtivas e as relações de produção. A contradição entre as forças produtivas
e as relações de produção pode estar associada às antigas relações de
produção.
Em sua totalidade, as relações de produção formam o que se chama
de relações sociais, a sociedade, e, particularmente, uma sociedade
num estágio determinado de desenvolvimento histórico, uma
sociedade com um caráter distintivo, peculiar. A sociedade antiga, a
sociedade feudal, a sociedade burguesa são conjunto de relações
desse gênero e ao mesmo tempo, cada uma delas caracteriza um
estágio determinado de desenvolvimento na história da humanidade.
(MARX, 1982, p. 96)
Para Marx (1998), a história de toda a sociedade tem se configurado
como uma história de luta de classes. Quando em guerra, esta, somente cessa
se houver uma transformação revolucionária da sociedade como um todo ou
pela destruição das classes que se encontram em luta. Compreender esse
sentido da História das sociedades, exposto por Marx, implica compreender
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também a sociedade capitalista como contraditória e não harmônica. Que nela
existem classes sociais antagônicas com ou sem meios de produção que
podem levar, por meio de um movimento interno, à sua própria negação ou
superação.
Considerações Finais
No desenvolvimento das investigações aqui apresentadas foi possível
constatar que, apesar de não ser sociólogo, o pensamento de Karl Marx
contribui sobremaneira para o desenvolvimento de questões sociológicas como
a relação entre indivíduo e sociedade, por exemplo.
Num primeiro momento, foi perceptível a contribuição de Marx no
desenvolvimento de conceitos diversos, tais como: o de sociedade, entendida
como produto das condições materiais da existência humana, dado pelas
relações estabelecidas entre homem e homem e entre homem e natureza; o de
homem, concebido como um ser integrado na sociedade (construída pela ação
recíproca dos homens), ator e autor de sua existência e de sua consciência; e
o de história, entendida como produto coletivo, condicionada pelas relações
estabelecidas pelos homens e sendo o seu movimento determinado pelo
movimento das forças produtivas. Verificou-se ainda, a concepção materialista
histórica de Marx, na qual os processos de transformação social se dão por
meio do conflito entre os interesses das diferentes classes sociais.
Realizou-se também um estudo acerca da práxis, observando esta como
categoria fundamental do arcabouço teórico do pensador em questão. Avaliase que o conceito de práxis delineado por Marx tomou proporções alargadas e
de grande expressividade, estando presente nos estudos de diversos autores,
tais como: Martins (2004), Netto (1998), Ribeiro (1991), Cury (1985), Vázquez
(1977), entre outros.
Por fim, analisou-se a sociedade numa perspectiva de busca de seus
determinantes. Evidencia-se que, no entendimento de Marx, a lei que constitui
o fundamento da transformação de uma sociedade, está estritamente
relacionada ao desenvolvimento de suas forças produtivas. Para o autor,
compreender o sentido da História das sociedades implica compreender a
sociedade
capitalista,
que,
como
qualquer sociedade, pressupõe
um
14
movimento interno, que pode levar, ao atingir seu limite de desenvolvimento, à
sua própria negação ou superação.
À luz do exposto, considera-se imensa a contribuição de Karl Marx para
a constituição e desenvolvimento do campo de estudo das ciências sociais,
uma vez que, ao explorar as relações entre sociedade e indivíduo, dando
destaque ao homem e às relações sociais, sendo estas fundamento da
coexistência social que, por conseguinte, se transformam em leis e valores
incorporados, consciente ou inconscientemente, por esses indivíduos que
compõem o meio social, atinge o cerne da questão sociológica.
REFERÊNCIAS:
COVEZZI, Marinete & CASTRO, Sueli Pereira. A Sociologia – A ação social.
2ª edição revista. Cuiabá: EdUFMT, 2000.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e Contradição: elementos
metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo. São Paulo:
Autores Associados, 1985.
JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4.
ed. atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
MARTINS, Lígia Márcia. Da formação humana em Marx à crítica da pedagogia
das competências. In: Duarte, N. (Org.) Crítica ao fetichismo da
individualidade. Campinas – SP: Autores Associados, 2004.
MARX, Karl. Classes Sociais e Contradições de Classes. In: IANNI, Octavio.
(Org.) Karl Marx - Sociologia. 3. ed. São Paulo: Ática, 1982.
MARX, Karl. A Produção da Sociedade. In: IANNI, Octavio. (Org.) Karl Marx Sociologia. 3. ed. São Paulo: Ática, 1982.
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Karl & ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 19??,
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________Trabalho assalariado e capital. In: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich.
Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 19??, v. 1. p. 62
15
________ Miséria da Filosofia: resposta à filosofia da miséria do sr.
Proudhon. Trad. por José Paulo Netto. São Paulo: Ciências Humanas, 1982.
________ O capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural,
1985, v. I, t. 1.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. (Feuerbach) 5. ed. São
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