Exmo. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível de Governador Valadares-MG O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por intermédio do 13° Promotor de Justiça, titular da Promotoria de Defesa do Cidadão desta Comarca, com sede na Rua João Pinheiro, n° 599, sala 404, centro, nesta Cidade, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com lastro no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, da Lei n° 8.625/93, artigo 66, inciso IV e VI, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual n° 34/94, e artigos 1° e 5° da Lei n° 7.347/85, AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR, Em face de: 1) MUNICÍPIO DE GOVERNADOR VALADARES, REPRESENTADO PELO EXMO. PREFEITO MUNICIPAL, SR. JOÃO DOMINGOS FASSARELA, através da Procuradoria Municipal, com sede na Marechal Floriano, n° 905, centro, Governador Valadares-MG, 2) SR. SECRETÁRIO MUNICIPAL, DR. DARLAN CORRÊA DIAS, com sede na Rua Marechal Floriano n° 905, centro, Governador Valadares-MG, 3) SR. DIRETOR EXECUTIVO DO HOSPITAL MUNICIPAL, DR. RICARDO REZENDE FERNANDES, com sede na Rua Teófilo Otoni, n° 361, centro, Governador Valadares-MG, I - DOS FATOS Conforme do Inquérito Civil n° 132-03, em anexo, o Município de Governado Valadares, o Sr. Secretário Municipal de Saúde e a direção do Hospital Municipal informaram que estão adiando, temporariamente, a realização de operações eletivas que não causarão dano aos pacientes, de forma a contornar problemas financeiros que o setor municipal de saúde vem sofrendo. Entretanto, dentre as várias cirurgias adiadas, incompreensivelmente, foram adiadas cirurgias emergenciais para retirada de câncer de mama em várias pacientes já diagnosticadas e com datas pré-fixadas para as cirurgias (documentos em anexo). A declaração do médico das pacientes acometidas com câncer de mama, Dr. Adair Pires Cabral Júnior, acostada à fls. 17-18, traduz a situação dramática das mesmas, no sentido que o adiamento da operação poderá dar causa à morte pela proliferação da patologia pelo corpo das mesmas (metástase): “O atraso em se fazer a cirurgia pode alterar o estadiamento e conseqüentemente o prognóstico. A falta de tratamento certamente levará as pacientes ao óbito. Lembro ainda que as pacientes já estão com a A.I.H. (autoriza;ao de internação hospitalar) mas não conseguem agendar as cirurgias no Hosp. Municipal. Mais uma vez, reafirmo que estou à disposição para operálas, só falta a liberação do Hosp. Municipal.” Revestindo de extrema gravidade e urgência o tratamento de todas as pacientes acometidas de câncer de mama em Governador Valadares, a atuação do Ministério Público se faz necessária, não devendo e não podendo ficar à mercê de sua própria sorte vez que, a detecção precoce do tumor de mama e o seu imediato tratamento é a chave do sucesso para a sobrevida daquelas. II- DO CÂNCER DE MAMA Câncer é o nome dado a todas as formas de tumores malignos. A palavra vem do latim câncer, que significa caranguejo. Esse nome deve- se à semelhança entre as pernas do crustáceo e os tentáculos do tumor, que se infiltram nos tecidos sadios do corpo. Os tumores ocorrem quando determinadas células de um organismo se multiplicam de maneira descontrolada, devido a uma anormalidade nos genes. Forma-se então um núcleo celular sólido e uma rede de vasos sanguíneos para sustentá-lo. E é através da corrente sanguínea ou linfática que as células malignas atingem outros órgãos e dão origem a novos tumores, num processo conhecido como metástase. Existem mais de cem tipos de câncer, como o de pele, pulmão, mama, fígado, estômago, rim, ovário, cérebro, próstata, pâncreas e ossos. Portanto, o câncer pode ser definido como uma doença degenerativa resultante do acúmulo de lesões no material genético das células, que induz o processo de crescimento, reprodução e dispersão anormal das células (metástase). Não existe uma causa especifica conhecida nem mesmo a hereditariedade pode ser totalmente responsabilizada. O câncer causa a morte de mais de 4 milhões de pessoas por ano, em todo o mundo. E o de pulmão, responsável por 30% dos casos mundiais da doença, é o que mais mata. Segundo estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCa) para 1996, a doença seria responsável por 94.150 óbitos, sendo 51.100 do sexo masculino e 43.050 do sexo feminino, O número de casos diagnosticados seria de 268.500. Os tumores responsáveis pelas maiores taxas de incidência e mortalidade no país são os de pulmão, estômago e próstata para os homens; e os de mama, estômago e colo do útero para as mulheres. O câncer de mama ainda é um dos tipos de câncer que mais mata mulheres em todo o mundo. Para se ter uma idéia, apenas nos Estados Unidos, mais de 182 mil mulheres contraem a doença todos os anos, sendo que pelo menos 46 mil mulheres morrem anualmente. Trata-se de uma doença impossível de ser prevenida, mas que - quando detectada a tempo - apresenta boas possibilidades de tratamento. O câncer é a segunda causa de morte no Brasil entre as mulheres, figurando logo atrás das causas externas (como acidentes automobilísticos, atropelamentos e assassinatos). Entre os tipos de câncer, o de mama lidera o ranking da mortalidade feminina. A cada ano morrem de câncer de mama dez mil mulheres no Brasil e a cada 24 minutos um novo caso é registrado na faixa etária acima de 35 anos. Entre as mulheres, o câncer de mama ocupa o primeiro lugar em incidência nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste sendo responsável, respectivamente, por 22,84%, 24,14% e 23,83% dos novos diagnósticos de neoplasia realizados em mulheres. Nas regiões Norte e Centro-Oeste ele é superado pelo câncer do colo uterino, mesmo assim, espera-se que o câncer de mama seja responsável por 16,03% e 14,54% dos diagnósticos de neoplasia realizados em mulheres. O quadro clínico varia de pacientes assintomáticas àquelas com nódulo (caroço) palpável na mama, secreção mamilar sanguinolenta, deformidades no formato da mama por retrações de pele, alterações da cor da pele ou até ulcerações da mesma em casos mais graves. O tratamento de câncer de mama está menos agressivo e há novos exames em estudo.Mas o diagnóstico precoce ainda é a chave para controlá-lo: 90% dos casos iniciais tem cura. Quanto mais cedo for detectado qualquer problema mais fácil será sua cura e menor o sofrimento para todos. ‘Mas a detecção precoce está ao alcance de todas e podem salvar”, afirma Mário Mourão Neto, diretor do departamento de mastologia do Hospital do Câncer, de São Paulo. ‘Até 90% dos casos podem ser curados se o nódulo for descoberto antes de atingir 2 centímetros”, complementa João Carlos Sampaio Góes, diretor do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC). Há vários tipos de tratamento contra o câncer, como a cirurgia, a radioterapia, a quimioterapia e a hormonoterapia, dependendo do tipo, do local e da extensão do tumor. A cirurgia e a radioterapia consistem nas formas locais de tratamento da doença. A cirurgia é usada para a retirada dos tumores. “A abrangência da operação e a intensidade do tratamento estão igualmente ligadas ao estágio do tumor: se ele é recente, pequeno, ambos serão menos agressivos”, afirma Waldyr Oliva Filho, também diretor do IBCC. Já a radioterapia mata a célula maligna pelo efeito da irradiação. Porém, pode atingir outros tecidos, provocando o aparecimento de dermatite, cistite e retite no paciente. A quimioterapia, tratamento à base de drogas, impede a reprodução celular e conseqüentemente leva as células malignas à morte. Mas atua também sobre as células normais, causando efeitos colaterais temporários, como queda de cabelo, vômito e diarréia. A hormonoterapia é usada para combater os tumores que são mais sensíveis à ação dos hormônios, como o câncer de mama e o de próstata. Segundo dados da Escola Paulista de Medicina, 60% dos casos são identificados em estágios avançados (tumores com mais de 5 cm de diâmetro). Aí, a mastectomia (retirada de um dos seios) é inevitável, juntamente a retirada dos linfonodos regionais (gânglios linfáticos da axila próxima à mama afetada). Em tumores iniciais (menos de 2 cm) pode ser feita uma cirurgia chamada quadrantectomia: retirada do quadrante da mama onde se localiza o tumor, juntamente com o esvaziamento cirúrgico da axila do mesmo lado. Com isto, obtêm-se bons resultados em termos de sobrevida, além de melhor efeito estético, já que o órgão é conservado. A utilização de tratamentos multidisciplinares que associam a cirurgia com a radioterapia ou a quimioterapia tem mostrado resultados satisfatórios, como nos dois tipos de tumores ósseos mais comuns, o osteossarcoma e o sarcoma de Ewing, nos casos de câncer de mama e do tumor de Wilms (tumor do rim de criança). A despeito de todo o tratamento desenvolvido nos últimos anos, a tendência é de que pelo menos 10% sejam vítimas de um novo câncer. Uma das explicações é que a metástase da doença pode começar um ou dois anos antes da manifestação do tumor, disseminar-se pelo sangue e órgãos vitais e levar à morte. III - DA COMPETÊNCIA O artigo 20 da Lei n° 7.347/85 estabelece o foro competente para o conhecimento da ação civil pública, prescrevendo: “Art. 2°. As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”. A exposição de motivos do Ministro da Justiça, apresentada com o projeto, assim examinou a questão: “Estipula o anteprojeto que as causas serão aforadas no lugar onde o dano se verificou ou onde deverá verificar-se. Deu-se à competência a natureza absoluta, já que funcional, afim de não permitir a eleição de foro ou a sua derrogação pela não apresentação de exceção declinatória. Este critério convém ao interesse público existente naquelas causas”. Estando em questão o tratamento das cidadãs de Governador Valadares acometidas com câncer de mama, patente está que o foro competente é o desta Comarca. IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA A legitimidade do Ministério Público decorre de disposições legais expressas que conferem ao Ministério Público legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública para a proteção do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores, e ainda para a defesa de “outros interesses difusos e coletivos”, fórmula genérica que abrange, obviamente, qualquer outro interesse que vise à proteção e defesa dos direitos da cidadania, fazendo parte desses direitos a saúde. Estabelece a Carta Magna: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. E ainda: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa fisica ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;” (grifo nosso). A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei n° 8.625/93, em seu artigo 25, preceitua: “Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direito de valor artístico, estético, históricos, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;” Acrescente-se, também, o comando da Lei Complementar Estadual n° 34/94: “Art. 66. Além das funções previstas na Constituição Federal, na Lei Orgância Nacional do Ministério Público, na Constituição Estaual e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: ... IV — zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal e outras leis, promovendo as medidas judiciais e administrativas necessárias à sua garantia;” O artigo 1°, inciso IV da Lei n° 7.347/85, que foi recepcionada pela vigente Constituição Federal, estabelece que rege-se pela Lei da ação civil pública, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos patrimoniais causados a interesses difusos ou coletivos e, no caso concreto, estamos diante de interesses difusos ou coletivos. Por fim, a Resolução n° 11/97, expedida pelo Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, disciplina o exercício da função de fiscalização do Sistema Unico de Saúde pela Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão, externando e determinando: Art. 1°. A fiscalização do Sistema Único de Saúde constitui função institucional do Ministério Público, nos termos dos arts. 197, II, e 197 da Constituição Federal. Art. 3°. Compete ao Promotor de Justiça fiscalizar, em cada Município da Comarca: I - o cumprimento da Lei n° 8.080/90”. OLYMPIO DE SÁ SOUTO MAIOR NETO, em artigo publicado na Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, n° 29, afirma que: “O Ministério Público deve agora atuar como verdadeiro agente político, interferindo positivamente na realidade social e, através do exame do conteúdo ideológico das normas jurídicas, dar a prevalência para a efetivação daquelas que signifiquem a proposta da libertação do povo, internalizando no espaço oficial do Judiciário as reivindicações sociais na forma de conflitos coletivos, politizados e valorizados sob a ótica das classes populares”. Arremata asseverando: “O Ministério Público, não raras vezes implicará em cobrar das autoridades públicas uma atuação mais eficiente no fornecimento às crianças e adolescentes de educação, SAUDE, profissionalização, lazer, etc., vez que sua tarefa obriga preferência ao interesse público primário (ou seja, o interesse do bem geral), em contraposição às vezes com o interesse público secundário (ou seja, o modo pelo qual os órgãos governamentais vêem o interesse público)”. Neste sentido também é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: “Ação Civil Pública - Legitimidade - Ministério Público Sistema Único de Saúde - Direito Coletivo. Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público e social visando a verificação da situação do Sistema Único de Saúde e sua operacionalização. Recurso improvido.” (STJ — RESP n° 136.288/MA — Rei. Mi Garcia Vieira— 3 1.03.98) Destarte, conclui-se pela legitimidade do Ministério Público para propor a presente ação. V - DA LEGITIMIDADE PASSIVA Conforme é sabido, o Município de Governador Valadares é detentor de gestão plena do Sistema Único de Saúde - SUS, cuja gerência compete à Secretaria Municipal de Saúde, na pessoa de seu Secretário Municipal de Saúde. Com o advento da Norma Operacional Básica - NOB/96 SUS/01/96, aprovada pela Portaria MS n° 2.203/96, são estabelecidas, como forma de descentralização da gestão e execução dos serviços de saúde no âmbito dos municípios, duas modalidades de gestão, tendo sido o município de Governador Valadares habilitado à gestão plena de atendimento municipal. A própria NOB/96 estabelece como sua finalidade precípua “buscar a plena responsabilidade do Poder Público Municipal”, concluindo que, “isso significa aperfeiçoar a gestão dos serviços de saúde no país e a própria organização do sistema, visto que o município passa a ser, de fato, o responsável imediato pelo atendimento das necessidades e demandas de saúde do seu povo e das exigências de intervenções saneadoras em seu território”, tendo, para tanto, o suporte financeiro administrativo da União e do Estado, respectivamente. Logo, quando o Município de Governador Valadares assumiu a gestão plena do SUS, isso importa dizer que a gestão de todo o sistema municipal é necessariamente da competência do Poder Público municipal e exclusiva desta esfera do Governo. A própria Lei Orgânica da Saúde, Lei Federal n° 8.080/90, determina a competência municipal: “Art. 18. À direção municipal do Sistema Único de Saúde (SUS) compete: I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;”. Considerando, ainda, o princípio da continuidade do serviço público, devendo ser prestada assistência à saúde da população, a legitimidade passiva dos requeridos, desse modo, é inconteste. VI - DO DIREITO A Constituição Federal de 1988 atribuiu à saúde a condição de direito social: “Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. “Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifo nosso). Novamente os artigos 196 e 197 da Magna Carta: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” Também, com berço na Constituição Federal, cabe ao Município “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população” (art. 30, VII). A Constituição do Estado de Minas Gerais, por sua vez, reafirma o texto constitucional federal em seus artigos 186 e 187: “Art. 186. A saúde é direito de todos e a assistência a ela é dever do Estado, assegurada mediante políticas sociais e econômicas que visem à eliminação do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Parágrafo Único. O direito à saúde implica a garantia de: III — dignidade, gratuidade e boa qualidade no atendimento e no tratamento de saúde; Art. 187. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, e cabem ao Poder Público sua regulamentação, fiscalização e controle, na forma da lei.” Em consonância com tais dispositivos legais, a Lei n° 8.080/90, Lei Orgânica da Saúde dispõe: “Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao pleno exercício. §1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. ... Art. 5° - São objetivos do Sistema Único de saúde: ... III - assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção e recuperação da saúde, com a realização integrada, ações assistenciais e das atividades preventivas.” Art. 6° - Estão incluídos no campo de atuação do Sistema Único de Saúde - SUS: 1 - a execução de ações: ... d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;” A Lei Orgânica do Município de Governador Valadares também preceitua: “Art. 151. A saúde é direito de todos os munícipes e dever do Poder Público, assegurada mediante políticas sociais e econômicas que visem à eliminação do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Art. 153. As ações e serviços de saúde são de natureza pública, cabendo ao Poder Público sua normatização e controle, devendo sua execução ser feita preferencialmente através de serviços públicos e, complementarmente através de serviços de terceiros.” Como se não bastassem, os comandos do Código de Defesa do Consumidor, determinam que o serviço público, nele compreendido a assistência à saúde, deve funcionar de forma adequada, eficiente, segura e contínua, sob pena de ser compelido o poder público a tanto: “Art. 1° - O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal, e artigo 48 de suas Disposições Transitórias. ... Art. 6°. São direitos básicos do consumidor: ... X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. ... “Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. ]Parágrafo único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código. Como demonstrado, todo o cidadão brasileiro tem o direito à saúde, o qual deverá ser prestado pelo Poder Público ininterruptamente, consubstanciando a pretensão inaugural um direito social. Vê-se, portanto, que, seja na Constituição Federal, seja na Constituição Estadual, seja na legislação infraconstitucional, a saúde é considerada prioridade, refletindo necessidade inadiável da comunidade, sendo clara a responsabilidade do Poder Público pela saúde de todos e incabível a violação ao princípio de continuidade deste serviço essencial, vez que colocaria em risco a vida humana. VII - DA NECESSIDADE DA CONCESSÃO DE LIMINAR Para as mulheres acometidas do câncer de mama, a única solução é detecção precoce do tumor (já realizada) e o seu imediato tratamento, de modo a possibilitar às mesmas uma maior chance de sobrevida. O adiamento da cirurgia para a retirada do tumor, possibilitando o desenvolvimento e a disseminação da patologia (metástase) traduz o significado da palavra ‘emergência’, vez que tais fatos implicam risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para as pacientes. De tal arte, não se pode deixar de detectar a presença indisfarçável dos pressupostos que autorizam a medida liminar requerida, quais sejam, o fumus boni iuris e periculum in mora. É certo que o fumus boni luris está configurado, uma vez que o atendimento adequado e pronto das pacientes com câncer de mama pelo Hospital Municipal traduz a defesa do direito à vida e à saúde, considerados direitos fundamentais pela nossa Carta Magna. Compreender o fumus boni iuns na situação em tela não nos parece requisitar de maiores esforços, haja vista a existência de preceito constitucional obrigando o atendimento. Corroborando a existência da fumaça do bom direito, temos unanimidade doutrinária quanto à aplicabilidade imediata dos preceitos constitucionais sociais, encontrando-se em caráter primordial o bem vida, consubstanciado pela saúde. Nesse sentido, os comentários de autores constitucionais a respeito dos direitos elucidados no Título II da Constituição Federal esclarecem que não há sentido uma garantia constitucional necessitar de outra norma para sua eficácia. Sustenta o Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA: “A garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e prerrogativas consubstanciados no Título II, caracterizados como direitos fundamentais só cumprem na finalidade se as normas que os expressem tiverem efetividade. (...) Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais (...) Por isso, revela-se, por seu alto sentido político, como eminente garantia política de defesa da eficácia jurídica e social da Constituição.” Da mesma forma, vê-se presente o periculum in mora, talvez mais gritante ainda, já que o perigo maior a um ser humano é a perda de sua vida ou prejuízo a sua saúde, o que ora estamos tentando evitar. É certo que não se encontra no meio jurídico motivo maior que o ora citado para configuração de perigo na demora de se aguardar o provimento jurisdicional final, qual seja, a vida humana. Em face da gravidade do retratado, o Ministério Público requer a V. Exa. Sejam determinados os pedidos de ordens liminares adiante, considerando a necessidade da tutela de urgência, em prol da defesa do bem maior, que é a vida humana. VIII - DOS PEDIDOS DE ORDEM LIMINAR 1. Diante do exposto, o Ministério Público requer a V. Exa. sejam deferidos os pedidos de ordem liminar, determinando-se: 2. A realização de cirurgia de mastectomia ou de quadrantctomia (a que se melhor se adequar para retirada do tumor em cada paciente), no prazo máximo de 15 (quinze) dias, pelo Hospital Municipal, em todas as pacientes de Governador Valadares identificadas com câncer de mama, inclusive as pessoas de ÁUREA BEATRIZ FERREIRA DE OLIVEIRA (fI. 02), INES TOMÉ MATEUS (fI. 02), TEREZINHA GOMES FERREIRA (fI. 03) e ANA MARIA ALVES (fI. 03), ouvindo-se, nos termos do art. 2° da Lei n° 8.437/92, o representante judicial do Município - pessoa jurídica de direito público. 3. o descumprimento da liminar por parte de qualquer dos requeridos, seja retardando ou dificultando, importará na aplicação de multa por paciente não atendida, equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser recolhida em conta judicial a ser aberta em banco oficial a ser recolhida ao Fundo de que cuida o artigo 13 da Lei n° 7.347/85, nos termos dos artigos 11 e 12 do mesmo Diploma Legal, devendo o descumprimento ser constatado através de auto de constatação por perito designado por esse Juízo ou ocorrência da Polícia Militar; 4. a designação de perito para acompanhar o fiel cumprimento da liminar deferida, devendo o mesmo informar a esse Juízo a respeito do descumprimento da liminar, através de certidão, que deverá ser acostado aos autos; d. a expedição de ofício ao comando local da Polícia Militar, dando ciência da liminar deferida, solicitando informar a esse Juízo, através de ocorrência policial, o descumprimento da liminar para as devidas providências e execução da multa aplicada. IX - DOS PEDIDOS DEFINITIVOS Ex positis, estando evidente a violação aos direitos garantidos aos cidadãos pela Carta Maior Brasileira, bem como pela Constituição Mineira e pela Lei Federal n° 8.080/90, o Ministério Público requer a V. Exa.: 1. a distribuição e autuação com os documentos do Inquérito Civil n° 132-03; 2. a concessão de liminar, sem justificação prévia, nos termos acima expostos; 3. a citação do requerido, nas pessoas de seus representantes legais, utilizando- se da faculdade conferida pelo parágrafo 2° do artigo 172 do Código de Processo Civil, para, querendo, contestarem a presente ação, que deverá seguir o rito ordinário, no prazo legal e sob pena de revelia; 4. a inversão do Ônus da prova, em razão da verossimilhança do direito do consumidor invocado, com fundamento no artigo 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor; 5. seja julgado procedente o pedido, no sentido de compelir o Município na obrigação de fazer, qual seja, efetuar a cirurgia de mastectomia ou de quadrantctomia (a que se melhor se adequar para retirada do tumor em cada paciente) em todas as portadoras de câncer de mama já identificados em Governador Valadares, inclusive as pessoas de AUREA BEATRIZ FERREIRA DE OLIVEIRA (fI. 02), INÊS TOMÉ MATEUS (fi. 02), TEREZINHA GOMES FERREIRA (fi. 03) e ANA MARIA ALVES (fi. 03), num prazo máximo de 15 (quinze) dias; 6. fixação de multa por paciente não atendida com a cirurgia, no valor diário de R$ 10.000,00 (dez mil reais), constatado através de auto de constatação de perito ou boletim de ocorrência da Polícia Militar a ser recolhida ao Fundo de que cuida o artigo 13 da Lei n°7.347/85, nos termos dos artigos 11 e 12 do mesmo Diploma Legal; 7. sejam condenados os requeridos às demais cominações legais (custas, honorários advocatícios, etc.), que reverterão em benefício do Fundo criado pela Lei n° 7.347/85; 8. a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do disposto nos artigos 18 e 21 da Lei Federal n° 7.347/85, e no artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor; 9. a intimação pessoal do autor de todos os atos e termos processuais, através da entrega dos autos com vista, na pessoa do Promotor de Justiça titular da 1 3a Promotoria de Justiça de Governador Valadares, na Rua João Pinheiro, n° 599, sala 404, centro, nesta, nos termos do §2° do artigo 236 do Código de Processo Civil e do artigo 41, inciso IV, da Lei n° 8.625/93; 10. a produção de todas as provas admitidas no Direito, notadamente a juntada de outros documentos, realização de perícias, citivas de testemunhas, depoimento pessoal do representante do réu e outras que se fizerem necessárias. A despeito do valor inestimável da presente demanda, para efeitos meramente fiscais e de alçada, dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Nestes termos, Pede e espera deferimento. Governador Valadares, 19 de Agosto de 2003. Leonardo Valadares Cabra! Promotor de Justiça Inquérito Civil n° 132-03