dos fatos - Centro de Apoio Operacional das Promotorias de

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Exmo. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível de
Governador Valadares-MG
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS,
por intermédio do 13° Promotor de Justiça, titular da Promotoria de Defesa do
Cidadão desta Comarca, com sede na Rua João Pinheiro, n° 599, sala 404,
centro, nesta Cidade, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com
lastro no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, da
Lei n° 8.625/93, artigo 66, inciso IV e VI, alínea “a”, da Lei Complementar
Estadual n° 34/94, e artigos 1° e 5° da Lei n° 7.347/85,
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR,
Em face de:
1) MUNICÍPIO DE GOVERNADOR VALADARES,
REPRESENTADO PELO EXMO. PREFEITO MUNICIPAL, SR. JOÃO
DOMINGOS FASSARELA, através da Procuradoria Municipal, com sede na
Marechal Floriano, n° 905, centro, Governador Valadares-MG,
2) SR. SECRETÁRIO MUNICIPAL, DR. DARLAN
CORRÊA DIAS, com sede na Rua Marechal Floriano n° 905, centro,
Governador Valadares-MG,
3) SR. DIRETOR EXECUTIVO DO HOSPITAL
MUNICIPAL, DR. RICARDO REZENDE FERNANDES, com sede na Rua
Teófilo Otoni, n° 361, centro, Governador Valadares-MG,
I - DOS FATOS
Conforme do Inquérito Civil n° 132-03, em anexo, o Município
de Governado Valadares, o Sr. Secretário Municipal de Saúde e a direção do
Hospital Municipal informaram que estão adiando, temporariamente, a realização
de operações eletivas que não causarão dano aos pacientes, de forma a contornar
problemas financeiros que o setor municipal de saúde vem sofrendo.
Entretanto,
dentre
as
várias
cirurgias
adiadas,
incompreensivelmente, foram adiadas cirurgias emergenciais para retirada de
câncer de mama em várias pacientes já diagnosticadas e com datas pré-fixadas
para as cirurgias (documentos em anexo).
A declaração do médico das pacientes acometidas com câncer de
mama, Dr. Adair Pires Cabral Júnior, acostada à fls. 17-18, traduz a situação
dramática das mesmas, no sentido que o adiamento da operação poderá dar causa
à morte pela proliferação da patologia pelo corpo das mesmas (metástase):
“O atraso em se fazer a cirurgia pode alterar o estadiamento
e conseqüentemente o prognóstico. A falta de tratamento
certamente levará as pacientes ao óbito. Lembro ainda que as
pacientes já estão com a A.I.H. (autoriza;ao de internação
hospitalar) mas não conseguem agendar as cirurgias no Hosp.
Municipal.
Mais uma vez, reafirmo que estou à disposição para operálas, só falta a liberação do Hosp. Municipal.”
Revestindo de extrema gravidade e urgência o tratamento de
todas as pacientes acometidas de câncer de mama em Governador Valadares, a
atuação do Ministério Público se faz necessária, não devendo e não podendo ficar
à mercê de sua própria sorte vez que, a detecção precoce do tumor de mama e o
seu imediato tratamento é a chave do sucesso para a sobrevida daquelas.
II- DO CÂNCER DE MAMA
Câncer é o nome dado a todas as formas de tumores malignos. A
palavra vem do latim câncer, que significa caranguejo. Esse nome deve- se à
semelhança entre as pernas do crustáceo e os tentáculos do tumor, que se
infiltram nos tecidos sadios do corpo.
Os tumores ocorrem quando determinadas células de um
organismo se multiplicam de maneira descontrolada, devido a uma anormalidade
nos genes. Forma-se então um núcleo celular sólido e uma rede de vasos
sanguíneos para sustentá-lo. E é através da corrente sanguínea ou linfática que as
células malignas atingem outros órgãos e dão origem a novos tumores, num
processo conhecido como metástase. Existem mais de cem tipos de câncer, como
o de pele, pulmão, mama, fígado, estômago, rim, ovário, cérebro, próstata,
pâncreas e ossos.
Portanto, o câncer pode ser definido como uma doença
degenerativa resultante do acúmulo de lesões no material genético das células,
que induz o processo de crescimento, reprodução e dispersão anormal das células
(metástase).
Não existe uma causa especifica conhecida nem mesmo a
hereditariedade pode ser totalmente responsabilizada.
O câncer causa a morte de mais de 4 milhões de pessoas por ano,
em todo o mundo. E o de pulmão, responsável por 30% dos casos mundiais da
doença, é o que mais mata. Segundo estimativa do Instituto Nacional do Câncer
(INCa) para 1996, a doença seria responsável por 94.150 óbitos, sendo 51.100 do
sexo masculino e 43.050 do sexo feminino, O número de casos diagnosticados
seria de 268.500. Os tumores responsáveis pelas maiores taxas de incidência e
mortalidade no país são os de pulmão, estômago e próstata para os homens; e os
de mama, estômago e colo do útero para as mulheres.
O câncer de mama ainda é um dos tipos de câncer que mais mata
mulheres em todo o mundo. Para se ter uma idéia, apenas nos Estados Unidos,
mais de 182 mil mulheres contraem a doença todos os anos, sendo que pelo
menos 46 mil mulheres morrem anualmente. Trata-se de uma doença impossível
de ser prevenida, mas que - quando detectada a tempo - apresenta boas
possibilidades de tratamento.
O câncer é a segunda causa de morte no Brasil entre as mulheres,
figurando logo atrás das causas externas (como acidentes automobilísticos,
atropelamentos e assassinatos). Entre os tipos de câncer, o de mama lidera o
ranking da mortalidade feminina. A cada ano morrem de câncer de mama dez mil
mulheres no Brasil e a cada 24 minutos um novo caso é registrado na faixa etária
acima de 35 anos.
Entre as mulheres, o câncer de mama ocupa o primeiro lugar em
incidência nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste sendo responsável,
respectivamente, por 22,84%, 24,14% e 23,83% dos novos diagnósticos de
neoplasia realizados em mulheres. Nas regiões Norte e Centro-Oeste ele é
superado pelo câncer do colo uterino, mesmo assim, espera-se que o câncer de
mama seja responsável por 16,03% e 14,54% dos diagnósticos de neoplasia
realizados em mulheres.
O quadro clínico varia de pacientes assintomáticas àquelas com
nódulo (caroço) palpável na mama, secreção mamilar sanguinolenta,
deformidades no formato da mama por retrações de pele, alterações da cor da
pele ou até ulcerações da mesma em casos mais graves.
O tratamento de câncer de mama está menos agressivo e há novos
exames em estudo.Mas o diagnóstico precoce ainda é a chave para controlá-lo:
90% dos casos iniciais tem cura. Quanto mais cedo for detectado qualquer
problema mais fácil será sua cura e menor o sofrimento para todos.
‘Mas a detecção precoce está ao alcance de todas e podem
salvar”, afirma Mário Mourão Neto, diretor do departamento de mastologia do
Hospital do Câncer, de São Paulo. ‘Até 90% dos casos podem ser curados se o
nódulo for descoberto antes de atingir 2 centímetros”, complementa João Carlos
Sampaio Góes, diretor do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC).
Há vários tipos de tratamento contra o câncer, como a cirurgia, a
radioterapia, a quimioterapia e a hormonoterapia, dependendo do tipo, do local e
da extensão do tumor. A cirurgia e a radioterapia consistem nas formas locais de
tratamento da doença. A cirurgia é usada para a retirada dos tumores. “A
abrangência da operação e a intensidade do tratamento estão igualmente ligadas
ao estágio do tumor: se ele é recente, pequeno, ambos serão menos agressivos”,
afirma Waldyr Oliva Filho, também diretor do IBCC. Já a radioterapia mata a
célula maligna pelo efeito da irradiação. Porém, pode atingir outros tecidos,
provocando o aparecimento de dermatite, cistite e retite no paciente. A
quimioterapia, tratamento à base de drogas, impede a reprodução celular e
conseqüentemente leva as células malignas à morte. Mas atua também sobre as
células normais, causando efeitos colaterais temporários, como queda de cabelo,
vômito e diarréia. A hormonoterapia é usada para combater os tumores que são
mais sensíveis à ação dos hormônios, como o câncer de mama e o de próstata.
Segundo dados da Escola Paulista de Medicina, 60% dos casos
são identificados em estágios avançados (tumores com mais de 5 cm de
diâmetro). Aí, a mastectomia (retirada de um dos seios) é inevitável, juntamente
a retirada dos linfonodos regionais (gânglios linfáticos da axila próxima à mama
afetada).
Em tumores iniciais (menos de 2 cm) pode ser feita uma cirurgia
chamada quadrantectomia: retirada do quadrante da mama onde se localiza o
tumor, juntamente com o esvaziamento cirúrgico da axila do mesmo lado. Com
isto, obtêm-se bons resultados em termos de sobrevida, além de melhor efeito
estético, já que o órgão é conservado.
A utilização de tratamentos multidisciplinares que associam a
cirurgia com a radioterapia ou a quimioterapia tem mostrado resultados
satisfatórios, como nos dois tipos de tumores ósseos mais comuns, o
osteossarcoma e o sarcoma de Ewing, nos casos de câncer de mama e do tumor
de Wilms (tumor do rim de criança).
A despeito de todo o tratamento desenvolvido nos últimos anos, a
tendência é de que pelo menos 10% sejam vítimas de um novo câncer. Uma das
explicações é que a metástase da doença pode começar um ou dois anos antes da
manifestação do tumor, disseminar-se pelo sangue e órgãos vitais e levar à morte.
III - DA COMPETÊNCIA
O artigo 20 da Lei n° 7.347/85 estabelece o foro competente para
o conhecimento da ação civil pública, prescrevendo:
“Art. 2°. As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do
local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional
para processar e julgar a causa”.
A exposição de motivos do Ministro da Justiça, apresentada com
o projeto, assim examinou a questão: “Estipula o anteprojeto que as causas serão
aforadas no lugar onde o dano se verificou ou onde deverá verificar-se. Deu-se à
competência a natureza absoluta, já que funcional, afim de não permitir a eleição
de foro ou a sua derrogação pela não apresentação de exceção declinatória. Este
critério convém ao interesse público existente naquelas causas”.
Estando em questão o tratamento das cidadãs de Governador
Valadares acometidas com câncer de mama, patente está que o foro competente é
o desta Comarca.
IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA
A legitimidade do Ministério Público decorre de disposições
legais expressas que conferem ao Ministério Público legitimidade para a
propositura de Ação Civil Pública para a proteção do meio ambiente, patrimônio
cultural e dos consumidores, e ainda para a defesa de “outros interesses difusos e
coletivos”, fórmula genérica que abrange, obviamente, qualquer outro interesse
que vise à proteção e defesa dos direitos da cidadania, fazendo parte desses
direitos a saúde.
Estabelece a Carta Magna:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias à sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos”.
E ainda:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.”
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução
ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por
pessoa fisica ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma
rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;” (grifo
nosso).
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei n° 8.625/93,
em seu artigo 25, preceitua:
“Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e
Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao
Ministério Público:
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da
lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao
meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direito de valor
artístico, estético, históricos, turístico e paisagístico, e a outros
interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e
homogêneos;”
Acrescente-se, também, o comando da Lei Complementar
Estadual n° 34/94:
“Art. 66. Além das funções previstas na Constituição Federal, na
Lei Orgância Nacional do Ministério Público, na Constituição
Estaual e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
...
IV — zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição Federal e outras leis, promovendo as medidas
judiciais e administrativas necessárias à sua garantia;”
O artigo 1°, inciso IV da Lei n° 7.347/85, que foi recepcionada
pela vigente Constituição Federal, estabelece que rege-se pela Lei da ação civil
pública, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos
patrimoniais causados a interesses difusos ou coletivos e, no caso concreto,
estamos diante de interesses difusos ou coletivos.
Por fim, a Resolução n° 11/97, expedida pelo Exmo. Sr.
Procurador Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, disciplina o exercício da
função de fiscalização do Sistema Unico de Saúde pela Promotoria de Justiça de
Defesa do Cidadão, externando e determinando:
Art. 1°. A fiscalização do Sistema Único de Saúde constitui
função institucional do Ministério Público, nos termos dos arts.
197, II, e 197 da Constituição Federal.
Art. 3°. Compete ao Promotor de Justiça fiscalizar, em cada
Município da Comarca:
I - o cumprimento da Lei n° 8.080/90”.
OLYMPIO DE SÁ SOUTO MAIOR NETO, em artigo
publicado na Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, n°
29, afirma que:
“O Ministério Público deve agora atuar como verdadeiro agente
político, interferindo positivamente na realidade social e, através
do exame do conteúdo ideológico das normas jurídicas, dar a
prevalência para a efetivação daquelas que signifiquem a
proposta da libertação do povo, internalizando no espaço oficial
do Judiciário as reivindicações sociais na forma de conflitos
coletivos, politizados e valorizados sob a ótica das classes
populares”.
Arremata asseverando:
“O Ministério Público, não raras vezes implicará em cobrar das
autoridades públicas uma atuação mais eficiente no fornecimento
às crianças e adolescentes de educação, SAUDE,
profissionalização, lazer, etc., vez que sua tarefa obriga
preferência ao interesse público primário (ou seja, o interesse do
bem geral), em contraposição às vezes com o interesse público
secundário (ou seja, o modo pelo qual os órgãos governamentais
vêem o interesse público)”.
Neste sentido também é o posicionamento do Superior Tribunal
de Justiça:
“Ação Civil Pública - Legitimidade - Ministério Público Sistema Único de Saúde - Direito Coletivo. Tem o Ministério
Público legitimidade para propor ação civil pública em defesa do
patrimônio público e social visando a verificação da situação do
Sistema Único de Saúde e sua operacionalização. Recurso
improvido.” (STJ — RESP n° 136.288/MA — Rei. Mi Garcia
Vieira— 3 1.03.98)
Destarte, conclui-se pela legitimidade do Ministério Público para
propor a presente ação.
V - DA LEGITIMIDADE PASSIVA
Conforme é sabido, o Município de Governador Valadares é
detentor de gestão plena do Sistema Único de Saúde - SUS, cuja gerência
compete à Secretaria Municipal de Saúde, na pessoa de seu Secretário Municipal
de Saúde.
Com o advento da Norma Operacional Básica - NOB/96 SUS/01/96, aprovada pela Portaria MS n° 2.203/96, são estabelecidas, como
forma de descentralização da gestão e execução dos serviços de saúde no âmbito
dos municípios, duas modalidades de gestão, tendo sido o município de
Governador Valadares habilitado à gestão plena de atendimento municipal.
A própria NOB/96 estabelece como sua finalidade precípua
“buscar a plena responsabilidade do Poder Público Municipal”, concluindo que,
“isso significa aperfeiçoar a gestão dos serviços de saúde no país e a própria
organização do sistema, visto que o município passa a ser, de fato, o responsável
imediato pelo atendimento das necessidades e demandas de saúde do seu povo e
das exigências de intervenções saneadoras em seu território”, tendo, para tanto, o
suporte financeiro administrativo da União e do Estado, respectivamente.
Logo, quando o Município de Governador Valadares assumiu a
gestão plena do SUS, isso importa dizer que a gestão de todo o sistema municipal
é necessariamente da competência do Poder Público municipal e exclusiva desta
esfera do Governo.
A própria Lei Orgânica da Saúde, Lei Federal n° 8.080/90,
determina a competência municipal:
“Art. 18. À direção municipal do Sistema Único de Saúde (SUS)
compete:
I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços
de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;”.
Considerando, ainda, o princípio da continuidade do serviço
público, devendo ser prestada assistência à saúde da população, a legitimidade
passiva dos requeridos, desse modo, é inconteste.
VI - DO DIREITO
A Constituição Federal de 1988 atribuiu à saúde a condição de
direito social:
“Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
“Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.” (grifo nosso).
Novamente os artigos 196 e 197 da Magna Carta:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução
ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.”
Também, com berço na Constituição Federal, cabe ao Município
“prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de
atendimento à saúde da população” (art. 30, VII).
A Constituição do Estado de Minas Gerais, por sua vez, reafirma
o texto constitucional federal em seus artigos 186 e 187:
“Art. 186. A saúde é direito de todos e a assistência a ela é dever
do Estado, assegurada mediante políticas sociais e econômicas
que visem à eliminação do risco de doenças e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Parágrafo Único. O direito à saúde implica a garantia de:
III — dignidade, gratuidade e boa qualidade no atendimento e no
tratamento de saúde;
Art. 187. As ações e serviços de saúde são de relevância pública,
e cabem ao Poder Público sua regulamentação, fiscalização e
controle, na forma da lei.”
Em consonância com tais dispositivos legais, a Lei n° 8.080/90,
Lei Orgânica da Saúde dispõe:
“Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao pleno
exercício.
§1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na
formulação e execução de políticas econômicas e sociais que
visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no
estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e
igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e
recuperação”.
...
Art. 5° - São objetivos do Sistema Único de saúde:
...
III - assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção e
recuperação da saúde, com a realização integrada, ações
assistenciais e das atividades preventivas.”
Art. 6° - Estão incluídos no campo de atuação do Sistema Único
de Saúde - SUS:
1 - a execução de ações:
...
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;”
A Lei Orgânica do Município de Governador Valadares também
preceitua:
“Art. 151. A saúde é direito de todos os munícipes e dever do
Poder Público, assegurada mediante políticas sociais e
econômicas que visem à eliminação do risco de doenças e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Art. 153. As ações e serviços de saúde são de natureza pública,
cabendo ao Poder Público sua normatização e controle, devendo
sua execução ser feita preferencialmente através de serviços
públicos e, complementarmente através de serviços de terceiros.”
Como se não bastassem, os comandos do Código de Defesa do
Consumidor, determinam que o serviço público, nele compreendido a assistência
à saúde, deve funcionar de forma adequada, eficiente, segura e contínua, sob
pena de ser compelido o poder público a tanto:
“Art. 1° - O presente Código estabelece normas de proteção e
defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos
termos dos artigos 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da
Constituição Federal, e artigo 48 de suas Disposições
Transitórias.
...
Art. 6°. São direitos básicos do consumidor:
...
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
...
“Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de
empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
]Parágrafo único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial,
das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas
compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma
prevista neste Código.
Como demonstrado, todo o cidadão brasileiro tem o direito à
saúde, o qual deverá ser prestado pelo Poder Público ininterruptamente,
consubstanciando a pretensão inaugural um direito social.
Vê-se, portanto, que, seja na Constituição Federal, seja na
Constituição Estadual, seja na legislação infraconstitucional, a saúde é
considerada prioridade, refletindo necessidade inadiável da comunidade, sendo
clara a responsabilidade do Poder Público pela saúde de todos e incabível a
violação ao princípio de continuidade deste serviço essencial, vez que colocaria
em risco a vida humana.
VII - DA NECESSIDADE DA CONCESSÃO DE LIMINAR
Para as mulheres acometidas do câncer de mama, a única solução
é detecção precoce do tumor (já realizada) e o seu imediato tratamento, de modo
a possibilitar às mesmas uma maior chance de sobrevida.
O adiamento da cirurgia para a retirada do tumor, possibilitando o
desenvolvimento e a disseminação da patologia (metástase) traduz o significado
da palavra ‘emergência’, vez que tais fatos implicam risco imediato de vida ou de
lesões irreparáveis para as pacientes.
De tal arte, não se pode deixar de detectar a presença
indisfarçável dos pressupostos que autorizam a medida liminar requerida, quais
sejam, o fumus boni iuris e periculum in mora.
É certo que o fumus boni luris está configurado, uma vez que o
atendimento adequado e pronto das pacientes com câncer de mama pelo Hospital
Municipal traduz a defesa do direito à vida e à saúde, considerados direitos
fundamentais pela nossa Carta Magna.
Compreender o fumus boni iuns na situação em tela não nos
parece requisitar de maiores esforços, haja vista a existência de preceito
constitucional obrigando o atendimento.
Corroborando a existência da fumaça do bom direito, temos
unanimidade doutrinária quanto à aplicabilidade imediata dos preceitos
constitucionais sociais, encontrando-se em caráter primordial o bem vida,
consubstanciado pela saúde.
Nesse sentido, os comentários de autores constitucionais a
respeito dos direitos elucidados no Título II da Constituição Federal esclarecem
que não há sentido uma garantia constitucional necessitar de outra norma para
sua eficácia.
Sustenta o Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA:
“A garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade
imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e
prerrogativas consubstanciados no Título II, caracterizados como
direitos fundamentais só cumprem na finalidade se as normas que
os expressem tiverem efetividade. (...)
Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos
aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da
eficácia plena e aplicabilidade imediata das normas definidoras
dos direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais (...)
Por isso, revela-se, por seu alto sentido político, como eminente
garantia política de defesa da eficácia jurídica e social da
Constituição.”
Da mesma forma, vê-se presente o periculum in mora, talvez
mais gritante ainda, já que o perigo maior a um ser humano é a perda de sua vida
ou prejuízo a sua saúde, o que ora estamos tentando evitar.
É certo que não se encontra no meio jurídico motivo maior que o
ora citado para configuração de perigo na demora de se aguardar o provimento
jurisdicional final, qual seja, a vida humana.
Em face da gravidade do retratado, o Ministério Público requer a
V. Exa. Sejam determinados os pedidos de ordens liminares adiante,
considerando a necessidade da tutela de urgência, em prol da defesa do bem
maior, que é a vida humana.
VIII - DOS PEDIDOS DE ORDEM LIMINAR
1. Diante do exposto, o Ministério Público requer a V. Exa.
sejam deferidos os pedidos de ordem liminar, determinando-se:
2. A realização de cirurgia de mastectomia ou de
quadrantctomia (a que se melhor se adequar para retirada do tumor em
cada paciente), no prazo máximo de 15 (quinze) dias, pelo Hospital
Municipal, em todas as pacientes de Governador Valadares identificadas
com câncer de mama, inclusive as pessoas de ÁUREA BEATRIZ
FERREIRA DE OLIVEIRA (fI. 02), INES TOMÉ MATEUS (fI. 02),
TEREZINHA GOMES FERREIRA (fI. 03) e ANA MARIA ALVES (fI.
03), ouvindo-se, nos termos do art. 2° da Lei n° 8.437/92, o representante
judicial do Município - pessoa jurídica de direito público.
3. o descumprimento da liminar por parte de qualquer dos
requeridos, seja retardando ou dificultando, importará na aplicação de
multa por paciente não atendida, equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil
reais), a ser recolhida em conta judicial a ser aberta em banco oficial a ser
recolhida ao Fundo de que cuida o artigo 13 da Lei n° 7.347/85, nos
termos dos artigos 11 e 12 do mesmo Diploma Legal, devendo o
descumprimento ser constatado através de auto de constatação por perito
designado por esse Juízo ou ocorrência da Polícia Militar;
4. a designação de perito para acompanhar o fiel cumprimento
da liminar deferida, devendo o mesmo informar a esse Juízo a respeito do
descumprimento da liminar, através de certidão, que deverá ser acostado
aos autos; d. a expedição de ofício ao comando local da Polícia Militar,
dando ciência da liminar deferida, solicitando informar a esse Juízo,
através de ocorrência policial, o descumprimento da liminar para as
devidas providências e execução da multa aplicada.
IX - DOS PEDIDOS DEFINITIVOS
Ex positis, estando evidente a violação aos direitos garantidos aos
cidadãos pela Carta Maior Brasileira, bem como pela Constituição Mineira e pela
Lei Federal n° 8.080/90, o Ministério Público requer a V. Exa.:
1. a distribuição e autuação com os documentos do Inquérito
Civil n° 132-03;
2. a concessão de liminar, sem justificação prévia, nos termos
acima expostos;
3. a citação do requerido, nas pessoas de seus representantes
legais, utilizando- se da faculdade conferida pelo parágrafo 2° do artigo
172 do Código de Processo Civil, para, querendo, contestarem a presente
ação, que deverá seguir o rito ordinário, no prazo legal e sob pena de
revelia;
4. a inversão do Ônus da prova, em razão da verossimilhança
do direito do consumidor invocado, com fundamento no artigo 6°, inciso
VIII, do Código de Defesa do Consumidor;
5. seja julgado procedente o pedido, no sentido de compelir o
Município na obrigação de fazer, qual seja, efetuar a cirurgia de
mastectomia ou de quadrantctomia (a que se melhor se adequar para
retirada do tumor em cada paciente) em todas as portadoras de câncer de
mama já identificados em Governador Valadares, inclusive as pessoas de
AUREA BEATRIZ FERREIRA DE OLIVEIRA (fI. 02), INÊS TOMÉ
MATEUS (fi. 02), TEREZINHA GOMES FERREIRA (fi. 03) e ANA
MARIA ALVES (fi. 03), num prazo máximo de 15 (quinze) dias;
6. fixação de multa por paciente não atendida com a cirurgia,
no valor diário de R$ 10.000,00 (dez mil reais), constatado através de auto
de constatação de perito ou boletim de ocorrência da Polícia Militar a ser
recolhida ao Fundo de que cuida o artigo 13 da Lei n°7.347/85, nos termos
dos artigos 11 e 12 do mesmo Diploma Legal;
7. sejam condenados os requeridos às demais cominações
legais (custas, honorários advocatícios, etc.), que reverterão em benefício
do Fundo criado pela Lei n° 7.347/85;
8. a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros
encargos, desde logo, à vista do disposto nos artigos 18 e 21 da Lei
Federal n° 7.347/85, e no artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor;
9. a intimação pessoal do autor de todos os atos e termos
processuais, através da entrega dos autos com vista, na pessoa do
Promotor de Justiça titular da 1 3a Promotoria de Justiça de Governador
Valadares, na Rua João Pinheiro, n° 599, sala 404, centro, nesta, nos
termos do §2° do artigo 236 do Código de Processo Civil e do artigo 41,
inciso IV, da Lei n° 8.625/93;
10. a produção de todas as provas admitidas no Direito,
notadamente a juntada de outros documentos, realização de perícias,
citivas de testemunhas, depoimento pessoal do representante do réu e
outras que se fizerem necessárias.
A despeito do valor inestimável da presente demanda, para
efeitos meramente fiscais e de alçada, dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil
reais).
Nestes termos,
Pede e espera deferimento.
Governador Valadares, 19 de Agosto de 2003.
Leonardo Valadares Cabra!
Promotor de Justiça
Inquérito Civil n° 132-03
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