Os Novos paradigmas: emergências sociais e fragmentação sociológica. Resumo. Com o advento da ciência as transformações da vida aceleraram-se de uma maneira vertiginosa. As mudanças radicais que revolucionaram o modo de se ver o mundo, de se produzir, de se entender e explicar os fenômenos da natureza, causam ebulição nas relações sociais- na era moderna- como jamais vira antes na história da humanidade. O artigo aqui apresentado, através de variadas leituras de autores da sociologia moderna e pós- moderna, procura situar os paradigmas e teorias da sociologia, de acordo com as novas configurações que assumem as sociedades, em eras de descontinuidade a cada vez mais curtas, mais próximas, mais implicadas, mais complexas, que exigem estudos sociológicos fragmentados, focada sobremaneira nos aspectos micros e elementares da realidade social. Palavras-chave: Ciências. Paradigmas. Sociologia. 1. Primórdios abrangentes da ciência e os paradigmas A ciência, como nova forma de conhecimento, a emergir sob a luz da racionalidade, requereu a sua superioridade para a transformação do mundo, pretendendo desvencilhar-se, em seus métodos e teorias, de qualquer crença religiosa ou qualquer outra forma de se dar explicações aos fenômenos da natureza e as relações dos homens com o mundo e entre si. È certo que “ no curso de sua evolução, ciência e crença caminham mais ou menos juntas” (CASANOVA, 2006), moderna e pós-moderna mas “ ao longo da idade construíram um espaço laico e impuseram uma tolerância em que as ciências e as humanidades não invocam as crenças religiosas, não legitimam suas asserções com fé.” Aos primeiros cientistas pareceu que a forma rígida, positiva, precisa, fria, experimental, da ciência, Comprovada empiricamente, de se entender, explicar e prever os fatos, os acontecimentos, poderia ser a “salvação da espécie humana” , a solução de todos os problemas, ou que a humanidade caminharia para isso. Mas as ciência, ao longo de sua evolução não tem que se desvencilhar apenas das crenças religiosas, metafísicas mas também da “crença” em seus próprios paradigmas, que são princípios que sintetizam as possibilidades de explicações científicas- um modo coerente de interpretar. Os paradigmas usados pela ciência tendem a captar unicamente alguns aspectos da realidade, deixando de fora um vasto campo de fenômenos. O fluxo de novos fatos conduz ao aprofundamento e extensão do quadros teóricos existentes. Sobre Paradigmas, diz Ianni, citando Khun: Considero paradigmas as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas continuidade e soluções modelares para uma de praticantes de uma ciência; no seu uso estabelecido, um paradigma é um modelo ou padrão aceitos. Uma investigação histórica cuidadosa de uma determinada especialidade num determinado momento revela um conjunto de ilustrações recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observação. Esses são os paradigmas da comunidade, revelados nos seus manuais, conferências e exercícios de laboratório. (IANNI, Apud KHUN, 1975). O primeiro paradigma hegemônico da ciência, de acordo com Casanova, (p257), foi o paradigma da física mecânica desenvolvida por Newton. Paradigma mecanicista que foi utilizado politicamente: “a humanidade foi encerrada em um mundo mecânico, repetitivo, que segue as pausas invariáveis fixadas em Deus”. Com a evolução da ciência os paradigmas iam sendo superados por novas descobertas. 2. O primeiro momento da Sociologia e os clássicos. Com a mesma pretensão que tinham as ciências naturais, de apresentar leis gerais, previsibilidade, de satisfazer as necessidades humanas por si só, também surgiu as Ciências Sociais. A sociologia como disciplina científica surgiu no início do século XIX, como uma resposta para o novo desafio da modernidade: o mundo estava se tornando cada vez menor e mais integrado, a consciência das pessoas sobre o mundo estava aumentando e dispersando. Os sociólogos não só esperavam entender os o que mantinha grupos sociais unidos, mas desenvolver um “antídoto” para a desintegração social. Ao procurar respostas para os imbricados problemas colocados pela era moderna, foram elaborando instrumentos de análise julgado por cada um deles como adequado para examinar e compreender a complexa realidade nascente. Estas novas formas de se “ver” a sociedade, como um todo, implicou em uma constante ruptura com a filosofia, que fora, até então, a forma de conhecimento e de tentativa de se compreender as implicadas interações dos homens entre si e com a natureza. A sociologia nasceu da necessidade de se explicar as disposições sociais e uma sociedade que se tornou complexa, instável. O mundo moderno, com toda a sua gama de transformações nos modos de vida, com o declínio da religião, tradições e a favor da ciência, como forma de pensar a sociedade. A princípio a sociedade é pensada como um todo no seu processo de formação e transformação. Ao contrário do que ocorre com as Ciências Naturais, a divergência entre os cientistas sociais, marcou sobremaneira a construção verifica que, do saber sociológico. Isto fica claro quando se desde a sua formação até os dias atuais, a sociologia não apresenta consenso entre seus estudiosos, nem entre teorias e métodos ou prioridades problemáticas; pelo contrário, na medida que a sociedade vai se tornando mais complexa, a tendência é de que o dissenso se amplifique. A revolução industrial, que significou a introdução de máquinas nas fábricas e o aperfeiçoamento das técnicas de produção, foi a consolidação do processo de se acabar de vez com a velha forma de relação social, e a afirmação de uma nova forma que vai revolucionar constantemente a interação humana entre si e com o mundo: o capitalismo que, se foi efeito da racionalização da vida, passa a ser causa da potencialização e solidificação da forma racional de se organizar a vida. A introdução de novas formas de organizar a vida social e a profundidade das transformações, de certa forma, colocou a sociedade em ebulição. Em decorrência disso, determinados pensadores passaram a considerá-la um objeto que deveria ser investigado e analisado com metodologia científica adequada. De acordo com Lepenies (p12) somente no final do século XVIII haverá uma separação nítida entre as obras científicas e as obras literárias e, entre estas, começa a surgir a sociologia, que ele chama de “terceira cultura”, que vai emergir com dificuldades entre uma “orientação cientificista, pronta a imitar as Ciências Naturais, e uma atitude hermenêutica, que aproxima a disciplina da literatura. Aparecendo numa época em que a sociedade ocidental vivia imersa em profundas transformações, a sociologia constituiu-se, desde sempre, em conhecimento da contemporaneidade social. No período inicial em que foi inspirada pelo positivismo e , desta forma, também foi seduzida pelas visibilidades futuras que a previsão conseguia fazer antever, ela afirmava-se como reflexibilidade da sociedade existente, mesmo quando se considera o presente prolongado nas tendências futuras. Estes são os principais temas inaugurados pelos fundadores da sociologia: ordem e progresso evolução e diferenciação, normal e patológica, racional e irracional, racionalização e burocratização, sagrado e profano, desencantamento do mundo, povo e cidadania, classe e luta de classes, movimento social e partido político, a questão social, a questão nacional, alienação e fetichismo, reforma e revolução, revolução e contra-revolução, comunidade e sociedade, ciência, ideologia e utopia. (IANNI, 1990, P.16). A sociologia clássica apresenta teorias e paradigmas generalizantes, nas quais destacam a supremacia das redes sociais sobre o sujeito. Em Durkheim, considerado o autor clássico dos fatos sociais, a sociedade se explica pelas instituições, as quais serão as mantenedoras da ordem e formarão a conscientização coletiva, essencial para a coesão social, e, assim como Marx “via a era moderna como uma era turbulenta (GIDDENS, p16) , porém previa que a humanidade caminhava para uma harmonia social “integrada através de uma combinação da divisão do trabalho e do individualismo moral. Marx analisa a sociedade moderna pelo prisma das lutas de classes, “como fonte de dissidências fundamentais na ordem capitalista, mas vislumbrava ao mesmo tempo a emergência de um sistema social mais humano; procura oferecer uma explicação da sociedade como um todo (GIDDENS, p17). No paradigma marxista o ser social também não tem autonomia, está preso à condição de “suporte das estruturas”, e que as ações humanas somente teriam sentido quando dadas pelas estruturas. Weber, o último dos clássicos, foi o autor que, de certa forma “libertou o sujeito”, com uma crítica mais voltada para os indivíduos, de forma micro, entretanto mesmo a sua teoria prevê uma sociedade humana com tendência a uma radicalização burocrática, que dominará as relações sociais, minando as iniciativas de cunho pessoal. A sociedade dos burocratas. Os paradigmas clássicos são voltados para a sociedade industrial e do trabalho, divisão do trabalho e produção. Enfim, “os conceitos elaborados pelos clássicos parecem não deixar espaço para os indivíduos, os atores sociais. Um dos aspectos mais importantes da sociologia é que, ao criar grandes conjuntos históricos portadores de sentidos em si mesmos, reduzem a análise a ação social à pesquisa da posição do ator no sistema. Cabe eleger como objeto da sociologia a ação social, o movimento social. E abandonar o sistema, os grandes conjuntos, os conceitos abrangentes, a visão m acro da sociedade. Mesmo porque essas noções corresponderiam a uma realidade social passada, superada, que já não mais se constitui como objeto da sociologia. A sociologia da ação recusa essa explicação do ator pelo sistema. Ao contrário, vê em toda situação o resultado das relações entre atores, definidos tanto por suas orientações culturais como por seus conflitos sociais.” IANNI, 1990, P.7) 3. O segundo e terceiro momentos da sociologia: crises e explosão paradigmática. No decorrer da primeira metade do século XX, estreitamente ligadas às mudanças sociais, que ocorreram de maneira vertiginosa, devido industrialização moderna, metodologias. A ao surgem sociologia, processo novas agora acelerado teorias e da novas predominantemente americana, busca, de início, compreender as mudanças radicais que acontecem na sociedade, principalmente com a eclosão da primeira guerra mundial, acontecimento que fez com que os sociólogos desacreditassem da racionalidade e das teorias gerais. Os métodos adotados deveriam ser como os dá ciências naturais que proporcionassem previsibilidade, resultados concretos, invariáveis e leis gerais. Porém, este modo de se exigir da ciência, logo foi questionado, pois esta apresenta influência de fatores que fogem do seu controle. O segundo momento da sociologia, de acordo com Ianni, (p12) “o objeto da sociologia, bem como das outras ciências sociais, envolve o indivíduo e a coletividade, as relações de coexistência e sequência . A partir de 1930, após a quebra da bolsa de valores, o Estado se vale dos sociólogos a fim de proporem soluções aos problemas sociais causados pela crise econômica, o que irá dividir a comunidade sociológica em duas correntes: de um lado há os que defendem um “engajamento moral a fim de ajudar a sociedade enveredar pelos caminhos sociais promissores”, de outro lado há o grupo que entendem que “a sociologia, como ciência, pode e deve certamente contribuir para a compreensão e a gestão dos fenômenos sociais, mas tem igualmente o dever de se manter neutra, livre de todo entrave ideológico e político”. LALLEMENT, (pp21,22). Dessa divergência vai emergir um novo modelo de sociologia, que ganha influência nas instituições que monitoram pesquisas em ciências sociais, uma “sociologia científica”, afastada de toda de toda preocupação política. Será consagrado um novo sociólogo: “o do perito profissional dotado de um conhecimento técnico neutro”. Neste mesmo viés de pensamento, após a Segunda Guerra Mundial vai de encontro à formalidade burocrática, a qual, de acordo com Weber, seria conjugada com eficiência e regularidade. Os cientistas sociais Americanos rompem com essa idéia: de acordo com MERTON (p24) ...”a regularidade de comportamento e a conformidade com as ações prescritas pode, em primeiro lugar, transformar o burocrata em um “ser rígido e incapaz de adaptação rápida”, de sorte que a conformidade mata a flexibilidade organizacional. Os Estados Unidos da América ascendem como grande potência mundial conjuntamente com a democracia, a qual havia sido banida da Europa e, em prol de um totalitarismo que expulsou uma grande leva de refugiados para os EUA, entre eles um grande número de intelectuais. Os sociólogos profissionais entram em campo devido as mudanças profundas na economia, com uma explosão expansionista, planificação, racionalização produção e consumo de massa. As primeiras grandes obras da sociologia forjaram-se em um contexto que favoreceu sua aproximação com as filosofias evolucionistas. Mesmo, em alguns momentos inspirado nos clássicos, o funcionalismo rompe com tal pensamento. Ele pode ser subdivido em três correntes básicas: o funcionalismo absoluto, que tem como principais autores Malinowski, RadcliffeBrown; o estrutural-funcionalismo de Parsons; e o funcionalismo moderado de Merton. A teoria dos sistemas, desenvolvida por Bertalanffy, teve grande aceitação por parte desses pensadores funcionalistas. Coube a Parsons as maiores honrarias por buscar uma cisão com a sociologia vigente em seu tempo, extremamente ligada com as idéias evolucionistas. Ele é considerado o fundador da teoria dos sistemas, segundo a qual entende a sociedade como um conjunto de sistemas diferenciados entre si e que cooperam mutuamente. Para ele a sociologia é “a ciência que tenta construir uma teoria analítica dos sistemas de ação social na medida em que é possível compreender esses sistemas a partir da natureza da integração com base em valores comuns”. O autor faz um resgate os conceitos de personalidade, cultura e sociedade, afirmando que o sistema social prevalece sobre os outros, que seriam, pois, integrantes do meio externo deste primeiro, reduzindo-os a meras variáveis. Parsons, portanto, desenvolve essa idéia de que a sociedade é um todo subdivido em sistemas, autônomos entre si e que encontram na cooperação a integração necessária para manter-se, mostrando-nos sua forte ligação com as ciências naturais da época em que fora forjada tal teoria social. Os discursos sobre a nossa modernidade abordam a sociedade atual como sociedade pós-industrial, pós-moderna, tecnocrata, da informação, de massa. Seja como for que a chamemos é certo que há uma gama de teorias, de variadas formas de se analisar a sociedade, uma sociedade complexa, com emergências sociais que demandam formas micro de análise e uma sociologia fragmentada, que não se restringem mais ao econômico, ao trabalho. A era da pós-modernidade está inserida no contexto da crise do welfare state e a sua substituição pelo neoliberalismo, o que representa nova ordem econômica e política mundial, com o surgimento da “terceira revolução industrial, termo motivado pelo desenvolvimento acelerado da cibernética e da informática. De acordo com TOURAINE (p16), a sociedade pós-industrial é a sociedade do saber como elemento de poder. Em sua definição, essa sociedade perdeu a centralidade no trabalho, se forma de tipos novos a qual ... chamar-lhe-emos sociedades pós-industriais, se quisermos marcar a distância que as separa das sociedades de industrialização que as precederam e que com elas se encontram ainda misturadas, tanto sob sua forma capitalista como sob sua forma socialista; chamarlhe-emos sociedades tecnocratas, se as quisermos designar pelo nome do poder que as domina; chamar-lheemos sociedades programadas, se procurarmos defini-las, em primeiro lugar, pela natureza de seu modo de produção e de organização econômica (TOURAINE, 1969, p.7) Nesta nova sociedade é através do saber, do conhecimento que se pode medir forças com os dominantes, que são s tecnocratas. “A educação torna-se um critério cada vez mais importante de hierarquia social. E, “cada vez menos, o conhecimento pode considerar-se como desinteressado, mesmo quando altamente formalizado” (TOURAiNE, 1969, p.16) O saber e o conhecimento são colocados como elementos de poder porque esta sociedade demanda cada vez mais um quadro técnico de formação especializada onde há investimentos em ciência e tecnologia de forma a responder às necessidades da produção, voltada à produção; é a sociedade das “novas classes, dos novos conflitos”, onde a classe dominante já não é mais os detentores do capital mas os detentores do conhecimento técnico- os “tecnocratas” (TOURAINE, 1969, p.56) As questões culturais despontam em detrimento às questões econômicas; surge uma nova classe média que são s peritos, tecnólogos, cientistas; uma classe média que emergiu da modernidade, classe dos especialistas, dos gerentes, dos superintendentes. Daniel Bell tem claramente uma perspectiva sistêmica, ao analisar o sociedade pós-industrial, uma perspectiva de inovação, que significa a análise do indivíduo sobre a sociedade, de agir sobre ela, mudando-a os mesmos interesses de grupo, dos novos movimentos sociais. Ele chama essa sociedade de “Sociedade pós-capitalista, porque as relações com os instrumentos de produção já não estabelece a predominância, ou o poder, ou o privilégio da sociedade.” (BELL, 1977, p. 66). REFERÊNCIAS WOLF, Lepenies. As Três Culturas. Tradução de Maria Claro Cascato.Editora USP, São Paulo, 1996. CASANOVA, Pablo Gonzáles. As novas ciências e as humanidades da academia à política.Editempo Editoraeditorial.2006. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da Modernidade: tradução de Raul Fiker.Editora UNESP,1991 IANNI, Otavio. A crise dos paradigmas na Sociologia. Caderno do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais.UNICAMP.IFCH, setembro, 1990. LALLEMENT, Michel. Histórias das idéias sociológicas.De Parsons aos contemporâneos. Tradução de Ephraim F.Alves.2 ed.Editora Vozes, Petrópolis, 2004. TOURRAINE, Alain. Artigo:Os novos conflitos sociais: para evitar mal-entendidos. Tradução de Marili da Cunha Bezerra.Capítulo do Livro – Le retour de L’acteur, Fayard, 1983. BELL, Daniel. O Advento da Sociedade Pós-Industria: uma tentativa de previsão social, tradução de Heloysa de Lima Dantas. Editora Cultrix, São Paulo,1977.