A memória de Valentin Calderon

Propaganda
Jornal A Tarde, sexta-feira, 18/09/1981
Assunto:
A MEMÓRIA DE VALENTIN CALDERÓN
Um dos marcos do 35º aniversário, este ano, da Universidade Federal da Bahia, em
colaboração com a Cia. Dow Química que comemorava seus vinte e cinco anos no Brasil, foi o
lançamento do belo livro “50 Imagens do Museu de Arte Sacra da Bahia”. Muito
acertadamente, o reitor Macêdo Costa escolheu para objeto daquela publicação texto inédito
do falecido Prof. Velentin Calderón que se completou com admiráveis fotografias e
esclarecedoras legendas da museóloga baiana Profª Sylvia Meneses de Atahyde. Redundou
essa iniciativa em justiceira e inteligente homenagem a um assinalado baiano de sangue
espanhol que se integrara a nós pela dedicação às nossas coisas de arte e história, além da
naturalização e do casamento.
Conheci Calderón quando aceitei sua inscrição para apresentar, em 1955, duas comunicações
sobre temas de Arqueologia da Espanha à II Reunião Brasileira de Antropologia. Esses
trabalhos foram muito bem escolhidos por autorizados antropólogos nacionais, por sua
originalidade e teor científico, de que resultou que o convidasse a dar, junto a minha cátedra de
Antropologia, um curso de introdução à especialidade haurida em estudo e atividades junto a
mestres europeus, sobre a qual guardava discreto silêncio o jovem mestre de língua espanhola
do Instituto de Cultura Hispânica da Universidade. O desempenho daquela atividade justificou a
inclusão de Calderón na equipe do Instituto de Ciências Sociais, por indicação de que me
felicito. Nessa qualidade realizou, com apoio do Museu Nacional, a única exploração
arqueológica de um concheiro indígena do litoral baiano, nas proximidades de Itacaranha,
publicado pelo I.C.S. sob o título de “O Sambaqui da Pedra Oca”. Essa publicação e pesquisas
outras nos arredores desta cidade, em que teve mais tarde a cooperação de conceituado
antropólogo, Prof. Pedro Agostinho da Silva, o atraíram para o programa de Arqueologia
instituído pela Smithsonian Institution, de Washington, sob a coordenação do Prof. Clifford
Evans, para investigações em todo o território nacional com especialistas de todo o país. Pude
avaliar o conceito daquele nosso colega quando ouvi a menção de seu contributo ao
mencionado programa, no simpósio ao mesmo dedicado no 39º Congresso internacional de
Americanistas, em Lima, ao qual, por sinal, levei comunicações sobre “As Regras do Namoro,
um Padrão Tradicional no Brasil”, de que deriva Namoro à Antiga, cuja edição devo ao
espontâneo patrocínio de meu amigo acadêmico Zitelman de Oliva junto ao Banco Econômico
da Bahia.
O apreço que já cercava o nome de Calderón levá-lo-ia a altas funções na administração da
universidade - portador que era de título de licenciada em Geografia e História conquistado na
Universidade Católica do Salvador para validar seu tirocínio na pátria de origem – postos em
que evidenciou suas qualidades pessoais de lealdade e dedicação aos reitores Roberto Santos
e Augusto Mascarenhas, e se credenciou sucessivamente para diretor da Fundação Cultural do
Estado e do Museu de Arte Sacra. Nessas funções, cumpridas com gosto e competência,
soube superar obstáculos e incompreensões na defesa, por vezes destemida, do patrimônio
artístico e histórico de nossa terra.
O breve ensaio sobre o Convento de Santa Tereza e o Museu de Arte Sacra, núcleo do livro há
pouco lançado, é a súmula, por assim dizer, do minudente estudo que Calderón antes
publicara sobre a história e as características daquele templo e convento que o reitor Edgard
Santos, em boa inspiração com a aquiescência do arcebispo dom Augusto Álvaro da Silva,
adaptou para o consagrado museu em que o mesmo Calderón criou e iniciou o Curso de
Museologia da UFBa. Combinando as capacidades de arqueólogo e historiador, acrescido de
outros interesses intelectuais, com as de administrador, ao falecer precocemente deixou aquele
neo-brasileiro uma contribuição historiográfica de valor e um acervo de material arqueológico e
etnográfico abundantíssimos e de classificação já cuidadosamente adiantada, de que a UFBa.,
pretende valer-se para um futuro museu especializado como coleção e objeto de estudos. Foi
ele, no referente a esse campo de atividades, orientador de atividades de jovens estudiosos de
pré-história e arqueologia baianas, aos quais se devem indagações sobre inscrições lapidares
e espeleológicas que também tiveram nesse mentor um pioneiro provido de modernos métodos
e critérios científicos. Sua cooperação mais uma vez estendeu-se à Associação Brasileira de
Antropologia nas condições que propiciou em 1976, a realização da X Reunião Brasileira de
Antropologia, no magnífico prédio do Museu de Arte Sacra, cuja apreciação e valor muito se
credita ao zelo desse curador.
A memória de Valentin Calderón de La Vara é, como se aponta neste esboço biográfico, uma
das que a Bahia deve cultuar agradecida. Sou dos que tiveram a ventura de sua amizade e do
seu exemplo de cristão.
Download