NOTAS INICIAIS SOBRE A INDISSOCIABILIDADE ENTRE TEORIA E PRÁTICA NO MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Leandro Eliel Pereira de Moraes PPGE/UNIMEP – SP CAPES Eixo 4: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação e Movimentos Sociais Apresentação de Pôster Resumo: O texto analisa o processo histórico da relação entre teoria e prática no materialismo histórico e dialético formulado por Marx e Engels. Marx dizia nas Teses sobre Feuerbach que “... os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (2007, p. 535). Por isso, o método foi desenvolvido como teoria para a transformação social. Para analisar essa relação é necessário, inicialmente, distinguir a relativa autonomia entre a filosofia e a política para, em seguida, compreender sua unidade. Uma das questões fundamentais do método é que ele só pode ser compreendido na relação com o objeto de estudo desses autores, ou seja, a gênese, o desenvolvimento e a crise da sociedade burguesa. Para Marx e Engels não há um método a priori, o método e as categorias de análises foram forjados na intrincada relação teoria/práxis revolucionária. A adequada compreensão do método exige que se resgate o processo de produção teórica e prática desses autores, que não se encontra numa obra específica, deve ser compreendida em sua totalidade, na relação entre a realidade estudada e sua expressão ideal. O método que desenvolveram é a compreensão no plano das ideias do movimento da realidade, que se move constantemente. Se essa realidade se move e se altera, o método também é permeável a mudanças constantes, portanto histórico. Nas palavras de Lênin, o método é “análise concreta da situação concreta”. Para a perspectiva marxiana a separação entre teoria e prática quebra a sua unidade interna e a sua especificidade em relação às demais teorias. Por isso, costuma-se dizer que um marxista deve vincular seu pensamento com a prática política, caso contrário, não estará assumindo o marxismo como dialético, assim como, cabe ao militante político colocar a teoria como referência de sua ação prática. Palavras-chave: materialismo histórico e dialético, marxismo, revolução. 1. Introdução Marx dizia que “... os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (2007, p. 535, grifos do autor). Por isso, o método materialista e dialético foi desenvolvido, por Marx e Engels, como teoria para a transformação social. Não foi sem sentido que outros importantes marxistas, como Vladimir I. Lênin, Rosa Luxemburgo, Leon Trotsky, Antonio Gramsci foram, ao mesmo tempo, teóricos e militantes políticos. Para eles, apreender o movimento da realidade era condição fundamental para a eficácia da luta política, das perspectivas revolucionárias. Nesse sentido, a teoria era um guia para a ação. Perry Anderson (2004) constatou que após a II Guerra Mundial houve um divórcio entre o que ele classificou como “marxismo ocidental” e a prática política, o que fez boa parte dos intelectuais marxistas se afastar do cotidiano da luta de classes e das organizações políticas. As origens dessa desvinculação entre teoria e prática, segundo o autor, podem ser encontradas na seguinte combinação: Assim, fascismo e stalinismo, as duas grandes tragédias que, de maneiras tão diferentes, se abateram sobre o movimento operário europeu no período entreguerras, se somaram para dispersar e destruir os potenciais expoentes de uma teoria marxista nativa vinculada à prática das massas do proletariado ocidental. A solidão e morte de Gramsci na Itália, o isolamento e exílio de Korsch e Lukács nos EUA e na URSS, respectivamente marcam o fim da fase em que o marxismo ocidental ainda estava próximo das massas (ANDERSON, 2004, p.52). Gramsci, Georg Luckás e Karl Korsch1, que ainda se mantinham ligados às ações práticas, mas que tanto pela ação fascista, no caso de Gramsci como pelas divergências com a linha estalinista de suas organizações, no caso de Luckás e Korsch, se afastaram da luta política. Em seguida, como um momento marcante desse processo, o autor se refere ao Instituto de Investigação Social de Frankfurt, onde inicialmente foi desenvolvido “trabalho empírico sólido e análise teórica séria” (ANDERSON, p.52) no campo marxista, mas operou, no pós Segunda Guerra, uma profunda mudança, descrita assim: A ruptura entre a teoria e a prática, que na realidade começara silenciosamente na Alemanha no final da década de 1920, foi clamorosamente consagrada em teoria em meados dos anos 1960, com a publicação de One-Dimensional Man 2 (ANDERSON, 2004, p. 55). As transformações ocorridas no século XX trouxeram para os marxistas um grande desafio, tanto na construção de uma nova ordem social, a partir das revoluções socialistas, como para o momento pós-queda do Muro de Berlim e do socialismo existente no leste europeu. Gramsci afirmou que a revolução russa ocorrera contra O Capital, que para Marx seria possível apenas nos países de capitalismo avançado, com reais condições de construção do socialismo, já que as condições materiais, de intenso desenvolvimento das forças produtivas poderiam assegurar um processo eficaz de produção e distribuição de riquezas, que o socialismo 1 Anderson refere-se a eles como os verdadeiros progenitores do marxismo ocidental, sendo importantes dirigentes políticos nos seus respectivos partidos políticos. 2 Obra – O Homem Unidimensional, de Herbert Marcuse. 2 seria um estágio superior de desenvolvimento social em relação ao capitalismo e não um retorno às formas pré-capitalistas. Acontece que as revoluções socialistas vitoriosas se deram em países de desenvolvimento capitalista atrasado, obrigando os revolucionários a lidarem com um problema prático e teórico complicado: como desenvolver as forças produtivas em países de desenvolvimento precário? Como distribuir riqueza sem que haja condições imediatas de sua produção e distribuição? Adotar métodos capitalistas? Essas questões foram resolvidas na prática, sendo ou não satisfatórias do ponto de vista das variadas matizes marxistas. Do ponto de vista teórico, o período estalinista empobreceu o debate. As justificativas teóricas para o processo em curso foram não só rebaixadas como se abriu um período de perseguições políticas pelo mundo afora, contribuindo para que intelectuais marxistas se afastassem da luta política e para que as organizações políticas marxistas, fundamentalmente os partidos comunistas, simplesmente justificassem suas ações em função da necessidade de defesa do socialismo realmente existente. A reflexão teórica foi secundarizada. Emir Sader (2009) comentando esse distanciamento, afirmou: Inevitavelmente a analise e a denúncia passaram a predominar sobre as propostas, as alternativas. Houve um deslocamento dos temas, mas também um deslocamento a favor da teoria desvinculada da prática política. Prática política sem teoria, teoria sem prática – os dois problemas passaram a pesar como um carma sobre o marxismo e a esquerda. A prática política da esquerda tendeu ao realismo, ao possibilismo, ao abandono da estratégia, enquanto a teoria marxista tendeu ao intelectualismo, a visões especulativas, de simples denúncia, de polêmicas ideológicas em torno dos princípios, sem desdobramentos práticos. 3 Para a perspectiva marxiana a separação entre teoria e prática quebra a sua unidade interna e a sua especificidade em relação às demais teorias. Um marxista que não vincule seu pensamento com a prática política não assume o marxismo como dialético. Igualmente grave é o militante político que não coloca a teoria como referência de sua ação prática. Dessa forma, para buscar as raízes do afastamento da luta política por parte de alguns intelectuais marxistas e do pragmatismo por parte de organizações políticas, considero 3 SADER, E. O indissolúvel nexo entre teoria e prática no marxismo. Disponível http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15965 Acesso em 3 de novembro de 2009. em 3 fundamental compreender os condicionantes históricos, políticos, econômicos e sociais desse processo. Nesse sentido, faz-se necessário um resgate do processo teórico e prático que Marx e Engels vivenciaram ao longo do século XIX. É o que buscaremos apontar, ainda que em breves linhas, a seguir. 2. A indissociabilidade entre teoria e prática A produção teórica de Marx é, normalmente, catalogada ora na sociologia, ora na política, ora na economia, ora na filosofia, entre outras, sem que fique adequadamente alocada. Nada mais contrário ao que Marx procurou fazer do que catalogá-lo numa disciplina específica, pois, justamente o que é lhe mais peculiar é exatamente sua abrangência. José Paulo Netto4 aponta que a especificidade de Marx é acompanhada por três pilares fundamentais, sendo que cada um deles, necessariamente, sustenta-se nos outros: o método dialético, que lhe permite captar o movimento da realidade em suas múltiplas determinações e contradições; a perspectiva da revolução, que surge de forma mais evidente a partir de 1848, quando a classe operária adquire autonomia; e a teoria do valor-trabalho, apreendida dos clássicos da economia inglesa, Adam Smith e David Ricardo, principalmente, levada às suas últimas conseqüências, ou seja, revelado o caráter de exploração e de produção da mais-valia. Esses pilares, o método, a revolução e a teoria do valor-trabalho compõem a especificidade da obra de Marx, segundo o autor. 2.1. Karl Marx e a problemática relação Estado/sociedade civil A produção inicial de Karl Marx (1818-1883) passa pela produção de sua tese, intitulada “As diferenças das filosofias da natureza de Demócrito e Epicuro”, pelo trabalho jornalístico desenvolvido na Gazeta Renana, por um projeto clandestino, na França, de uma revista destinada aos alemães, os Anais Franco-alemães e, em 1843, produz os Manuscritos de Kreuznach, estudo que apresenta a primeira critica a Hegel, que não foi escrito para publicação, serviu de roteiro para estudo, tendo por característica a recusa de Marx à solução hegeliana de que o Estado funda a sociedade civil. Ficam evidentes para Marx as limitações existentes de 4 Curso realizada por José Paulo Netto no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, em 2002, cuja temática foi Método em Marx, gravada em 5 DVD’s. 4 uma abordagem filosófica e jurídico política nessa questão, necessitando de outras categorias ainda inexistentes para ele, o que o fez abandonar o texto. 2.2. Friedrich Engels e a situação da classe trabalhadora inglesa Friedrich Engels (1820-1895), aos 22 anos foi enviado para a Inglaterra para trabalhar na fábrica do pai, sob os cuidados do sócio. A Inglaterra que Engels conhece, na década de 40 do século XIX, já é a “oficina do mundo” e suas contradições sociais são visíveis. Engels, acompanhando o cotidiano da classe trabalhadora inglesa, inicia um profundo estudo sobre as condições de trabalho no país. Valendo-se de uma perspicaz análise dialética e materialista, Engels analisará, através da história, do movimento real, categorias econômicas fundamentais para a compreensão da sociedade burguesa. Esse estudo é finalizado em 1844 na forma de ensaio, como Esboço de uma crítica da economia política, que serviu como pesquisa inicial para a sua obra A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, publicada em 1845. Engels, logo após concluir esse trabalho teórico, resolve sair da Inglaterra, passa por Paris onde se encontra com Marx e discutem o conteúdo do Esboço, que Marx tratou como um “esboço genial”, resolvendo ir, em seguida, para a Alemanha para as ações práticas de agitação proletária. 2.3. Notas iniciais sobre o método Segundo Ernest Mandel (2001), o marxismo surge ao mesmo tempo como uma transformação revolucionária e como uma unificação progressiva das ciências humanas e sociais, do movimento político mais radicalizado das revoluções burguesas, do movimento operário que surgia e do socialismo utópico. Marx e Engels partem do que já existia, assimilando o saber acumulado e o submetem a um exame crítico. Na área das ciências sociais, Marx e Engels tomam contato com a sociologia francesa clássica, encontrando discussões sobre a luta de classes, na economia política inglesa encontrarão a teoria do valor-trabalho e na filosofia alemã clássica todo o debate filosófico sobre o materialismo, o idealismo e a dialética. No movimento político, como militantes, estiveram diante de um processo social extremamente radicalizado. As revoluções burguesas européias atingiram seu ponto máximo, trazendo em seu curso setores radicalizados da burguesia e um nascente movimento operário 5 que reagia às conseqüências de um capitalismo industrial que rompia as amarras dos restos do sistema feudal. A contribuição de Marx e Engels para a perspectiva socialista foi a centralidade da luta política a partir de uma profunda análise da realidade, ou seja, compreender o desenvolvimento capitalista e suas contradições para que a combinação da luta econômica e política iniciasse a superação do capitalismo. É nesse contexto que eles, como teóricos e militantes políticos, farão uma reflexão crítica sobre a realidade existente, colocando a história como elemento central de suas análises, assim como uma concepção materialista articulada com a lógica dialética. São nos primeiros escritos de Marx e Engels que encontraremos a fundamentação sobre o materialismo histórico e a lógica dialética, ainda que esses fundamentos sejam objetos de reflexão por toda a trajetória deles, valendo o destaque que a compreensão do método, nesses autores, só pode se dar no conjunto de suas obras, não numa simples afirmação ou postulado. 3. Breves conclusões A indissociabilidade entre o pressuposto materialista e a lógica dialética garante o vigor do método marxista. O abandono de um desses aspectos trouxe para parte do marxismo e de organizações políticas sérios problemas para compreensão da realidade, ora resvalando num materialismo mecanicista, ora num voluntarismo idealista. Conforme apresentado anteriormente, afirmamos que o método não se separa do objeto de estudo de Marx e Engels, ou seja, a sociedade burguesa, a relação Estado/sociedade civil. Portanto, para uma compreensão adequada dessa construção, sendo necessário percorrer suas principais elaborações teóricas e suas práticas políticas, tarefa que está em curso para a produção de minha dissertação. Por ora, vale observar que esse percurso de estudo realiza-se diferentemente das observações de outros teóricos marxistas, em especial, aqueles que atribuem validade científica somente às obras posteriores a Ideologia Alemã, separando de forma estanque o “jovem” Marx de sua maturidade, pois, trabalharemos com a perspectiva de um processo dialético de construção teórica do autor, em que sua produção inicial, ao mesmo tempo em que fundamenta toda sua trajetória, é conservada/superada no diálogo crítico com seus interlocutores. Criticando as vertentes althusserianas, encerramos o presente artigo com Celso Frederico (1995, p.11): Eles, portanto, estão dispensados da fascinante aventura proposta por esses textos, dispensados de regressar ao obscuro labirinto das origens. Desse modo, ingenuamente, têm a ilusão de estarem lendo um autor que ascendeu à ciência sem ter atravessado pelo inferno da dúvida e pelo fogo do combate com as questões de sua época, de um autor que se bateu pela verdade sem nada aprender com seus interlocutores e, num passe de mágica, sem se 6 desalinhar, atracou incólume no novo continente teórico, distante de tudo e de todos. O Navegante nada aprendeu com as tempestades, com os desvios de rota, com os combates: livre de seus adversários e de sua experiência (que nada lhe serviu), lepidamente desembaraçou-se do passado, deixando para trás os equívocos inconseqüentes da juventude, podendo dessa forma renascer com uma nova identidade no asséptico continente da ciência pura. Na tempestade do discurso pós-moderno que impregnou nos últimos tempos variados setores sociais, entre eles o acadêmico, acreditamos que a necessária compreensão do método materialista histórico e dialético nas suas dimensões teóricas e práticas é um caminho a ser percorrido por todos nós educadores que pretendemos ir além dos aspectos fenomênicos para atingir a essência do movimento da sociabilidade capitalista. Conhecer a realidade em que vivemos é um passo fundamental para sua transformação. Sabemos que isso não basta, é preciso que a teoria adquira força material, que seja um instrumento da classe trabalhadora para a construção de uma sociedade de livres produtores associados. Referências bibliográficas: ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental: Nas trilhas do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. FREDERICO, C. O jovem Marx (1843-44: as origens da ontologia do ser social). São Paulo: Cortez, 1995. MANDEL, E. O lugar do marxismo na história. 2 ed. São Paulo: Xamã, 2001. MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007. NETTO, J. P. (Informação verbal). Curso realizado por José Paulo Netto no Programa de PósGraduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, em 2002, cuja temática foi o Método em Marx, material gravado em cinco DVD’s. SADER, E. O indissolúvel nexo entre teoria e prática no marxismo. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15965>. Acesso em 3 de novembro de 2009. 7