A dura jornada de um sanduíche boca adentro

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A dura jornada de um sanduíche boca adentro
De cara, o alimento é esmagado. Depois, é feito em pedacinhos. O organismo não quer que sobre nada ¿ a não ser energia.
por Lucia Helena de Oliveira
A boca avança sobre o sanduíche. Os dentes cortam o pão e rasgam o recheio. A mordida marca a largada
do percurso que o alimento fará por um tubo com cerca de 9 metros de comprimento, ora mais largo, ora mais
estreito, na maior parte cheio de curvas. Alguns obstáculos diminuirão a velocidade dessa travessia, que deverá
durar entre doze e catorze horas. O importante, porém, é que no final da jornada, as ligações químicas das moléculas
do sanduíche estarão quebradas em porções suficientemente pequenas para permitir que elas penetrem nas células
do corpo humano [...]. Todo o processo de digestão tem por objetivo quebrar as correntes de carbono comidas nos
alimentos, para que o organismo possa utilizar a energia de que precisa. Em seu sentido mais rudimentar, a vida,
portanto, é uma constante busca de comida, ou melhor, das correntes ou cadeias de carbono — e a fome nada mais
é do que um aviso do corpo de que a bateria está ficando descarregada. No entanto, na forma como costumam ser
encontradas na alimentação, as cadeias de carbono quase sempre são muito compridas. Surge, de fato, um
problema de espaço: as moléculas do sanduíche são muito grandes para penetrarem nas células.
"Por isso, o aparelho digestivo é relativamente longo. Assim, ao percorrê-lo, essas moléculas têm tempo para
se tornarem menores", justifica o cirurgião Aldo Junqueira Rodrigues, especialista em Anatomia, da Universidade de
São Paulo. Outra característica do tubo digestivo é ser impermeável na maior parte do trajeto do sanduíche, cujas
moléculas são absorvidas apenas na reta final do intestino. Pão, carne, queijo, alface, tomate, maionese: nessa
receita comum, encontram-se os três grupos de alimentos —carboidratos, gorduras e proteínas — que devem ser
quebrados em órgãos diferentes do aparelho da digestão. A princípio, os ingredientes, juntos, são triturados na boca,
por 32 dentes, nos adultos, ou apenas vinte, nas crianças [...]. Enquanto a mastigação prossegue, a língua se move
para todos os lados, ajudando assim a misturar o pedaço de sanduíche com a saliva.
O líquido, produzido por seis glândulas maiores e uma infinidade de glândulas menores espalhadas pela
boca, é 99,5% composto de água, que irá hidratar o bocado do sanduíche, transformando-o em uma papa fácil de ser
engolida. A saliva ainda contém enzimas, capazes de destruir bactérias que, eventualmente, peguem carona no
sanduíche. Por causa desse papel de defensora, ela não pára de ser fabricada. Diariamente, uma pessoa produz
cerca de 1,2 litro desse líquido, que passeia entre as gengivas, realizando uma limpeza constante. Durante a
mastigação, o paladar determina se há necessidade de saliva extra. Se o sanduíche estiver salgado demais, haverá
pouca salivação, gerando a sensação de sede. Mas se, acompanhando o sanduíche, a pessoa tomar uns goles de
limonada haverá saliva à vontade, estimulada pelo gosto ácido que, por isso, merecidamente costuma receber o
adjetivo refrescante. Já a Coca-Cola, companheira mais comum do sanduíche, não estimula nem inibe a salivação,
como qualquer outro alimento ou bebida doce. Por causa do amido, um tipo de carboidrato contido no pão, a quebra
química do sanduíche começa ainda na boca, graças a uma enzima salivar, conhecida como alfa-amilase. O amido
possui até 2 000 átomos de carbono ligados entre si, e o máximo que o organismo consegue absorver são pequenos
grupos de seis átomos — ou seja, uma mólecula de glicose.
A molécula de amido pode ser descrita como um longo colar, cujas contas, no formato de balões, seriam
glicose. A enzima alfa-amilase não irá separar conta por conta, mas quebrará esse cordão em diversos pedaços,
criando maltoses e dextrinas. A maltose nada mais seria do que duas contas juntas ou duas moléculas de glicose
ligadas entre si. Dextrina, por sua vez, é a designação de várias moléculas de glicose, sem número específico, em
cadeias menores que as do amido.
O tempo que o sanduíche permanece na boca, sendo esmagado entre os dentes, depende da vontade de
cada um. Existe uma controvérsia: alguns cientistas defendem que a mastigação deve se prolongar pelo maior tempo
possível, pois assim o alimento se mistura com mais saliva, o que ajuda na digestão dos carboidratos. Outros
pesquisadores, porém, acreditam que o número de vezes que se mastiga um alimento faz pouca diferença, caso
contrário, os desdentados morreriam de indigestão. Mas todos concordam que quanto mais triturada a comida mais
fácil fica de ser engolida. A deglutição é um momento critico, quando o alimento atravessa o cruzamento entre o
aparelho digestivo e o respiratório, na faringe, um tubo muscular com cerca de 12 centímetros, na altura da garganta.
"Se o sanduíche pegar a via errada, na direção dos pulmões, ele logo será expulso por um jato de ar, no fenômeno
do engasgo", descreve Junqueira. Os pulmões não suportam elementos estranhos. Uma partícula do sanduíche em
seus domínios pode causar até pneumonia. Para evitar isso, ao mesmo tempo em que a língua joga o alimento para
trás, pressionando-o contra o céu de boca, um osso chamado hióide sobe, fechando a laringe, no caminho exclusivo
do ar. Se a pessoa fala de boca cheia, é bem provável que engasgue, porque a coordenação desses movimentos só
é possível quando se interrompe a respiração por um ou dois segundos.
Da faringe, o bolo alimentar segue pelo esôfago, o tubo de aproximadamente 25 centímetros que vai do
pescoço ao tórax. É uma pista de alta velocidade, por onde os líquidos passam em um único segundo; os alimentos
sólidos demoram no máximo oito segundos. O ritmo acelerado não é mérito da força da gravidade, tanto que o
sanduíche pode ser engolido quando alguém está de ponta-cabeça: a proeza se deve a movimentos ondulatórios,
existentes em todo o aparelho digestivo que empurram o alimento na direção certa. O sanduíche alcança, enfim, o
estômago. Se essa bolsa, de formato variável, estiver vazia, parecerá pequena como um pêssego, com espaço para
guardar o conteúdo de meia xícara de chá. Mas o estômago é campeão em elasticidade, aumentando até quarenta
vezes de tamanho—nas mulheres, perde apenas para o útero, que tem o triplo dessa capacidade. Estufado, o
estômago pode armazenar 2 litros de alimento. Nele, os líquidos fazem uma pequena parada, de poucos minutos. O
sanduíche, porém, ficará ali durante duas a seis horas, sendo sovado como uma massa de pão, com movimentos em
todos os sentidos, a cada quinze ou vinte segundos. A estada do sanduíche no estômago poderá ser atrasada, se ele
chegar misturado com refrigerante ou qualquer outra bebida gaseificada. O gás carbônico da bebida reagirá com o
ácido clorídrico, componente do suco gástrico secretado por glândulas na parede estomacal. A combinação atrapalha
a tarefa da víscera, que fica cheia de gases.
"O ácido clorídrico continua o trabalho de quebrar os carboidratos do pão. O próprio estômago não sai
queimado porque é revestido por uma camada protetora de muco", conta o fisiologista Francisco Gacek, que há
quinze anos dá aulas sobre o aparelho digestivo, na Universidade de São Paulo. "Quando surgem falhas nesse
escudo viscoso, aparecem feridas — as úlceras ", explica o professor. Diariamente, o estômago fabrica cerca de 2
litros de suco gástrico, no qual se encontra também uma enzima, a pepsina, que inicia a quebra das proteínas, o
principal ingrediente do queijo e da carne do recheio do sanduíche. As proteínas também são longas cadeias de
átomos, que devem terminar o percurso da digestão na forma de pequeninas moléculas, no caso chamadas
aminoácidos.
"A pepsina divide a proteína em proteoses, moléculas ainda muito grandes para a absorção", diz Gacek.
Embora seja o personagem mais famoso do aparelho digestivo, é apenas isso o que o estômago faz. Logo depois,
ele deixa sair uma amostra dessa pasta de sanduíche pelo chamado piloro, uma passagem estreita, sempre
entreaberta. Essa pequena colherada vai para o duodeno, um trecho de 18 centímetros na entrada do intestino
delgado, que tem 6 metros. "Esse é, por excelência, o órgão de digestão", opina Gacek. Faz sentido: é a única parte
do aparelho digestivo que trabalhará com todos os ingredientes do sanduíche ao mesmo tempo, incluindo a gordura
da maionese que, até então, continuava do mesmo jeito que entrou pela boca. "No duodeno, células especiais
analisam o serviço que o intestino terá pela frente, avaliando a proporção de cada grupo de nutrientes", conta Gacek.
"Como as gorduras demoram para serem quebradas, se o sanduíche tiver muita maionese, o intestino liberará
hormônios, ordenando que o estômago segure a sua carga." Obedecendo a esse comando químico, o piloro se
fecha. Só quando todo o alimento no intestino já estiver pronto para a absorção, o duodeno permitirá a entrada de um
segundo bocado e assim por diante.
"A gordura freia a velocidade da trajetória, daí a sensação que as pessoas têm de estômago pesado quando
comem. Por exemplo, uma feijoada", esclarece o fisiologista. Em 24 horas, o intestino, enrolado como um caracol,
fabrica cerca de 3 litros do chamado suco intestinal, que serve apenas para dissolver a massa proveniente do
estômago. As enzimas que quebrarão o sanduíche — nesse instante, já líquido como uma sopa grossa — são
produzidas pelo pâncreas, uma glândula que fica fora do intestino, logo abaixo do estômago. Todos os dias, 1,5 litro
de suco pancreático desemboca por um estreito canal, no inicio do duodeno e, ainda ali, começa a dividir as
moléculas. Apenas 40 por cento do amido do pão se transformaram em maltose ou dextrina quando os carboidratos
chegam no intestino delgado. Para completar o trabalho iniciado durante a mastigação, o suco pancreático contém
uma segunda dose da enzima amilase, idêntica à da saliva. "Nenhum suco, porém, quebra a molécula de maltose em
duas de glicose", revela Gacek. "As substâncias capazes de fazer isso estão grudadas nas próprias células do
intestino. Por isso, o alimento perde quatro ou cinco horas para percorrer esse trecho. Só assim, há chance de a
maioria das moléculas de maltose encostar em suas paredes." Formadas nesse contato, as pequeninas moléculas de
glicose atravessam os microscópicos vasos capilares das células intestinais, caindo na circulação sangüínea.
Outros carboidratos, como a sacarose do açúcar de cana ou a frutose das frutas, têm um destino
semelhante. O suco pancreático usa a mesma estratégia com as proteoses, usando enzimas para dividi-las em
dipeptídeos, moléculas com dois aminoácidos. A separação dos aminoácidos acontece igualmente graças a
substâncias coladas nas células na superfície intestinal. "A gordura, porém, é um capítulo à parte", define Gacek. Um
químico descreveria uma molécula de gordura como três átomos de carbono, cada um deles, por sua vez, ligado a
uma cadeia de ácidos graxos. Uma enzima presente no suco pancreático, a lipase, romperá a junção desses átomos.
Resultado: cada gordura se tornará uma molécula de glicerol (como são chamados três carbonos ligados entre si) e
três moléculas de ácido graxo. Contudo, essa separação ainda não será suficiente.
O problema é que, na digestão, tudo acontece em meio líquido, e a gordura, como se sabe, não se dissolve
em água. Daí a importância de um último suco: a bile, produzida no fígado, que também escorre por um canal no
duodeno. "Em primeiro lugar, os sais existentes na bile repartem uma gota de gordura em inúmeras gotículas, o que
facilita o trabalho da lipase do pâncreas, que só age na superfície dessas moléculas", explica Gacek. "Além disso, os
sais biliares, derivados do famoso colesterol, parecem um fósforo com duas cabeças. De um lado, são solúveis em
água; de outro, em gordura, funcionando como um elo entre as gotículas gordurosas e a água." A gordura, então,
pode ser transportada no fluxo do intestino. Como de costume, a absorção acontece quando o nutriente encosta na
parede. Ali, a própria membrana celular contém gordura em sua composição. "Como gordura se dissolve em gordura,
fica fácil atravessar a célula", conclui o fisiologista.
A etapa final do tubo digestivo mede cerca de 1 metro: é o intestino grosso. Em uma ou duas horas, ele
absorve não só a água que se bebe como os cerca de 9 litros de sucos diversos que o aparelho digestivo despejou
na trajetória do alimento. Nesse momento, o organismo traga as vitaminas e os sais minerais que estavam,
principalmente, na alface e no tomate do sanduíche. Restará assim o chamado bolo fecal, que o aparelho digestivo
mandará para fora do organismo — uma mistura de tudo o que não foi absorvido. O sanduíche ainda levará outras
dez ou doze horas, antes de se tornar energia dentro de cada célula do corpo humano. Na verdade, uma pessoa
ingere hoje o combustível que irá gastar amanhã. É ilusão, portanto, comer um chocolate antes de uma aula de
ginástica, para garantir o fôlego. Ainda assim, a glicose, de todos os nutrientes, é o que se transforma mais
rapidamente em energia [...]. A gordura, no entanto, é uma fonte de energia mais eficiente, embora demore mais para
ser acionada [...]. Os aminoácidos, por sua vez, servem como matéria-prima para o organismo construir suas próprias
proteínas Elas se transformam em energia somente quando não há glicose ou gordura disponível. Nas células esses
três tipos de nutrientes podem se transformar em moléculas de ATP (sigla de adenosinatrifosfato),. Quando o ATP
encosta nas pontas das fibras musculares, provoca uma contração. Caso se trate das fibras de um certo músculo
facial, a boca poderá se abrir para, quem sabe, morder mais um sanduíche.
Responda:
1. Por que os alimentos precisam ser digeridos?
2. Qual é o papel da mastigação nesse processo?
3 O que é deglutição e como ela ocorre?
4. Pesquise qual é o nome do “movimento ondulatório” citado pela autora no 6° parágrafo?
5. Qual é o papel do estômago na digestão?
6. Por que a autora define o duodeno como principal órgão da digestão?
7. Por que as gorduras são os nutrientes onde ocorre maior dificuldade de digestão?
8. Como os nutrientes são absorvidos no intestino delgado?
9. Qual é o principal papel do intestino grosso na digestão?
10. Qual é o principal papel dos nutrientes absorvidos no processo de digestão?
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