Música nas Escolas Prof. Enaldo Oliveira Mestre pela Universidade de São Paulo O século XIX trouxe uma mudança significativa no paradigma do aprendizado da música. O acesso à educação, advindo com a cultura de massa, forçou esta mudança, estabelecendo um padrão alternativo, agora não mais baseado numa relação bastante estreita e individual entre professor e discípulo, e sim, experimentando o uso do ensino da música em situações coletivas. Em diversos países, o aprendizado musical e instrumetal tornou-se, nos últimos séculos, uma questão de identidade cultural e educacional. Na Inglaterra, a história registra o chamado The Maidstone Movement, ocorrido entre a última década do século XIX e o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Durante esse período, a Murdock and Company of London - empresa especializada em vender instrumentos - instituiu um programa de ensino coletivo de violino nas All Saints National Schools (escolas de ensino formal), cujo intuito era desenvolver o amor pela música orquestral e o aprendizado do violino. Para tal, a companhia vendia os instrumentos e o material didático aos alunos, e cobrava uma taxa mínima; em troca, a companhia fornecia, às escolas, os professores que davam aulas de violino em classes coletivas. O projeto foi tido, por muitos, como a origem da idéia do ensino instrumental coletivo, quando 400.000 alunos de 5.000 escolas britânicas (1908) estavam, efetivamente, tocando e estudando violino. Esse movimento ficou conhecido nos Estados Unidos e, em 1911, incentivou Albert Mitchell (que nasceu e estudou na Inglaterra) a implantar o ensino coletivo de instrumental nas escolas públicas americanas. No Brasil, a primeira grande tentativa de utilização de métodos coletivos no ensino musical aconteceu na música vocal, com o Canto Orfeônico de Villa-Lobos, ainda durante o governo de Getúlio Vargas (1930). Em muitos países, o ensino de música e dos diversos instrumentos da orquestra dentro das escolas formais, faz parte do currículo escolar como outra disciplina qualquer (metemática, história...), trazendo imensas vantagens para o aluno, para a escola e para o país. Aspectos Musicais Pode-se imaginar quão agradável se torna o aprendizado musical se feito em grupo. As razões para isso são: O aluno percebe que praticamente todas as suas dificuldades são compartilhadas pelos colegas, o que evita desestímulos; O aluno logo se sente dentro de uma orquestra ou coral. Assim que esta consegue executar, sua primeira música, por mais simples que seja, a motivação é enorme; Bem direcionado pelo professor, o aspecto lúdico do ensino coletivo é uma poderosa força em favor de um início de aprendizado seguro e estimulante; A qualidade musical no estudo em grupo é muitas vezes melhor se comparado ao ensino individual, resultando num processo de aprendizado extremamente acelerado, onde os resultados musicais são alcançados em média três vezes mais rápido que no estudo individual. Aspectos Sociais O ensino musical dentro das escolas formais representa, para os países onde existe esta prática, a fonte de duas importantes figuras na vida cultural de uma sociedade: a formação de profissionais de bom nível em vários instrumentos; a formação de um público ouvinte para concertos de música erudita. O objetivo deste aprendizado oferecido dentro das escolas formais não é formar apenas músicos, pois é intrínseco a este processo uma seleção natural, na qual o número de alunos que chegam no final de um processo de ensino é menor do que o número de alunos que começou. Contudo, o ensino dado àqueles que, por um motivo qualquer, desistem de aprender um instrumento, jamais é perdido. Para o Brasil, a inclusão de música através do aprendizado musical dentro do currículo escolar é importante, pois, preencheria estas lacunas existentes em nosso país, reintegrando as figuras do executante e do ouvinte musical. Logo, os aspectos sociais aqui citados são de extrema importância à toda população brasileira. Quais sejam: Formação de um público culto, capaz de apreciar a execução musical com maior profundidade, pois, adquiriu uma grande dose de conhecimentos musicais ao aprender os diversos instrumentos, alcançando assim um indubitável enriquecimento cognitivo; A música nas escolas preencheria duas necessidades brasileiras, que são no âmbito social: a oportunidade para os jovens alunos terem uma profissão, podendo representar para os mesmos uma forte possibilidade de ascensão social e de melhoria de nível de vida, preparando-os para um futuro emprego; no âmbito cultural: suprindo a forte demanda de profissionais existentes nas orquestras de todo o país e principalmente no Estado de São Paulo; No aprendizado musical coletivo, o aluno adquire uma grande dose de respeito pessoal pelo seu companheiro, pois eles enfrentam os mesmos problemas e cada um os supera em seu tempo próprio. Isto faz com que o aluno aceite a dificuldade alheia, facilitando a aceitação da sua. É um processo de educação cívica; Ao superar as dificuldades técnicas dos instrumentos e do canto, o aluno percebe que é capaz de aprender algo, que para muitos, é considerado de grande dificuldade, como o violino. Como resultado obtém-se um considerável aumento da auto-estima e melhora na propriocepção deste aluno; Aspectos Educacionais Para analisar a relevância do ensino musical instrumental para no ensino formal, é importante a consideração dos processos pelos quais o Ser Humano aprende; quais os procedimentos realizados quando um aluno adquire conhecimento, principalmente nas áreas do ensino formal (história, física...). Genericamente, pode-se dizer que o indivíduo capta uma informação através dos seus cinco sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato). Esta informação é transmitida através de estímulos nervosos ao encéfalo. Processos de decodificação e de pensamentos ocorrem para a interpretação, assimilação e memorização do estímulo absorvido pelos sentidos. A utilização destas informações armazenadas dependem dos processos de pensamentos que o indivíduo é capaz de realizar para aprender ou solucionar uma determinada questão. O conceito de Soluções de Problemas e aprendizado é um tema bastante estudado, existindo modelos propostos pelas perspectivas da Psicologia da Gestalt e do Cognitivismo. MATTOS (1993) cita que, para a Gestalt "a solução de problemas consiste então no processo de pensamento que considera a situação em termos de suas coações e exigências estruturais, de modo a extrair dela informação significativa sobre como proceder para chegar à solução". O pensamento é sempre a representação de um objeto e inseparável de sua percepção. O objeto é sempre captado pelos sentidos. No Cognitivismo estudado por GAGNÉ (1975), soluções de problemas é um dos tipos possíveis de aprendizagem, que contém um conjunto característico de condições para que se produza uma mudança na capacidade do aprendiz, se a mudança for de caráter definitivo, então a solução do problema é considerada aprendizagem. A solução de um problema, para o Cognitivismo, "requer um elemento interno, o pensamento, o qual combina dois ou mais princípios anteriormente possuídos pelo aprendiz, resultando numa nova capacidade de ordem superior" (p. 51). Esta combinação acontece através de estímulos externos e internos que habilita o aprendiz a solucionar o problema, adquirindo uma reserva de habilidades. A musicalização, por si só, é uma forte arma no desenvolvimento das habilidades cognitivas e sensoriais do ser humano. Quando a iniciação musical é realizada diretamente num instrumento, há uma potenciação destas habilidades, através do treinamento da audição, da visão, da motricidade, dos reflexos e dos processos de pensamento. Esta potenciação dada pelo aprendizado instrumental ajuda o aluno em seu desempenho na escolarização, pois treina os sentidos que captam a informação e agiliza os reflexos para os processos de representação, decodificação e processamento das informações não apenas musicais, mas também, sobre história, física, química.... Com a extinção da disciplina Música do currículo escolar brasileiro, a prática musical da grande massa da população em nosso país ficou restrita ao fruir musical. A qualidade da música que esta parte da população tem acesso é, muitas vezes, extremamente duvidosa, causando assim um verdadeiro ensurdecimento da juventude brasileira. A única maneira de reverter este processo é substituir o fruir musical pelo fazer musical. No lugar de reunir milhares de jovens para ouvir conjuntos musicais, porque não juntá-los para que eles próprios possam fazer música, propiciando a estes o desenvolvimento de sua criatividade estética e do seu emocional, e ainda, uma formação humanística mais completa.