PROSPECÇÃO GEOFÍSICA 1. SISMICA DE REFRACÇÃO 1.1 Introdução A prospecção sismica baseia-se no facto das ondas elásticas (também chamadas ondas sismicas) se moverem com velocidades diferentes em rochas diferentes. A partir da libertação de energia sismica num ponto e da observação dos tempos de chegada destas ondas a um número de outros pontos à superfície da terra, é possível determinar a distribuição da velocidade e localizar interfaces subterrâneas onde as ondas são reflectidas ou refractadas. Tradicionalmente, os métodos sismicos dividem-se em dois grupos consoante a fonte de energia das ondas sismicas: (1) abalos sismicos e (2) energia sismica artificial. A principal contribuição dos abalos sismicos consiste na informação das propriedades fisicas e estrutura do interior da terra. No contexto da engenharia civil e geotectónica, as aplicações mais importantes incluem estudos da intensidade de abalos sismicos a partir da frequência, avaliação do risco sismico e previsão de abalos sismicos e respectivos prejuízos. Os métodos que utilizam energia sismica artificial (métodos de levantamento de reflexão e refracção) são largamente aplicados a estudos da estrutura da crusta, da correlação geológica de sequências de camadas, no mapeamento de estruturas da crusta superior e na exploração de hidrocarbonetos. Do mesmo modo, embora numa escala menor, estes métodos são aplicados a problemas geotécnicos e ambientais tal como a localização do nível freático, zonas de fractura com água, cavidades, delineação de falhas e fracturas e investigações locais de fundações, incluindo a determinação da profundidade do bedrock. 1.2 Ondas elásticas e parâmetros de propagação Quando uma tensão é aplicada ou retirada repentinamente a um corpo elástico (como quando um estado anterior de tensão é alterado por fracturação), a deformação correspondente propaga-se como uma onda elástica. Existem dois tipos principais de ondas elásticas: ondas volumétricas e ondas superfíciais. 2 Sismica de refracção 1.2.1 Ondas volumétricas Um meio elástico está sujeito a dois tipos de deformação: 1) compressão/dilatação e 2) cisalhamento. Por isso, todas as ondas elásticas são, basicamente, de compressão/dilatação (ondas P) ou ondas de cisalhamento (ondas S). A principal diferença entre os dois tipos é que, no primeiro, existe uma variação de volume sem rotação das partículas do meio, enquanto que, no segundo, há uma rotação das partículas sem qualquer variação do volume. Nas ondas P (primárias), as partículas do meio movem-se na direcção do percurso da onda, envolvendo alternadamente, expansão e contracção do meio (Fig. 1(a)). Nas ondas de cisalhamento ou ondas S, o movimento das partículas é perpendicular à direcção do percurso da onda (Fig. 1(b)). As equações do movimento para as ondas P e S que se propaguem através de um material, podem ser definidas em termos de deformações dilatacionais e rotacionais (ver Richter, 1958). Isto é, as velocidades das ondas P e S (Vp e Vs, respectivamente) estão relacionadas com os módulos de elasticidade e a densidade do material. As relações são VP Vs k 4 / 3 1 E 1 1 2 E 1 21 (1) (2) em que é a densidade do material e os outros simbolos são os módulos de elasticidade definidos na figura 4.2. A partir da equação (1) verifica-se que, para =0 (como é o caso para meios líquidos e gasosos), a velocidade das ondas P diminui. Um aspecto importante desta relação é que as ondas P são significativamente mais lentas enquanto se propagam através de rochas porosas e altamente fracturadas. A velocidade das ondas S, Vs, é em primeiro lugar, função do módulo de cisalhamento (). Por isso, a partir da equação (2) verifica-se que Vs se torna igual a zero quando =0. Assim, as ondas S não se podem propagar através de meios líquidos e gasosos. Uma vez que as constantes elásticas são positivas, através da equação (1) e (2) verifica-se que Vp é sempre maior do que Vs. Sismica de refracção 3 Na prospecção sismica, as ondas mais importantes são as P porque são as primeiras a serem registadas. 1.2.2 Ondas superfíciais Para além das ondas volumétricas que se propagam através de um meio elástico, existem ondas que se movem, somente, ao longo da superfície livre de um sólido elástico. As ondas superfíciais chegam depois das ondas P e S porque as suas velocidades são inferiores às das ondas volumétricas. Nos sólidos existem dois tipos de ondas superfíciais: as ondas Rayleigh e as ondas Love. Nas ondas Rayleigh o movimento das particulas é mais ou menos uma combinação das vibrações longitudinais e transversais, dando origem a um movimento elíptico num plano vertical paralelo à direcção de propagação (Fig. 2 e 4.3(a)). A velocidade das ondas Rayleigh é cerca de 0.9 Vs. Em contraste com as ondas Rayleigh, que podem propagar-se ao longo da superfície de um sólido uniforme, as ondas Love são possíveis, somente, se o material for nãouniforme, como por exemplo, uma camada superfícial de baixa velocidade cobrindo um meio de alta velocidade. As ondas Love propagam-se horizontalmente na camada superfícial (Fig. 4.3(b)) e o movimento da partícula é horizontal e transversal à direcção do percurso da onda. 1.3 Velocidades das ondas sismicas nas rochas Na aplicação dos métodos sismicos a problemas geológicos, a propriedade mais importante das rochas é a velocidade de propagação, particularmente, das ondas longitudinais (ondas-P) que são as mais rápidas e as primeiras a serem registadas. As características da reflexão e refracção da onda sismica depende principalmente, dos contrastes de velocidade envolvidos através da fronteira. Assim, o conhecimento das velocidades das ondas nas rochas é a base para a interpretação sismica. 1.3.1 Factores que afectam a velocidade A velocidade sismica é função da densidade e propriedades elásticas das rochas. As equações (1) e (2) sugerem que as velocidades das ondas P e S (Vp e Vs) variam inversamente com a raíz quadrada da densidade, . Contudo, os geofísicos rapidamente verificaram, a partir de estudos de campo, que a velocidade sismica é elevada para rochas densas. Isto acontece pelo facto dos módulos de elasticidade K e 4 Sismica de refracção serem também dependentes de e aumentarem mais rapidamente do que . A razão Vp/Vs pode ser obtida usando as equações (1) e (2) e pode ser escrita como 2 Vp 21 Vs 1 2 Esta relação permite determinar o coeficiente de Poisson, , a partir do conhecimento de Vp/Vs. Em estudos geotécnicos, onde o coeficiente de Poisson deve ser conhecido à priori (por exemplo, para construção de grandes estruturas), a medição de Vp e Vs é um bom método para obter o valor de “in situ”. Para rochas cristalinas é, geralmente, à volta de 0.25, o que corresponde a uma razão Vp/Vs de 3 (i. e. Vp=1.73Vs). Em comparação, as rochas sedimentares apresentam um grande intervalo de variação para , que vai desde 0.3 (argilito compacto e calcário) a 0.45 (sedimentos inconsolidados e sedimentos com água). Este intervalo de variação atribui-se ao facto dos valores de Vp e Vs em sedimentos serem largamente influenciados pela porosidade e natureza do fluido contido nestas rochas. As ondas S, que num dado meio não se propagam através de um fluido (por ex., num aluvião), exibem essencialmente a mesma velocidade quer este esteja seco ou saturado de água. Em contraste, a velocidade da onda P varia drasticamente de um aluvião seco para um aluvião saturado uma vez que a energia da onda P pode propagar-se através da matriz do aluvião e através da água intersticial. Para rochas com uma porosidade entre 0 e 30 %, a velocidade global para as ondas P pode ser dada pela expressão VG=Vm(1-)+Vf Em que: VG – velocidade global - porosidade Vm – velocidade na matriz Vf – velocidade no fluido Sismica de refracção 5 A combinação dos resultados da onda P e S é particularmente importante na localização do nível freático. 1.4 velocidade-densidade e velocidade-porosidade A relação entre a velocidade das ondas P e a densidade das formações foi investigada, entre outros, por Nafe e Drake (1963). A figura 4.7 mostra a relação velocidadedensidade Nafe-Drake para rochas sedimentares e cristalinas. Uma relação empirica dada por Gardner et al. (1974) e que é válida para rochas sedimentares mostra o aumento da velocidade da onda P (Vp) com a densidade (), 1 aVP 4 em que a=1670 quando é dado em Kg/m3 e Vp em Km/s. Esta relação (ou a curva de Nafe-Drake) permite fazer uma estimativa aproximada da velocidade da onda P quando só se conhece a densidade e vice-versa. É importante ter em conta que os factores que afectam o valor da densidade levam a uma correspondente variação na velocidade. Esses factores são a porosidade, fracturação, conteúdo de fluido e composição da matriz da rocha (material sólido da rocha). Uma relação simples entre a velocidade no fluido, VF, a velocidade no grão da matriz sólida, VM, e a porosidade parcial, , foi encontrada por Wyllie et al. (1958) para arenitos saturados a profundidades moderadas: 1 1 Vsat VF VM onde Vsat é a velocidade na rocha saturada. Esta relação é muito usada na interpretação de logs de sondagens. 1.5 Dados da velocidade As velocidades sismicas são frequentemente usadas para identificar materiais subterrâneos. Dentro de certos limites, a informação da velocidade pode ser convertida para o tipo de rocha. O intervalo de variação nas velocidades das ondas nas rochas é consideravelmente maior do que as variações correspondentes nas suas Sismica de refracção 6 densidades. Valores típicos de velocidades das ondas P em algumas rochas são dadas na tabela 4.1, que serve para dar uma ideia aproximada do intervalo de velocidades esperado para um dado tipo de rocha. Em geral, as rochas ígneas mostram um intervalo de variação mais pequeno do que as rochas sedimentares ou metamórficas. Onde se observam maiores velocidades é no dunito, uma rocha ultrabásica que alguns acreditam ser um constituinte importante do manto terrestre. As rochas sedimentares mostram um grande intervalo de variação nas velocidades, quer de uma formação para outra quer dentro da mesma formação. Os factores chave para esta variação parecem ser a densidade e a porosidade. Velocidades sismicas menores do que a velocidade na água são geralmente encontradas próximo da superfície numa zona chamada “weathered layer” ou camada de baixa velocidade (low velocity layer - LVL). Muitas vezes a base da LVL coincide aproximadamente com o nível freático, indicando que a LVL corresponde à zona não saturada localizada acima da zona saturada de água. Muitas rochas ígneas e metamórficas têm pouca porosidade e, por isso, as velocidades das ondas sismicas dependem principalmente das propriedades elásticas dos minerais, constituindo eles próprios o material rocha. Este é também o caso dos calcários compactos e dolomias. Por outro lado, arenitos, rochas argilosas e certos grupos de calcários brandos, têm microestruturas muito complexas com espaços porosos entre os grãos que podem conter fluidos ou outros tipos de material sólido, tal como argilas. Nessas rochas, a velocidade é muito mais dependente da porosidade e do material de preenchimento dos poros. 1.6 Amortecimento – frequência e características de atenuação O intervalo de frequências das ondas sismicas geradas por fontes naturais e artificiais incluem um largo espectro, cobrindo movimentos terrestres de baixa frequência (0.01 – 2 Hz), provocados por ondas superficiais e volumétricas de sismos, a vibrações de alta frequência (10 – 105 Hz) geradas por fontes artificiais que incluem uma larga variedade de fontes explosivas e não explosivas. A energia de uma onda num dado meio é proporcional ao quadrado da sua amplitude. Uma onda esférica ao propagar-se a partir da sua origem (fonte), a sua energia é distribuída sobre a área da frente de onda esférica (4r2) que aumenta com o quadrado do raio da esfera, r. Assim, a energia por unidade de superfície, E, varia na razão Sismica de refracção 7 inversa do quadrado da distância à origem (1/r2) enquanto a amplitude, A, que é proporcional à raíz quadrada de E deve ser inversamente proporcional à distância percorrida pela onda. Além da diminuição de amplitude devido à propagação geométrica da onda, há também algumas perdas por absorção na rocha, devidas à dissipação friccional (efeito do atrito) da energia elástica sob a forma de calor, perda que está relacionada exponencialmente com a distância. O efeito combinado dos dois mecanismos de atenuação (amortecimento total), num material homogéneo, pode ser expresso pela relação A A e r 0 r em que A – é a amplitude à distância r da origem A0 – é a amplitude inicial - é o coeficiente de absorção no material Os valores de nos materiais terrestres comuns variam a partir de 0.20 a 0.75 dB/comprimento de onda. Evidências experimentais indicam que as ondas de alta frequência atenuam mais rapidamente do que as ondas de baixa frequência, em função do tempo ou da distância. O aumento na absorção com a frequência provoca uma diminuição progressiva da frequência aparente dos impulsos sismicos com o aumento da distância de propagação através da terra. Em geral, isto resulta num alargamento do impulso com o aumento da distância de propagação. Sharma, P. V. (1997) – Environmental and Engineering Geophysics. Cambridge University Press, Cambridge, ISBN: 0 521 57240 1, 475 pp.