Hermenêutica Ontológico-Filosófica Constitucional no Estado Democrático de Direito. A construção do princípio que rege a filosofia da vida proposto por Dilthey, ultrapassando a “consciência transcendental”, representou um importante apoio para a elaboração filosófica de Heidegger. Formulando o conceito de uma “hermenêutica da faticidade”, contrapondo a ontologia fenomenológica de Husserl, interpretando a dimensão imemorial da existência e inclusive a própria existência como compreensão e interpretação. Neste ponto o caráter instrumentalista do método, até então presente no fenômeno hermenêutico, reverte-se à dimensão ontológica. “Compreender”, dessa forma, não significa mais um comportamento do pensamento humano dentre outros em há a possibilidade de disciplinar metodologicamente, conformando assim aos moldes do procedimento científico vigente como o método, perfazendo-se então, de mobilidade de fundo da existência humana. Heidegger caracteriza a compreensão como mobilidade de fundo da existência culminando no conceito de interpretação, desenvolvido por sua vez, sua significação teórica por Nietzsche. Desenvolvendo-se a partir da dúvida frente aos enunciados da autoconsciência, dos quais se deve duvidar do método de Descartes. Para Nietzsche, portanto, essa dúvida traz como resultado a modificação do sentido da verdade em geral. Assim, o processo de interpretação transforma-se em uma forma de vontade de poder, adquirindo então, a significação ontológica. Essa significação passa então por uma imbricada discussão histórica, a qual não nos ateremos. Nos interessa, portanto, observarmos o problema hermenêutico quando adquire ênfase na esfera da lógica das ciências sociais. Reconhecendo que a hermenêutica encontra-se à base de toda experiência de mundo. Pois na medida em que a sociedade possui uma existência compreendida no âmbito da linguagem, a hermenêutica torna-se fundamental para traçar-se os caminhos das ciências sociais. E no Direito, como ciência social que é, Ernest Forsthoff, mostra em sua valiosa investigação, que por razões estritamente jurídicas é necessário reflexionarmos sobre a mudança histórica das coisas, porque, segundo ele, somente assim permitir-se-á a distinção entre si e o sentido original do conteúdo de uma lei que se aplica na prática jurídica. Na aplicação do conteúdo normativo da lei, não se pode prescindir de um conhecimento histórico do sentido originário. Neste sentido, Heidegger demonstra a questão da autenticidade, que exige a compreensão de que somos seres temporais, que nossas experiências do presente são moldadas por nossas expectativas e experiências anteriores. E as experiências e expectativas do presente por sua vez dão significado às experiências passadas. E é nessa inter-relação do passado, presente e futuro, segundo Heidegger, que une nossas experiências em uma única vida. Uma característica essencial do ser de Dasein (Da=lá; Sein=estar), do estar lá em sua filosofia, e, portanto, a temporalidade. Para que possamos compreender a manifestação de ser, é necessário elucidarmos que no começo de sua história, o ser ilumina-se enquanto desabrochar e desocultação. Recebendo assim a marca da presença e da consciência, no sentido de permanecer. Porque ele é, em si mesmo, o produzir na sua clareira, enquanto o que se produz antes do mais, ele é o antecedente, que vem, a partir de si mesmo, fazer-se essência na clareira e, através dela, se dirige ao homem. A presença, portanto, pertence à clareira do ocultar-se que neste sentido é o tempo. E a clareira do ocultar-se traz consigo a presença que é o ser. Dessa forma, a interpretação do ser como produção da manifestação, ou seja, como ato ou processo de manifestar-se incide no dinamismo inerente ao aparecer. Porque é o tempo que conjuga o trazer-aoaberto, na sua tripla modalidade de passado, presente e futuro, o ser deve pensar-se como processo, ocorrência. A partir do ser pensado como um processo, um ato temporal de haver, cuja dinâmica consiste em um trazer-aoaberto e desocultar. O produzir desocultante da presença tem o caráter da diferença ontológica entre o presentificar e o que se presentifica, o que é segundo Heidegger, o modelo do ser como tempo. Compreende ele, a presença, a partir da essência, e esta, a partir do tempo. No pensamento de Heidegger, a presença pertence à clareira do oculto (ocultar-se), e a clareira do oculto traz consigo a presença, o ser. O “pertence” da presença e o trazer-ao-aberto, repousam segundo Heidegger, no apropriar. O qual apropriação é o nome dado à estrutura do dar-se do tempo, de acordo com a qual este se processa como o trazer-ao-aberto-da-presença e é nesse sentido que ela é a última palavra da ontologia de Heidegger. A apropriação, portanto é o uso, que o ser, ao destinar-se, faz do pensar. O ser, fá-lo, empregando o pensar no seu processo de manifestação. Para que algo possa advir à luz do aparecer e aí se possa manter, é necessária a abertura de uma clareira, ou seja, de um tempo-espaço de referência, que o pensar, enquanto existência, fornece. Assim, a temporalização do ser, o trazer-ao-aberto, da presença processa-se enquanto apropriação do pensar. O processo de manifestação dá-se quando ao mesmo tempo há o descobrir e apreender próprios do pensar, constituindo esse tempo, na sua mesmidade (como durar), a natureza última do ser , enquanto apropriaçãoconjunção de pensamento. É na tensão entre o trazer-ao-aberto e sua apreensão pelo pensar que o processo de manifestação ocorre. Heidegger pensa o homem à luz do projeto de pensar o ser a partir do tempo. É, pois, esta a perspectiva requerida para o entendimento da concepção heideggeriana do homem como o lugar da manifestação do ser. A interpretação do homem como Dasein, expõe à clareira o lugar do sentido, da verdade do ser, tem em comum com o idealismo a afirmação de que o absoluto é, em si e para si, junto de nós, que por essa razão, estamos já lançados no paradigma do absoluto. A tônica é constantemente posta sobre o sentido de “Dasein”, enquanto lugar de verdade do ser (homem). O ser mesmo, é a relação, na medida em que retém junto a si a existência, em sua essência existencial, isto é, o reconhece junto a si, como o lugar das verdades do ser no seio do ente. Segundo Lênio Luiz Streck, o Dasein une universalidade e singularidade, universalidade e contingência, Dasein é sempre síntese, e é nessa síntese em que se dá a aplicação. A ontologia heideggeriana é situada no sentido do ser, esta compreensão somente se dará no homem, que é ser-no-mundo, que é cuidado e temporal. A compreensão do ser pertence ao modo de ser deste ente (homem), que possui a possibilidade de questionar, é denominado de Dasein. O homem é definido como existência, e neste ponto entra a noção de ser-no-mundo. O Dasein em sua relação íntima com a significatividade, nas palavras de Heidegger, “é condição ôntica da possibilidade de descobrir o ente em que se encontra no mundo no modo de ser”. A pré-compreensão ontológica, que caracteriza a essência do homem enquanto existência, ou seja, o projeto, que todo o conhecimento supõe, é, como tal, a manifestação do ser. Para Heidegger, o ser transcende sempre o conhecimento e, mais profundamente, o horizonte aberto pela pré-compreensão ontológica. Porque o ser não se reduz à identidade com o pensar, à maneira da proposição metafísica, a manifestação do ser tem como contrapartida a ocultação, sendo a relação entre ambas constitutiva da estrutura do ser. Portanto é no Dasein que reside a pré-compreensão. O Dasein é hermenêutico e é no poder-ser do Dasein que reside à compreensão. Segundo Lênio Luiz Streck, esta “compreensão é um elemento que faz parte do modo de ser-no-mundo, que está presente na própria estrutura do ser humano (Dasein)”. Para Heidegger toda interpretação deve fundamentar-se na compreensão. O seu significado é dado pela hermenêutica filosófica desveladora do conteúdo de seu texto, tendo como base os novos paradigmas sociais e das práticas dos tribunais. Onde a legitimidade constitucional como instituidora do constituir-a-ação da sociedade e assumindo o papel de transformadora da sociedade, passa a ser a postura assumida pela Constituição a partir da ótica do fenômeno hermenêutico filosófico em sua interpretação. A Constituição é fundamento de validade do ordenamento e viabiliza a atividade político-estatal, em via de sua jurisdição, assumindo papel de essência do Estado Democrático de Direito. Segundo Lênio L. Streck, “como norma diretiva fundamental, que dirige aos poderes públicos e condiciona os particulares de tal maneira que assegura a realização dos valores constitucionais”. Esta nova concepção de constitucionalismo, segundo Fioranvanti, “une precisamente a idéia de Constituição como norma fundamental de garantia, com a noção de Constituição enquanto norma diretiva fundamental”. O Estado Democrático de Direito exige a alteração substancial no papel a ser desempenhado pelas Constituições. Seus textos determinam o agir do Estado, suas normas possuem eficácia, sem sombra de dúvida a Constituição constitui-a-ação do Estado neste novo paradigma. Sem entretanto deixar de referenciar, que o Estado Democrático de Direito está intimamente ligado com a função do Direito enquanto tranformador. Desde a idéia do Direito como ordenação, até sua concepção como promotor de direitos. Onde a jurisdição constitucional através dos tribunais constitucionais está apta a ser instrumentalizada e guardada a materialidade de seus textos. Esta visão hermenêutica de constituição democrática demonstra-nos que o fenômeno constitucional dirigente e compromissário deve ser visto como o campo de implantação das promessas de igualdade, justiça social, respeito aos direitos fundamentais dentre outros, os quais figuram como as promessas da modernidade do novo modelo de Estado. A contraposição ao positivismo metodificado, fica latente, sobretudo quando sua superação pelo (neo)constitucionalismo, termo usado por Streck, como ideologia política menos complacente com o poder. O Estado Democrático de Direito, traz a possibilidade de emancipação do Direito como ciência, do Direito dito legal. Refletido a partir do cariz da hermenêutica filosófica de Gadamer, passa a ser compreendido ontologicamente na concepção de Heidegger, demonstrando que o positivismo configura-se como uma barreira ao próprio Estado Democrático de Direito na medida em que este procura desenvolver o Direito de forma metodificada e objetificada. O positivismo traz a possibilidade de decisionismo vonluntariado dos tribunais, demonstrando o caráter plenipotenciário da lei, desta forma, objetificando o Direito ao extremo, ou até mesmo podemos falar em matematizando o Direito enquanto ciência que possui referência exata, a legislação. O positivismo transforma-se em mero reprodutor da realidade, já o constitucionalismo neste modelo de Estado, possibilita ao Direito o caráter transformador, através da Constituição do Ordenamento Jurídico do Estado, como já referido anteriomente. Enquanto o positivismo preocupa-se em interpretar unicamente o sentido do enunciado, enquanto gramática e semiológicamente, o modelo de interpretação filosófica, contextualiza as possibilidades normativas, de forma teleológica, procura entender o ser de cada ente, de forma a entender o ser da Constituição no Estado Democrático de Direito como ente fundante de seu desenvolvimento. Esta compreensão dá-se necessariamente através dos pré-juízos do interprete, que está contextualizado histórico e socialmente a uma determinada situação para a compreensão da Constituição como Constituição, onde, a partir disso, a jurisdição deve assumir caráter sobre a legislação, e isso se dará a partir do nível de concretização dos direitos nela estabelecidos. E neste ponto, a hermenêutica filosófica assume fundamental relevância, no sentido de trazer-a-si, des-velar o real significado da norma, no intento de resgatar as promessas da modernidade, trazidas no corpo constitucional, através de sua aplicação. Tornar, desta forma, o mundo sensível ao fenômeno Constitucional e do Estado Democrático de Direito. Esta sensibilidade, proporcionará a aplicação concreta da norma. A “aplicattio” normativa dá-se na decisão justificada, onde hermeneuticamente, proporciona-se a fusão de dois mundos, de dois horizontes, para dirimir-se o conflito, onde, no mundo de experiência no qual o texto foi escrito e o mundo no qual se encontra o interprete. E o objetivo desta compreensão é fundir esses mundos em um contexto que cada caso traz por sua inserção peculiar. A hermenêutica filosófica, opõe-se ao positivismo, que traz ou mantém a metodificação, a objetificação, os standards do Direito, tornando o Direito em objeto de aplicação exata, matematifica-o. A hermenêutica filosófica, traz a possibilidade de des-velamento de uma estrutura jurídica contextualizada a uma realidade social que visa a transformação desta, a partir, primordialmente, da compreensão ontológica do ser de cada ente jurídico-social em sua aplicação e efetivação de seus preceitos, de modo a proporcionar a evolução jurídica, que o Estado Democrático de Direito exige.