SICRE: Um Sistema Computacional Construcionista para Aprendizagem de Matemática Klaus Schlünzen Junior1, Elisa Tomoe Moriya Schlünzen2, Márcio Fuzeto Gameiro Universidade Estadual Paulista - UNESP Faculdade de Ciências e Tecnologia/Departamento de Matemática Rua Roberto Simonsen, 305, Caixa Postal 957 CEP 19060-900 Presidente Prudente - Brasil e-mail: [email protected] 1 Doutorando do Departamento de Engenharia de Sistemas da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação - Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Desenvolvendo pesquisa no Núcleo de Informática Aplicada à Educação – Nied – Unicamp. 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC. Desenvolvendo pesquisa no Núcleo de Informática Aplicada à Educação – Nied Unicamp. SICRE: Um Sistema Computacional Construcionista para Aprendizagem de Matemática Resumo SICRE é um sistema computacional construcionista destinado à aprendizagem da resolução de equações de 1o grau. Sua implementação foi baseada na integração dos conceitos de ferramentas do tipo “Shell”, específicas para construção rápida de sistemas especialistas, e na metodologia educacional da linguagem Logo. Assim, o estudante aprende através do processo de “ensinar” o computador, fornecendo regras à base de conhecimento, conseguindo formalizar, explicitar e construir o seu conhecimento. O sistema permite que o aluno, durante a resolução dos exercícios, seja capaz de testar suas regras e corrigí-las, se necessário. 1 – Introdução Atualmente, muito se discute sobre as maneiras de se utilizar o computador na Educação de forma a torná-lo tão útil quanto o é para outros fins. Evidente que o útil, neste caso, refere-se a sua eficiência pedagógica, ou seja, a sua contribuição efetiva no processo ensino-aprendizagem. Talvez seja este o aspecto gerador da grande polêmica que ora se verifica, uma vez que as formas de utilizar o computador em um ambiente escolar tem ocasionado muitas discussões entre pesquisadores de Ciências da Computação, educadores, psicólogos, pais de alunos, enfim toda a comunidade diretamente envolvida neste processo. Dentre as formas de utilização do computador na Educação pode-se identificar duas maneiras distintas. A primeira é aquela em que o computador passa a exercer a função de quem transmite o conhecimento ao aluno através de um programa (software), ou seja, ele cumpre um papel semelhante ao de um professor que passa as informações. Esta categoria é representada por um grande número de sistemas computacionais, que são utilizados em muitas escolas e abrangem os tutorias, programas de exercício e prática, simulações e jogos educacionais. A segunda maneira de utilização dessa ferramenta é aquela na qual o aluno exerce o papel de quem ensina o computador, também através de um software, possibilitando ao aluno explicitar suas idéias através deste software. Como representantes desta categoria podemos citar a linguagem de programação Logo (Papert, 1985), softwares de autoria multimídia, ambientes de modelagem, processadores de texto, entre outros. A linguagem Logo é, além de uma linguagem de programação, uma proposta alternativa interessante para a utilização do computador como uma ferramenta onde o estudante é completamente independente e livre para criar, construir, observar, enfim explorar, de inúmeras maneiras a sua capacidade criativa e inovadora. Obviamente, ele será sempre mediado por um facilitador que tem um papel fundamental no processo ensino-aprendizagem. Com o Logo, que atualmente também incorpora recursos de multimídia, a figura original da “tartaruga” que ao andar deixa um “rastro” na tela do computador, permite que, com uma programação muito simples, o estudante desenvolva desenhos e projetos muito interessantes, não apenas na área de Matemática, mas também em outras áreas como Biologia, Física, Química, entre outras. A aprendizagem com Logo se dá no instante em que o aluno passa a utilizar a linguagem para expressar seu entendimento sobre um determinado assunto. Ele é capaz de dar uma descrição precisa de suas idéias, e ao mesmo tempo observar se estas idéias são corretas, refletindo sobre as respostas obtidas do computador e identificando as maneiras de corrigí-las, caso necessário. A utilização de Logo em ambientes escolares tem sido crescente, não só a níveis de 1o e 2o graus (Valente, 1993), como também a nível de ensino superior (Rocha, 1991), onde diversos experimentos tem sido realizados. Apesar de haver muito mais a ser discutido sobre Logo, para este trabalho é relevante destacar o fato de que está sendo proposto um sistema computacional, denominado Sistema Computacional para Resolução de Equações de 1o grau - SICRE, cuja concepção tem origem em ferramentas para desenvolvimento de sistemas especialistas mas pautado na metodologia Logo, onde o aluno aprende através do processo de formalizar, explicitar, construir e testar seu conhecimento, “ensinando” o computador, e cuja abordagem está embasada em um procedimento cíclico de descrição, execução, reflexão e depuração do conhecimento (Valente, 1993), ou seja, em uma abordagem construcionista (Papert, 1994). Os resultados da utilização do sistema SICRE em um ambiente escolar podem ser encontrados em Schlünzen, Schlünzen, e Gameiro (1997), que revelam interessantes aspectos relacionados ao processo ensino-aprendizagem. 2 – Sistemas Especialistas na Educação Na década de 70 surgiram os sistemas tutores inteligentes (Sleeman & Brown, 1982; Wenger, 1987), que representaram uma melhoria considerável no desempenho dos sistemas educacionais anteriores, pois passaram a avaliar não apenas o conteúdo apresentado, mas também a fazer análise das respostas e dos erros dos estudantes, apresentando um diagnóstico destes erros e suas possíveis soluções. Basicamente, estes sistemas dialogam com o estudante e usam erros identificados nas respostas dos alunos para detectar a fonte das dificuldades, criando modelos de usuários que os identifiquem. Assim, com base na sua possibilidade de dialogar com o estudante, estes sistemas podem ser considerados como tutoriais, pois instruem o aluno em uma determinada área do conhecimento. O desenvolvimento dos sistemas tutores sofreu uma alteração significativa, a partir da utilização de Sistemas Especialistas (Harmon, Maus & Morrissey, 1988; Harmon & King, 1988) na sua concepção. Esta nova possibilidade permitiu uma melhor representação do conhecimento, a utilização de estratégias tutoriais de uma forma mais adequada ao ensino, aliada à capacidade de justificar os diagnósticos. Além disso, a arquitetura bem definida dos Sistemas Especialistas possibilitou um desenvolvimento muito mais rápido destes sistemas, quando comparado aos seus primeiros representantes. Basicamente, um Sistema Especialista é composto por uma base de conhecimento, uma máquina de inferência e subsistemas de aquisição de conhecimento e de consulta, conforme ilustrado na figura 1. Figura 1 - Arquitetura de um Sistema Especialista Na base de conhecimento são encontrados todos os fatos e regras que reúnem o conhecimento do especialista. A máquina de inferência contém as estratégias de inferência, os controles que um especialista usa quando manipula os fatos e as regras. O subsistema de aquisição de conhecimento é o meio pelo qual o especialista transfere todo o seu conhecimento para o sistema, seja de maneira direta ou indireta. O subsistema de consulta permite ao usuário obter a resolução de seus problemas mediante sua interação com o sistema. Este sistemas oferecem ainda a facilidade de explicar o raciocínio que os levaram à solução de um determinado problema, através de um subsistema de explicação. No final dos anos 80, surgiram ferramentas denominadas “Shell” (Harmon, Maus, & Morrissey, 1988) para a construção rápida de Sistemas Especialista. Elas apresentam mecanismos de inferência já definidos, assim como estrutura de representação de conhecimento e de consulta, bastando apenas ao usuário "rechear" a base de conhecimento com as informações de sua área específica, para torná-lo um Sistema Especialista. 3 - O Sistema SICRE 3.1 – Idéias Gerais SICRE é um sistema computacional que baseia-se na idéia de criar condições para que o estudante possa elaborar e depois explicitar, segundo uma linguagem específica, seus conhecimentos através de regras, e em seguida testá-las, através da utilização do sistema. Assim, SICRE é destinado à explicitação de conceitos de Matemática, mais especificadamente equações de 1o grau, uma vez que o conhecimento necessário para a resolução destas equações pode ser facilmente expresso em forma de regras. Por exemplo, considerando a e b números inteiros, e x a variável da equação, para a equação a*x=b, a resolução implica na utilização de uma regra do tipo: SE: a*x=b ENTÃO: x=b/a. Esta regra, no SICRE, é definida e implementada pelo aluno e utilizada na manipulação de operações executadas pelo próprio aluno. Portanto, SICRE é similar a um Sistema Especialista sem qualquer conhecimento (“Shell”), que permite que um estudante de nível primário atue como o especialista que fornece as regras para a base de conhecimento. Esta abordagem permite testar o processo de aprendizado, utilizando o computador para a formalização e explicitação do conhecimento do aluno através de regras. Assim, o aluno deve elaborar a regra, implementá-la no sistema, e usá-la na resolução de equações de 1o grau. 3.2 – Descrição do Sistema O sistema SICRE é composto basicamente de três módulos e dois arquivos tipo “dribble file”: - Módulo Regras; - Módulo Tradutor; - Módulo Testes; - Arquivo de Regras; - Arquivo de Equações. O Módulo Regras é o módulo pelo qual o aluno insere as regras que julgar necessárias e suficientes para resolver suas equações. Consiste basicamente de um editor de texto especial que permite a inserção e alteração de regras definidas pelo aluno, conforme ilustra a figura 2. Figura 2 - Edição de Regras no Módulo Regras O Módulo Tradutor é um analisador léxico/sintático de Regras. Este analisador, faz a análise léxica e sintática das regras escritas no Módulo Regras e armazenadas no Arquivo de Regras. O Módulo Tradutor, transparente ao usuário, é acionado automaticamente quando este sai do Módulo Regras. O Módulo Testes permite ao usuário testar as regras inseridas no sistema através do processo de resolução de equações de 1o grau, conforme ilustra a figura 3. Neste módulo, o controle da resolução de uma equação é totalmente exercido pelo aluno, que indica a operação que ele quer executar na equação. O sistema, então, tenta executar a operação indicada, buscando encontrar uma regra que possa ser aplicada. Isto é feito pelo casamento de padrões ("matching"), ou seja, encontrada uma regra em que o antecedente seja satisfeito, o consequente será aplicado para implementar a operação indicada. Ocorrido isto, o processo de procura de regras é interrompido. Figura 3 - Resolução de Equações no Módulo Testes Assim, a resolução da equação é baseada na verificação da existência da regra e na aplicação de seu consequente. Não havendo uma regra que satisfaça as condições, o sistema emitirá uma mensagem indicando a impossibilidade de executar a operação solicitada. Neste ponto, o aluno poderá modificar as regras existentes ou adicionar novas. Caso o aluno tente executar uma operação que não esteja definida, em forma de uma regra, será emitida uma mensagem de erro. Por exemplo, na resolução da equação mostrada na figura 3, o passo 2*x=6 para x=6/2 somente é possível se no Arquivo de Regras do SICRE está presente a regra 1 mostrada na figura 2. Ao final do processo de resolução de uma equação, o SICRE verifica se a resposta obtida pelo aluno é correta ou não, emitindo uma mensagem do tipo "O RESULTADO ESTÁ CORRETO" ou "O RESULTADO NÃO ESTÁ CORRETO". Para isto, o sistema utiliza suas próprias regras na mesma equação. O Arquivo de Regras tem a função de manter o registro da última versão do conjunto de regras definido pelo aluno. O Arquivo de Equações mantém todas as operações executadas pelo aluno no Módulo Testes durante uma sessão. Fazendo uma analogia com um avião, o Arquivo de Equações é a caixa preta do sistema. As informações contidas neste arquivo são: - data e nome do arquivo; - equações e passos de sua resolução; - regras usadas durante a resolução das equações; - as partes marcadas em modo reverso; - mensagens do sistema. Este arquivo é um importante meio de diagnóstico das dificuldades encontradas pelo usuário ao resolver uma equação. Por exemplo, através dele, um professor pode fazer um levantamento dos erros mais comuns, e com isso enfocá-los, a fim de obter um melhor aproveitamento em suas aulas. Referências Bibliográficas Harmon, P., Maus, R., & Morrissey, W. (1988). Expert systems tools and applications. New York: John Wiley & Sons, Inc.. Harmon, P. , & King, D. (1988). Sistemas especialistas: A Inteligência Artificial chega ao mercado. Rio de Janeiro: Editora Campus. Papert, S. ( 1985). Logo: Computadores e Educação. São Paulo: Editora Brasiliense S.A. Papert, S. (1994). A máquina das crianças: Repensando a escola na era da Informática. Porto Alegre: Editora Artes Médicas. Schlünzen, K., Jr., Schlünzen, E.T.M., & Gameiro, M.F. (1997). SICRE: Um sistema computacional para resolução de equações de 1o grau com estética Logo. Em N. Osmar, C. T. Fernandes, & M. G. B. Marietto (Eds.), Anais do VIII Simpósio Brasileiro de Informática na Educação (pp 35 - 47), São José dos Campos: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE. Sleeman, D., & Brown, J.S. (Eds.) (1982). Intelligent tutoring systems. London: Academic Press Inc. Valente, J.A. (1993). Computadores e conhecimento: Repensando a Educação. J.A. Valente (org), Campinas: Gráfica da UNICAMP. Rocha, H.V. (1991). Representações computacionais auxiliares ao entendimento de conceitos de programação. Tese de Doutorado em Engenharia Elétrica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Wenger, E. (1987). Artificial Intelligence and Tutoring Systems: Computational and cognitive approaches to the communication of knowledge. Los Altos: Morgan Kaufmann Publishers Inc..