Edição 70 Impactos ambientais da renúncia de receita voltar Marcelo Quintiere Engenheiro Agrônomo, Professor e Mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente A renúncia de receita é um instrumento econômico bastante utilizado pelos governos com o objetivo de incentivar atividades econômicas específicas ou alavancar o desenvolvimento de regiões mais carentes. O governo, ao renunciar parcelas de impostos que lhe são devidas, procura induzir o empresariado nacional a alocar recursos próprios nos diversos empreendimentos incentivados, aumentando o total dos recursos disponíveis para investimentos. O total de recursos associados às renúncias de receita é bastante representativo e vem crescendo ao longo dos anos. A título de exemplo, o Ministério do Planejamento e Orçamento estima que o volume de recursos renunciados pelo Governo Federal, no exercício de 2002, alcançará R$ 9,2 bilhões ou aproximadamente 0,78% do PIB, sendo aplicado em diversos setores de nossa economia, com destaque para as indústrias automotiva e naval, a pesquisa, o cinema, máquinas e equipamentos e outros. Um dos principais segmentos beneficiários das renúncias de receita é o Fundo de Investimento da Amazônia - FINAM, responsável pelo desenvolvimento sócioeconômico da Amazônia Legal através do incentivo à centenas de empresas. A Amazônia Legal representa aproximadamente 59 % do território nacional, englobando, além dos Estados da Região Norte, os Estados de Mato Grosso e Maranhão. Uma das características marcantes dessa enorme região é a presença de ecossistemas únicos, em especial a floresta amazônica e o pantanal. A inversão de recursos consideráveis pelo Fundo de Investimento da Amazônia em uma região ecologicamente frágil e ainda desconhecida quanto aos seus reais potenciais deve ser acompanhada de análises profundas quanto aos possíveis impactos ambientais de modo a evitar reflexos danosos e irreversíveis. Uma recente dissertação de mestrado apresentada no curso de Gestão Econômica do Meio Ambiente do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), intitulada “Os Incentivos Fiscais na Amazônia Legal e seus Impactos na Degradação Ambiental – O Papel do FINAM”, procurou sondar essa questão com os seguintes resultados: • O conceito denominado Poluição Industrial Potencial, desenvolvido por Haroldo Torres em trabalho de pesquisa sobre a indústria brasileira e seu potencial poluidor, quando aplicado a uma amostra de 185 empresas incentivadas alcançou 5,64 pontos em um máximo de 9,00 pontos. Em outras palavras, os empreendimentos incentivados pelo FINAM no período 75/99 possuem considerável potencial degradador do meio ambiente. • É possível verificar uma evolução do nível da Poluição Industrial Potencial ao longo dos anos. O primeiro período analisado (75/88) apresentou um índice equivalente a 5,52 pontos ao passo em que no segundo período (89/99) o mesmo índice alcançou 5,68 pontos. A conclusão é que o FINAM vem aprovando projetos com maior potencial degradador, em que pese a maior conscientização e as cobranças da sociedade organizada, a criação do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente, a realização e os compromissos assumidos por ocasião da RIO’92 no Rio de Janeiro e a constante pressão de governos estrangeiros, de organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial e das ONG´s. • A Poluição Industrial Potencial associada aos projetos incentivados pelo FINAM apresenta maior relevância ou impacto no que concerne ao aumento da pressão sobre os recursos ambientais, respondendo por 39,9% do total de pontos alcançados, sendo que os reflexos sobre a qualidade da água e do ar são menos expressivos. O maior peso do impacto ambiental dessas indústrias sobre os recursos ambientais reflete a opção equivocada pelos investimentos tradicionais representados pelas madeireiras, pecuária de corte e indústrias de transformação ao invés de contemplar projetos com maior sustentabilidade e menos impactantes, tais como a produção de fármacos e o ecoturismo. Esta opção equivocada reproduz uma economia arcaica onde os ecossistemas, e as riquezas naturais, são explorados de forma rápida e completa, obtendo o máximo de retorno econômico no curto prazo em detrimento de um processo sustentável que poderia produzir riquezas continuamente. O potencial da biodiversidade dos ecossistemas da Amazônia é pouco explorado de modo geral, sendo que a extinta SUDAM aprovou apenas 3 projetos na área de fármacos durante o período de 1991 a 2000 com investimento total de apenas R$ 49,12 milhões, valor muito pequeno para fazer frente ao modelo de ocupação que vem sendo realizado na região. Os Estados Unidos alocam centenas de milhões de dólares anualmente em pesquisa de substâncias ativas para fabricação de remédios sendo que 25 % destes utilizam substâncias derivadas de vegetais. O ecoturismo naquele país, ancorado no seu sistema de Parques Nacionais, proporciona, a cada ano, a geração de 200.000 empregos, uma receita de U$ 10 bilhões e o deslocamento de 270 milhões de visitantes. O modelo de desenvolvimento a ser adotado para a Amazônia, considerando sua singularidade e importância estratégica, exige ponderação, pesquisa e, sobretudo, coragem para encontrar novas perspectivas e rumos que conciliem o imperativo do crescimento econômico com a necessidade de preservar os interesses maiores da sociedade.