Muros que ainda resistem Por Roberto Freire* Confira abaixo artigo do presidente nacional do PPS, Roberto Freire, sobre os 20 anos da queda do muro de Berlim publicado pelo jornal Brasil Econômico, em caderno especial. No texto, Freire diz que o fato histórico "estabeleceu uma outra realidade e possibilitou a insurgência de novos paradigmas no campo da esquerda". Estava em campanha a presidente em 1989, e ia fazer um discurso na Câmara Federal defendendo a derrubada do muro, visto já não ter o menor sentido político sua existência, depois do esforço de Gorbatchov de tentar, por meio da Perestroika e da Glasnost, um aggiornamento do modelo soviético de socialismo. Mas internamente, no PCB, mesmo que fosse majoritário o apoio a esse movimento, tínhamos muitas dificuldades de assumir publicamente essas posições por conta das divisões que então reinavam no Partidão, e em amplas parcelas da esquerda brasileira. O fato é que por conta disso não fiz o discurso, onde, pela primeira vez, exporíamos nossa posição sobre esse fato crucial para as esquerdas e para os comunistas, em particular. Em todo caso, o fato histórico e político da queda do muro de Berlim estabeleceu uma outra realidade e possibilitou a insurgência de novos paradigmas no campo da esquerda. O modelo soviético de materialização do socialismo, baseado, fundamentalmente, na “ditadura do proletariado”, como idealizado por Lênin, e na existência de um partido, conceitualmente “parte”, transformado no todo na prática, por seu domínio sobre o Estado, foi superado pela História, da mesma maneira que os jacobinos da revolução francesa também o foram. Para todos ficou claro que o Socialismo sem as liberdades formais já consagradas, universalmente, não tem condições de prosperar, a não ser pela instauração de ditaduras. O que coloca para a esquerda democrática a necessidade de uma nova percepção da realidade, não mais fundada nos estreitos domínios da concepção da luta de classes, mas da importância da diversidade cultural e do permanente fortalecimento do processo democrático, a partir de um amplo e profundo movimento de reformas permanentes, que tem nas condições reais de vida do cidadão, desde seu local de moradia, de trabalho e estudo, o lócus do processo de mudança, por excelência. Nesse sentido, ser revolucionário, hoje, é ser radicalmente democrático. Esse aspecto é muito importante: Durante mais de 150 anos, tínhamos claro que o socialismo seria uma conquista da classe operária, em sua luta pela construção de uma sociedade fundada sobre a lógica do trabalho, e não do capital. Com as profundas mudanças que estamos assistindo das forças produtivas, efetivada pela incessante revolução científicotecnológica, o proletariado, paulatinamente, perde relevância histórica como agente de mudança política, e a própria percepção do conceito de classe, começa a ser relativizado. Essa a grande angústia das forças de esquerda, seu paradigma básico sofreu uma mudança irreversível. A emergência de novos atores e questões sociais evidenciam tal transformação. As lutas de gênero, e suas novas demandas, fruto de sua crescente emancipação política desde o pósguerra. Os problemas que envolvem o desenvolvimento da juventude, desde a questão da educação, da oferta de emprego, até os problemas da violência e das drogas. A questão da vertiginosa mudança do perfil demográfico das populações, com o consistente envelhecimento das populações, coloca a necessidade de profundas transformações desde a concepção arquitetônica das cidades, até a angustiante questão da previdência social. Se levarmos em conta os novos desafios postos pelo modo de produção vigente, sob o domínio e a lógica do capital, perceberemos como a questão do aquecimento global e do meio ambiente, de um lado, e a questão da distribuição da riqueza produzida socialmente, de outro, bem como a profunda e crescente desigualdade entre as nações estabelecem uma agenda global que precisa ser enfrentada, principalmente no rastro da crise financeira que eclodiu em outubro do ano passado, que ainda estamos sentindo suas conseqüências e que necessitará de uma ação coordenada de âmbito global, para superá-la. A questão central é que os problemas humanos estão “socializados”... Nossa tarefa, agora, é “socializar” as soluções. Em todo caso, penso que, no futuro, quando os estudiosos pesquisarem o século XX e analisarem as motivações por trás da queda do muro de Berlin e das transformações sociais que proporcionaram, não poderão deixar de relacionar tal fato com a queda da Bastilha. E os imensos “muros” que ainda temos que por a baixo. O da intolerância religiosa, em um mundo cada vez mais laico. O do preconceito étnico e cultural em um momento em que trânsito humano adquire velocidade inédita na história. O incomensurável muro da pobreza que tem confinado mais de dois terços da humanidade em uma vida marcada pela exploração e violência. A queda do muro de Berlin sepulta um modelo de socialismo, mas não o Socialismo como ideal histórico da humanidade. Isso ficará evidente quando a liberdade em seu desenvolvimento universal confrontar-se com o inescapável desafio da igualdade, em um mundo em que as questões da governança global coloca-se como um problema relacionado com a própria sobrevivência do gênero humano. *Roberto Freire é advogado e Presidente Nacional do Partido Popular Socialista – PPS Fonte: jornal Brasil Econômico,