ISSN: 2362-3365 II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA): DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES1 3 – Movimientos Sociales y Conflictos en la Frontera / Movimentos Sociais e Conflitos na Fronteira A APROPRIAÇÃO DA TERRA E CONFLITOS NA FRONTEIRA ENTRE O BRASIL E O PARAGUAI Douglas Cristian COELHO Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Marechal Cândido Rondon Bolsista CAPES [email protected] João Edmilson FABRINI Professor dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Marechal Cândido Rondon joã[email protected] Resumo O objetivo deste artigo é apresentar as discussões iniciais referentes a pesquisa de mestrado em andamento na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, intitulada “A Apropriação da Terra e Acumulação Rentista na Fronteira entre o Brasil e o Paraguai”. A questão agrária da fronteira entre Brasil e Paraguai é extremamente conflituosa. Verificam-se graves irregularidades na apropriação das terras paraguaias, principalmente, no decorrer da ditadura do General Alfredo Stroessner (1954-1989). Os benefícios do Estado paraguaio ao setor latifundiário proporcionou ao país o título da maior concentração fundiária do mundo. Nesse contexto, emergem nos espaços fronteiriços, problemáticas sociais o que tem gerado graves desigualdades socioeconômicas entre o campesinato (brasiguaio e paraguaio) e os representantes do agronegócio. As desigualdades estão caracterizadas pela expropriação, expulsão e opressão dos camponeses. A ilegalidade nas posses das propriedades e a expansão das relações capitalistas na agricultura regida pelo agronegócio da soja têm intensificado os problemas nos territórios de fronteira. Palavras Chave: Apropriação da terra; Acumulação rentista; Fronteira; Brasiguaios; Agronegócio. 1 Editor: Facultad De Humanidades y Ciencias Sociales (FHyCS) Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Direccion: Oficina de Relaciones Internacionales – 1er piso Biblioteca, Calle Tucuman 1946, Posadas, Misiones, CPA: N3300BSP, Correo electrónico: [email protected] 1 Introdução A questão agrária está diretamente relacionada à apropriação concentrada da terra. A concentração da posse da terra é uma característica do campo brasileiro e paraguaio, sobretudo do espaço de fronteira entre os dois países. Neste espaço de fronteira grande parte das terras paraguaias foi apropriada por fazendeiros e em menor proporção por pequenos proprietários (camponeses) brasileiros. A apropriação das terras paraguaias da fronteira entre o Brasil e o Paraguai é marcada pela ilegalidade. Este processo se constitui num expediente da acumulação capitalista rentista feita por proprietários fundiários e empresas rurais de agronegócio. Em contraponto à apropriação concentrada e ilegal de terras paraguaias estão os campesinos paraguaios e camponeses brasileiros, os brasiguaios, que por diferentes processos se veem impossibilitados de acessar ou se manter na terra. A apropriação concentrada e ilegal de terras paraguaias da fronteira se intensificou na segunda metade do século XX com o início da ditadura do General Stroessner (1954). A reaproximação do Paraguai com o Estado brasileiro nesse período marcou também a nova dinâmica político-econômica do Paraguai para facilitar os mecanismos de alcance do progresso e crescimento da Nação no mercado externo. Para tanto, firmaram-se acordos de cooperação entre os Estados nacionais. Nesse contexto, o General Stroessner implantou o projeto chamado de Marcha al Leste com a finalidade de ocupação do território na fronteira com o Brasil. Seu projeto de governo foi implementado em sintonia com interesses da expansão das relações capitalistas. Neste contexto ocorreu a aquisição de grandes áreas de terras por empresas estrangeiras, brasileiras, principalmente, no território paraguaio. As características naturais dos solos no Leste paraguaio impulsionaram a ocupação das terras por camponeses brasileiros, expropriados do campo pelo processo de modernização agrícola que se intensificou no Brasil a partir de 1970. O crescimento acelerado na ocupação das terras férteis do Paraguai agrava a especulação imobiliária por empresas colonizadoras e cresce os problemas de irregularidade e grilagens de terra. Os problemas sociais se intensificaram e os brasiguaios que praticavam a agricultura arrendando e/ou adquirindo títulos de terras do então Instituto do Bienestar Rural – IBR foram expulsos destas terras em vista das irregularidades na documentação. Os brasiguaios que adquiriram terras griladas também foram expropriados ou expulsos. Grande parte destes retornou ao Brasil, aumentando as fileiras no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, os outros se transformaram em empregados de fazendeiros no Paraguai. Verifica-se a continuidade desse processo de expropriação e expulsão de brasiguaios nos dias atuais no Leste do Paraguai, especificamente no Departamento de Alto Paraná e Canindeyú devido à exploração capitalista rentista. 2 Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar algumas considerações sobre o processo de apropriação das terras no Leste paraguaio, realizada em grande parte de forma irregular o que tem proporcionado o aumento das desigualdades sociais e vem intensificando os conflitos entre camponeses (brasiguaios e paraguaios) e os representantes do agronegócio pelas posses das propriedades nos espaço de fronteira. O trabalho de campo será realizado com aplicação de questionários e entrevistas aos camponeses brasiguaios expropriados e expulsos da fronteira (Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú), que atualmente residem nos municípios de Santa Helena, Pato Bragado e Marechal Cândido Rondon localizados na região Oeste do Paraná. O Processo de apropriação da terra na fronteira Leste do Paraguai Para entender a questão agrária no Brasil e no Paraguai, sua estrutura e as relações inerentes ao processo de desenvolvimento do capital no campo precisamos levar em consideração sua totalidade, ou seja, os elementos que compreendem o conjunto das forças sócio-político e econômicas que determinam os rumos do desenvolvimento do processo capitalista na agricultura entre os países no decorrer, principalmente, do século XX e no início do século XXI. As configurações dos espaços de fronteira entre Brasil e Paraguai são extremamente vinculadas aos novos rumos que o processo de modernização da agricultura, iniciada, no território brasileiro e “exportada” ao campo paraguaio a partir da década de 1980. As alterações na base técnica da agricultura brasileira proporcionaram novos rearranjos produtivos, condicionando a expropriação de milhares de camponeses que foram sendo absorvidos pelas propriedades maiores, pois, possuíam maiores condições de absorver os pacotes técnico/tecnológico impostos pelos monopólios industriais presentes na agricultura “moderna”. De acordo com Batista (1990), No Paraná a desestruturação rural foi marcante com a alteração da estrutura fundiária e modificação do sistema agrícola com a introdução de uma política modernizadora, voltada aos interesses da acumulação capitalista. As pequenas propriedades, com área entre 10 a 15 hectares e até menores, foram incorporadas por empresários ou subordinadas a estes. Passara a predominar áreas de no mínimo 50 hectares, substituindo grande parte dos cafezais por cultivos de soja e trigo (p. 17). A reorganização das propriedades rurais a partir da década de 1960 promoveu intensa expropriação e expulsão de camponeses, levando-os a busca de novas terras disponíveis para cultivo. Além da expropriação e expulsão de camponeses pelas propriedades maiores, tivemos nesse período, a extensão da consolidação das leis trabalhistas (CLT) aos trabalhadores rurais. As pequenas propriedades foram praticamente 3 impedidas pela lei de regularização e cumprimentos dos custos sociais dos trabalhadores agregados. Esse quadro aumentou ainda mais o percentual de trabalhadores rurais e boiasfrias. No entanto, foi a partir de 1970 que o Estado brasileiro intensifica a política integracionista, internacionalizando os produtos do mercado interno. Para tanto, priorizou-se áreas de expansão agropecuária e agrícola, visando transformar o país num grande exportador destes produtos (BATISTA, 1990). As políticas de internacionalização da economia e as estratégias do Estado brasileiro em dar suporte ao forte processo industrial estavam assentadas na exportação de produtos agrícolas, principalmente a soja. Isso levou ao forte incentivo para modernização das propriedades agrícolas e a transformação destas, em empresas rurais. Ademais, nesse período também, permitiu-se a entrada de grandes empresas estrangeiras no mercado de terras e agravou-se a concentração fundiária promovendo a crescente expropriação e expulsão camponesa que, para sobrevivência, migrou para os países fronteiriços como: Paraguai, Argentina, Uruguai, Bolívia e Venezuela. Batista (1990) destaca os principais elementos que caracterizaram o processo de emigração camponesa para o Paraguai. Aponta os conflitos entre jagunços e pequenos agricultores no Sudoeste paranaense que disputavam as terras da união que a companhia de colonização Clevelândia Industrial e Territorial Ltda. - CITLA havia incorporado de forma ilegal a sua propriedade, pois, estas terras já estavam ocupadas por posseiros. Dessa forma, “foram principalmente os conflitos de terras, a mecanização da lavoura e o casamento dos filhos da família camponesa no Brasil que provocaram a busca de terras pelos brasileiros no Paraguai” (p. 21). Devido os conflitos de terras no lado brasileiro e a necessidade de buscar novas áreas que permitissem melhorar as condições de vida dos camponeses brasileiros se intensifica o processo migratório ao Paraguai. Nesse contexto, a emigração brasileira em terras paraguaias foi muito significante a partir da década de 1970. A exploração das terras paraguaias pelos colonos brasileiros ocorria, inicialmente, pela forma de arrendamento de terras do Instituto de Bienestar Rural – IBR, mediante o pagamento de uma taxa anual pelo uso da terra. Outros arrendavam terras de grandes latifundiários paraguaios e brasileiros, ou apenas trabalhavam como empregados destas fazendas. (BATISTA, 1990). Batista (1990) destaca dois momentos principais do processo de emigração brasileira ao território paraguaio, entre 1950 e 1969 e outro entre 1970 e 1979. No primeiro ciclo foram emigrações pontuais e que eram atraídas pela fertilidade do solo e o baixo preço das terras. Concentravam-se nas Colônias de Santa Rosa, Naranjal, Katuete, General Diaz, Gleba 4, 4 Cedralez, Corpus Cristi e La Paloma. O quadro 1 apresenta os números do processo migratório de brasileiros ao Paraguai entre os anos de 1950 a 1984. Destacam-se os anos de 1970 a 1979 como o período de maior entrada de brasileiros no Paraguai. Os expressivos números (77,2 %) do total de emigração estão atrelados ao processo perverso da modernização da agricultura brasileira e também aos incentivos ao cultivo da soja em terras paraguaias e as desapropriações da Itaipu Binacional. QUADRO 1 – Percentual de entrada de emigrantes brasileiros no Paraguai entre 1950-1984 1950 a 1969 1970 a 1974 1975 a 1979 1980 a 1984 Fonte: Batista, 1990. 4,0 % 31,2 % 46,0 % 18,8 % Verifica-se na tabela a forte redução da emigração no último período (1980 a 1984), isso evidencia que o mesmo processo de modernização agrícola já começava a se intensificar no território paraguaio, com a mesma perversidade anteriormente ocorrida no lado brasileiro. Começava-se o esgotamento das terras baratas e férteis e conjuntamente a mecanização que se acentuava, eliminava grande parte da mão de obra. Ademais, a concentração fundiária expropriava de forma legal ou, principalmente violenta os pequenos agricultores brasileiros que ali se instalaram com o sonho de produzir na terra. Como já destacado anteriormente, o processo de internacionalização da economia brasileira iniciada no governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1960) e dada sequência pelos governos militares se relacionaram decisivamente com o governo paraguaio, conduzido pelo General Alfredo Stroessner. Segundo Gonçalves (2012) o General Stroessner foi fortemente financiado pelos interesses dos Estados Unidos da América - EUA no impedimento da difusão das ideias comunistas na região. Com o aporte financeiro dos EUA, começou a colocar em prática o chamado “Plano de Crescimento para Fora” que visava aumentar a presença dos produtos paraguaios no mercado externo. Para tanto, o presidente Stroessner a partir de 1960 elegeu a Região Oriental do território paraguaio, o Departamento de Alto Paraná, área de interesse geopolítico e econômico devido à possibilidade de ligação com o mercado internacional via Brasil, especificamente, em Foz do Iguaçu – PR. Assim, firmaram-se acordos bilaterais entre Brasil e Paraguai para que se intensificassem os projetos de interesse de ambos os países. Como o Departamento de Alto Paraná possuía grande parte da área coberta com mata nativa e as terras serem de fertilidade semelhante ao do Oeste paranaense, 5 vislumbrou-se o grande potencial produtivo desta região, inicialmente pela extração de madeira e posteriormente a implantação da agricultura mecanizada. Para por em prática o projeto de colonização, promoveu-se a venda destas terras a colonizadoras brasileiras, norte-americanas e japonesas a chamada “Marcha al Leste”. O projeto estava assentado nos ideais de progresso e modernização capitalista e o Estado paraguaio realizaria a ordenação do território conjuntamente aos interesses do capital privado (GONÇALVES, 2012). No primeiro momento os camponeses brasileiros, principalmente, nordestinos, foram influenciados pelas empresas colonizadoras a migrarem ao Paraguai com o discurso da falta de mão de obra local. Seus trabalhos tinham a finalidade de derrubada da mata e o preparo do solo para agricultura moderna. Nos anos iniciais a exploração da madeira e o seu contrabando com os comerciantes da fronteira, permitiu aos brasileiros o necessário para seu sustento e o de sua família. No entanto, o General Stroessner alterou sua política em meados de 1969 devido à verificação que os solos estavam aptos a receberem o cultivo da agricultura mecanizada. Porém, os brasileiros nordestinos não possuíam capital para compra das terras e nem tinham o hábito desta prática agrícola (GONÇALVES, 2012). A alternativa foi promover a vinda de colonos sulinos que possuíam potencial de compra das terras e já praticavam a agricultura mecanizada em solo brasileiro. O governo paraguaio, como forma de atrair estes colonos, implantou vários incentivos a emigração sulista, destacando-se: Oferta de tierras de mucho menor costo que el sur del Brasil; Facilidades de crédito oferecidas por el gobierno paraguayo para producción agropecuaria; Impuestos para exportación de produtos muy inferior a los vigentes em el Brasil; Interés de los capitalistas brasileños por intervir em Paraguay em compra de tierras y extración de maderas; Expansión capitalista de la agricultura del sur brasileño (soja) generando problemas sociales; Mayor acercamiento político-económico entre Paraguay y Brasil a partir de Itaipú y otras obras de ingeniería (BERNALT apud GONÇALVES, 2012, p. 38). Com todos esses benefícios do Estado paraguaio, grande contingente de camponeses sulistas e, em especial, os expropriados da construção de Itaipu emigraram as terras paraguaias e iniciaram vida nova. Além disso, a grande procura pelas terras pelos agricultores brasileiros proporcionou o processo de especulação das terras por empresas colonizadoras vinculadas a latifundiários brasileiros e paraguaios. Isso proporcionou e tem proporcionado irregularidades na apropriação destas terras. De acordo com Batista (1990) juntamente com as irregularidades na apropriação das terras, os camponeses brasiguaios que praticavam a agricultura no formato de arrendamento de terras do IBR (atual INDERT - Instituto Nacional de Desarollo Rural y de 6 laTierra) foram vítimas das especulações das colonizadoras que adquiram as posses das terras do IBR, na maioria das vezes de forma fraudulenta. Deste modo, foram expulsos de suas terras e apenas quem conseguiu o título por meio da compra e regularização no cartório de Assunção permanecia na terra. Ainda o autor ressalta, “os pobres foram transformando-se em agregados, parceiros, enquanto várias famílias começaram a pensar no retorno ao Brasil” (p. 22). Neste contexto, se configura o espaço de fronteira entre Brasil e Paraguai. Região de intensa conflitualidade entre os camponeses e o agronegócio. A fronteira é marcada pelas configurações originadas dos grupos sociais que nela se reproduzem ou lutam para que isso aconteça. O conceito de fronteira remete-nos a expansão das relações capitalistas na sociedade contemporânea e a necessidade de domínio de territórios e a garantia da reprodução do sistema capitalista. Os espaços de fronteira estão relacionados aos territórios a ele identificados. De um lado, território brasileiro e de outro território paraguaio. Mas além dos territórios nacionais, se exprimem outros: o do camponês brasiguaio e do agronegócio de brasileiros no Leste (fronteira) do Paraguai. Em suma, o território exprime significados de poder e domínio de outros. Em específico, no Leste paraguaio, apresentam-se os atores hegemônicos do agronegócio na pretensão de expropriar e/ou expulsar de forma violenta os camponeses brasiguaios. Segundo Fabrini (2012), os brasiguaios são sujeitos forjados no espaço de fronteira. Seus territórios e as territorialidades se fazem presentes tanto no Brasil (Oeste paranaense e Sul de Mato Grosso do Sul), quanto no Leste paraguaio (Departamentos de Alto Paraná, Canindeyú, Amambay e Concepción). Como apontado a fronteira é o espaço do conflito, das lutas sociais e territoriais entre indivíduos, categorias ou grupos hegemônicos e hegemonizados. Mas não é apenas nos conflitos, na exploração e opressão, dentre outras que se molda a fronteira. As relações sociais na fronteira são contraditórias, se de um lado temos os desencontros, os inúmeros conflitos de diversas naturezas, de outro, apresentam-se os encontros, dos costumes, das culturas, das identidades que se agregam e se configuram nas relações de classes. Nesse contexto, os territórios fronteiriços entre Brasil e Paraguai estão mescladas relações de poder, costumes, culturas, identidades e, sobretudo, estratégias de resistência dos camponeses enquanto sujeitos sociais. Outra característica marcante da fronteira é a acumulação rentista da propriedade da terra. A renda da terra é um conceito fundamental para entender a realidade agrária ou urbana, pois a terra entra como elemento importante na sua formação. Dentro da Economia Política a renda da terra é uma categoria especial, é lucro extraordinário, suplementar e 7 permanente acima do lucro médio. Representa a mais-valia, porém, diferencia-se da que gerada na indústria, pois na agricultura ela é permanente, basta ter a propriedade da terra que o proprietário passa a auferir renda (OLIVEIRA, 2007). Dessa forma, a renda fundiária é o elemento principal para se interpretar o processo de concentração da propriedade da terra nos espaços de fronteira. Dessa concentração resulta a renda da terra absoluta que é resultado do monopólio da propriedade da terra, em que uma classe cobra um tributo a toda sociedade para colocá-la para produzir. O monopólio da propriedade da terra tem-se agravado na fronteira entre Brasil e Paraguai e o para seu fortalecimento, os proprietários fundiários se utilizam da ilegalidade na apropriação da terra, a grilagem, irregularidades na documentação, o que tem levado a expropriação e expulsão até mesmo violenta de camponeses brasiguaios e paraguaios na fronteira Leste do país vizinho – Paraguai. Os brasiguaios e o agronegócio no Paraguai Os brasiguaios são sujeitos forjados nos espaços de fronteira (Brasil e Paraguai), “meio paraguaios e meio brasileiros”. Segundo o entendimento do senso comum, afirmado insistentemente pela mídia, todo brasileiro que vive no Paraguai é brasiguaio. Nessa compreensão, são brasiguaios desde os pequenos agricultores, passando pelos despossuídos de terra e emprego, até os grandes empresários do agronegócio, produtores de soja. No entanto, a conceituação do sujeito “meio brasileiro e meio paraguaio” é melhor representada se considerarmos as condições sociais, políticas e econômicas. Nesse sentido, é possível discorrer que, de fato, o elemento central que configura os sujeitos brasiguaios não é a nacionalidade (brasileira) e a identidade, mas sim, a classe social a que pertence os indivíduos. Logo, os grandes empresários rurais, produtores de soja, não se identificam enquanto brasiguaios, mas como “brasileiros no Paraguai”. Nesse sentido, sistematizamos a categoria brasiguaio que, na região estudada, é mais visível, ou seja, brasiguaios são os pobres que foram para o Paraguai, porque foram excluídos da terra em seu país de origem. Alguns conseguiram ascender socialmente e a maioria não conseguiu, tendo muitos destes retornado ao Brasil em condições ainda piores de quando migraram. Tal situação é diferente dos grandes proprietários de terra, os conhecidos “brasileiros no Paraguai”, que, na região norte do Departamento de Alto Paraná, não são designados como brasiguaios. O grande definidor do ser “brasiguaio”, além da resistência no tocante a permanência na terra é a classe social a que esse sujeito pertence (FERRARI, 2008, p. 110-111). Assim, pode-se afirmar que os pequenos agricultores, os sem terra e trabalho são marginalizados pela condição de classe a que pertencem e não pela nacionalidade. Os grandes produtores de soja, principalmente, não tem sentimento de pertencimento ao lugar. 8 Atuam apenas como exploradores dos meios de produção (neste caso a terra) e, em certa medida, impõem sua cultura, costumes e tradições em terras estrangeiras. Os fazendeiros brasileiros que migraram ao Paraguai no passado (década de 1970 e 1980), incentivados pelas terras férteis e baratas para exploração agropecuária nos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú, principalmente, nos dias atuais, além desses, há empresários do agronegócio que adquirem ou arrendam terras para o monocultivo até no Chaco, Misiones e departamentos interiores. A principal exploração monocultura realizada pelos empresários do agronegócio ocorre com cultivo da soja. Mais de 90 % da produção do cereal vem dos “agricultores brasileiros” e tem ocorrido intensa ampliação na área e quantidade (toneladas) produzida nas últimas duas décadas. Segundo Cassol (2009), utilizando-se de dados da Câmara Paraguaia Superior de Exportadores de Cereais e Oleaginosas (Capeco), o Paraguai produziu soja em uma área superior a 2,6 milhões de hectares, alcançando a marca de seis milhões de toneladas, garantindo a quarta posição no comércio internacional de soja. Entre 1996 a 2006, houve um crescimento superior a 270% da área plantada de soja. Entretanto, a expansão da produção de soja no Paraguai tem provocado inúmeros problemas sociais, devido à expropriação e expulsão de milhares de camponeses (brasiguaios e paraguaios) que não conseguem se inserir nos moldes da agricultura mecanizada e, para buscar melhores condições de vida tem retornado para o lado brasileiro ou tentado a vida nas cidades paraguaias. O meio ambiente também tem sido prejudicado com o avanço da produção de soja no Paraguai. Dentre os efeitos danosos destacam-se: a contaminação das nascentes, córregos, atmosfera, solo etc. Muitas comunidades rurais têm sido atingidas pelas aplicações de agrotóxicos, prejudicando as lavouras de subsistência e gerando graves problemas de saúde aos camponeses. Nesse contexto, o agronegócio tem-se desenvolvido em terras paraguaias, marcado pela hegemonia da condição social, econômica, política e cultural. A hegemonia está sendo afirmada pelo monopólio da propriedade da terra. O Paraguai apresenta o maior índice de concentração fundiária do mundo. Cerca de 1% dos proprietários possuem 77% das terras agricultáveis. Estas condições perversas inerentes ao modelo do agronegócio da soja tem provocado grande insatisfação pelos movimentos camponeses paraguaios. Diversos conflitos e disputas pela terra entre fazendeiros e campesinos têm ocorrido nos últimos anos e se intensificaram com a eleição e posse de Fernando Lugo como presidente do Paraguai. Com a chegada de Fernando Lugo ao cargo de presidente do Paraguai no ano de 2008, representou a ruptura da hegemonia de mais de 60 anos do Partido Colorado e a esperança de melhorias nas condições sociais e econômicas do Paraguai. O Presidente 9 eleito também chamado de “bispo vermelho”, adepto e seguidor da Teologia da Libertação tinha a responsabilidade de comandar a sociedade paraguaia a saída do atraso, defendendo ampla reforma agrária e avanços nas políticas sociais. A partir desse momento, os movimentos sociais, principalmente os vinculados às lutas pela terra – os campesinos fortaleceram os enfrentamentos aos grandes latifundiários em grande parte, brasileiros e em menor parcela paraguaios, com a finalidade de democratizar o acesso a terra, tendo em vista que o Paraguai é o país com a maior concentração fundiária do mundo. Contudo, o poder político e econômico dos grandes latifundiários e das grandes multinacionais do agronegócio desgastou o governo de Fernando Lugo, principalmente, devido à intensificação dos conflitos agrários. Estes conflitos, somado àquele que resultou na morte de 17 pessoas em Curuguaty, no Departamento de Canindeyú, em junho de 2012, foram um dos principais motivadores da derrubada de Lugo da presidência do Paraguai num “golpe parlamentar” apoiado pelos latifundiários da soja, representados na Câmara e Senado paraguaios (FABRINI, 2012). No entanto, muda-se o governo, mas, verifica-se a continuidade dos conflitos pela posse da terra, materializados pela expropriação, opressão e principalmente, expulsão de brasiguaios do Leste do Paraguai. Na matéria publicada no jornal O Paraná2 intitulada “Brasiguaios são expulsos de terras e vêm ao Oeste” fica explicita essa situação: Durou apenas alguns meses a trégua entre brasiguaios e autoridades paraguaias em torno de uma polêmica sobre os verdadeiros proprietários das terras ocupadas pelos agricultores brasileiros estabelecidos no Paraguai há mais de 40 anos. Nesta semana, cerca de 30 famílias de brasiguaios foram expulsas de suas propriedades na Colônia de Marangatu, no Paraguai, que faz divisa com a cidade paranaense de Pato Bragado, na Costa Oeste. Temendo pela integridade física, os agricultores brasileiros deixaram tudo para trás e agora exigem uma intervenção diplomática por parte do Brasil. O clima é de tensão, uma vez que muitas famílias ainda resistem em deixar suas propriedades, apesar das ameaças constantes feitas pelos policiais paraguaios a mando de latifundiários. Essa é a versão apresentada pelas famílias que buscaram refúgio na casa de amigos e familiares na região Oeste (grifo nosso). Percebe-se que a fronteira Leste do Paraguai se apresenta como conflituosa. Verifica-se que, apesar deste espaço agrário se configurar pela ilegalidade dos títulos imobiliários, o monopólio da propriedade da terra e exploração da renda da terra está na centralidade deste problema e das disputas pelos territórios. Considerações Finais A questão fundiária nos espaços de fronteira entre o Brasil e o Paraguai é extremamente conflituosa. O processo de ocupação do território paraguaio proporcionado 2 Fonte: Jornal “O Paraná”, 08 de Junho de 2013, p. B1. 10 pelo Estado favoreceu, principalmente, a entrada de empresas colonizadoras estrangeiras, como também de latifundiários, em grande parte brasileiros e, em menor número de camponeses paraguaios e brasileiros, estes últimos, expropriados pela modernização agrícola que se intensificava no território brasileiro e também com a construção da hidrelétrica de Itaipu. Esse contexto favoreceu intensa migração de camponeses brasileiros ao Leste do Paraguai, principalmente, nas décadas de 1970 e 1980. Porém, a modernização da agricultura e a forte concentração de terra começam a se tornar entraves a reprodução camponesa no País. A partir de então, na década de 1980 ocorre a intensificação da expropriação e expulsão de posseiros, meeiros, arrendatários e pequenos proprietários camponeses que não conseguiram se inserir na agricultura mecanizada. Assim, parte dos brasiguaios começa a retornar ao Brasil e organizam-se nos acampamentos do MST com intenção de conseguir um pedaço de terra. Contudo, a frágil e precária institucionalização, a ausência do Estado na garantia de direitos e, principalmente a irregularidade na documentação das terras, tem se apresentado como determinantes, senão os principais, no processo de expropriação e expulsão dos camponeses brasiguaios. Ademais, o Estado paraguaio tem posicionado ou se omitido em favor dos grandes latifundiários em detrimento dos agricultores camponeses. Este cenário de disputas entre camponeses brasiguaios, paraguaios e os proprietários empresários do agronegócio pela posse da terra estão no centro desse processo. Cabe, então, a Geografia desvendar o emaranhado de interesses e disputas, econômicas, sociais, políticas e culturais presentes nos territórios fronteiriços. Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, José Lindomar C. A Dinâmica das Fronteiras: os brasiguaios na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. São Paulo, Annablume, 2010. BATISTA, Luiz Carlos. 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