acórdão - Ministério Público

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
OS
Nº 70015751746
2006/CÍVEL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
DISPOSITIVO DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE
LAGOA VERMELHA QUE CONDICIONA A PERDA DO
MANDATO DE VEREADOR AO VOTO FAVORÁVEL DE
DOIS TERÇOS DOS MEMBROS DA CÂMARA
MUNICIPAL. VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDO, POR OFENSA AOS ARTIGOS 55 DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E 55, § 2º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
AÇÃO
DIRETA
DE
INCONSTITUCIONALIDADE
JULGADA PROCEDENTE.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
ÓRGÃO ESPECIAL
Nº 70015751746
PORTO ALEGRE
MESA DIRETORA DA CAMARA MUNICIPAL
VEREADORES DE LAGOA VERMELHA
MUNICÍPIO DE LAGOA VERMELHA
PROCURADOR GERAL DO ESTADO
DE
REQUERENTE
REQUERIDO
INTERESSADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do
Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar procedente a ação
direta de inconstitucionalidade.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE),
DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA, DES. JOSÉ EUGÊNIO
TEDESCO, DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, DES.
RANOLFO VIEIRA, DES. VLADIMIR GIACOMUZZI, DES. ARAKEN DE
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ASSIS, DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA,
DES. DANÚBIO EDON
FRANCO, DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, DES. JOÃO CARLOS
BRANCO CARDOSO, DES. ALFREDO FOERSTER, DES. JORGE LUÍS
DALL´AGNOL, DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (IMPEDIDO), DES.
ROQUE MIGUEL FANK, DES. LEO LIMA, DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE
CAMARGO, DES. ARNO WERLANG, DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI,
DES. GUINTHER SPODE, DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, DES.
NEREU GIACOMOLLI E DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO.
Porto Alegre, 16 de outubro de 2006.
DES. OSVALDO STEFANELLO,
Relator.
RELATÓRIO
DES. OSVALDO STEFANELLO (RELATOR)
1.
A
MESA
DIRETORA
DA
CÂMARA
MUNICIPAL
DE
VEREADORES DE LAGOA VERMELHA, representada pelos Vereadores
Alvício José Teles, presidente, Adriano Carvalho Dolzan, vice-presidente, e
Celso
Webber,
secretário,
propõe
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade, tendo por objeto a retirada do ordenamento
jurídico do artigo 59, § 1º, alínea “e”, da Lei Orgânica do Município, segundo o
qual a decretação da perda de mandato de vereador dependerá do voto de
dois terços dos vereadores.
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Segundo as razões, a inconstitucionalidade se ostenta na lesão
ao princípio da simetria da LOM para com as Constituições Federal e Estadual,
na medida em que o referido dispositivo afronta o artigo 55, § 2º, da Carta
Magna, e artigo 55, caput, da Constituição Estadual, os quais exigem, para
perda do mandato de Deputado Federal, Senador e Deputado Estadual,
respectivamente, o voto da maioria absoluta dos membros da respectiva Casa.
Refere que o dispositivo atacado é contrário também ao artigo 64
da própria Lei Orgânica do Município de Lagoa Vermelha, que regulamenta a
matéria e guarda perfeita simetria constitucional, isso porque estabelece
maioria absoluta de votos para a perda do mandato de vereador. No mesmo
sentido é o artigo 223 do Regimento Interno da Câmara Municipal de
Vereadores (Resolução 631/04). Discorre acerca da incerteza jurídica gerada
pelo dispositivo tachado de inconstitucional, assinalando a presença dos
requisitos autorizadores da concessão de medida liminar para sustar os efeitos
do artigo impugnado, até decisão final. Ao final, requer seja declarado
inconstitucional o dispositivo acima citado. Junta documentos. (fls. 14-151).
Às fls. 154-157 deferi a liminar postulada, para suspender a
eficácia do dispositivo legal questionado.
Notificado, o Sr. Prefeito Municipal manifesta-se à fl. 169,
postulando a procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.
A Dra. Procuradora-Geral do Estado, consoante a determinação
do § 4º do art. 95 da Constituição Estadual, pugna pela manutenção da
totalidade da lei impugnada. (fl. 174).
O excelentíssimo Procurador-Geral de Justiça, em seu parecer
final, fls. 176-177, requer a procedência da ADIn.
É o relatório.
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VOTO
DES. OSVALDO STEFANELLO (RELATOR)
2. Eminentes Desembargadores:
Ao
despachar
a
liminar,
concedendo-a
para
suspender
liminarmente a eficácia do art. 59, § 1º, alínea “e”, da Lei Orgânica do Município
de Lagoa Vermelha, por ferir os artigos 55 da Constituição Estadual e 55, § 2º,
da Constituição Federal, praticamente decidi a sorte desta Ação Direta de
Inconstitucionalidade, razão por que transcrevo a fundamentação que lancei
naquela oportunidade como razões de decidir:
“Não há dúvidas a respeito da competência desta Corte
para julgar a presente ação. É alegada, na petição inicial, violação
direta de lei municipal a dispositivo da Constituição Estadual.
Cabe, portanto, a esta Corte Estadual de Justiça, nos termos do
art. 95, XII, “d”, da Carta Estadual, apreciar a presente ADIn.
No tocante à legitimidade ativa, registro que a Mesa da
Câmara
de
legitimidade
Vereadores,
para
devidamente
propor
a
presente
representada,
ação
direta
tem
de
inconstitucionalidade, nos termos do art. 95, §2º, IV da Carta
Estadual.
Quanto à concessão de liminar em ação direta de
inconstitucionalidade, é consabida a possibilidade de deferimento
quando pareça verossímil a alegação de incompatibilidade entre a
norma e a Constituição (fumus boni iuris) e, ademais, haja razões
sérias
para
temer
que
a
respectiva
aplicação
produza
conseqüências graves, irreversíveis ou dificilmente reversíveis
(periculum in mora).
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Feitas tais considerações, adianto que o caso em exame
autoriza o deferimento da liminar pleiteada até o definitivo
pronunciamento do Órgão Especial, isso porque o dispositivo
questionado apresenta-se, já à primeira vista, inconstitucional.
Com efeito, está configurada, na espécie, a plausibilidade
da argumentação da proponente, padecendo o dispositivo legal
contestado do apontado vício da inconstitucionalidade, na medida
em que a estrutura federativa brasileira não concede aos
Estados-Membros e aos Municípios autonomia ilimitada para se
auto-organizarem, devendo, dessa feita, em obediência ao
princípio da simetria, observarem as regras previstas na
Constituição da República quanto à organização políticoadministrativa da União e reproduzi-las no âmbito estadual e
municipal.
E, nesse sentido, é justamente a previsão constante do art.
1º, da Constituição Estadual, que disciplina a obrigatoriedade de
observância por parte dos Municípios dos preceitos fundamentais
consagrados e reconhecidos pela Carta Magna, sendo que o art.
8º, do mesmo Diploma, estabelece que “O Município, dotado de
autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei
orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.” (grifei)
Destarte, sobreleva assinalar a similitude das funções
exercidas pela Mesa da Câmara Municipal em relação às
pertinentes à Mesa das Assembléias Legislativas ou das Casas
do Congresso Nacional, entendimento este que está em sintonia
com a doutrina de Mayr Godoy, em sua obra “A Câmara
Municipal e o seu Regimento Interno (Edição Universitária de
Direito, SP, 4ª ed.,1995, p. 76), dispondo que: “ Como
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características definidas, a Mesa da Câmara Municipal exerce
funções de sua competência, garantidas as proporções, à idêntica
similitude das Mesa das Assembléias Legislativas ou das Casas
do Congresso Nacional”.
Nesta linha, impende traçar um paralelo entre as
disposições da Constituição Federal e Estadual sobre a matéria
ora em exame, qual seja, quorum necessário para a perda do
mandato de vereador.
A Constituição Federal tem a seguinte previsão sobre a
perda do mandato do Deputado ou Senador:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou
Senador:
I - que infringir qualquer das proibições
estabelecidas no artigo anterior;
II
cujo
procedimento
for
declarado
incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada
sessão legislativa, à terça parte das
sessões ordinárias da Casa a que pertencer,
salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os
direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral,
nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em
sentença transitada em julgado.
§ 1º - É incompatível com o decoro
parlamentar, além dos casos definidos no
regimento interno, o abuso das prerrogativas
asseguradas a membro do Congresso Nacional
ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a
perda do mandato será decidida pela Câmara
dos Deputados ou pelo Senado Federal, por
voto secreto e maioria absoluta, mediante
provocação da respectiva Mesa ou de partido
político representado no Congresso Nacional,
assegurada ampla defesa.
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§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a
V, a perda será declarada pela Mesa da Casa
respectiva, de ofício ou mediante provocação
de qualquer de seus membros, ou de partido
político representado no Congresso Nacional,
assegurada ampla defesa.
Por sua vez, no âmbito estadual, a previsão constitucional,
atendendo ao princípio da simetria, tem o mesmo conteúdo,
verbis:
Art. 55. Aplicam-se aos Deputados as regras
da
Constituição
Federal
sobre
inviolabilidade,
imunidades,
remuneração,
perda de mandato, licença, impedimento e
incorporação às Forças Armadas.
E a mesma previsão encontra-se na Lei Orgânica do
Município de Lagoa Vermelha, senão vejamos:
Art. 64. Perderá o Mandato o Vereador:
I - que infringir qualquer das proibições
estabelecidas no artigo anterior;
II – que proceder de modo incompatível com a
dignidade da Câmara ou que faltar com o
decorro na sua conduta pública;
III – que deixar d e comparecer , em cada
sessão legislativa, à terça parte das
sessões ordinárias da Câmara,salvo licença
ou missão por esta autorizada;
IV - que, findo o período de licença, não
comparecer às reuniões;
V – que perder ou tiver suspensos os
direitos políticos;
VI – que tiver o mandato cassado pela
Justiça Eleitoral;
VII – que sofrer condenação criminal em
sentença transitada em julgado;
VIII – que utilizar-se (sic) do mandato para
atos
de
corrupção,de
improbidade
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administrativa
ou
atentatórios
às
instituições vigentes;
IX – que fixar domicílio fora do Município.
§ 1º (...)
§ 2º. Nos casos dos incisos I, II, VI, VIII
e IX, a perda do mandato será decidida pela
Câmara, por voto secreto e maioria absoluta,
mediante provocação da Mesa ou de partido
político representado na Câmara, assegurada
a ampla defesa.
Pelo que dessume, os textos reproduzidos da Carta Maior
e do respectivo Estado-Membro, contêm idêntico preceito, no
sentido de que para perda do mandato exigi-se a maioria absoluta
de
votos dos membros
integrantes da
Casa
Legislativa
respectiva.
No caso em exame, a legislação municipal deveria
obedecer o modelo traçado pela Carta Estadual, a qual, por sua
vez, guarda perfeita simetria com a Constituição Federal. No
entanto, a legislação municipal preconiza que “Dependem do voto
favorável de, no mínimo, dois terços dos membros da Câmara
Municipal:” e) perda de mandato de Vereador.
Desta forma, a Lei Orgânica do Município de Lagoa
Vermelha ao estabelecer, em seu art. 59, § 1º, alínea “e”, a
necessidade de voto de dois terços dos membros da Câmara
Municipal para perda de mandato de vereador, colide com o
artigo 55 da Carta Estadual.
Entendo presente, a autorizar a concessão da liminar
pleiteada, também o periculum in mora, tendo em vista que o
dispositivo ora impugnado por certo dificulta à proponente o pleno
exercício de suas funções, notadamente quanto à preservação da
disciplina interna por parte de seus membros.
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3. Por tais fundamentos, presentes o ‘fumus boni juris’ e o
‘periculum
in
mora’,
demonstráveis
de
plano,
suspendo
liminarmente a eficácia do art. 59, § 1º, alínea “e”, da Lei Orgânica
do Município de Lagoa Vermelha, por ferir os artigos 55 da
Constituição Estadual e 55, § 2º, da Constituição Federal.”
O parecer ministerial, da lavra do exmo. Procurador-Geral de
Justiça, Dr. Roberto Bandeira Pereira, segue a mesma diretriz, destacando
que:
“Como se sabe, as Leis Orgânicas dos Municípios devem
ser
elaboradas
tendo
como
parâmetro
as
normas
hierarquicamente superiores. A Lei Orgânica de Lagoa Vermelha,
no entanto, ao condicionar a perda de mandato de vereador ao
voto favorável de dois terços dos membros da Câmara Municipal,
afrontou o art. 55 da Constituição Estadual e o art. 55, § 2º, da
Constituição Federal.
(...)
Como
constitucionais,
se
não
a
bastasse
norma
a
impugnada,
afronta
ao
aos
ser
artigos
analisada
conjuntamente com o art. 64 da Lei Orgânica Municipal, gera
contradição entre ambos, visto que este, em seu § 2º, exige, em
perfeita consonância com os dispositivos constitucionais, a
maioria absoluta para que haja a perda de mandato de vereador.”
3. ANTE O EXPOSTO, voto no sentido de julgar procedente a
ação para declarar inconstitucional a alínea “e” do parágrafo 1º do art. 59 da
Lei Orgânica do Município de Lagoa Vermelha, eis que vulnerados os artigos
55 da Constituição Estadual e 55, § 2º, da Constituição Federal.
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É o voto.
TODOS OS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O
RELATOR.
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA - PRESIDENTE - AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70015751746, PORTO ALEGRE:
"JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME". NÃO PARTICIPOU DO
JULGAMENTO, POR MOTIVO JUSTIFICADO, O DESEMBARGADOR VASCO
DELLA GIUSTINA.
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